P - Queria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento. R - Amaro Fernando de Andrade Junior. O local de nascimento foi no Hospital Português da cidade de Recife, 19 do 11 de 57. P - O senhor trabalha hoje em qual localidade? Qual sua área de atuação? R - Minha área de...Continuar leitura
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Queria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Amaro Fernando de Andrade Junior. O local de nascimento foi no Hospital Português da cidade de Recife, 19 do 11 de 57.
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O senhor trabalha hoje em qual localidade? Qual sua área de atuação?
R - Minha área de atuação é na periferia de Recife, mais especificamente no bairro de Piedade e interior de Pernambuco, na zona sul de Pernambuco.
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O senhor mora em que lugar, hoje?
R - Moro na zona sul de Pernambuco numa cidade de nome Amaraji.
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Amaraji. O senhor pode descrever um pouco como é essa região?
R - É uma região, zona da mata, sul, né? É uma região bem agradável, devido assim as belezas que ela oferece, a começar pelas praias que ela tem, mais especificamente à área que eu moro é mais ligada à agricultura, que é cana-de-açúcar, que é a cultura que realmente lidera a região.
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O senhor começa a trabalhar no Aché quando?
R - Eu tive dois períodos no Aché. Eu tive um período já há uns 18 anos atrás quando eu comecei como propagandista, cheguei a supervisão. Depois, só problemas mais pessoais, com o gerente, tive que me desligar da empresa, passei dois anos fora. Mas nesses dois anos ainda ficava aquele namoro e terminou... Antes de dois anos eu cheguei a voltar. Voltei em 87, mais precisamente, vai fazer agora em agosto 15 anos da volta, do retorno.
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Antes de trabalhar no Aché como propagandista do interior, o senhor teve outro trabalho?
R - Era um pouco engraçado porque antes eu não tinha nada com laboratório. Eu trabalhava numa fazenda com um tio meu. Ele tinha uma fazenda no interior de Pernambuco. Minha vida era mais andando a cavalo, cuidando de animais, boi, cavalo. Ele tinha uma fazenda que tinham muitos bois, cabras. Num certo tempo tinha eu e um amigo. Esse amigo, por indicação de um outro amigo, veio aqui para o Aché e depois começou a me convencer, disse que gostou muito da empresa e terminei deixando também e vim trabalhar aqui
já por intermédio dele.
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O senhor ficou sabendo do Aché...
R - Por intermédio desse amigo que trabalhava comigo lá. Aí teve uma oportunidade de vir aqui para o Aché. Ele pensou que não dava também, era um negócio assim totalmente diverso. Numa fazenda em cima de um cavalo e de repente de paletó e gravata, dentro de um hospital, no começo é duro. (risos) Depois eu encarei o negócio com naturalidade, me identifiquei mais. Você vê o tempo que eu estou na empresa. Mas foi engraçado no começo, quando o pessoal dizia: “Você fazia o quê?” “Eu era vaqueiro”. (risos)
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Como foi chegar? Você lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R - Foi terrível, muito duro, porque a gente está acostumado até de outro jeito de se vestir. Andava de calça jeans, de bota e com chapéu na cabeça, de repente você está ali de paletó e gravata, dentro de um consultório e falando. No começo foi um pouquinho duro, até quebrar esse gelo. Eu peguei alguns colegas na época, por eu ter vindo, não ser como eles, da capital, de ter vindo do interior, eles achavam muito engraçado o meu jeito de falar. Eu sofri um pouquinho. Mas valeu a pena, serviu como experiência. Realmente foi gratificante o começo.
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Então o senhor veio para trabalhar no Aché, depois teve o intervalo, aí voltou como propagandista?
