Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Rosana Miziara
Depoimento de Miriam Soares Firmino
Rio de Janeiro, 23 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV035
Transcrito por Kelly M. Matos
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Miriam, você pode falar seu no...Continuar leitura
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Rosana Miziara
Depoimento de Miriam Soares Firmino
Rio de Janeiro, 23 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV035
Transcrito por Kelly M. Matos
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Miriam, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Miriam Soares Firmino. Nasci no Rio de Janeiro, no bairro Botafogo. Antes eu trabalhava na CONURB [?].
P/1 – Quando você nasceu?
R – Eu nasci no dia 10 de setembro de 1970.
P/1 – Seus pais são do Rio de Janeiro?
R – Não, meus pais eram de Minas Gerais, Juiz de Fora.
P/1 – Como é que eles vieram parar aqui no Rio?
R – Porque os pais deles precisavam de vir embora para cá, porque lá não tinha trabalho. E cedo meu avô faleceu. Aos 49 anos. Aí minha mãe veio embora para cá com a mãe dela pra trabalhar, que minha mãe desde 12 anos começou a trabalhar em casa de madame.
P/1 – Casa de que?
R – Casa de madame. Eles falavam muito isso: “Na casa de madame.” O pessoal mineiro: “Ah, fomos para cá para trabalhar em casa de madame.” A madame era fogo. Tinha umas criancinhas ruim, que batia nela, que a minha mãe era pequena, miudinha. E foi assim que a mamãe foi sobrevivendo. Aí passaram a morar na Praia do Pinto, que antigamente não se chamava “baixada”, era Praia do Pinto. Nessa época eu não era nascida ainda. Aí disseram que uma deputada botaram fogo nesse lugar. Aí tiveram que remover muitas pessoas, cada um prum lugar. Aí, veio: pessoal da Cidade de Deus, Cordovil, Cruzada Sebastião. E outros lugares, também, de favela, que eu não lembro. E, ah, Manguinhos, também. Moradores de bairros diferentes.
P/1 – E aí, a sua mãe veio para cá?
R – Não, a minha mãe foi sorteada e ficou na Cruzada. Ela alugou apartamento no primeiro bloco. Aí do primeiro bloco, ela foi sorteada de novo, foi pro sétimo bloco. Até hoje ela vive no sétimo bloco.
P/1 – Mas ela estava com o seu pai?
R – Meu pai agora é falecido. Meu pai faleceu tem dois anos e pouco.
P/1 – Aí, você nasceu aqui?
R – É, no Rio de Janeiro, no Botafogo.
P/1 – Tem mais irmãos?
R – Tenho. Nós somos sete ao todos.
P/1 – Tudo do mesmo pai e da mesma mãe?
R – Tudo do mesmo pai e da mesma mãe.
P/1 – E sua mãe fazia o que? Ela trabalhava em casa de madame?
R – É, e o meu pai era pintor profissional. Meu pai pintava na casa das madames, também. E depois que meu pai faleceu, ela também chegou a falecer, que ela não sabia que meu pai tinha morrido, e ficou chateada, também. Aí acabou falecendo também. Eles eram muito amigos, entendeu? Aí minha mãe… E ela até chegou a batizar minha irmã, que é mais velha, Marli. Foi isso que aconteceu.
P/1 – E você lembra da sua casa de infância?
R – Lembro. Tá até hoje ainda lá.
P/1 – Como é que é lá?
R – É um quarto, sala, cozinha e banheiro que nós vivíamos juntos. Graças à Deus nunca faltou nada. Papai sempre comprou de tudo para gente. E, às vezes, o pessoal até falava assim: “Puxa, como essas crianças comem essa galinha grande?” E meu pai falava assim: “Eu dou para eles tudo que eu não podia comer quando era pequeno. Então, para os meus filhos eu faço de tudo.” Meu pai nunca deixou faltar nada para gente dentro de casa. Desde o que comer, nem que se comprava uma roupa duas, três vezes no mesmo ano, o pai sempre comprava para gente, ou alguma coisa para agradar a gente. Se tinha um patim, o pai comprava para gente. Se o pessoal tinha uma bicicleta, o meu pai dava um jeito, ele junto com o meu irmão compravam. Aí, depois, meu irmão foi embora para o Acre. O mais velho depois da minha irmã mais velha. Minha irmã mais velha casou cedo. Aí foi cada um saindo. Ficou minha mãe com a minha outra irmã, na casa. E cada uma delas, uma tem um quarto, outra tem dois. Agora ficou lá só aquelas duas, mesmo. E os vários netos, que ficou com elas. Os bisnetos, também, que ficaram com a minha mãe. E eu moro aqui na Cidade de Deus, com os meus filhos.
P/1 – E como que era, quem que exercia autoridade na sua casa? Seu pai ou sua mãe?
R – Para mim os dois sempre foram muito unidos. Nunca vi meu pai e minha mãe brigando, ou falando palavras de ofensa um para o outro. A minha mãe falava assim: “José!” E ele já entendia quando ela não gostava das coisas, entendeu? E quando ela falava isso: “José, vai ter que fazer não sei o que, não sei o que.” Meu pai: “Pô, mas eu vou ter que fazer?” “Tem que fazer.” Então, se meu pai fala assim: “Tó, que eu cheguei aqui pra almoçar.” E meu pai não deixava a mãe descer para buscar ele: “Como é que é? Vou esperar tua vontade até que hora?” E ele: “Ih, tô indo, sujou, sujou. Dona Encrenca chegou.” Ele subia com a minha mãe para comer. Então, quer dizer, eu nunca vi os dois terem discordância de nada. Vou contar: quando ele ficou doente, minha mãe ficou com ele até a morte. Perdeu uma perna, porque ele deu diabetes. Aí o médico achou que tinha que tirar, porque entupiu as veias, as feridas não cicatrizvam da diabetes. Acabou perdendo a perna e acabou ficando triste, porque ele dançava muito. Meu pai era dançarino inato. De gafieira, entendeu? O meu pai dava aula no Corpo Municipal, também. Ele dançava muito, fazia fila pra dançar com ele, a minha mãe falava. Minha mãe falava: “Teu pai era um preto bonito. Bem vestido, com gravata.” Que essa fase, também, eu não cheguei a pegar, porque eu era pequena, eu não lembro muito bem. Mas eu aprendi a dançar até com o meu pai, também. Como o meu pai dançava muito eu aprendi dançar igual a homem, que eu fazia igual a ele, pô. Ia para o Baile do Charme, eu chegava no Baile do Charme pernoitada e ia trabalhar assim mesmo. Perguntava assim: “Você tá doida?” Pernoitadona. Eu começava a farrear aqui e topava num domingo à noite, três horas da manhã. Aí, na segunda, eu ia trabalhar assim mesmo. Quando folgava sempre às segundas. Aí botava as crianças na escola, pegava, deitava para dormir. Aí chegava a noite, eu ainda estudava a noite, fazia segundo grau. É assim que eu fui sendo criada, com o meu pai e com a minha mãe. Sempre com a gente daquele jeito: “Certo é certo. Errado é errado.” E foi assim que meu pai me criou, e minha mãe.
P/1 – Você lembra das suas brincadeiras de infância?
R – Ah, eu gostava muito brincar de jogar bola com os homem. Ficava subindo em cima das árvores para ficar catando as frutas do meu falecido tio Ailton. Porque tinha amora, manga, tangerina, a gente subia em porção de árvore. A gente andava de cavalo, a gente andava de carroça, e era bem divertido. Mamãe passeava com a gente para tudo quanto é lugar: para Caxia, Santa Cruz, só se houvesse um dinheiro. Natureza… Minha mãe falou que era desse jeito. Minha mãe falou que ia levar a gente para ver como é que é outro ritmo, porque a gente morava no Leblon, num apartamento. E como a gente ia para uns lugar assim, grande, a gente se perdia bacana.
P/1 – Você morava no Leblon?
R – É, Leblon Sebastião. Minha irmã mora até hoje lá. Aí quando a gente saía de lá para ir para outro lugar, para gente era novidade. Ô, ficar mexendo com terra, coisa da natureza, então, aquilo sempre me fazia muito bem. E eu gostava muito do fresquinha. Tirava leite da vaca cedo. E para gente tudo aquilo era novidade. Que era criança no Leblon, você não via cavalo passando para lá e para cá. E lá você já via tudo perto. Meu tio tinha um sítio já com tudo aprontado dentro do sítio dele.
