IDENTIFICAÇÃO Angela Gutierrez, eu nasci em Belo Horizonte, em 15 de setembro de 1950. Eu fiz um curso normal, como se costumava fazer na minha época. Depois fiz um curso de Administração, com especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas. TRAJETÓRIA PROFISSI...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Angela Gutierrez, eu nasci em Belo Horizonte, em 15 de setembro de 1950. Eu fiz um curso normal, como se costumava fazer na minha época. Depois fiz um curso de Administração, com especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu me formei no curso normal e fui dar aula na periferia de Belo Horizonte. Fui professora de alfabetização de adultos. Eu gostava de dar aulas, por isso escolhi esse curso. Gostava de ensinar e alfabetizar os adultos. Foi algo me marcou muito, eu gostei muito desse trabalho. Eu fui uma professora muito dedicada. Existia um método que se chamava Dom Bosco – um método de alfabetização de adultos criado por um padre salesiano – e eu investi nesse método, aprendi a usá-lo e fui uma ótima professora. Depois de uns três anos nesse trabalho, surgiu o Mobral, e eu fui convocada, fiz parte da primeira turma de professores voluntários do Mobral. E passei a lecionar pelo método Mobral. Um ponto interessante da minha vida profissional foi ter a minha vida ligada aos problemas da periferia de uma grande cidade, aos problemas sociais. Acho que começou aí e começou muito bem.
PRESIDENTE DO INSTITUTO FLÁVIO GUTIERREZ É uma longa história. Fui andando por aí ao longo da minha vida sempre preocupada com esses problemas que acabei de falar e tendo outras atividades profissionais, mas sempre preocupada com a memória brasileira, com a preservação dessa memória. Eu sou estudiosa do barroco brasileiro, dediquei a minha vida inteira a esse trabalho. Criei em 1998 o Museu do Oratório, em Ouro Preto, doando uma coleção de oratórios brasileiros e imagens barrocas, que eu fiz durante a minha vida. Quando eu criei esse museu, achei necessário o Instituto Cultural, ele nasceu aí. As peças foram doadas para o patrimônio publico, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN. Então, como presidente daquele Instituto, eu passei a ser gestora do museu. Depois continuei me aprofundando nesse estudo do passado brasileiro e já me foquei na minha coleção de artes e ofícios. Daí surgiu o segundo museu.
HOMENAGEM AO PAI Foi uma homenagem muito justa, porque a minha vida de pesquisadora, de estudiosa sobre o barroco, a minha vida de colecionadora da arte antiga brasileira, tem tudo a ver com ele, foi uma herança do meu pai. Ele era engenheiro, um homem de ciências exatas, mas que ao mesmo tempo foi uma pessoa extremamente sensível em relação ao passado e a história do Brasil. Ele colecionava arte brasileira, a arte antiga brasileira, e foi ele que me passou essa paixão e esse amor por esse tipo de trabalho. Quando resolvi criar o Instituto achei que nada era mais justo do que dar ao Instituto o seu nome.
MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS / ACERVO Depois que eu doei a coleção dos oratórios para o patrimônio publico, eu fiquei meio sozinha naquela minha vida de colecionadora. O espaço físico onde eu trabalhava os oratórios ficou vazio, literalmente, porque eles foram para Ouro Preto. Eu comecei a me organizar dentro do que tinha. Eu me dei conta de que tinha uma pequena coleção de artes e ofícios, e voltei meu trabalho pra esse universo, o universo do trabalho no Brasil, desde as primeiras épocas até a fase pré-industrial. Eu me organizei dentro desse trabalho de pesquisa, de busca, de procura, de garimpagem, como ouço dizer algumas vezes, e acho que essa palavra é adequada. Andei pelo Brasil inteiro juntando peças que depois se configuraram como o primeiro acervo de artes e ofícios.
MAO / LOCALIZAÇÃO Eu procurei um espaço em Belo Horizonte, que tivesse um acesso muito fácil ao trabalhador, ao grande publico, porque o Museu de Artes e Ofícios é um museu do trabalho. Eu achava que devia colocar esse Museu num espaço de fácil acessibilidade para as pessoas que transitam no centro da cidade. Quem transita ali é exatamente esse publico. Comecei a procurar os espaços no centro e cheguei à Estação, um prédio belíssimo. São dois prédios do princípio do século. Belo Horizonte é uma cidade bastante jovem. As duas estações, a primeira e a segunda, eram patrimônios bastante degradados, mas por outro lado estavam num lugar importantíssimo, central: o ponto final de todos os ônibus e a estação central do metrô ficam praticamente ao lado do Museu.
