IDENTIFICAÇÃO
Alfons Hug, nasci em 16 de março de 1950 em Hochdorf, no sul da Alemanha.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Nasci numa fazenda no sul da Alemanha, então minha origem é rural. Depois fui pra escola de segundo grau em um convento – meus pais queriam que eu fosse padre –, também no ...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Alfons Hug, nasci em 16 de março de 1950 em Hochdorf, no sul da Alemanha.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Nasci numa fazenda no sul da Alemanha, então minha origem é rural. Depois fui pra escola de segundo grau em um convento – meus pais queriam que eu fosse padre –, também no sul da Alemanha. Mas desisti dessa carreira de teologia e estudei literatura comparada, lingüística e estudos culturais em Freiburg, Berlim, Dublin, na Irlanda, e em Moscou, na Rússia. Em 1980, ingressei no Instituto Goethe, ou seja, Instituto Cultural alemão, que tem mais de 120 sucursais no mundo todo. Fui diretor de várias delas, por exemplo, em Lagos na Nigéria, nos anos 80, em Medelin na Colômbia, em Caracas, em Brasília no início dos anos 90 e foi lá que a Bienal me chamou, no ano 2000, perguntando se eu não queria ser curador da 25ª edição.
Eu comecei a fazer minhas primeiras curadorias na África, nos anos 80, porque o Instituto tinha uma das poucas galerias da cidade, em Lagos na Nigéria. Começamos a organizar mostras individuais e coletivas de artistas nigerianos e africanos e, desde então, eu tenho acompanhado a produção contemporânea da África. Também fui um dos curadores na Bienal de Dakar, acho que foi em 98, a Bienal no Senegal. Também fui curador, entre 1994 e 1998, na Casa das Culturas do Mundo em Berlin, que se dedica à promoção das culturas extra-européias, ou seja, da América Latina, da África e da Ásia. Cheguei em São Paulo em janeiro de 2001, tivemos pouco tempo para preparar a 25ª edição da Bienal, um pouco mais de um ano, quando reuniu um time de curadores internacionais. O tema na época era iconografias metropolitanas em base de 11 metrópoles que escolhi: São Paulo, Caracas, Nova York, Londres, Berlin, Moscou, Johanesburgo, Istambul, Beijing, Tóquio e Sydney. Cada uma dessas cidades enviava cinco artistas. A Bienal deu certo, teve um público de 670 mil pessoas, que foi recorde mundial para uma mostra de arte contemporânea na época. Então, a Bienal decidiu me manter no cargo e fizemos a 26ª edição que está em cartaz no momento, que já teve 500 mil visitantes em sete semanas. Parece que vamos bater o recorde anterior.
26ª BIENAL DE SÃO PAULO – TEMA
O tema do território livre é uma preocupação minha há alguns anos, na medida em que eu queria saber como se relaciona a arte com a liberdade, como a arte se relaciona com, digamos, os acontecimentos da vida real. Obviamente, o artista se inspira na matéria prima terrena, mas ele normalmente não duplica essa matéria prima senão ele faz algo diferente, algo alegórico, algo simbólico. Esse processo de transformar coisas da vida real para o reino da estética, esse processo me interessou, então o território livre ficou muito bom como título até porque as pessoas, todo ser humano busca sempre a liberdade e onde tem a chance de encontrar um pouquinho de liberdade ele vai. Esse é o caso da Bienal, ela tem tido uma enorme repercussão junto ao grande público e deve ser em grande parte por causa do próprio título que promete a busca da liberdade.