P/1 – E com quantos anos você entrou na escola?
R – Bem, que eu me lembro, comecei a estudar desde cedo, desde os 6 anos. Eu estudava, na época, teve uma época que a professora tinha uma implicância comigo. Que eu sabia desenhar. Aí eu desenhei uma águia. Lembro como se fosse hoje, eu tava com 6 pra 7 anos, nunca mais tinha esquecido isso, ela me colocou de castigo pelo desenho que eu tinha feito. Aí minha mãe falou: “Mas ela faz esse desenho.” Como a diretora já me conhecia desde o jardim, ela falou assim: “Mas ela que fez esse desenho.” Ela: “Então, faz outro.” Peguei e fiz outro. Aí eu desenhei a Mônica. Aí a mulher nunca mais implicou comigo. Mas aquilo ficou marcado na minha cabeça.
P/1 – Mas por que ela te pôs de castigo? Não entendi.
R – Porque ela achou que eu não tinha feito aquele desenho, que eu tivesse pedido alguém fazer para mim. Eu fiz na sala de aula, naquele horário. Aí o desenho, eu fiz uma sombra, assim, bonita, na águia. Aí eu pintei e botei lá para vender no artesanato. Geralmente se fazia muito artesanato para vender na escola, para arrecadar fundo, alguma coisa assim. Para fazer festinha de final do ano para as criança. Fazia ali. Aí depois dali da Santos Anjos. Saí da Santos Anjos, fui pra Henrique Dodsworth. Aí, da Henrique Dodsworth, eu fui para o Ademar de Barros. Aí, eu acabei o segundo grau lá. No Ademar de Barros. Aí eu fiz a prova pra PUC [Pontifícia Universidade Católica], tirei segundo lugar da PUC, eu ia fazer advocacia. Mas como a Mariana nasceu com problema, dando crise convulsiva, aí eu tive que parar de estudar por causa da Mariana. Aí fui morar no Engenho da Rainha com o meu marido. E vivi com ele catorze anos.
P/1 – Que outra… Vamos voltar um pouquinho: que mais que você gostava de fazer na escola além de desenhar?
R – Educação Física. Que nós jogava basquetinho. Na época, era basquetinho. Ou então handebol, que eu gostava de fazer na escola. E estudar Matemática, que eu gostava muito. Até hoje eu gosto de Matemática, Português, Literatura. Eu gostava bem desses três tipos de matéria, eu gostava de fazer.
P/1 – Tem alguma outra professora que tenha te marcado, que você lembra bem dela?
R – Matado de raiva?
P/1 – Não, marcado. Marcou, ficou na sua memória.
R – Foi a professora Cristina de Português. Eu sentia, porque ela não gostava de mim, porque eu era negra. Por eu tirar nota melhor do que as outras, às vezes tudo para eu ficar, para me repetir. Porque antigamente não era, tipo assim: você tira nota boa todo mês, todo bimestre, você passaria. Ela me prejudicou por causa do Português. Aí depois eu olhei e falei assim: “A partir de hoje eu vou tirar a melhor nota de Português.” Comecei a estudar Português igual louca. Eu comecei a passar, fui passando direto, nunca mais repeti. Repeti um ano só por causa de Português e foi com aquela professora que tinha a maior bronca minha. Aí, eu fui, repeti. Aí, eu passei. Aí, eu peguei a Dona Eiko que era uma professora de Português muito boa, também, uma japonesa. Caraca, ela ensinava muito bem mesmo. E eu comecei a passar ter mais amor por Português por causa dessa professora. Porque eu não gostava muito de Português, na época, muito, não. Depois que eu comecei a me aprofundar no Português. Aí, quando eu fazia prova de Português, eu fazia dez, quinze minutos, acabava a prova e saía fora da sala de aula: “Já acabou, Miriam?” “Já.” Ela olhava assim: “Cara, tá tudo certo, parabéns.” E eu metia o pé para fora da sala de aula. Caraca. Quando eu passei a estudar Português igual louca, Português é fogo, cara. Conjugação doida, advérbios. Eu comecei a pegar uma loucura daquilo. Pegava o vocabulário para ver se a palavra estava certa, escrito mesmo, o acento certo mesmo. Matemática, já é bom para mim. História: fazia desenho. A caravela. Quando eu fazia os trabalhos de História, a professora falava: “Nota aqui é dez.” Tudo resumido, eu pesquisava três, quatro livros. Porque eu tinha a maior paciência, que naquele tempo não era internet. Era datilografia manual, ainda por cima. Batia aquilo rápido, assim. Fazia tudo: elaborava tudo, trabalhava, era representante de turma, cuidava dos meus filhos. Fiquei separada do pai dos meus filhos mais velhos. Que era um galinho, eu peguei ele com outra mulher, aí, eu larguei ele pra lá, fui seguir minha vida com meus filhos, entendeu? Aí, passei a estudar, estudar, e trabalhava na CONURB. Aí, depois da CONURB…
P/1 – … Então, volta só um pouquinho. E educação religiosa, vocês tiveram, algum tipo de educação religiosa?
R – Não, na minha sala, não. Que minha mãe sempre foi testemunha de Jeová, entendeu? Então, minha mãe sempre disse esse tipo de coisa para nós. Eu fui criada dentro da igreja de testemunha de Jeová. Quem se batizou foi minha mãe. Minha mãe é batizada há mais, quase, 60 anos. Minha irmã tá batizada quase uns 30 anos. Minha tia, meu tio, minha prima, meu primo, tenho primos e mais primos, tudo batizado testemunha de Jeová. Minha família toda é testemunha de Jeová.
P/1 – Você também?
R – Eu também estou estudando para me batizar.
P/1 – E a adolescência? O que é que você fazia na adolescência?
R – Ó, eu sempre saí mais com os meus primos que a mamãe sempre deixou sair com as pessoas mais velhas. Então, por isso que eu sempre fui mais adepta, até hoje, de ter afinidade com as pessoas mais velha do que eu. Então, pessoal fala assim: “Pô, você vende sabão brincando.” Porque os coroa é que compra mais, não é, não? Aí, então, eu brinco mais com os coroa, cativa as coroa. E as coroa acaba levando, entendeu? E acho que me adapto a tudo quanto é tipo de pessoa. Minha mãe e meu pai sempre foi muito alegre, cantavam música. A gente dançava dentro de casa, entendeu? Minha mãe falou: “Dança assim, menina.” Que minha mãe é cristã, mas testemunha de Jeová não é proibido dançar. Então, vamos cantar uma música decente. Nunca cantou uma música de indecência. Mas uma música que a gente possa dançar. E eu sempre dancei desde nova com a minha mãe e com o meu pai dentro de casa.
P/1 – Dançava muito lá?
R – Ôxa, como nós dançava. Até hoje a mamãe ainda bota música, ela dança. A mãe ama o Belo. Minha mãe falava: “Ah, meu Belo. Não sei o que.” A mãe ama o Belo. Quer deixar a mãe feliz, dá um CD do Belo ou um DVD do Belo. Minha mãe chega a rir e chorar: “Ai, meu deus, meu Belo. Meu canarinho foi preso.” Isso quando ele foi preso aquela vez: “Por que que fizeram isso com ele? Isso daí não é injustiça pro Belo?” Ela falava. E a gente ria muito. Minha mãe é demais. Ela é muito divertida mesmo. E até meu pai, também, nossa, ele chamava a gente de gordinha: “E ai, gordinha?” Gordinha, foi Tchutchuca. Meu pai zoava muito a gente. Eu falava: “Papai, não faz isso, papai.” “Vou fazer aquela comidinha gostosinha.” Lá vinha o frango da mamãe. Aí era frango empanado, é frango à milanesa, é frango não sei o que: “Filha, eu não aguento mais frango. Tira o frango do meu pensamento.”
A gente ria muito lá em casa, o meu pai era demais, cara. Quando ele morreu, a gente sentimo muito. Porque é uma pessoa que estranha muito a família. E bem inteligente. Meu pai sabia coisa de política, que tem coisas que eu nem lembro, papai lembrava. Ele morreu com 83 anos, ia fazer 84.
P/1 – Ele… Se falava de política na sua casa?