A Companhia Brasileira de Trens Urbanos está lá; é uma estação bastante movimentada, há planos para ela ser duplicada. Então, é um lugar onde existe uma efervescência de público, com as pessoas que eu sempre achei que deveriam ter acesso a esse Museu. Eu consegui fazer um trabalho mesmo, uma luta, pra que esse espaço viesse a ser o Museu de Artes e Ofícios. O trabalho foi, inicialmente, junto à própria CBTU, que felizmente teve sensibilidade e entendeu que aquele espaço se prestaria bem para o uso público. Depois de várias tramitações no Ministério da Cultura, também tive um apoio enorme do Ministério, graças a Deus, e finalmente a Prefeitura de Belo Horizonte, que está ali administrando aquele centro complicado e cheio de problemas, nos deu, a mim e a minha equipe de trabalho, um apoio muito grande. E assim surgiu o MAO no centro de Belo Horizonte.
MAO / RESTAURAÇÃO DA SEDE Quando eu cheguei ali, o prédio estava totalmente desocupado e degredado, estava em péssimas condições, com pinturas perdidas. É um prédio muito rico arquitetonicamente, mas estava em péssimo estado de conservação. Nós trabalhamos dois anos e meio, praticamente, com foco na restauração. O prédio é do principio do século, e corresponde àquela arquitetura que existe aqui no Rio, aos prédios da Praça XV, e aos prédios da Praça da Sé em São Paulo, acho que isso ilustra bem. É aquilo que se construía no Brasil naquela época, quando Belo Horizonte estava nascendo. Há um traçado bonito da cidade ali no centro e a localização da Estação é privilegiada. Mas nós tivemos um trabalho enorme para recuperar. Os dois prédios tiveram o braço do imigrante, especialmente o italiano, que trabalharam duro ali, tanto na parte de metais, ferro, bronze, quanto na parte dos vidros, vitral. Enfim, tivemos o braço do imigrante colaborando muito para a construção da Estação. Depois fomos atrás dos descendentes desses imigrantes pra nos ajudar a recuperar o que estava feito ali: ladrilhos e cerâmicas. Foi um bom trabalho.
PRAÇA DA ESTAÇÃO O museu alavancou, na verdade uma grande obra da Prefeitura de Belo Horizonte, que foi a praça em si. Quando eu comecei a restauração, a praça estava completamente degradada também, era um local impossível de ser usado por pessoas normais, era um espaço até temido pelas pessoas. Com a obra do museu andando e acontecendo, a Prefeitura então se armou de todas as ferramentas necessárias e reconstruiu a praça, era um projeto de mais de quinze anos que estava engavetado na Prefeitura: uma grande praça com iluminação, com banco, com telefone público, um espaço realmente de confraternização, um espaço de lazer. E isso funcionou maravilhosamente bem, porque o Museu foi ficando pronto e, ao mesmo tempo, a Prefeitura entrou com a praça, que coroou aquele projeto. Hoje nós temos ali, realmente, um local privilegiado. O impacto foi enorme dentro da vida do cidadão belo horizontino. Muitas pessoas trafegam naquele centro, não habitam o centro, mas trabalham ou passam pelo centro em busca do trabalho, vão e voltam usando os metrôs ou o ponto final dos ônibus e das lotações. Então, o impacto foi muito grande, um impacto positivo, maravilhoso. O local degradado, que inspirava medo e apavorava as pessoas, de repente passou a ser esse espaço de confraternização.
MAO / PROJETO MUSEOGRÁFICO O projeto museográfico é de um francês chamado Pierre Catel, um grande nome na Europa, um museógrafo bastante respeitado, fez parte de equipes famosas e importantes, ele montou grandes museus na Europa. Esse museógrafo trabalhou entre 1996 e 1998 em Ouro Preto, montando o Museu do Oratório. Depois ele foi contratado, pelo sucesso do Museu do Oratório, pra fazer uma revitalização no Museu da Inconfidência em Ouro Preto. Quando eu resolvi doar a coleção e montar esse museu com a ajuda do Ministério da Cultura e de todos os parceiros que tive numa primeira hora, fui atrás dele outra vez. Ele veio, trabalhou com muita paixão, com muito amor e com muita dedicação, nos ajudando na montagem.