R - Exato, nesse meio tempo que eu saí do Aché, eu não trabalhei no ramo de medicamentos, eu trabalhei vendendo... Foi outra mudança, saí de remédios para vender brinquedos da Hering, produtos para mercadinho. Eu trabalhava como autônomo, nesse período. Daí quando voltou, para mim foi realmente bom, porque eu já estava identificado com a filosofia, com a política da empresa e não tive a menor dificuldade. Me recordo quando eu voltei, o diretor da época, o gerente geral, não me recordo bem a função. “Eu vou ter que fazer um curso?” “Não, você já sabe demais.” Me deu a pasta, me deu as amostras, me deu tudo. “Você já sabe, inclusive a área você já conhece, então vá-se embora trabalhar, o supervisor vai encontrar com você.” Eu já sabia o que tinha que fazer. E realmente eu saí em campo e já mandei brasa. (risos)
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Isso na volta? E no começo que o senhor chegou, o senhor passou por algum treinamento? Recebeu a maleta?
R - Não, no começo teve um treinamento de duas semanas, aí foi muito doloroso porque como eu já falei, a mudança foi radical. Na época, a política do Aché era totalmente diferente, era um quartel. Era muita dureza, o pessoal era muito rígido. Teve determinadas situações que eu pensava até em desistir. Me aperreava: “Eu não nasci para isso aí.” Uma mudança muito grande. Em contrapartida eu tinha um gerente que estava acompanhando, ele me dava muita força, me estimulava. “Ah, Fernando, como está...” Esse cara que é o gerente me dava tanto incentivo. “Tenho que me entusiasmar aqui, tenho que tocar o negócio.” Eu digo que foi um fator primordial. Até porque, voltando um pouco atrás, a primeira vez que eu vim ao Aché fazer uma entrevista, tinha uma secretária que diziam: “Se você passar por essa secretária você já está no Aché. Iara.” Eu nunca esqueci o nome de Iara. Eu tenho muita facilidade de fazer amizade e fiz uma grande amizade com ela, logo depois eu até comentei com ela isso aí. Você passou com Iara é até melhor do que passar pelo Wanderley, que na época era o gerente regional aqui, era o que mandava em tudo. Passei por Iara e falei: “Pronto, estou dentro.” Aí, o pior foi com Wanderley. Me deu a sacola, o negócio todo e me deu uma propaganda para fazer. Foi uma loucura em casa, fiquei estudando aquele negócio. Eu e três amigos. Quando cheguei lá, um dos rapazes já tinha trabalhado com medicamento, já começou cheio de onda: “Você faz isso, faz esse incremento, faz esse negócio...” Eu, sem habilidade nenhuma, fui tentar fazer essas coisas também. Só que fiz isso e me esqueci do texto. (risos) Aí no final saiu meio arrastado. Era uma propaganda de Cordanpim, que era um produto do Aché que hoje está descontinuado, no final era para dizer: “Cordanpim, a marca brasileira do dipiridanol”. Minha filha, isso não saiu de jeito nenhum Você vê como que era. Ele olhou para mim e falou: “Meu amigo, você desista que para isso aqui você não dá, procure outro ramo”. Eu saí arrasado. Houve umas mudanças, num período de uns 15 dias, no Aché. Aí disse: “Olha, não volte mais nem aqui.” “Pois sim senhor” Saí que nem morto, arrasado. Quando foi uns 15 dias, encontrei esse mesmo colega que tinha me indicado. “Vamos lá...” “Vou não, aquele cara é louco.” Tinha um bigode desse tamanho, eu olhava e já ficava assustado com o cara. E ele: “Não, vamos lá, agora mudou, tem um gerente que é um cara muito bom, um cara que realmente conversa, um cara muito humano, um cara educado.” Aí eu fui, foi a primeira vez que eu tive contato com Paulo Lima, ele já até saiu da empresa. Ele foi um cara educado, começou a conversar comigo, me deixou à vontade. “Fernando, o que é que você gosta de fazer, e tudo...” Coincidentemente eu vi uma bola na sala dele, aí eu estava ficando esperto. “Você gosta de jogar bola?” “Gosto, jogar umas peladinhas.” Aí, disse: “Eu gosto de jogar.” Minha posição é difícil de arrumar gente, eu era goleiro. “Ah, venha pra cá jogar com a gente. Não tem vaga agora, mas você pode até vir. Foi quando eu comecei a ir para lá jogar uma bolinha. “Você trabalha aqui no Aché?” “Não, trabalho não, vim só bater uma bolinha.” Fui conhecendo o pessoal, familiarizando com todo mundo, aí já ficou melhor, mas a primeira vez foi uma coisa horrível. A sorte foi a volta de ter encontrado esse rapaz.