R – Gostava muito de discutir sobre política. Ele falava sobre o que lhe mataram… Falou sobre o Tancredo Neves. Ele falava também sobre Getúlio Vargas. Meu pai conversava várias coisas de política, que você ficava assim, com ele, assim. Aí falava o que é que prestava na política, o que não prestava. As falcatruas que tiveram, desvios de verbas. E o meu pai falou assim: “Isso aí já é muito tempo. Eles querem mostrar que estão mudando muita coisa. Tem muita coisa escondida.” Então, quer dizer, é coisas que meu pai não teve muito estudo e sabia de muita coisa, entendeu? Que eu fiz segundo grau e não sei nem tanta coisa. Que tem a História em si. Mas a História em si não mostra todo aprofundamento do que realmente aconteceu no Brasil. E por isso tem a Sociologia. Que era diferente da História. Ela debate o contrário da História. O que é que a gente vê que tem de negativo. E na História em si, ela mostra positividade, o que tem no dia a dia da História, que aconteceu, aquela coisa ilustre.
P/1 – Fala uma coisa: você lembra do seu primeiro namorado?
R – Lembro. Foi o primeiro namorado que eu me achei com ele. Fiquei com ele sete anos.
P/1 – Como você o conheceu? Quantos anos você tinha?
R – Bem, outro dia… Eu estava com 13 para 14 anos. Aí eu estava em cima do muro, assim, lá no sétimo bloco. Eu morava no terceiro andar. A gente estava ali embaixo. Aí quando ele estava ali embaixo, a minha irmã que era muito sacana, Maísa: “Ih, ó lá, tá te olhando.” Eu disse que ela era maluca. Eu disse: “Para com isso, Maísa, não sei o que.” Aí quando eu olhei, assim, ele estava me olhando mesmo. Aí eu fiquei sem graça, porque eu era muito tímida na época. Eu tinha vergonha de tudo, na época. Até se eu botasse uma calça eu achava que alguém estava olhando. Eu sempre tive bunda. Então aquilo chamava muito a atenção e eu ficava sem graça. E eu, naquela época, dava umas brigas com a minha mãe também. Aí um dia veio por causa dele. Aquela época, que eu fiquei com ele, como eu fiquei quase sete anos, me senti com ele que foi um verdadeiro amor. Fiquei com ele quase sete anos. Mas só que eu não quis casar com ele, que eu era muito nova. Ele foi na minha mãe. Eu dei o maior passo. Nunca conversei assim com a minha mãe. Sentei: “Mãe, aconteceu isso comigo assim, assim, assim, assim.” Falei. Que eu sempre fui verdadeira com a mamãe, que a mamãe sempre foi minha amiga. Então, eu não achava legal eu esconder as coisas para ela, os outros saber, sem minha mãe saber. Tanto que as minhas colegas que contavam, ninguém sabia, quem sabia era só minha mãe. Que eu já não era mais virgem. Minha irmã, meu pai, sabia, e meus outros irmãos. Agora, os outros da rua, ninguém sabia. Falam, né: “Não tem neném, é virgem ainda, não é, não?”
Então, fiquei um tempão sem ter filho. Só fui ter filho com 21 anos. Vejo agora as meninas tendo neném com 13, 14 anos. Tantos métodos para evitar e elas tudo engravidando por aí a fora.
P/1 – E aí, você fez colegial, você fez tudo direto?
R – Já namorava com ele. Eu nunca parei de estudar. Que eu tinha namorado lá. Falei para ele: ‘Toma vergonha na sua cara que você devia estar estudando.” Ele: “É mesmo.” Até incentivei ele a estudar, aquelas coisas todas. A gente só não ficamos juntos, porque depois não sei o que que aconteceu com ele, mataram ele. Foi tipo assim, que eles discutiram, bateram boca, depois foi prum lado, foi pro outro. Aí quando soube, mataram ele. Eu falei: “O que é que houve?” Não sei o que, fui saber, já tinha sido enterrado. Aí, depois dali, eu fiquei meio deprê, triste. Aí logo conheci outro rapaz também. Esse cara eu mal conheci, fiquei logo noivada com ele. Aí não demos certo por causa do padrasto dele. O padrasto dele se metia muito na vida dele, ele até falou: “Meu padrasto destruiu a minha vida.” Arrumei a Natasha, que foi uma benção. Eu quis ter a Natasha, entendeu? Porque eu estava me sentindo meia só, e precisava de uma amiga. E a minha filha até hoje é muito minha amiga.
P/1 – E com quantos anos você começou a trabalhar?
R – Eu comecei a trabalhar, eu acho, que eu tinha uns 15 anos. Comecei a entregar papelzinho na rua. Aí dos 15 anos, fiquei nessa aí, depois eu saí, fui trabalhar numa pensão. Mas não era carteira assinada também.
P/1 – Você entregava papelzinho onde?
R – Não tem ali perto dali da Gávea? A gente entregava papelzinho ali naqueles sinaizinhos ali. Naquela Praça Cibele, ali. A gente entregava papelzinho ali.
P/1 – Que papelzinho?
R – É um negócio que o cara fazia, de eventos, de festa, essas parada assim. Entregava eu e, na época, era minha cunhada, a Tina. Entregava eu e ela ali. Aí o cara encheu tanto o meu saco que eu deixei ele para lá, fui embora. Meti o pé e aí, fui trabalhar nessa pensão dessa moça. Aí eu fiquei nessa moça, o que? Uns três ou quatro meses, porque....
P/1 – … Você fazia o que na pensão?
R – Ajudava a cortar os legumes, ajudava a fazer comida, fechar a quentinha, a entregar. Aí teve uma vez que ela perdeu um bolo de dinheiro, aí, ficou meio assim olhando para minha cara. Eu falei para ela assim: “O que é que foi?” Ela: “Não, é que sumiu dinheiro.” Eu falei assim: “Vem cá. Você acha que fui eu que peguei teu dinheiro?” Ela: “Não. Não.” Foi meio assim comigo. Ela e o marido dela. E tinha outra empregada lá, era uma bagunça aquela mulher, mas já estava há um tempo, ela é antiga. Aí eu fiquei quieta. Quando foi no outro dia ela falou assim: “Poxa, achei o dinheiro embaixo da almofada.” Olhei para cara dela, falei: “Não quero mais trabalhar contigo. Vou embora.” Que eu achei que aquilo dela, para mim foi uma afronta, porque como é que ela sabe que eu estou pegando alguma coisa, não é, não? Sumiu dinheiro. Eu sempre colocava o dinheiro dela e contava certinho o dinheiro na mão dela. E colocava as caixinha e falava assim: “Eu ganhei isso aqui de caixinha.” Ela: “Não, tudo bem, blá blá blá.” Entendeu? Que o povo dava muito cachê para mim. Eu brincava com o pessoal, zoavam, aí levava as quentinha, brincando. Chegava lá sempre na hora certa para entregar as quentinha, no Jockey, na Rede Globo, subia aquele negócio lá naquela coisa lá para entregar. Entregava quentinha para todo mundo, vai desconfiar de mim? Aí eu peguei e saí fora mesmo. Aí o que é que eu fiz depois? Ah! Aí, passou um tempo, eu comecei a trabalhar na Pão de Queijo. Já tinha a Natasha e a Ariane.
Foi o primeiro lugar que eu assinei carteira. Aí eu saí de lá, porque a dona da loja, a irmã da dona da loja, o filho dela era cheio de frescurinha. Aquelas crianças “nhe nhe nhe.” Muito insuportável. Aí a gente botava o negócio, ia mexer, o filho dela, faca! Aí ele começou a se machucar e eu tirei a faca da mão dele e falei: “Para com isso, Johnny.” Tirei da mão dele. Ela não gostou, a dondoca. Aí falou para dona da loja: “Ah, manda ela embora.” Eu saí da Pão de Queijo, ó… Se afundou. Fui comprar pão de queijo lá da Rio Sul. Ela ficou doida quando soube. Aí pediu para mim voltar: “Não quero mais, estou fazendo um concurso.”Qualquer coisa. Aí, fiz o negócio da CONURB, entrei na CONURB, entendeu? Aí, fiquei na CONURB, foi bom.
P/1 – Fazia o que na CONURB?
R – Varria rua. Fiquei varrendo rua, bastante tempo. Depois deu problema de tendinite, coluna, e fiquei como interna.
P/1 – Ficou o que?
R – Como interna. Trabalhando lá dentro.
P/1 – E como é que foi esse período de varrer rua? Como é que você fazia?
