Projeto Correios 350 Anos
Depoimento de Hedler de Aguiar da Silveira Martins
Entrevistado por Júlia Wagner Pereira
Rio de Janeiro 23/11/2013
Realização Museu da Pessoa
BRA_CB025_Hedler de Aguiar da Silveira Martins
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Bom, pra gente come...Continuar leitura
Projeto Correios 350 Anos
Depoimento de Hedler de Aguiar da Silveira Martins
Entrevistado por Júlia Wagner Pereira
Rio de Janeiro 23/11/2013
Realização Museu da Pessoa
BRA_CB025_Hedler de Aguiar da Silveira Martins
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Bom, pra gente começar, eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Bem, eu me chamo Hedler de Aguiar da Silveira Martins, nasci em Itaocara, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 25 de março de 1960.
P/1 – O senhor morou em Itaocara até quantos anos?
R – Não, eu não morei em Itaocara. Foi um nascimento, vamos dizer assim, programado, porque a minha falecida mãe na época tinha perdido um filho e aí, para ter mais segurança no nascimento do novo filho, resolveu ir ter perto da mãe dela. Então foi ter em Itaocara, porque ela tinha perdido um irmão. O meu irmão, que eu não conheci, faleceu, inclusive uma situação muito dramática, que marcou o resto da vida dela todo. Então ela resolveu nascer lá em Itaocara, porque ela era de Itaocara, Jaguarembé, um distrito de Itaocara, então fomos ter lá no hospital às margens do Rio Paraíba do Sul, lá próxima da mãezinha dela, a Eulália. Foi esse o motivo de eu nascer em Itaocara. Depois eu passei a viver em Niterói, onde ela tinha casa.
P/1 – Então sua família era de Niterói, seu pai e sua mãe.
R – Não. Não. Meu pai é português. Migrou para o Brasil na década de 50, com 23 anos. E a minha mãe também com 23 anos, se conheceram em Niterói numa pensão, que não existe mais hoje, na Rua Barão do Amazonas, e aí resolveram constituir uma vida em comum. Aí nasceu em 1951 o meu irmão, Tito de Aguiar da Silveira Martins, depois veio esse irmão que faleceu, e lá por volta dos 33 anos eles resolveram, tanto um como o outro, resolveram então ter outro filho em razão da perda desse meu irmão. Por isso que eu fui lá pra Itaocara. Nasci em Itaocara por causa disso, que ela é de Itaocara.
P/1 – Entendi. Interessante. E depois do nascimento ela voltou com o senhor...
R – Sim. Aí vivemos ali em Itaocara, onde eu fiz todo o meu estudo. Comecei no jardim de infância, que eu moro em Niterói, no Bairro do Fonseca, aí fiz o jardim de infância no Bairro da Riodades, jardim de infância Curso Pinguim. Dali, depois, fui pra um colégio público chamado Grupo Escolar Noronha Santos, naquela época era primário, não havia essa divisão de estudos que é hoje. Depois fiz o ginásio num colégio lá no próprio bairro chamado Colégio Brasil, que hoje se chama Condomínio Solar do Barão, que ficou preservada uma casa antiga, que era uma fazenda, o Fonseca foi uma fazenda, e a sede da fazenda era o Solar do Barão. Então, o Colégio Brasil ficou lá. De lá, eu passei para o Instituto ___00:03:20____, fiz o que se chamava de segundo grau, na época. Primeiro era ginásio, mas aí eu peguei a reforma educacional. Aí eu passei a fazer o científico, fiz o vestibular, o vestibular unificado do Cesgranrio em 1977 e passei pra Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde eu comecei um curso de Geologia, o qual não concluí. Não tive condições de concluir por problemas psicológicos. Eu acho que eu não tava bem preparado pra universidade, então houve certa frustração com o curso. Aí se passou certo... Mais uns dois ou três anos, foi em 1977, aí eu resolvi estudar inglês, resolvi estudar francês, e me foi útil depois no futuro nas viagens em que prendi. E depois resolvi fazer Direito. Fiz então a faculdade de Direito na Universidade Federal Fluminense, o curso era de cinco anos, eu fiz em quatro anos e meio. Eu fui o primeiro aluno da faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. E depois de formado em Direito, resolvi fazer Pedagogia, que a minha mãe era professora e eu tinha uma ligação muito grande com essa questão de ensino, porque todos os dias quando ela chegava a casa, contava a questão das aulas e tal, então fiz Pedagogia e fiz na licenciatura em matérias pedagógicas e em supervisão escolar. Mas como magistério paga pouco, então tive que traçar a minha vida pra parte do Direito. Fiz concurso público para o Tribunal de Justiça em 1991, aí passei a trabalhar lá como técnico judiciário juramentado, hoje o nome se chama analista judiciário, e de estagiário cheguei a escrivão. Hoje eu sou escrivão, que agora se chama chefe de serventia, da Primeira Vara Cível da Comarca de São João do Meriti, na Baixada Fluminense, um município pobre, cujo dito a gente tem uma população muito carente. É considerado um município que tem maior população per capita... Por espaço físico, não per capita, perdão, por espaço físico da América Latina. Então é uma população extremamente carente, a gente atende muito a parte que trabalha com justiça gratuita, pra levantamento de PIS/Pasep, PIS, entrar com alvará na justiça, inventários de residências muito pobres, enfim, é...