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Mas no fim das contas o senhor conseguiu falar o slogan?
R - Ah, falei. É aquele negócio, quando você faz um negócio com uma certa pressão, você não consegue por em prática. Você já não tem experiência de uma coisa, chega um cara e fala: “Ah, você não tem jeito, faça isso.” É como até o Luís estava falando agora, você tem que cobrar tudinho, mas na hora que as pessoas fazem as coisas certas você tem que valorizar, estimular. Quando você está estimulado você produz melhor, você se sente
melhor. Mas quando você não tem a mínima afinidade com nada, sem conhecer muita coisa, e de repente o cara: “Saia da casa e não volte mais nem aqui, isso aqui você não dá, vai se embora pra lá, não faça mais nem entrevista, não volte mais nem aqui.” Esse homem é louco. (risos)
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E como era mesmo a frase que você devia falar?
R - “Cordanpin, a marca brasileira do dipiridanol.” A língua dobrou e não saiu. (risos) Hoje se diz com naturalidade, mas na época não teve jeito de sair esse termozinho aí. Engraçado que quando eu voltei, comecei a fazer o curso. Justamente no curso, eu andava aperreado, encontrava Paulo que me dava muita força. “Tá bom, rapaz...” Encontrei com Wanderley. “O que você está fazendo aqui, rapaz?” “Ah, eu encontrei com seu Paulo Lima, ele me mandou vir aqui.” “Eu falei que você não voltasse mais.” “Mas o seu Paulo Lima pediu para eu vir aqui, me deu mais uma chance.” “Depois eu converso com o Paulo Lima sobre isso aí.” Graças a Deus ele conversou, o Paulo Lima disse: “Dá mais uma chance.” Foi a sorte. (risos)
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O senhor falou desse produto; tem algum outro produto marcante, ou outros produtos marcantes que o senhor poderia mencionar?
R - Na época, no Aché, quando eu comecei, juntando esses 15 anos mais os dois anos, três anos atrás... Na realidade era uma empresa pequena, só existia mesmo o Aché e o Novoterápica na época. Só existia esses dois laboratórios na época. A gente servia até de gozação na rua: “Ah, esse cara é do Aché, esse cara é do Novoterápica, esse cara é da multinacional.” Sempre menosprezava como de um laboratório pequeno. Mas eu sempre gostei muito de falar, a gente levando jeito, foi conquistando os médicos, mesmo trabalhando numa empresa que não tinha tanto destaque no cenário nacional ainda. Eu me lembro de um fato que marcou. É que na época eu trabalhava com um produto que o nome era Apetisan, que era um estimulante do apetite. E na época a Merck Sharp & Dohme que depois fez uma parceria com o Aché, tinha um estimulante que era o Periatin bc, de todos é realmente um produto muito conhecido no mercado. A gente metia o pau no Periatin bc porque tinha uma substância que causava muita sonolência, que era a ciproeptadina. E ele era linha de mercado. Vendia sem receita. Nós vendíamos 5, eles vendiam 95. Para vocês verem como era. Mas a gente tinha que se valer disso: meter o pau na ciproeptadina porque dá muita sonolência e o Apetisan não dá. Eu chegava para os médicos, já com uma certa amizade com os médicos: “Doutor, olha, Periatin tem essas vantagens, não causa os efeitos da ciproeptadina, não dá sono.” Passou. Por ironia do destino, aí vai o Aché e compra a Merck Sharp & Dohme, e pior ainda, puseram o Periatin para eu trabalhar. Aí eu estou lá, visitando os médicos, tudinho, aí teve um médico que se ligou e disse: “Ah, Fernando, você falava muito aqui do Periatin, que era uma beleza, e metia o pau em Periatin bc. E agora, o que você me diz do que está com você?” “Olha, doutor, na realidade, Periatin bc continua dando sono, não vou mentir para o senhor, mas veja bem: sua esposa chega em casa estressada, final do expediente, e o menino chorando. Não é melhor ela dar o remedinho e ele dormir tranqüilo?” Aí, disse: “Não, de você ninguém ganha.” (risos) Terminei dando a resposta do produto. Foi um fato que realmente eu nunca esqueci desse detalhe.