R – Ah, eu varria pra caraca, Rosana, varria mais do que homem. Varria mais do que três homens juntos. Eu pegava uma varredura, eu passava que nem… Em uma hora eu já acabava com as quatro transversais, que a gente varria muito. Era quilômetro, mais quilômetro varrendo, pensa que gari varre mole? Pô, varri muito, que nem um tarado de rua. Nossa, mãe, é muita rua para varrer, cara. Eu varria, tipo assim, começava ali da… Não tem a Visconde de Pirajá? A gente começa a varrer da Praça da Paz até chegar a Borges de Medeiros. Aí você imagina quantas quadras você vai varrendo. E para varrer a boca dura 30 centímetros daqui para lá, para varrer. Tipo assim, quem varre a rua, vai varrer daqui para lá. A gente varre a estação todinho e limpava tudo. Zerado, tudinho, entendeu? Tipo, chegou uma menina que entrou lá, que é a Lúcia, ainda tá lá, ela não conseguia varrer, que ela é costureira. A mão dela ficava toda cheia de esfolação. Eu varria o meu lado todinho, fechava, e vinha varrendo o dela, pegando o morro de uma vez. Quando eu voltava para as ruas, ela nem tinha terminado a primeira quadra ainda.
“Mas, Miriam, pô, tu é tão rápida.” Falei: “Ah, minha filha, é o destino.”
“Vambora.” A gente ia almoçar, eu e ela. Aí eu: “Caraca, Miriam, eu não consigo varrer tão rápido, não.” Eu falei: “Vamos levar até lá embaixo.” Aí eu ia até lá embaixo. Falei para ela: “Vamos bater as papeleira.” Bati as papeleira todinha, fechada. Ali conheci muita gente boa. Pessoas idosas.
P/1 – Quem, como que você conheceu? Quem você conhecia?
R – Eu tinha mania de observar muitas coisas. Desde cedo eu tenho essa mania. Eu ia varrendo, aí, olhava assim para trás. Aí o povo querendo sair do táxi, o taxista não ajudando o coroa. Aí eu vim embora catando os negócios e parava, assim, falava assim: “O senhor quer ajuda?” Falei: “Quero.” Aí tirava o idoso de dentro do carro. Pegava a bolsa dele e colocava assim. Eu falava: “Vai com Deus.” Ele: “Valeu. Não quer dinheiro, não?” Eu: “Não, não quero, não. Obrigada.” “Então, tá.” Aí, eu esquecia ele, quando eu via, ele vinha e apresentava a mulher dele: “Ah, essa é a minha mulher.” Eu conhecia muita gente. Muitas boas amizades assim, entendeu? Assim, na rua. Da gente querer um copo d´água e o cara do botequim falar assim: “Só tem da alambica”. Naquele calor de queimar. E o gari, em si, ele não tem muito valor. Que as pessoas esnobam. Jogam lixo no chão: “Ah, tô jogando, vão varrer mesmo.” Entendeu? Não tem conscientização. Aquele plástico, ali, vai ficar milhões de anos ali pra se decompor. E joga tudo no escombro. É uma loucura, as ruas do Rio de Janeiro. Tem pessoal que são muito porco. Você vê mais lixo no chão do que naquelas papeleiras, no dia a dia.
P/1 – Aconteceu, algum dia, enquanto você estava varrendo, algum episódio que você não esqueceu mais?
R – Poxa, teve uma vez que eu estava… Não tem aquele negócio de eventos, quando tem assim… Shows de praia? Então, a gente tinha que varrer que nem um louco, mesmo. Sabe o que é louco, mesmo? Já botava umas duas cervejas no meu cérebro, que eu falo assim: “Essa vassoura, agora, eu não vou nem sentir, mano.”
Eu pegava e “va vla vla vla vlu” ia varrendo, ouvindo voz de gente: “Varre, Miriam.” Era só a mulher vindo varrendo. Que os homens alucinava. Todo mundo sabia que os homens me cegava, o que é que o gerente fazia? “Vou botar os caras pra pegar a Miriam varrendo.” Aí, chamou os caras e de repente, assim: “Vamos ajudar.” Coitados! Quando eles acabaram de varrer, catar os lixo, eles vinham catando e colocando no contêiner, e no meio do caminho a gente dava os contêiner para gente ir trocando. Chegou na hora: “Caraca, essa mulher varre é muito.” Mas cheia de cachaça no sangue. Antes de pegar no batente a gente bebia muita cerveja, para depois varrer. O que? Tinha que beber, meu filho. Só bebendo, que senão você não ia conseguir varrer aquilo tudo, não. É quilômetros. Sabe o que é você varrer a Copacabana toda? Começava lá do começo, do, daquele pedaço ali… Acabou o Arpoador aí começa a Ilha do Pescador, não é isso? Aí, você vê, até a Princesa Isabel, lá embaixo, é chão pra caraca, não é, não? A gente vinha varrendo que nem um louco, cheio de cachaça no sangue. A gente varrendo, varrendo, varrendo. Acabou que passava o efeito, tinha que se abastecer de novo. A gente vinha varrendo, fechava tudo.
P/1 – Vocês compravam bebida onde?
R – No bar mesmo. Chegava já cedo, a gente. A gente chegava cedo. Aí a gente parava, almoçava, que a gente não tinha tempo de comer em casa. O que a gente comia? Vamos fazer uma comida? Fazia uma comida. Lá no bar o cara até já conhecia a gente. A gente comia, bebia nossa cerveja, tomava um banho bom, trocava de roupa. Pum! E ia para varrer. E aquela loucura. Porque senão, filha, não tem como, não tem um que não beba. Porque, ó, é difícil. Que ali é muito lixo pra tu varrer. Sabe o que é lixo demais? Tem uns que vem varrendo, varrendo desanimado. Vai daqui até um pouquinho ali, já tá parado conversando, conversando. Só que não é assim, era gerente, coordenador, diretor. Era todo mundo perturbado da ideia. Todo mundo mesmo. E o salário do gari também não compensa muito. É muito pouco. Na época em que eu entrei era melhor, era hora extra, era… Você tinha um triênio. A cada um ano que você tinha, ganhava mais trinta no salário. Mais vinte, um negócio assim. Pegou e foi tirando tudo. Depois que o Cesar Maia entrou, ele tirou foi tudo. Trabalha domingo de graça. Cada domingo que você trabalhava, era um domingo. Então cada domingo que você trabalhava dava um dia a mais. Já tinha o teu ticket mesmo, ganhava um ticket a mais. Quer dizer, compensava eu trabalhar num domingo ou feriado. Depois tirou tudo. Aí depois trabalhava um domingo sim, um domingo não. Aí eu acabei de lembrar que, quando a gente tava muito louco varrendo, aí, um cara falou assim: “Eu, hein. Pra que tá varrendo tão rápido? Não sei o que, ‘neguinha’.” Ah, eu voltei: “Por que você está me chamando de neguinha?” Ele ficou assim, chegou a ficar vermelho: “Nossa.” “Você tá com a tua vida ganha, meu filho. A gente, não. Tá varrendo para acabar cedo. Aqui nós temos meta. Tá bom, meu querido?”
P/1 – Você já achou alguma coisa na rua?
R – Muita coisa. Achava celular, achava dinheiro. Uma vez, eu durinha, achei trezentos conto no chão, minha filha. Cheguei a fazer pulo de alegria. Falei: “Nossa, mãe, vai ser o leitinho da criança. Vai ser agora.” Eu durinha que nem um cocô. O que? Achava era coisa. Porque eu varria debaixo dos carro. Tombar embaixo do carro que é que é o segredo. Celular, um dinheirinho. Olha prum lado, olha pro outro. Será que tem dono aí? O que? Todo carro pra gari era pouco. Quando a gente achava um dinheiro para gente era uma coisa assim: “Nossa! Ô, meu Deus!”
P/1 – E acha bastante dinheiro?