P/1 – Trabalho duro.
R – É um trabalho duro. Eu tenho dez mil processos pra gerenciar somente com cerca de nove funcionários, é uma luta diária. Eu chego a trabalhar de 12 a 14 horas por dia entre sair de casa e voltar pra casa, isso de segunda a sexta-feira. É uma labuta do dia-a-dia.
P/1 – Mas deixe-me voltar bastante. Na escola.
R – Na escola?
P/1 – Vamos voltar pra escola. Não importam os colégios, tal, tinha alguma disciplina que o senhor gostava mais, um professor?
R – Sim. Eu gostava muito mais de Geografia. Geografia. Mas até comprei na época uns fascículos que havia nas bancas de jornais, da Abril Cultural, que se chamava Geografia Ilustrada. E aí naquela época eu abri esse livro e vi o Monte São Michel na França. Aí até disse assim: “Um dia que vou lá a esse Monte São Michel”. E de fato fui, em 1999, realizei um sonho. Que realizar sonhos é importante pra se desenvolver a sua vida e daqueles que estão em volta, porque a sua alegria acaba contagiando a dos outros. Então a professora de Geografia que me incentivou e eu fiz isso, e tal. Mas uma professora que me marcou, e que eu continuo até hoje, é a dona Vera Banenberg, que foi uma professora de desenho que eu tive. E fiz um encontro com ela agora nesse mês de novembro... Nós estamos no mês de novembro, corrente, nós nos conhecemos há 40 anos, ela, a professora, e o meu colega Lupércio, desde 1973.
P/1 – Esse colega era de escola?
R – Era de escola, da mesma turma do ginásio lá, Colégio Brasil.
P/1 – E você ainda mantém contato com ele?
R – Mantenho contato com ele e mantenho contato com essa professora praticamente uma vez por ano, apesar de a gente já ter... Ela mudou de residência algumas vezes, ele também tem uma história de vida e tal, também se modificou.
P/1 – E o bairro? O senhor lembra como era o bairro nessa época?
R – O bairro era bastante calmo, com menos carros do que tem hoje. Hoje a Alameda São Boaventura foi transformado num corredor de passagem para a região dos lagos, e na época era menos quantidade de carros, ainda havia paralelepípedos. O ônibus ainda havia trocador, eu lembro que quando eu ia para o Colégio Brasil, eu pagava nas moedinhas, recebia a ficha. Havia a figura do trocador, que hoje quase não existe. Hoje a gente paga o ônibus com bilhete único. E foi, digamos assim, um feito e tanto eu ir para o colégio sozinho, com dez anos de idade, pagar o dinheiro ao trocador, e não ao motorista. Que hoje em dia também, quando não tem o cartão, a gente paga o dinheiro ao motorista.
P/1 – E brincadeiras? O senhor lembra algum tipo de brincadeira da época, de rua, de casa?