ACERVO DO MAO O acervo é composto de 2.237 peças, que hoje já tem 80 peças a mais, mas eu me mantenho nesse número porque no dia cinco ou seis de janeiro nós fizemos um ano de funcionamento e, oficialmente, a doação naquela data foi de 2.237 peças. Esse acervo foi todo proveniente de doações de uma coleção minha, particular, que transformei em patrimônio público. A nossa primeira preocupação é com o acervo permanente. É um acervo riquíssimo, que dá margem a uma série de trabalhos. Temos projetos educativos com escolas de ensino fundamental com várias vertentes desse acervo. As educadoras são iniciadas, vamos dizer assim, naquele primeiro processo do mundo do trabalho, escolhem a vertente que elas querem explorar com seus alunos. A nossa primeira preocupação foi explorar o nosso acervo.
MAO / EXPOSIÇÕES Nesse primeiro ano de funcionamento, apesar de todas as dificuldades para implantar esse museu e arrancar com ele, no início de trabalho nós conseguimos fazer uma exposição do Sebastião Salgado, que foi um sucesso de público, uma exposição maravilhosa. Ele veio da Europa, esteve presente, fez palestras, fez conferências, deu uma atenção enorme pra grupos de estudantes jovens. Foi um sucesso Eu tive um público enorme nessa exposição. Encerramos o ano com uma exposição de esculturas de Camile Claudel. Foi um trabalho bonito em torno dessa escultora fabulosa, e também foi um sucesso.
Temos alguns planos pra 2007. Sempre procuramos que as nossas exposições tenham a ver com o universo do trabalho, que é o mote do museu. Nós vamos fazer nesse primeiro semestre uma exposição interessantíssima com cabaças. É todo um trabalho que foi feito ao longo dos anos aproveitando esse presente da natureza, que são as cabaças brasileiras pra mil e uma utilidades diferentes. Para acompanhar essa exposição, montaremos oficinas pra ensinar as pessoas a trabalharem daquela forma com essas peças É uma parceira com o Museu do Folclore do Rio de Janeiro, uma primeira parceira que eu acredito que vá longe.
PÚBLICO ALVO E PROJETOS SOCIAIS O público alvo é o cidadão brasileiro. Nós temos um trabalho educativo focado em escolas de ensino fundamental. São escolas de curso primário que estão ali trabalhando com as educadoras, com a nossa equipe, em cima desse tema do trabalho. E temos tido ali, também, um público enorme de estudantes de curso superior, de universidades. É muito grande o número de alunos que vão ali.
OFICINAS DE CAPACITAÇÃO Temos junto com a Prefeitura de Belo Horizonte um trabalho, junto com a Secretaria Municipal de Educação, fizemos um trabalho de parceria, com todas as escolas públicas da rede municipal. Embora tenhamos também escolas particulares, várias. Mas o nosso foco é em cima das escolas públicas. Agora, com o último braço do museu ficando pronto, teremos um espaço dedicado às oficinas, se Deus quiser até o final do ano já estará pronto e funcionando. Teremos espaços para oficinas de capacitação da mão-de-obra de jovens na área de restauração e outras possibilidades de oficinas. Essa vai ser a primeira. A questão das oficinas é um caminho maravilhoso. É um caminho onde vamos pegar jovens carentes da periferia da cidade ou não. É um trabalho conveniado com a Prefeitura, nesse sentido, até pra seleção e encaminhamento desses jovens, para ensiná-los a trabalhar. Não temos a pretensão de fazer cursos com uma duração muito longa e nem que exijam muito. São cursos relativamente pequenos, que darão a esses jovens condições de serem assessores de e assistentes de restauradores. É um começo. Temos também o oficio da ourivesaria, que é uma tradição em Minas; se Deus quiser, vamos fazer uma bela oficina de qualificação de mão-de-obra nessa área e em várias outras. Todos os ofícios que estão ali mostrados se prestam a oficinas: carpintaria, tecelagem. Eu acho que com o espaço ficando pronto agora, dentro de mais uns dois ou três meses, nós vamos ter condições de colocar esse museu realmente nesse circuito.