R – Acha. Gari que sabe varrer bem, varre debaixo do carro, ele acha. Que tem gari que só varre, assim, por fora, por isso não arruma nada: “Ah, não arrumo nada.” Eu falei: “É mesmo? Que coisa.” A coisa durinha achando dinheiro na rua, cara. Uma coisa de doida. E quando eu ganhava as quentinha na rua também? Nossa, uma loucura! Tu tinha restaurante que o pessoal são muito maneiro, sabe? Refrigerante, então? Eles viam gari que varre direito a calçada deles, que às vezes eles não tem funcionário para varrer, que eu passava cedo, ia embora varrendo as calçadas todas, fechado. Minha caixinha, meu amor. Você não tem noção como eu arrebentava na caixinha no Natal. Eu conhecia na Marquês de São Vicente, onde que eu varria que tinha um hotel, era muito maneiro esse diretor. Foi dos diretores mais maneiros que eu tive na rua. Ele não perturbava gari, cara. Ele passava, a rua tava limpa. Ele não tava nem aí, cara. Não perturbava. Mas depois foram entrando os diretores, aí… Enchendo a paciência. Depois entrou uma gerente que era do sexo oposto. Não tenho nada a ver com isso. Mas acho que ela tinha… Que eu varria muito, ela me perturbava, aquela mulher. E ela que me mandou embora. De recalque. Mas eu não liguei, não. Também como monitora. Sabe o que acontece não tenho paciência com vocês, ah. Aí chegou a botar os outros na geladeira. Aí quando me chamaram, eu tinha acabado de aparecer na televisão. Aí eu falei pra eles: “Agora não dá mais, não. Que agora eu tô trabalhando por conta própria.” Foi a melhor vitória que eu tive na minha vida. É muito bom esnobar quem esnoba a gente.
P/1 – Por que que você saiu da CONURB?
R – Eu adoeci. Hoje tenho desvio de coluna. Então, eu precisava cuidar de mim. Porque da minha filha, não. Eu levava para fazer tratamento direitinho. Mas aí a CONURB começou com aquela implicância. Você viu aquela coisa da implicância? Eu não achei como falta de preconceito deles, que quando a pessoa tá doente, eles ficam naquela implicância com a pessoa, entendeu? Eu comecei a passar mal no meio da rua, desmaiava no meio da rua. Tudo a coluna mexendo comigo. Tendinite. Fiz fisioterapia da tendinite. E também por causa da coluna. Aí mandaram embora. Botei no pau, voltei de novo. Aí mandaram embora de novo. Agora tô com eles de novo na Justiça. Tô esperando até hoje, isso sair da Justiça. Nunca resolve. Vai ter um tempo, já, que está na Justiça. Já tem uns dois anos e pouco, já. Quando é Prefeitura, meu filho, demora pra caramba.
P/1 – Aí foi mandada embora?
R – Aí botei na Justiça. Foram até hoje. Eles que mandaram embora. Eu mesmo sou difícil de sair do trabalho. Só se eles mandarem embora mesmo. Porque senão, eu fico ali.
P/1 – Que ano foi isso, que te mandaram embora?
R – Foi 2009.
P/1 – E aí?
R – Aí foi uma desestrutura pra mim, porque eu fiquei desempregada, fiquei devendo as coisas. Tem coisa minha que até hoje eu não consegui pagar, entendeu? Porque eles desestruturaram totalmente a minha vida, entendeu? Tem o meu dia a dia, as coisas dentro de casa. O ticket que eu trabalhei, não me deram, entendeu? Fiquei totalmente desorientada. Fiquei chateada. Porque, eu falei: “Poxa, eu sempre trabalhei, sempre dei meu tudo. E mandaram eu embora.” Agora neguinho que você vê que nem trabalha, não tá nem aí, tá até hoje na companhia. Fiquei até pensando: “Pô, isso aí é discriminação porque eu tenho uma filha especial, porque eu adoeci?” Entendeu? Perdi tudo, entendeu? Fazer o que?
P/1 – E aí, você foi ganhar dinheiro, foi fazer o que?
R – Ah, fui trabalhar em outros bicos. Em eventos no Centro. Trabalhei no HSBC [?], na arena. Aí na arena, trabalhava no HSBC, que era na arena, lá no autódromo. Saíamos de lá, trabalhamos na Praça XI, que tinha vários eventos, então mandavam a gente para tudo quanto é lugar. Trabalhei no Cristo Redentor, lá em cima. E assim ficamos. Fiquei bastante tempo também. E fazendo o curso ao mesmo tempo aqui no Fundo Elas com o patrocínio da Chevron.
P/1 – Como que você ficou sabendo desse curso?
R – Eu fiquei sabendo através da minha sobrinha e da minha filha. A minha sobrinha não deu pra fazer, para acabar de fazer. E nós ficamos, entendeu?
P/1 – Sua filha também já fazia?
R – O curso? Fazia.
P/1 – Mas como ela ficou sabendo?
R – Através da minha sobrinha. Porque minha sobrinha falou para ela.
P/1 – O que é que ela falou?
R – “Ah, mãe, é muito legal, pô. O projeto querendo ajudar mulheres a ter o primeiro pontapé inicial para abrir o próprio negócio. Vamos lá pra senhora conhecer.” Aí, eu fui lá.
P/1 – Onde que era?
R – Em frente à escola de samba. Aqui na rua principal, rua Edgard Werneck.
P/1 – Sei.
R – Ali em frente a… Sabe onde tem a escola de samba deles, a Mocidade? A gente ficamos ali na… Como é aquele lugar? SERGEP [?]. Aí fizemos um curso bastante tempo, que era puxado. Oito horas da manhã, até meio-dia, de segunda à sexta. E sábado, o dia todo. Tem muita mulher que não puderam continuar, porque o marido não quer, é por causa de filho, é por causa de não sei o que. Teve um monte de problema, devido as palestra. Muitas delas não ficaram até o fim. E também teve muitas que não levaram fé: “É calor. Não sei o que é, vou ficar longe.” Eu fiquei aqui até o final. Eu e minha filha ficamos até o final. E nessa confusão todinha, perdi um pai, vim trabalhar assim mesmo: “Ah, não precisa trabalhar assim, não.” Falei: “Se eu ficar em casa, eu vou pirar.” Né? Aí eu fui trabalhar assim mesmo. Aí depois quando foi no outro ano, no mesmo ano perdi meu primo, acidente de carro que ele bebeu no volante, morreu. Que ele tocava com o Martinho da Vila e Beth Carvalho. Era Ovídio, o nome dele. No volante, já tinha tirado o primeiro CD dele, comemorando. Aí pegou, subiu num carro, foi pegar mais dinheiro, dormiu no volante, bateu com o carro, morreu. Aí quando foi no outro ano que vem, 2011, morreu a irmã dele. Quer dizer, e eu continuei esse mesmo tempão fazendo aqui no Bosque Dom Pedro.
P/1 – O que é que vocês aprenderam neste curso?
R – Telemarketing, ajuste de preço, custo de preço fixo e não-fixos, produtos variável e não-variável, manutenção do maquinário, telemarketing. Aprendemos também como fazer também… Como se fosse descobrir o nome do nosso empreendimento que a gente ia fazer. Que a gente passava tipo um, como é que se fala? Uma terapia. Aí botava vários tipos de nome ali no quadro. E eliminamos qual que as pessoa não queria. Cada um dava um nome, deu o nome, acabou. Chegou no Bolhas Coloridas. Foi assim que ficou, até hoje ainda tá.
P/1 – Mas como é que vocês decidiram por fazer essa atividade?
R – É porque tinha assim: “Poxa, na Cidade de Deus o pessoal tem tanta lanchonete, tanto lugar que vende roupa. Tem tanta pensão. O que é que a gente faz com esse óleo todo, aí?” Entendeu? Porque tinha muita gente que reclamava: “Gente, porque eu junto o óleo se eles não vão levar?” Entendeu? A minha filha também, o pessoal também junta muito óleo. Aí eu falei assim: “Ué, então, o que que eles fazem com esse óleo?” Não sei o que, aí começamos a fazer, entendeu? Esse tipo de projeto. Aí o pessoal falou que se abraçasse essa causa junto com a gente ia ajudar a gente. O que é que nós ia fazer. Porque a gente ficou com medo do processo que ia ter, da legalização, essas coisas toda. Então, tá sendo uma labuta. A gente conseguiu tirar um CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica] através de uma pessoa só.
P/1 – Não, mas aí vocês decidiram o que? Que vão reciclar o óleo?
R – Isso.
P/1 – Para fazer sabão?
R – É, para fazer sabão, porque sabonete não tem como. O óleo, ele faz sabão em pedra e sabão líquido. Aqui tá dando bastante repercussão aqui na Cidade de Deus. O pessoal tá gostando bem. Isso o pessoal tá tendo conscientização para trazer para gente, entendeu? Devido à campanha, e também devido à divulgação que a gente faz, que eu trabalho em evento. E também fazemos… E sabe que com o óleo ajuda muita coisa, também protege o meio ambiente.
P/1 – E em quantas vocês… E o grupo ficou com quantas? Você falou que começou um monte de gente, foi…
R – … Bem, se me lembro eram 38 mulheres. Agora ficou reduzido a quatro mulheres.