A arte interage [com o mundo], o artista não deixa de ser um cidadão como nós, ele vive nos mesmos conflitos, nos mesmos dramas urbanos. Então ele se alimenta desses, digamos, conflitos, só que nunca vai ser uma abordagem jornalística, espero eu. O bom artista não é jornalista, não é repórter. Até porque a reportagem e o bom jornalismo conhecem só uma verdade, como a ciência conhece novamente uma verdade; a arte é mais plurívoca, é mais complexa, ela oferece várias leituras, às vezes, contraditórias. Embora exista a verdade na arte, mas normalmente não é uma coisa que você pode comprovar de forma científica, não tem um termômetro que você enfia e mede a temperatura. A arte contém a sua própria lógica, ela constrói um mundo paralelo ao mundo real, acho que essa é a principal função dela. Existe um mundo administrado, como o filósofo alemão Adorno disse, o mundo é administrado, que é o mundo real em que vivemos e sofremos e depois existe o universo da arte que é contrário ao mundo real ou, pelo menos, paralelo ao mundo real. Também tem o elemento da utopia na arte, mas isso não é invenção nossa, isso existe desde sempre, um lugar da utopia onde você formula novas formas de convívio humano, aí reside a função humanista da arte e a função política. A função política da arte não está necessariamente no tema, se tem uma guerra no Iraque não posso pedir que isso se reflita imediatamente na obra. A função política da arte é outra, ela é mais sutil e talvez até superior, porque fortalece o indivíduo. A abordagem à arte, às vezes, é difícil, requer um julgamento por parte do visitante, exige formação de critérios, uma tomada de posições, ele tem que dizer se gosta ou não, já é a primeira decisão básica: gosto ou não gosto. Ele então toma partido, ele cria um critério, com isso ele fortalece o indivíduo e, como sabemos, o indivíduo é a base da democracia e da sociedade moderna, também economicamente moderna, aí está a função política da arte.
26ª BIENAL DE SÃO PAULO - CURADORIA
É uma operação de guerra. A gente até conseguiu manter o bom humor dentro da equipe, o que é fundamental. Têm dois segmentos: tem o segmento das representações nacionais, que são 55 países que a Bienal convida quase de forma oficial através das embaixadas. Esses países, por sua vez, escolhem um comissário ou um curador nacional, que escolhe um artista. Então são 55 artistas que os países enviam sem nossa interferência, eles recebem o meu conceito, a gente chama, ele vai ao diálogo, muitos deles visitam a Bienal, mas no fundo eles são autônomos. Teoricamente poderia recusar o trabalho. Em um ou outro caso recusei, porque era muito ruim. Teve um país da América do Sul, não vou falar o nome. Às vezes, a gente até consegue indicar alguns nomes, como
consegui no caso do Equador, de Cuba, da Polônia, da Rússia, onde entrei em diálogo com os curadores, mas não é imposição, é diálogo. Depois tem um segundo segmento que eu faço: a curadoria que são os artistas convidados – são 80 artistas, financiado e organizado pela própria Bienal. Para evitar guetos nacionais, a Bienal mistura representações nacionais e artistas convidados no espaço, não tem isso de como antigamente de mandar só os países e no primeiro e terceiro só os indicados, não, mistura tudo, e na placa tem representação da Inglaterra, por exemplo. Então, no fundo a Bienal fala em gramaticalmente dito em dois números, fala no plural através desses 55 curadores, que trazem uma enorme diversidade, da China até a África do Sul, trazem também um investimento porque eles normalmente financiam a representação nacional, e fala no singular através do curador da Bienal. Mas tem sido muito positivo, sempre surgem pequenos atritos, sobretudo no último mês na hora da montagem, tem uma tensão sobre os espaços no artista, que sempre quer, às vezes quer mudar o espaço, não gosta da parede. Isso são coisas normais, mas a equipe de produção da Bienal é muito competente, como lhe disse, mantivemos o bom humor o tempo todo entre diretoria, presidente, produção e curadoria.