FIO DA MEADA Existe esse projeto educativo, que começou em janeiro, quando o museu foi inaugurado, que se chama “’Fio da Meada”’. Nós temos uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação pra criarmos esse link com as escolas da rede pública, é o nosso foco. Esse projeto funcionou o ano inteiro e foi maravilhoso. Um outro projeto que também funcionou com o patrocínio da Petrobras, além do educativo para crianças de ensino fundamental, foi um projeto chamado EJA, que é um projeto inicialmente do Governo Federal, que depois ele se municipaliza. E no caso de Belo Horizonte acontece isso, a Prefeitura assimila o projeto no momento certo que isso deve acontecer, que é a alfabetização – você vê que eu sempre volto a isso, eu sou coerente pelo menos – de jovens entre 25 e 80 anos. Esses jovens de 25 a 80 anos tem feito do Museu de Artes e Ofícios uma extensão do EJA, e o resultado tem sido maravilhoso, uma troca muito boa e temos aprendido muito com eles. Eles também conhecem o acervo e também se espantam diante da proximidade de uma verdade deles, com a verdade daquele estabelecimento de cultura que é o museu. É uma experiência muito bonita pra nós todos.
INÍCIO DA COLEÇÃO / ORIGEM DO ACERVO A referência museológica eu acho que é o acervo em si. Eu, quando menina, viajava com meu pai, que era colecionador de antiguidades brasileiras. Ele era engenheiro, fazia estradas e nós andávamos pelo interior do Brasil. Minha mãe gostava de antiguidades e usava-se na época esse tipo de peça para decorar as casas, e eu viajava com eles. Quando chegávamos a uma fazenda, com uma sede bonita, que ia ser demolida, ou nas cidades do interior onde alguma casa ia ser demolida pra se construir uma casa nova, especialmente no interior, o meu pai sempre falava: “Vamos na cozinha, ao quintal, vamos ver o que está lá. Porque o que está na sala de visitas ou está dentro das igrejas, será preservado, agora o que está lá dentro é preciso que alguém também goste, que alguém também ame, que também compre e restaure”. A minha mãe ficava na sala cuidando daquelas peças mais convencionais e ele ia pra cozinha e pro quintal. Eu ia com ele. E o que você encontrava? As peças de trabalho, utensílios, engenhocas, ferramentas que constituíam o universo do trabalho de quem habitou ou de quem habitava ainda aquela casa. Por exemplo, se era a casa de um oleiro, todos os apetrechos para fabricar o tijolo estavam no quintal da casa. Se era uma fazenda onde se produzia o queijo no século XVIII, ou cachaça, todos esses apetrechos, todo esse universo do trabalho estava no quintal da casa. Às vezes, andávamos pelas trilhas procurando: “Onde fica a casa mais antiga daqui?”, “A casa mais antiga é essa, doutor”. E ele falava: “Não, mas a outra mais antiga”. E às vezes eu ficava até meio impaciente e falava: “É essa aqui, olha essa casinha do século XVIII”. Ele falava: “Onde tem uma jabuticabeira velha, uma laranjeira velha, onde tem corregozinho, alguma coisa plantada, pode ter certeza que ali teve uma casa mais antiga do que essa que hoje está em pé”. E era isso que acontecia, eu ia com ele pelas trilhas e sempre, invariavelmente, tinha uma pedra de moer, um resto de uma roda d’água. Ele punha aquilo em cima da caminhonete, do caminhão, e saía na maior alegria. Às vezes, ele nem comprava, ele ganhava. E falava: “Está vendo, isso aqui aconteceu antes do que está lá. É preciso guardar, é preciso preservar”. Assim nasceu a idéia, sem ele saber; ele estava plantando uma semente do que viria a ser o primeiro museu brasileiro de artes e ofícios. Foi assim que essa coleção começou. Ele morreu há muitos anos, há 22 anos, e deixou pouquíssimas peças, mas deixou uma paixão acesa em torno desses objetos antigos.
NATUREZA DO ACERVO / IDENTIFICAÇÃO DO PÚBLICO Eu continuei, ao longo da minha vida, indo pros quintais, pras cozinhas, pras trilhas, continuei procurando laranjeiras velhas, mangueiras antigas, um riachozinho, um córrego, e continuei descobrindo o que está lá dentro do museu. E acontece uma coisa importante, eu acho que a principal referência desse museu é a interação maravilhosa que ele cria com uma pessoa comum, com esse cidadão brasileiro, com esse cara, com essa mulher que a vida inteira trabalhou pra sobreviver, que teve um avô que fez tijolo, uma avó que produzia cachaça, uma tia do interior que fazia renda, a mãe que fazia doce pra vender. As pessoas se identificam com o acervo e é um museu que trabalha muito com a emoção das pessoas, e uma emoção muito verdadeira, muito bonita. É muito bonito o contato das pessoas com o acervo, tem um lado de muita emoção, um conteúdo sentimental muito grande. Eu acho que a maior referência, o que mais distingue esse museu, é a natureza desse acervo. É muito comum, a pessoa chegar ali, olhar e falar: “Olha A minha avó fazia isso, torrava farinha num tacho como esse”. E eu acho que isso é muito importante pra nossa gente que é tão sem referência. Cria-se uma identidade absoluta e isso é cidadania. Eu acho que a maior importância desse museu é esse acervo.