P/1 – De 38 foi pra quatro?
R – Era seis. Aí saiu uma que teve problema. Saiu outra, também, que não estava muito no foco, deu no pé. Aí, ficou nós quatro.
P/1 – E como é que é, cada um faz um pedaço?
R – Eu faço a parte do telemarketing e vendas. Porque eu vou muito no evento. Eu gosto de ficar conversando, divulgando sobre o projeto, o que que significa, o óleo, a importância, para proteger a natureza, proteger o meio ambiente. E nisso eu vou vendendo sabão, meu filho. Conversa daqui, conversa dali. Aí procuro saber onde vai ter feira. Faço parte das reuniões das feira. Aí eu fiz um curso também de outros tipos de outras coisas também, o da Chevron, e do Fundo Ela, porque também a gente tem que saber andar com os nossos próprios pés. Não ficar só contando com eles. Eles tão querendo fazer outros cursos igual, vamos ver se a gente consegue fazer.
P/1 – E quando que vocês começaram? Quando que começou a funcionar o projeto?
R – Já tem um ano e… Estamos em maio? Abril, maio. Um ano e dois meses. Um ano e dois meses vai fazer agora dia 30.
P/1 – Tem um dia, assim, que foi marcante no projeto?
R – Olha, para mim, que foi marcante, quando a gente conseguiu achar realmente o produto certo para gente vender. Porque primeiro foi um quebra-cabeça danado. Porque tem muitas receitas na internet, mas aquelas ali nenhuma serve, entendeu? A gente foi quebrando a cabeça, quebrando a cabeça, pesquisa daqui, pesquisa dali, até chegar a um sabão que todo mundo gosta. Que nós começamos entre a gente, também e entre nossos familiar para saber o que é que eles achavam. Porque ali é um bom crítico: “O que é que tá faltando melhorar? O que é que você acha que tá faltando aí?” Que não sei o que, não sei o que. Entendeu? E nisso a gente foi aprimorando até que chegou no ponto certo. Quando a gente viu que bombou, entendeu?
E aquilo ali para gente foi uma alegria. Saber que muita gente conhecia a gente. A gente vai prum evento: “Ó, o pessoal do Bolha Colorida, blá blá blá.” Aparecemos no RJ, no Meia Hora no Extra. Quer dizer, muita gente tá querendo fazer, mas não conseguem fazer. A gente não conseguiu também.
P/1 – Como que você começou vendendo? Como foram as primeiras vendas?
R – Ó, as primeiras vezes, no começo, eu achei que tava meia devagar. Aí quando eu comecei a me entrosar com esse pessoal de feira, aí a gente começou a ir para feira do Amil, fomos na feira da Cinelândia. Caraca, na Cinelândia, então, você não imagina como é que foi. Saíram todos os sabão, cara: “Pessoal, pessoal do Bolha”. Pessoal assim: advogado, promotores: “Pô, cara, legal, esse projeto.” “É pra valer? Gostei desse sabão.” Tinha pessoas que vinha aqui até a gente, comprar, entendeu? E sabonete, também, o pessoal, viu a entrevista. E também teve uma entrevista que saiu agora. Uma que ela deu, Maria, o pessoal também tá aprendendo sabonete da gente, entendeu? Teve outros shop, também, compra de sabonete de dia dos namorados. Então, quer dizer, foi uma propaganda boa. Propaganda não só na Cidade de Deus, entendeu? Para sair em outros também. Porque não adianta você ficar falando só naquele local. E os pessoal também traz óleo para gente de fora. Quer dizer, tá dando uma boa repercussão, mesmo.
P/1 – Como é que vocês escolheram o espaço para vocês funcionarem?
R – No começo foi pedreira. Porque tinha Cidade de Deus toda. Agora todo mundo quer andar. Então, minha filha, foi difícil para gente achar. Foi difícil mesmo. A gente andamos muito para achar, até que a gente achamos esse lugar aí. Aí a gente abriu aí, fizemos obra, tudo meio louco, rápido. Aí inauguramos. Tamo aí.
P/1 – E a geração de renda, vocês tiveram, já? Vocês já conseguiram se remunerar?
R – Ó, fixo, fixo, ainda não. Porque aí já é aluguel. Não é comprado. Então, quer dizer, se a gente vende bem, tira trezentos e pouco, quatrocentos e pouco. Mas ainda não conseguimos chegar ainda num salário mínimo. A nossa meta é ganhar mais do que um salário mínimo. Isso a gente tá pensando em fazer.
P/1 – Ainda não conseguiu?
R – Não, porque nosso projeto, por exemplo: segunda-feira é dia de coleta de óleo. Terça-feira nós sai para vender, quarta-feira sai para vender. Hoje, por exemplo, era um dia da gente vender também. E quinta-feira… O que é que a gente faz? A produção. É que cada dia a gente tem uma meta para fazer um malote, entendeu? E a gente sai para vender também, entendeu? É assim que a gente consegue botar as coisas armazenada. Porque o que é que tá matando a gente, tipo assim, a gente não ter um próprio transporte, para ir pegar óleo em outros lugares, entendeu? Tem lugar que a pessoa: “Pô, tem aqui, tal, tal lugar.” Como é que a gente faz sem carro? Não tem como. Até a gente fala assim: “Não tem como trazer para gente, não?” Tem pessoas até que trazem o óleo para gente. Para você ver a repercussão que tá dando o negócio do óleo.
P/1 – O que é que mudou na sua vida desde que você entrou nesse projeto?
R – Mudou que muitas pessoas agora, para mim, eu acho, que esse projeto foi bom que deu método de conscientização para as pessoas para proteger o meio ambiente. Para não ficar jogando óleo dentro do bueiro. As pessoas quando me vê: “E aí, pessoal do óleo, como é que a gente faz?” Quer dizer, muita gente passou a me conhecer, também, através do óleo. E fora os conhecimento que eu já tenho. Conheço tanta gente que, às vezes, nem sei o nome da pessoa. Falam: “E aí, Miriam?” Falei: “Cazzo, você viu o nome da mulher?” “Oi, tudo bem? Tudo bem, meu amor?” Para não ficar sem graça. Então: “Pô, vi você na televisão, com o negócio do óleo. O que é que é isso aí?” Aí senta, conversa. Aí é bom que passa para os coroas, dos coroa passa para os netos, dos netos… Entendeu? Para mim foi bom, esse projeto, nesse sentido.
P/1 – E pra você enquanto pessoa, o que mudou?
R – Para mim, como pessoa, eu achei que eu posso fazer alguma coisa pelo meio ambiente. E também aquilo mostrou para mim que eu posso ter uma coisa própria. Ficar só sendo submissa pelos outros… E, realmente, viver aqui no Brasil não é grandes coisas. A pessoa não tem muito valor, entendeu? Não tem muito valor mesmo. Trabalhar por conta própria é melhor. Aí você tem sua meta. Você tem o seu dia a dia. Você sabe o que vai fazer. E vai ser melhor. Achei melhor.
P/1 – E para comunidade?
R – Para comunidade, para eles, foi conscientização. Porque eles não sabiam onde colocava o óleo. Então, a gente juntava o óleo, e aqui não tem coleta de óleo, entendeu? E nós aqui passamos a fazer o pessoal achar onde tem um lugar para levar um óleo. Deve ter muita gente, tem gente ainda que fica meio assim: “Mas o que é que eu vou ganhar em troca?” Eu falo: “Meu, você vai proteger o meio ambiente. Você vai evitar desse rio ficar mais poluído do que já está. Você aí tá soltando mais gás carbônico ainda para o céu para acabar com a camada de ozônio. Você não quer mais oxigênio para tu respirar? Sabe lá mais tarde como é que vai ficar para os teus filhos, para os teus netos, e assim vai, não é?” Que balança: “Então tá, depois eu trago óleo para você.” A gente dá um puxão de orelha um tempo e a pessoa acaba trazendo: “Eu vou trazer para vocês.” Entendeu?: “Ah, como é que eu vou fazer? Que preço que eu vou ter para…?” ”Pô, já tá tendo promoção, já. Comunidade dá óleo para gente, a gente já vende por três. Tá bom, dois litros, para você diluir, pá.” Então, quer dizer, acabou convencendo as pessoas a comprar o sabão. A gente diz que ele é bom, o que é que ele faz. E isso a pessoa acaba se sensibilizando, e acaba comprando sabão, e acaba gostando, e volta de novo, volta de novo. E assim vai, vai passando de avô pra avó, de neta para coisa. Um que veio buscar falou assim: “Se eu não viesse buscar esse sabão, minha mulher ia me matar.”