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Só ressaltou as qualidades...
R - É, realmente dá sono, não vou mentir. Aí ela chega lá, o menino toma, vai dormir. Abre o apetite e ele vai dormir e não aperreia a mãe. “Tá bom, de você ninguém ganha.” (risos)
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Como é essa relação com o médico?
R - A relação com o médico... eu inclusive, no ano passado... Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu comecei a trabalhar num bairro da elite que é Boa Viagem. Para mim foi horrível porque era um lugar que o médico não tinha tempo de dar uma atenção assim, a você. Porque um médico da capital, principalmente num bairro da elite, o pessoal paga uma consulta cara e quer ser bem atendido, como em todo canto. Mais especificamente numa área dessa. Então o médico não tem condição de lhe dar muita atenção. É uma consulta em cima da outra e você não tem condição de fazer uma amizade com o médico. Você fala os termos científicos lá que se manda falar, mas não tem aquela aproximação. Eu não tinha nem parâmetro porque não tinha ninguém para comparar, nunca tinha trabalhado em outro canto, mas eu achava horrível o local. Eu não gostava porque eu sempre gostava muito de falar, de ter uma certa resposta e não tinha muita essa resposta do médico. Aí com um certo tempo, um ano depois eu fui promovido para a periferia, aí foi quando eu vi a diferença. Na periferia eu conversava com o médico, conseguia fazer amizade com o médico. Depois da periferia, eu fui para o interior. Eu me sentia no céu, no paraíso, porque, pela própria carência de representante, no interior você chega, vai para a casa do médico, conversa. “Prefiro que você vá lá para minha casa. Fernando, já que você está no hotel, será que você pode ir na minha casa na hora do almoço?” “Posso.” Então vai almoçar na cidade, sem dúvida, vai lá. A gente consegue uma aproximação com o médico que em muitas ocasiões você não precisa nem chegar com termos técnicos. Com seu interesse você consegue tirar do médico, com a própria amizade. “Eu estou precisando que o senhor me ajude nesse produto aqui.” Ele chega a dizer: “Olhe, entre esse e esse eu prefiro usar o seu aqui, que você é meu amigo. O laboratório tal nem vem aqui, pode ter mil vantagens em relação ao seu, mas eu prefiro usar o seu.” Tá entendendo? Pela própria amizade, de eu chegar. Tem uma cidade aqui próxima, que é uma praia que tem aqui em Maragoji, tem um médico lá, o doutor Agesildo, quando eu vou chegando na casa dele, ele cria passarinho, toda vez ele entra na brincadeira: “Olha o Ibama, está chegando.” Eu vou chegando e ele grita logo para a mulher: “Solange, o Fernando vem chegando” (risos) Parece o filho dela que vai chegando. Em determinadas ocasiões de eu chegar assim, e ele: “Entra, Fernando.” Quando vou entrando, ele olha para a esposa e diz: “Solange, você está de camisola, o Fernando está aqui.” “O Fernando é o mesmo que fosse meu filho.” (risos) Você cria uma amizade. Foi agora pouco um colega trabalhar comigo, ele fica na capital, ele ficou encantado. “Rapaz, eu nunca vi um negócio desse na capital. Na capital não tem tempo de conversar, não tem essa amizade.” “Fernando, fica aqui para almoçar, passa aqui às sete horas.” Passo às sete horas. “São sete horas horas, já encerrou o expediente, agora você vai jantar comigo, vamos tomar uma cervejinha, vamos tomar um banho de piscina.” Não são todos, lógico, mas com a grande maioria você fica muito à vontade para conversar e até para cobrar, é lógico. Porque na realidade, o seu patrão está sempre atrás do receituário, mas você nunca chega para fazer aquele: “Doutor, isso, isso...” Pela própria amizade e pelo conhecimento que você tem, você consegue conquistar o médico e vender. A prova é que meus resultados mostram isso aí. Você fazer isso aí e não ter retorno não adianta de nada. Mas os resultados mostram realmente que com minha amizade eu consigo esse bom aproveitamento perante a classe médica. Então é ótimo.