R – Eu gostava muito de andar de bicicleta. De bicicleta, andava no bairro, as ruas eram de terra, não eram asfaltadas. A iluminação era uma iluminação pobre assim, uns candeeiros com lâmpada, essa lâmpada incandescente. Depois que as coisas melhoraram, vieram os postes de concreto, a luz, hoje, que é uma luz amarela, igual aquela que tem na Ponte Rio Niterói que eu não lembro o nome. E a cidade, que era uma cidade mais tranquila, se tornou violenta, não era conforme era, não. Que na minha rua as senhoras botavam as cadeiras e iam pra porta conversar, bater o papo no final da tarde. Nada disso existe mais, levantaram-se muros, grades. A própria vila, eu moro numa vilazinha, não havia o portão que tem hoje. A vila era uma vila que se entrava. E tinham uns banquinhos, na minha casa ainda se preserva um banquinho ainda com caramanchão.
P/1 – Você mora na mesma casa que o senhor nasceu?
R – Eu moro na mesma casa desde que nasci. Eu tenho 53 anos, nasci em Itaocara em 1960, e aí fui pra lá e fiquei lá morando. Já sofreu alguma reforma, já se mudou o telhado, mas a casa é a mesma. Atualmente eu moro lá com o meu pai, que tem 87 anos, fez agora aniversário no dia 19 de novembro. E perdi a minha mãe, infelizmente, esse ano, no dia 26 de agosto, que tinha 86 anos. Que o casal foi casado durante 63 anos.
P/1 – História de vida, né?
R – Ela foi professora primária durante muitos anos, ela se formou no Liceu de uma unidade de Campos, foi uma nomeação prêmio, depois veio aqui com 23 anos, se encontrou com o papai na tal pensão, depois veio trabalhar aqui em Niterói em diversos colégios, inclusive no Noronha Santos, onde eu estudei.
P/1 – O senhor na infância chegou a escrever cartas? Correspondia-se com alguém? Tinha...
R – Sim. Escrevi cartas, sim. Para os meus avôs em Portugal, para o meu irmão, que se formou no Centro de Instrução Almirante Graça Aranha, ele foi oficial da Marinha Mercante durante muitos anos e correu ao Mediterrâneo, foi aos Estados Unidos de navio, navio de carga. Então ele foi segundo piloto, primeiro piloto, imediato, e depois chegou a comandante. Então eu fazia cartas pra ele.
P/1 – Mas recebia notícias do...
R – Recebi... Das viagens. E aconselhava o que ele devia ver, que apesar de trabalhar, a pessoa visitava esses países todos: Itália, França, Espanha.
P/1 – E com a família em Portugal, como eram essas correspondências?
R – A família em Portugal ficava mais a cargo de papai. Papai é que escrevia mais pra Portugal e tal. Eu não tinha muito contato com os meus avôs por escrito, apenas ele fazia o relato das cartas, eles mandavam uns jornais, mandavam uns jornais assim embrulhados, aí vinham umas amendoazinhas dentro. Vinham amêndoas, mandavam uns... Depois os meus avôs chegaram a vir para o Brasil em 1972. Passaram aqui o ano de 1972 e 73. Vieram pra ficar, os meu avôs paternos, mas não se adaptaram à vida no Brasil e voltaram pra lá. Depois vieram a falecer. Eu só depois os vi novamente nos túmulos deles, que em 1994 eu voltei com papai pra lá. Depois de 40 anos de Brasil, fomos visitar lá o local onde ele nasceu em Lisboa, o túmulo do meu avô, o túmulo da minha avó. O meu avô foi herói lá em Portugal, ele era pertencente à Guarda Republicana e ele foi ferido em combate, porque ele era contra o regime salazarista. Então depois de morto, ele foi homenageado pelo Governo português por ter lutado contra o salazarismo. Então foi homenageado pós-morte.
P/1 – E vocês foram ver essa...
R – Fomos lá e estivemos no túmulo em que ele está enterrado, em Lisboa. Ele na época não foi reconhecido, inclusive tinha platina na perna etc. e tal, foi reconhecido pós-morte. A minha avó ainda era viva, aí foi homenageado.
P/1 – Havia algum ritual pra leitura dessas cartas? Ele lia pra vocês?
R – Ah, sim. Todas as vezes que as cartas chegavam era um horário que a gente tinha um momento. Inclusive, naquela época os correios entregavam cartas aos domingos. O carteiro tinha um quepezinho, usava um quepezinho, tipo um quepe militar e era um uniforme cáqui. Nós ficávamos bastante ansiosos. As cartas chegavam aos domingos e a gente fazia leitura das cartas em casa.