Comprou logo quatro galões de uma vez: “Me dá logo quatro. Minha mulher tá quase me batendo por causa desse sabão.” Aí levou o sabão para mãe dela.
P/1 – Aconteceu algum acidente no caminho? Tipo assim, errar receita?
R – Então, isso que eu falei contigo.
P/1 – Ah, sim, porque vocês disseram que testaram várias receitas que pegaram da internet e não funcionava.
R – Então, a gente falou: “Pô, isso aí é uma porcaria. Ah, vamos fazer de outro jeito?” Aí fazia outro. Sabe qual é o bom da gente? Que a gente fazia e nós mesmos testávamos o produto. Porque antes de passar para outra pessoa, é melhor você testar o produto, para ver se realmente aquele produto é bom. E foi isso que a gente fizemos. Passamo entre as nossas famílias, nossa família não comprava e testava o produto. Falava pra gente: “Ó, acho que precisa melhorar não sei o que. Acho que tem que fazer não sei o que.” Entendeu? Então, uma tentando coisar a outra. E assim que deu certo.
P/1 – Qual foi o maior pedido que vocês já tiveram?
R – Fizemo um pedido do shopping. Foi de… Acho que foi mil, alguma coisa, de sabonete, para o dia dos namorados. O pessoal gosta muito de sabonete. Que eles compraram. A maioria é duzentos, trezentos, entendeu? Outros pedem 150. Depende de cada evento. Nós vamos e fazemos também, sabonete.
P/1 – E aí, como é que é ter uma máquina? Como que é feito?
R – A gente tem uma máquina, aquele maquinário lá, que tá dando cheio de problema para gente, aquele maquinário. Primeiro ele não estava com inox. O cara agora mudou lataria. Ainda por cima a marca, tem uma marca, que ela tá torta. Mesmo assim, a gente tá utilizando ela para manusear manualmente. Não é aquele maquinário ligado, aquela coisa toda. A gente bate o sabão, faz as proporção toda, bota dentro e faz sabão. Deixa descansando um período para depois ser utilizado, entendeu? Tem que pegar o ponto certo. Assim que a gente faz. Com aquele maquinário lá.
P/1 – E depois, tem alguma coisa que corta, que dá o formato?
R – Sabão líquido, não. Já boto diretamente na garrafa. Que a garrafa também é de reciclagem, que essa garrafa PET que o pessoal joga fora a gente pega ela e recicla e bota sabão da gente para vender. E o sabão em pedra, agora, a gente tem uma forma, que a gente pediu para o marceneiro fazer. Aquelas formas assim. A gente vai, espalha o sabão assim, bota, deixa secar. Aí chega um tempo, a gente corta e deixa secando mais um pouco, entendeu? E fica legal. Sabe aquele sabão em barra? Fica bem bom. É bom para lavar blusa branca, é bom para arear panela, o de pedra também lava blusa, roupa nossa. E o líquido é bom para tirar gordura: fogão, microondas. E é muito bom. Anti-engordurante muito bom mesmo. Foi testado igual louco, até a gente dizer assim: “Esse é o ponto.” Entendeu? Agora chegamos na nossa meta. O sabão, bom, a gente não quer que ninguém mexe mais nele. Aí chegou a química aqui de… : “Faz não sei o que do carvão.” A gente: “Como é que é? Que carvão o que, minha senhora, a gente é do óleo.” Ela: “Não, melhor fazer não sei o que, não sei o que.” Como é que eu vou ficar catando cinza de tudo quanto é churrascaria por aí na face da terra? Aí eu vou virar a churrasqueira, procurando as cinzas dos outros, por aí afora. Porque o bom da gente, nós quatro, é isso: nós somos unidas. A gente pode ter a nossa: “Ah, pô, qual foi, não sei o que, não sei o que.” Mas dali a pouco a gente acaba, pum, fechamos juntas, entendeu? Em tudo: “Vamos fazer não sei o que para melhorar? Vamos fazer um presente de namorado?” A gente vai e faz, entendeu? A gente fecha uma com a outra e o bom da equipe é essa. Se você não meter a mesma meta, uma com a outra. Que nem a gente falou pro Evandro. Eles até ficaram bobo com a gente. Até as psicólogas. Que a gente tem o mesmo objetivo: do que é que a gente vai fazer realmente. Então, esse é importante. Se você tem equipe e não se unir, e não fazer tudo o que é certo, então, não dá. Nada vai dar certo.
P/1 – Você lembra de qual foi o seu primeiro pedido que fizeram para o Bolha?
R –
Puxar memória assim é meio difícil. Primeiro pedido do Bolha… Ó, o primeiro pedido que teve, acho, que eu me lembre, não sei, que foi da Chevron. Eles pediram bastante coisa para gente. A gente mandou um mundo de sabonete para eles.
A gente fez o primeiro pedido para eles e foi bastante sabonete. E teve boa repercussão, porque eles gostaram do sabonete. Vira e mexe eles sempre pedem para gente fazer sabonete para eles. Que aí, a gente faz com carinho, com amor. Mulheres que fazem. Que a gente faz, tipo assim, com carinho, com amor, para sair de boa qualidade para as pessoas gostarem e voltarem aqui sempre.
P/1 – Qual que é a relação com o Fundo Elas? O que é que o Fundo Elas faz? Qual que é a relação do projeto com o Fundo Elas?
R – No momento, ele estão tentando o processo de legalização.
P/1 – Mas eles que deram a oficina de treinamento?
R – De sabão, não. O sabão nós metemos a cara e fizemos sozinhas. E pagamos o químico para vir aqui.
P/1 – Mas ela ajuda como, de que maneira, o Fundo Elas?
R – Ela ajuda, assim, esse negócio de telemarketing, que eu falei contigo. Ajuda a gente, tipo assim, se a gente precisa fazer um banner. Aí ela tem como auxiliar mais rápido para gente, ajuda a fazer. E também… Foi o dinheiro da Chevron. Deixou com eles para passar para gente. E auxílio para ver o que é que pode melhorar, entendeu? Ah, o que é que a gente pode melhorar isso aqui, entendeu? Esse tipo de coisa assim que eles fazem. Um problema, alguma coisa, a gente tem um problema, a gente sai daqui, sabe como mulher. Mulher é um vuco-vuco louco mesmo: “Ah, não, tô achando que vocês estão muito lenta. Vambora agora.” Junta as quatro, desce as quatro e vai lá, e bota fogo: “O que é que está acontecendo?” Aí a gente ouve, a gente fala, blá blá, blá blá blá. Porque a nossa questão é que a gente é de correr atrás mesmo. Se a gente acha que aquele negócio está muito lento, a gente vai querer saber o que está acontecendo, o que está se passando, essas coisa direitinhos e às vezes fica as coisas meio assim no ar. Entender o que está se passando. Que a gente queria que passasse as coisas mais direitinho, e aí fica mais fácil. Para gente fica umas coisas meio, assim, no ar. Sem entender o que estava se passando, o que não estava se passando. Falamos: “E aí?” Não é isso? A gente tem que resolver os nossos problemas. E agora tá sendo bom, sério. Até a Prefeitura, tipo assim, queria comprar o nosso projeto, entendeu?
P/1 – Queria comprar?
R – “Ah, não sei o que, vamos fazer, explica para gente como é que faz?” Tipo assim, eles nunca querem estar em desvantagem. Quer dar alguma coisa em troca. Mas eles também são meio mentirosos, falam que vão fazer e não fazem nada, e aí? Fica para gente mesmo. Ninguém ajuda quatro negas. É isso que a gente tá esperando do Fundo Elas, a legalização.
P/1 – E a relação com a Chevron?
R – A gente não tem nada que falar da Chevron.
P/1 – Mas qual é o papel da Chevron?
R – Eles deram a doação do dinheiro. Eles incentivaram a abrir esse tipo de projeto com mulheres, em vários bairros, que foi o nosso: o do Matão, do Borel, e Previdência, e a Cidade de Deus, os quatro, por enquanto. Então, quer dizer, eles dão o dinheiro para eles auxiliar a gente, porque a gente abriu o próprio negócio. Com a Chevron, é isso. Que eles estão ajudando as mulheres a serem empreendedoras e abrir um negócio próprio. Esse que é o nosso relacionamento com a Chevron. E também pergunta para gente: “Como é que tá? Tá tudo bem? Não sei o que.” Entendeu? E sempre procura saber como é que a gente tá. Outra vez que eu fui lá, até para mim levar, correria quando chegamos lá, tinha o aniversário do presidente. A gente comeu umas tortinhas boas que estavam lá. A minha filha, com vergonha, falou: “Não quero, não.” Eu falei: “Eu quero!”