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É mais pessoal?
R - No interior você se sente bem mais à vontade.
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E por essas andanças pelo interior de Pernambuco, o senhor percorre muitos quilômetros, muitas distâncias?
R - Sim, hoje, na atualidade, meu setor diminuiu, por conta dessas mudanças que aconteceram no Aché, mas já tive setores muito extensos, de viajar 4 mil quilômetros no mês.
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É muito diversificada a paisagem, as pessoas com quem o senhor lida? Tem algum caso que o senhor lembra de ter visto uma situação, de ter presenciado uma situação no interior de Pernambuco que foi nova para o senhor, que tenha marcado?
R - Não, especificamente não. De um modo geral, a área que eu trabalhava, a área maior
era a Mata Norte e a Mata Sul. São regiões que se assemelham muito, em termos de cultura, os próprios consultórios, os médicos. A única diferença que existia em termos de regiões foi quando eu trabalhava em Palmares, uma das últimas cidades da Mata Sul e trabalhava em Garanhuns. Garanhuns é uma cidade realmente de clima bem agradável, é considerada a Suíça pernambucana. Palmares é uma cidade quente e suja. Garanhuns é uma cidade fria e limpa. Até por isso aí, o pessoal se veste melhor, a cultura parece que é bem melhor, as casas, as farmácias, os médicos. A gente sente realmente uma grande diferença em termos de... é só essa diferença mesmo, em termos de região, essa diferença de Garanhuns para as cidades da Mata Norte.
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O senhor saía de uma e entrava na outra.
R - Inclusive era um choque muito grande porque eu saia de um clima de 24 graus, um calor, pegava e saía. Andava uns 120 quilômetros, chega em outra cidade, de Palmares para lá, e chega em Garanhuns. Em Garanhuns eu cheguei a pegar seis graus, para você ter uma idéia. É uma diferença... No primeiro dia que a gente chegava, vindo de um calor, de manga curta, às vezes os médicos falavam: “Vocês estão com tanto calor absorvido aí, que não estão nem sentindo como está frio aqui.” É uma cidade engraçada, às vezes a gente passava a semana todinha com aquela garoa. Ao contrário de Palmares, que a gente procurava uma sombra, lá a gente procurava o sol para parar o carro. Andava de casaco porque é muito frio mesmo. A particularidade é mais essa de região, de cultura. Realmente as pessoas se vestiam melhor mesmo. A cidade em si é uma outra cidade. Fora isso não, as outras se igualam. As do litoral o pessoal anda mais a vontade, de calção, mas basicamente a diferença seria só essa, de Palmares para a cidade de Garanhuns que é uma cidade mais fria.
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Fernando, você contou que no comecinho, quando o senhor entrou, era mais rígido, no Aché. Que outras mudanças aconteceram ao longo desses anos todos que o senhor está aqui?
R - Inúmeras. Para começar você trabalhava de paletó. Você sabe que num clima como esse, a gente trabalhar de paletó era... Eu inclusive cheguei a trabalhar uma época em Natal, eu me habituei tanto com paletó que, de Natal para aqui deve ter uns 300 quilômetros aproximadamente. Eu já estava com um hábito tão grande de usar paletó, que uma vez eu saí de Natal às seis horas da noite, vim embora para cá, cheguei em casa às nove e pouco da noite e minha esposa disse: “Você veio da onde?” “Eu vim de Natal.” “Desse jeito?” Era assim, era muito rígido. “Paletó, não pode tirar o paletó, outra coisa, esse botãozinho aqui.” Porque se eu pegar uma camisa dessa e colocar um paletó, não fica bem, esse botãozinho não ataca bem. O gerente falava: “Esse botãozinho não está atacando não, heim Tem que atacar.” Ah, aquela agonia.
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“Atacar”, que fala?