ARMAZENAMENTO DA COLEÇÃO Uma loucura Meu pai tinha uma fazenda – temos ainda – no interior de Minas, próximo de Belo Horizonte, que foi antigamente uma fazenda de produção de café. Tínhamos lá umas construções grandes onde se guardava o café no tempo da produção. Eu transformei essas enormes cobertas e galpões em museu. A primeira vez que eu trouxe o museógrafo, ele entrou lá dentro e falou: “Mas você é uma excelente museógrafa. Isso aqui é um museu pronto”. Estava tudo separado por ofícios. Realmente, eu tive a sorte de ter esse espaço, porque não é brincadeira guardar 2.237 peças. Tem peças enormes, uma roda d’água inteira, que ainda funciona, tem carro de boi... Não posso contar, vocês têm que ir lá pra ver.
UNIVERSO DO TRABALHO Ele é voltado pra esse universo. Eu considero que esse universo seja o mais bonito da nossa historia e da nossa cultura. O universo do trabalho feminino, por exemplo, que está ali representado é belíssimo. Como a mulher trabalhou as rendas, os teares, os bordados, a costura, a cozinha, os doces, o queijo, a cachaça, que inicialmente foi um fazer feminino. Os homens procuravam ouro, procuravam pedras, e as mulheres faziam cachaça. Quando terminou o ciclo do ouro, os homens voltaram pra dentro de casa, e a atividade que dava dinheiro era a cachaça. O marido ou o filho mais velho assumiam aquilo, mas o fazer feminino da cachaça foi muito lindo e durou muito tempo. Eu vejo ali o universo do trabalho feminino com o maior respeito e vejo que as pessoas modernas, contemporâneas, os jovens, as mulheres executivas que visitam aquele museu também vêem aquele universo do trabalho feminino com muito respeito. Eu acho que essa vertente da vida, trabalhar, produzir, é a mais importante; ela nos distingue, nos dignifica, nos torna importantes pra nós mesmos. Eu acho que isso é um motivo bonito pra trabalhar com esse conceito.
MAO / ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO É muito grande, o museu foi difícil, foi uma obra grande, porque nós temos de área expositiva 9.200 m². É muita coisa, dá pra fazer bons passeios. Temos um horário facilitado também, um horário especial pra pessoa que trabalha, que tem um horário em empresas e em fábricas. O museu fica aberto de meio-dia às sete horas da noite, diariamente. Às quartas-feiras até as nove da noite, pra facilitar o passeio do trabalhador. Aos sábados é totalmente gratuito, embora a entrada seja simbólica. Aos domingos, dias santos e feriados também, pra que as pessoas possam visitar e conhecer o acervo.
Nós temos o Oficio da Palavra, que é um projeto na área de literatura, o Oficio da Música, isso tudo começando agora dentro de todo esse escopo do que deverá ser realmente o Museu de Artes e Ofícios, numa praça central da cidade, com as portas abertas e tudo absolutamente gratuito pras pessoas que quiserem participar. O Oficio da Palavra está entrando na segunda fase, e o Oficio da Música deve começar agora no dia dois de abril [2007]. Aos poucos o museu vai cumprindo o seu papel, que é isso que a Petrobras quer.
PATROCÍCIO DA PETROBRAS A Petrobras foi a minha patrocinadora de primeira hora. Eu fiz muita questão de vir aqui dar meu depoimento, porque eu tenho muito respeito pela empresa e pela maneira como essa área funciona. Quando eu comecei, quando tive aquela idéia e achei que dava pra fazer alguma coisa, eu procurei o museógrafo e procurei, em primeiro lugar, logo que eu tinha o projeto esboçado, a Petrobras. Foi o primeiro contato com patrocinador que eu tive e foi muito bom. A Petrobras já estava patrocinando o Museu dos Oratórios em Ouro Preto, era um pequeno patrocínio, mas foi importantíssimo, porque esse Museu depois de montado e adequado, ele também decolou junto ao público com o apoio da Petrobras. Eu já conhecia esse caminho. Fui até lá e apresentei o projeto. Levei todo o material que pude juntar, e eles ainda me pediram toneladas de documentos, de fotos. Enfim, a equipe da Petrobras sempre trabalhou com muita consciência e com muita exigência. Eu levei tudo e falei: “Está tudo nas mãos de vocês. Vamos ver se vocês consideram como um projeto que o país merece”. E foi um retorno maravilhoso. É a minha patrocinadora máster desde o início.