P/1 – E o que trouxe o senhor a esse evento de filatelia?
R – Olha, essa professora, Vera Banenberg, a qual eu conheci, a mãe dela tinha um acúmulo de selos, isso lá pelos idos de 1973. Essa acumulação de selos me foi passado por ela após o falecimento da mãe. Eu já em 1980 já me interessava e passei a comprar selo nos Correios no dia do lançamento e tal. Aí então fui desenvolvendo esse gosto. Aí fui à Brasiliana 1973, à Brasiliana em 1979, que foi no Passo Imperial, à Brasiliana 1993, inclusive vinha com a minha mãe, com o meu pai.
P/1 – Um colecionador antigo?
R – Já. Já venho assim... Eu não me considero, propriamente dito, um colecionador, porque eu não ponho a minha coleção pra exposição, até porque é uma coisa mais modesta, mas eu estou sempre presente, participo dos lançamentos de selos, de carimbos. Fiz sugestão de selos aos Correios, as quais algumas delas foram acatadas, certamente porque outras pessoas também devem ter sugerido.
P/1 – E como é a sua coleção? Descreva-a pra gente bem rapidinho. O que ela tem? Qual é a...
R – Olha, é uma coleção centrada em selos do Brasil, que vai do Império, República, e os selos comemorativos, praticamente em ordem cronológica, do primeiro selo que saiu em 1900, que é o centenário do descobrimento do Brasil, até os mais atuais, que estão saindo. Eu tenho feito isso com bastante esforço, porque é caro. Colecionar selos é caro (risos), não é barato.
P/1 – Tem algum selo que é mais especial para o senhor, que marca, que tem alguma diferença em relação aos outros, que o senhor gosta mais?
R – Olha, eu gosto muito de selos de cunho social. Quando o Correio faz campanhas, campanha de combate à AIDS, campanha contra as mais diferentes formas, por exemplo, de combate ao racismo, campanha contra o tabagismo. Eu fico mais focado a essa questão social, porque praticamente no local de trabalho que eu faço é com trabalho social, então é minha...
P/1 – O olhar.
R – O meu olhar é mais nesse sentido. Mas é lógico que selos sobre a fauna, flora do Brasil, que divulga a nossa fauna e a nossa flora. Que às vezes nossas crianças conhecem girafa e não conhecem um tamanduá. Eu gosto muito e o Correio tem tido esse trabalho de divulgar esse tipo de coisa, é muito interessante. Divulga a cultura brasileira, de um modo geral.
P/1 – E o que o senhor achou de dar esse depoimento pra gente?
R – Eu a achei bastante interessante preservar esse tipo de depoimento, dos mais diferentes tipos de pessoas e matizes. Achei interessante. Ontem eu já tinha conversado com a menina que estava aqui e ela falou: “Amanhã vão colher depoimentos”. Eu falei: “Se eu tiver a oportunidade de ir lá amanhã, se eu puder eu vou dar o depoimento, um pouquinho de história de vida de um brasileiro”.
P/1 – Bacana. Eu agradeço muito a oportunidade, a disposição do senhor de dividir essa história com a gente, com a gente e com o Brasil, que isso vai poder ser acessado por todos. Agradeço e só tenho a parabenizá-lo por tudo.
P/1 – Eu que agradeço a vocês de terem essa brilhante ideia de colher isso pra ficar pra posteridade aí, ter um cunho até sociológico, as pessoas observarem os valores das pessoas, o que elas pensam, o que elas fazem, do momento histórico que a gente vive. Não é isso? Acho importante isso. Pena que no passado a tecnologia não tenha tido essa capacidade de preservar dessa forma.
P/1 – Mas é por isso que a oralidade é tão importante, a gente pega as memórias dos antigos por isso, o que um contava para o outro.
R – Isso. É importantíssimo.
P/1 – Maravilha. É um prazer.
R – É um prazer pra você também, tá?
P/1 – Obrigada.
R – Parabéns aí a vocês.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas em grafia de nomes e trechos:
R – De lá, eu passei para o Instituto ___00:03:20____, fiz o que se chamava de segundo grau na época. Página 1Recolher