R - É, porque se você botar uma gravata e atacar uma gravata aqui, não fica bem, não cai bem no caimento da camisa com gravata. Em geral para você botar uma gravata e ela ficar bem feitinha, esse botãozinho tem que atacar. E de início não atacava. (risos) Eu prendia com a gravata isso aqui. De vez em quando, falava: “Tem que comprar uma camisa, viu?” Antigamente era muito dura, existia umas certas perseguições de você sair e o cara sair atrás de você. Não confiava no profissional, na realidade, está entendendo? Outra coisa, no aspecto também financeiro, a gente trabalhava quase que no vermelho, tinha uma ajuda de custo muito pequena. A gente ficava numas pousadazinhas, eu cheguei a ficar em algumas cidades, em hotel que dava nome de hotel, mas que não era nada de hotel. Para você ter uma idéia, a gente ficava num quarto com três pessoas, quatro. Quando a gente saía e voltava, o cara do hotel falava: “Olha, botei um cara lá.” A gente nem conhecia. O dinheiro era apertado, a gente tinha que ficar ali mesmo. Quinze quartos de um lado, quinze do outro, dois sanitários para todo mundo. Era um banheiro coletivo. Não tinha condições da gente ficar, mas a ajuda de custo era aquilo ali, era limitado. Para comer também, tinha que comer muito... Está entendendo? O carro era nosso. Eu sempre gostava de um carro mais... Depois eu recebia minhas férias de final do ano, tirava uma parte do dinheiro para ajeitar o carro porque não tinha condição de ter um caro novo, e tirava um pouquinho dali. Deixava às vezes de almoçar, de comer um bolo, porque quebrava um negócio no carro. Não tinha ajuda de nada. Não tinha seguro nem nada. A mudança foi radical. Hoje nós andamos num carro novo, inclusive eu digo à alguns colegas, esses colegas mais novos. Você sabe que dizer de uma empresa como o Aché, por exemplo, que 100% veste a camisa, não veste. Tem muita gente que está ali, troca seis por meia dúzia e vai embora. Quanto o Aché está pagando? Está pagando 100, o outro está pagando 100, 50. “Então, vou embora daqui.” Lógico, todo mundo trabalha para ganhar. Ninguém trabalha para fazer graça para ninguém. Eu trabalho no Aché porque gosto, sou bem pago para isso, tenho boas amizades. Mas dizer: “Fernando trabalha no Aché porque gosta só do Aché.” Eu estaria mentindo. Eu digo a eles: “Vocês não pegaram a dureza, vocês não sabem dar valor a certas coisas que vocês estão recebendo.” Porque quando nós recebemos o carro do Aché, tinha alguns colegas que diziam: “Recebemos o carro, mas sem ar.” “Miserável, tu tem carro? Qual é teu carro?” “Ah, um fusca velho.” “Tu está com carro novo, e reclamando? Amanhã o Aché manda tu embora, ou então tu sai e compra um ar condicionado pra tu.” Quer dizer, eu digo: “Vocês não sabem dar valor porque vocês não pegaram a dureza que eu peguei.” Hoje para mim um carro... por coincidência meu carro não tem nem ar. Sou dos mais antigos, mas diante dessas trocas de locadora, uma coisa ou outra, meu carro não tem ar e eu não reclamo. Eu digo: “Não, tá bom demais, eu sei o que eu passei e hoje eu tenho um carro que dou graças a Deus. Hoje a gente vai para o litoral e fica nuns hotéis maravilhosos, beira mar, uma mordomia maior do mundo. Vocês não sabem... Vamos entrar nesse hotel, bater uma foto pra mostrar pro pessoal, a gente aqui usufruindo dessa beleza.” Na época, eu passo nos hotéis e mostro onde a gente ficava, quando eu passo em determinadas cidades. Para dormir precisava ficar botando morcego para fora do quarto, era um horror, perto de cabarés, esses negócios. Tinha que dormir perto de gente tudo