Tudo que eu fiz ali, começando pela restauração dos prédios, fiz também com o patrocínio da Petrobras. Não foi o único, mas foi o maior até um determinado momento, quando eu tive um outro patrocínio máster junto. Mas a primeira fase toda foi a Petrobras. Eu sempre percebi um lado muito coerente nesse trabalho, porque eles me patrocinavam, mas me cobravam. E esse museu depois de pronto, qual é o retorno que vai dar pras pessoas, pra cidade, pro estado e pro país? E foi com essa cabeça e foi me preparando pra este retorno e esta resposta que eu consegui uma pequena equipe de pessoas muito obstinadas também no resultado. É com esse intuito que temos trabalhado. Eu acho que aprendi também com a equipe da Petrobras que não é só fazer o museu, é muito mais do que isso. Eu acho que foi isso, foram profissionais que estavam praticamente começando aquela experiência. Não é simplesmente doar um belo acervo, fazer uma festa e inaugurar o museu; é muito mais do que isso. É um país tão carente de memória, um país sem memória – parece que passou um trator em cima da própria memória – hoje se trabalha com o que sobrou. Eu vi desde o início a preocupação e a consciência do trabalho da Empresa nessa área. Tanta coisa importante, valiosa em todos os sentidos, que é salva pela Petrobras, com esse dinheiro incentivado. Quanta coisa boa acontece e sempre tem esses patrocínios por trás. A gente vê, não sou só eu, todos nós que trabalhamos com patrocínios e estamos como patrocinados da Petrobras, todos nós percebemos essa preocupação: “E aí? O que vem depois? O museu vai contribuir com o quê?”. Eu acho que o nosso papel de brasileiros comprometidos com a área passa por aí. Eu acho importante que nós continuemos unidos, que a Petrobras continue ajudando o Museu de Artes e Ofícios a ser essa realidade, que tem sido procurado sempre. Eu espero que continue. É importante que o maior número de pessoas possível freqüente esse museu, que as nossas oficinas sejam realmente um centro irradiador de uma mão-de-obra carente que passe a ser qualificada. Esse é o nosso objetivo, esse é o nosso sonho. Espero que a cidade continue acreditando no projeto, que as pessoas continuem acreditando. E espero, principalmente, que continue havendo essa interação absoluta entre o cidadão comum que transita por ali e esse acervo único, que dá a ele a dimensão de sua cidadania.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Nesse tempo eu me dediquei inteiramente, eu parei com tudo na minha vida pra fazer esse museu. Abandonei meu trabalho, a empresa, até a minha filha. Pra falar a verdade, ficou tudo em segundo plano, porque era um projeto tão importante, tão ousado, tão ambicioso. Às vezes, é tão difícil executar um projeto dessa natureza neste país, que eu vi que se eu não me dedicasse inteiramente eu não conseguiria. Foi o que eu fiz. Durante o tempo todo eu tive a velha e grande lição do trabalho. É um país onde tudo é muito difícil, mas quando você trabalha com afinco, com transparência, com boa vontade, quando você consegue montar uma equipe de pessoas do bem, as coisas acontecem de uma maneira linda e maravilhosa. E foi o que aconteceu, foi uma lição de trabalho duro, mas também de trabalho feliz.
MEMÓRIA PETROBRAS Eu fiz questão de vir aqui hoje, eu viria de qualquer jeito, porque eu acho o Projeto Memória muito importante. Nós somos um país sem memória. É preciso que as pessoas compreendam que sem entender o passado, sem restaurar o que sobrou, nós não vamos conseguir construir um futuro. A Petrobras é uma instituição da maior importância, que tem uma história que se confunde com a própria historia do Brasil. Então, esse projeto é até uma obrigação da empresa, ela têm o dever de fazer esse projeto e deixar esse legado para o país. Quem nos dera que outras empresas nem tão grandes, nem tão importantes, nem tão poderosas, tivessem feito algo nesse sentido. A dificuldade que se tem em conhecer o passado aqui no Brasil é uma coisa louca. Eu acho que a Petrobras deve esse projeto ao Brasil e o Brasil merece o Memória Petrobras. Eu acho isso bastante importante.Recolher