26ª BIENAL DE SÃO PAULO – AÇÃO EDUCATIVA
A ação educativa é um dos pontos fortes da Bienal, até porque o público brasileiro é muito jovem, alunos, estudantes... Então você tem que oferecer esse tipo de serviço. As escolas agendam grupos inteiros, mas as pessoas particulares também podem agendar uma visita guiada. Tomamos o cuidado especial com o áudio guide pela primeira vez e tem textos explicativos nas paredes para cada obra. Só que o elemento didático tem os seus limites, no final das contas sempre vai ser o indivíduo e a obra e o diálogo que possa surgir entre os dois, essa é a experiência artística. A experiência estética é muito subjetiva, atinge a alma do indivíduo e cada um vai ter sua própria leitura. Em alguns casos, quando a obra é muito boa existe um consenso quase imediato entre todos os espectadores e entre leigo e profissional, isso existe, mas em outros casos há divergências, até entre os críticos profissionais. Eu sempre recomendo uma abordagem, mesmo quando vem um grupo, para
ser ele e a obra, o indivíduo e a obra. Quando a obra é muito boa pula essa faísca e existe quase um diálogo entre o objeto e a pessoa. Desta vez, fizemos a ação educativa com a FAAP de São Paulo, que é a escola de artes plásticas, os alunos de artes plásticas e de arquitetura estão se beneficiando muito, eles também estão aprendendo. Acho que tem quase 400 monitores. Uma mostra de arte contemporânea é como o aprendizado de um idioma, eu muitas vezes comparo com aprender inglês. Ninguém nunca chamou o inglês de elitista só porque ele é difícil; ninguém chama a matemática de elitista só porque ela é difícil – ela é difícil pelo menos pra mim. O inglês menos, mas a matemática, eu nunca entendi o que é isso, agora eu não posso chamar de elitista só porque não entendo. A mesma coisa acontece com a arte contemporânea, existem vários graus de aproximação e de domínio: tem um nível básico, nível intermédio, nível avançado. Nunca existe domínio total da arte até porque é um universo tão vasto que mesmo os críticos mais veteranos sempre vão achar uma dúvida e ficam inseguros. Eu mesmo acho que devo ser a pessoa que mais aprende nesse processo todo. A pessoa que vai pela primeira vez, o jovem normalmente que vai pela primeira vez no nível básico, eu diria, é como aprender as primeiras mil palavras no inglês. Não devemos de jeito nenhum negar ou desprezar essa experiência, é um aprendizado e são várias fases na vida da pessoa e, uma vez iniciado, ela deve voltar nas seguintes edições, espero eu.
26ª BIENAL DE SÃO PAULO
A entrada está livre, acho que é a primeira vez, agora não me lembro. A Bienal de São Paulo tem 53 anos, pode ter havido algumas edições dos anos 50 e 60, eu não sei. Agora, nas últimas décadas, sim, é a primeira vez que a entrada é livre. Na última cobramos ingresso, acho que eram oito reais. Tivemos público recorde mundial. Eu não vejo uma grande diferença no perfil do público, o que eu vejo é que as pessoas vêm várias vezes, uma pessoa que não quer visitar uma mostra de arte não vai vir só porque é de graça. Isso não existe. Eu também não vou no jogo de futebol só porque é de graça, se não me interessa não me interessa, pagando ou não pagando. Então temos o que essa entrada gratuita facilita: o pai que vai com toda família, as pessoas que vão ao parque, os jovens que podem visitar várias vezes, e isso é importante porque é uma Bienal muito grande. Você precisa de vários dias para dirigir tudo, só um dia para os vídeos, um dia para a pintura... Eu tenho observado e vejo pessoas que vêm três, quatro, cinco vezes, isso é muito bom, sobretudo para o jovem artista, para o estudante, para os da área. Vejo ainda pessoas da periferia de São Paulo, mas isso a gente teve na última edição também porque as escolas ganhavam desconto. Então não é totalmente diferente, sempre vai ser um público interessado em arte.
PATROCÍNIO PETROBRAS – BIENAL DE SÃO PAULO
Essa vez foi uma conquista de a Bienal poder trabalhar junto com a Petrobras, que é uma empresa de ponta, uma empresa voltada para o futuro, do ponto de vista da tecnologia muita avançada, do ponto de vista da gerência e da administração também, um produto digamos com muito potencial voltado para o futuro. E a Bienal, desde os anos 50, junto com a fundação de Brasília que ocorreu um pouco mais tarde, abriu o caminho do Brasil em direção à modernidade. Ela foi um dos elementos fundamentais para que o Brasil culturalmente entrasse na modernidade, confrontando várias gerações de artistas com as tendências mundiais, quando se estabeleceu um diálogo global. Acho que isso é uma das premissas da Petrobras também, que é uma empresa internacional, cada vez mais, com interesse na África, no Oriente Médio, na América Latina. Então tem um pouco a ver com o alcance global, a abordagem criativa e dinâmica voltada para o futuro. Então você une duas casas digamos com perfil bastante progressivo.