suado, bêbados, na rua. A gente dizia a alguns colegas, alguns já até saíram daqui: “Vocês não sabem valorizar porque vocês não passaram a dureza que a gente passou, e as conquistas que a gente teve.” Porque foram conquistas demais. Os colegas vieram: “Isso é sonho, o Aché dá carro?” “Dá nada rapaz, tu é louco.” Hoje a maioria já tem carro com ar. Os hotéis... “Ficar naquele hotel ali? Ah, o Aché vai pagar nunca aquelas despesas ali.” Foram muitas conquistas. Hoje os gerentes que nós temos são tudo pessoas esclarecidas, educadas. O Mário mesmo... Falando mais especificamente do Mário que foi meu supervisor, foi meu gerente. Eu saí, fui para outra divisão. Ele, o Gilton que estava aqui, foram meus gerentes. Posso dizer que tenho um, todo mundo está sujeito a errar. Eu tenho um desejo, todo mundo tem, mas quando eu tenho qualquer erro, qualquer coisa, ele chega para mim:
“Fernando, vamos fazer assim...” Tem modos. A gente trabalha estimulado. Naquela época você trabalhava porque dizia: “Tenho que trabalhar.” Talvez por isso na época tivesse perdido tantos profissionais, o Aché. Porque a política era muito rígida. Hoje eu acredito, que se você for fazer uma pesquisa, a grande maioria já acha o sistema totalmente diferente. O sistema atual, só quem não gosta de nada. Porque tem gente que reclama de tudo. Mas eu diria que 99% da equipe hoje trabalha satisfeito, trabalha com o que gosta, trabalha com carinho da empresa. Realmente veste a camisa da empresa porque as mudanças foram muitas.
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Fernando, propagandista tem muita história para contar. Tem alguma história que tenha marcado o senhor, que o senhor viveu uma saia justa, como propagandista?
R - Referente a mim?
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É, sua experiência de trabalho, seu cotidiano, seu dia-a-dia, alguma situação meio de aperto.
R - Não, especificamente assim não. Algumas histórias mais de colegas que passaram, mas eu não me recordo. Deve ter tido porque sempre tem, mas agora não chega bem essas situações. Teve algumas situações mais engraçadas de um colega nosso que não está mais na empresa. Ele era meio danado, gostava de fazer umas farrinhas de noite e por coincidência ia haver um curso, como esse que está havendo agora. Íamos passar três dias num hotel e o supervisor disse que queria todo mundo a noite no hotel, para de manhã já estar todo mundo aí, e ele inventou de sair a noite. Saiu, fez umas farrinhas e o supervisor ficou danado. Ligou a noite toda: “E fulano?” Não chega, não chega, não chega. E quando foi de manhã nós estávamos tomando café e o cara chegando. “Rapaz, o supervisor está uma arara com você. Desde ontem que ele liga para você e ele já sabe para onde você foi.” Aí ele foi ligar para o supervisor. “Eu não quero papo com você, na reunião a gente conversa.” Na abertura, não sei se vocês participaram, o gerente ia começar a abertura ali e o supervisor olhou para ele e fez: “Ô, seu Pedro Poró, você não tem vergonha não, em vez de estar ontem a noite aqui, inventou de sair com essas vadias de noite.” “Que isso, chefe, chamando mamãe de vadia, eu fui dormir na casa de mamãe.” Isso ninguém agüentou, foi uns 10 minutos... (risos) Da imaginação que ele criou, o bicho teve uma saída. “Chamando mamãe de vadia chefe, pode ligar para ela. Mamãe já cuida dessa safadeza.” Foi uma descontração, foi uns 10 minutos rindo com esse negócio. Foi muito interessante nesse aspecto.
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Como é seu dia-a-dia de trabalho hoje, Fernando?