ARTES PLÁSTICAS / BRASIL
O país tem uma boa infra-estrutura, sobretudo nas artes plásticas, em São Paulo, onde a cada ano se criam novos centros culturais, museus, galerias. Faltava ainda um elemento internacional que, agora, a Bienal está cumprindo. Por isso ela é imprescindível. Os museus muitas vezes são voltados para a produção local, acho que isso pode ser um problema, porque temos que abrir, não se pode ter reserva de mercado, sempre os mesmos nomes, os mesmo artistas. Eles têm que fazer um esforço de trazer o melhor dos Estados Unidos, da Europa, da África, da China. E isso eu diria em geral, não só nas artes plásticas, mas também no cinema, no festival de cinema do Rio, por exemplo, o maior da América Latina com 220 mil visitantes, onde a Petrobras também é patrocinadora. Tem festivais de dança, de teatro, onde a infra-estrutura é a melhor da América Latina, acho que até melhor que na Argentina, eu diria. O púbico é jovem, o público brasileiro tem uma enorme curiosidade, isso eu observo na Bienal. O público brasileiro, muitas vezes feminino, eu diria 60, 65% público feminino, são mulheres jovens entre 20 e 30 anos, que tem uma enorme curiosidade, uma vontade de aprender, de descobrir os mistérios. No fundo por que uma pessoa visita uma exposição de arte? Ela quer saber como o vizinho vive, como as pessoas vivem num prédio em São Paulo não tem mais contato com ninguém. Então se você quer saber que loucuras o vizinho está fazendo, o próximo, a sociedade, você vai a uma exposição de arte, e aí você vê aqueles vídeos malucos. A pessoa quer saber, é uma questão de contemporaneidade, como o próximo vive, isso é um dos motivos pelo qual a pessoa visita uma mostra de arte. O público brasileiro tem uma certa sensibilidade que é quase espiritual, a arte às vezes tem a ver com religião. E elas vão lá, é uma grande aventura para a maioria do público.
ARTES PLÁSTICAS
O que estou observando é uma maior inclusão da chamada periferia, antigamente você tinha os grandes centros, os Estados Unidos, primeiro Paris na primeira metade do século XX, depois migrou para Nova Iorque depois da Segunda Guerra Mundial e Nova Iorque ficou a grande metrópole das artes plásticas. Depois tinha na Alemanha, em Colônia, um pouco depois Berlim, hoje em Londres cada vez mais. Isso foi digamos o cenário até os anos 90. A partir dos anos 90, eu observo, até porque morei muito na periferia, na Nigéria, na Colômbia, Venezuela, morei na Indonésia também, uma maior produtividade, um aumento de qualidade na chamada periferia. Por exemplo, os países andinos antigamente não tinham uma grande tradição modernista e tinham pouca arte contemporânea boa, isso mudou. Hoje você tem bons artistas na Bolívia, Equador, Peru, que era difícil achar na Bienal até 10, 15, 20 anos atrás. Então isso mudou, o sistema da arte virou global, em parte por causa das bienais. Há 50 anos você tinha só duas bienais: a de Veneza, que é centenária, mãe de todas as bienais, e a de São Paulo, que é a segunda mais antiga.
Hoje existem mais de 50 bienais, das quais devo ter visitado 40. Então o sistema ficou multipolar. A maioria dessas bienais apareceu nos últimos 20 anos, na Ásia, na América Latina, na África. Então onde tem bienal, normalmente, melhora a qualidade da produção local, isso é uma lei que eu posso comprovar em quase todos os casos, seja Istambul, Kwangju na Coréia, ou Xangai na China, tudo isso levou a um aumento de qualidade da produção local, no caso de São Paulo também. A produção brasileira melhorou muito depois da instalação da Bienal de São Paulo. Então isso mudou o sistema, ele é menos hegemônico, ele é mais multipolar.
PATROCÍNIO PETROBRAS
Foi um prazer ter esse vínculo com a Petrobras, a Bienal está bastante feliz com essa cooperação e, mesmo saindo porque não vou poder fazer mais uma Bienal, espero que haja uma continuidade na cooperação entre as duas instituições. Uma industrial e a outra cultural, mas as duas ligadas através da criatividade.Recolher