R - Normalmente... até o pessoal mexe muito comigo, porque eu tenho um hábito de dormir cedo e acordo muito cedo. Para mim é normal acordar 4:30, 5:00 horas. Tinha um supervisor meu que falava assim: “Essa semana nós vamos trabalhar com você, mas você saia na hora certa, por favor, de casa. Hora certa para você, é porque se alguém chegar atrasado, você chega sempre mais. Os médicos são normais, Fernando, dormem. Os médicos são normais, tem esposa, tem filhos, dormem, tomam café da manhã 6:30 – 7:00 horas. Porque uma vez eu fui trabalhar com você, eram 6:30, fui passar no hospital e era aquele já passou, já passou, já passou. Chegue na hora certa, às 7:30 horas. Às 6:30 horas não tem ninguém no hospital ainda não, no interior.” Aqui na capital é mais socializado, tem pelo menos os estudantes. Eu tenho o hábito de acordar cedo, dou uma caminhada por conta disso. Se você acorda às 4:30 – 5:00 horas, não tem nem para onde você ir. Geralmente eu já deixo tudo arrumado, isso facilita muito na noite. No dia seguinte, quando você vai trabalhar, no primeiro ponto que você chega, já está tudo mais fácil, deixa fichas organizadas, amostras. Torna-se mais prático. E aí você sai viajando, de cidade em cidade. Eu particularmente gosto muito de viajar, acho até divertido essas viagens. Tem gente que diz: “Não sei como vocês agüentam viajar tanto.” Eu, particularmente, acho uma beleza, acho muito bom viajar, sair de uma cidade para outra, encontra, pára numa farmácia, conversa com um, pára num posto, vai num hospital, almoça com um médico, às vezes janta com outro. Eu acho o trabalho no interior uma coisa muito gratificante. Em contrapartida também, no interior tem uma certas diversãozinhas. Enquanto num interior, às vezes 7:30 – 8:00 horas você está visitando um médico, em compensação em outros 5:00 – 5:30 você não tem mais o que fazer. É muito relativo. Aí dizem: “No interior às vezes o trabalho é apertado.” É muito relativo. Tem dois ou três dias que às 5:00 não tem mais médico. Você vai para uma farmácia, vai para uma clínica daquela que quando você chega é uma verdadeira festa. Tem determinados locais que ninguém vai, a concorrência não vai. Aí você chega lá e eles adoram, pelo menos é uma pessoa para bater um papo. Ele está acostumado só com aquele povo da cidade. Quando chega uma pessoa pelo menos para contar as novidades da capital, para eles.
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Para a gente encerrar, eu queria que o senhor dissesse se o senhor tem um sonho como propagandista.
R - Meu sonho é continuar sempre no Aché. Eu diria que hoje, pelo fato de ter sido já supervisor, eu peguei uma época muito difícil, está entendendo, e eu apanhei muito na época, pelo próprio supervisor, pela própria filosofia da empresa. Eu diria nem tanto pela filosofia, até por questões pessoais de certos gerentes, eu acredito que muita gente fala: “O Aché é isso.” Na realidade eu acredito que não seja propriamente o Aché. Às vezes tem você e uma irmã gêmea, você age de um jeito e ela de outro. Você é minha gerente e o amigo é o gerente. Você age de uma forma e ele de outra. De repente ele é um cara altamente temperamental, você é uma pessoa realmente mais calma, você consegue levar as pessoas dentro daquela harmonia, enquanto que ele só leva batendo. Eu peguei na época alguns gerentes que eram caras muito grossos. Eu apanhei muito. Eu diria que, na época, eu perdi o estímulo pela supervisão. Eu era um cara altamente motivado, desde a primeira vez que eu entrei, me entusiasmei e adorei isso aqui. Mas daí, houve uma fase que eu fiquei desmotivado, vivia assim, totalmente alheio às coisas da empresa, por conta dele, né? Saí, depois voltei como propagandista e não tentei mais entrar por conta talvez de ter ficado muito assustado e diria que não por questão de acomodação, porque eu apesar do tempo que tenho, vejo os relatórios dos supervisores, eu nunca tive nenhum problema com supervisor nenhum, nem com gerente nenhum. Todos eles nos relatórios, são os melhores possíveis, falhas todo mundo tem. Falhas primárias, administráveis, mas não pelo tempo. “Pelo tempo hoje ele está acomodado.” Não, de forma alguma, eu procuro até com os colegas, conversar. Procuro ser o primeiro a chegar, procuro às vezes ser o último a sair, procuro sempre. Minha pretensão hoje é sempre continuar no Aché, eu gosto disso aqui, é como se fosse uma segunda casa que eu tenho.
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Está ótimo, Fernando, eu queria agradecer muito sua participação.
R - Eu queria agradecer a vocês também. Muito bom a gente conversar.Recolher