Chocolate amargo, meu bem, uma delícia. Comi bem mesmo. E refrigerantes? Menino, podia escolher a qualidade que você quisesse. Você vai lá. Eu falei: “Ê, o presidente taí, vamos comer mesmo. Fartura.”
Eu, hein. Não tenho vergonha de nada, meu bem.
P/1 – É um evento que teve na Chevron?
R – É, porque eles tinham o aniversário lá dos presidente da Chevron. Nem sabia, nem eu, nem minha filha. Fomos nós duas lá.
P/1 – Convidaram o pessoal dos projetos?
R – Não, convidou só a gente.
P/1 – Aqui do Bolha?
R – Por que? Proteção para o meio ambiente, bem. A gente é chique, bem. Aí pegamos, fomos lá. Aí quando chegamos lá para fazer uma entrevista, dei essa entrevista, acabou participando da festa, entendeu? Vamos lá, aquela vez que foi para a Folha de São Paulo. Aí fomos nós duas. Como sempre, porque eu e minha filha sempre damos um jeitinho aqui, um jeitinho ali.
P/1 – Vocês foram para onde?
R – Lá para Chevron, fazer entrevista para Folha, jornal de São Paulo. A moça falava de lá e nós respondia, entendeu? Foi legal, a entrevistadora.
P/1 – Eu tenho uma curiosidade, como nasceu esse nome Bolha Colorida? Quem que inventou?
R – A Verônica veio com uma história que ela tava vendo lá… Uma viagem.
P/1 – A Verônica do Fundo Elas?
R – Isso. Que ela falou assim: “Gente, vamos inventar um nome aí.” Eu falei que nunca ia lavar cueca de marido. Mas aí, fui me casar, meu marido quase não lavou cueca: “Por que você não me mandou comprar cueca?” Ah, mas daí eu tive que lavar cueca, era meu maridinho, coisa boa. Tô esfregando a cuequinha do meu marido e cantando. Na hora que eu fui ver: “Pô, que delícia. Lavar fundo de cueca de marido… Nossa, mãe!” E eu fiquei pensando nisso. A cueca dele eu não lavava mesmo. Eu, hein. Fedido dos outros pertence aos outros, não a mim. Aí, ela falou: “Vamos se concentrar, vamos se concentrar.” Aí, ela cantando a musiquinha. Aí, começou a surgir vários nomes. A gente botou no quadro e “vavavá”. Aí, tira daqui, tira daqui, tira daqui, bota um verbo, não sei o que, “botamo” um lencinho. Aí, tiramos aqueles nome todo, e aí ficou Bolhas Colorida. Se a gente vai fazer sabão, não é isso, as bolhas não saem colorida? Foi esse o nosso procedimento: Bolhas Colorida. Aí, ficou Bolhas Colorida e pegou Bolhas Colorida. E teve até gente que botaram nome Alegria Colorida, imitando a gente aqui. E ainda por cima fizemos o rap do Bolhas Colorida.
P/1 – Qual que é o rap?
R – O rap?: “Atenção, CDD, vamos nos unir. Chegou o momento de fazer o pano sorrir. Consciência ambiental. Para mudar tua vida. Esse é o projeto. Do Bolhas Colorida. Bolhas Colorida. E são Bolhas Colorida. Isso é que é o bom. Isso é que é consciência ambiental.” Aí, a gente levanta o braço e fala o restante. E foi muitas colegas nossa que foi saindo, porque… Muito problema, muitas saíram, não acreditaram. E eu, como sou insistente, né…
P/1 – … Teve algum momento que você falou assim: Vou desistir?
R – Não, porque eu sou muito determinada. Ainda não pensei em sair do projeto, não. Mas quando vinha alguém falar assim: “Ah, vou sair fora.” Eu dizia: “Gente, tem que pensar positivo, cara.” Logo eu que tinha tanto problema, só fica pensando no positivo, né. Porque o mal da pessoa é não acreditar em si própria. E eu acredito em mim. E também faço elas também pensar nesse pensamento. Que nem agora: tá bom, tá com a filhinha dela. Eu tenho uma filha cadeirante. Fala para gente: “Eu faço não sei o que. Não sei o que, não sei o que.” “Ah, você, minha amiga.” Eu falei: “Gente, mas você tem que acreditar.” Como é que vai fazer? Se você não acreditar, como é que vai fazer? Não vão fazer nada?”
P/1 – Quantos filhos você tem?
R – Tenho quatro.
P/1 – A primeira que nasceu…
R – … É a Natasha.
P/1 – A Natasha tá com quantos anos?
R – Vinte e um. O Ariel tem 20. A Mariana tem 10 anos. A Luana tem 7.
P/1 – São do mesmo pai? Como é que é?
R – Não.
A Natasha e o Ariel são de um homem. E as outras duas pequenas são do outro homem também. É porque eu me separei do pai dos meus filho mais velho. Voltei com o meu ex-namorado, que é pai do meu filho. Aí, retornei, fiquei grávida do Ariel. Mas meus filhos mais velhos não perturbam. Mais fácil eu perturbar eles do que eles me pertubarem, entendeu? E depois eu conheci o meu marido, ele registrou meus filhos no nome dele. Aí ficou os três registrados no nome dele. Depois, meu marido faleceu.
P/1 – Quando que ele faleceu?
R – Foi em fevereiro de 2010. Dois mil e onze ele morreu, 2012 fez um ano agora. Tamo em 2012. Dois mil e doze ele fez um ano e três meses de morto.
P/1 – Você era casada quanto tempo com ele?
R – Não, vivíamos junto quatorze anos. Depois que a minha filha nasceu, assim, especial, ele entrou em depressão. Ele danou a beber, perturbar minha cabeça. Fumava que nem um louco, quebrava a casa toda. Era uma loucura. Eu falava para ele: “Você tá doido? Você precisa de tratamento.” Só que ele não aceitava. Não tem aquelas pessoas do tempo do ronca? Era o meu falecido. Ele não acreditava que ele tinha que fazer um tratamento, que ele tinha que se cuidar. Quer dizer, eu aturei o alcoolismo dele. Uma pessoa alcoólatra. Aí nós dois, cada um ficou prum lado. Porque eu falei para ele, se acontecer dele quebrar a casa, eu não quero que a Mariana fique nervosa e eu tô com a Lorraine. E eu tinha medo de deixar minhas filha sozinha com ele, porque ele bebia. Quando a Lorraine falou assim: “Mamãe, o papai quase deixou a Mariana cair.” Aquilo me doeu o coração. Minha filha de cadeira de rodas. Eu falei: “Ai, meu Deus, Jeová. Não posso deixar minha filha sozinha com ele.” Aí, passei… Quer dizer, nunca me separei dele. Ele ficava lá, eu ficava cá. E quando ele adoeceu de vez, que ele tava sentindo dor, ele não falava nada para mim: “Ah, senti uma dor.” “Deu um puxão ou é uma dor?” “Não, é uma dor.” Eu falei: “Vamos para o médico.” Começou a fazer tratamento, ele. Aí foi emagrecendo, definhando, definhando. E fumando cigarro. Aí até que a última vez que eu fui encontrar com ele lá em Cosme, porque ele tava na casa da irmã dele, eu não sabia o que ele tinha, achavam que era tuberculose. Então, trataram ele como se fosse tuberculose. Ele estava se arrastando no chão. Caraca, meu coração chegou a doer. Para ele abrir a porta ele tava se arrastando no chão. Aí ele abriu o portão e falou: “Miriam, eu não tô aguentando.” Aí, desci com ele de Cosme, de carro com um vizinho, lá. Cosme é bom, porque os vizinhos são muito unido. Aí desceu com o carro com ele para mim. Fui parar no Rocha Faria. Uma porcaria de hospital. Ele ficava no meio do corredor. O paciente é muito maltratado lá dentro. Os chefes de enfermeiro, lá, Paulo Sérgio não valia nada. Homem ruim. Não queria fazer curativo nas pessoa. Deixava os paciente jogado ao léu. No Rocha Faria. Eu passei isso tudo com ele. Fui na assistente social, fui na Ouvidoria, eu dei parte. Olha, ele não mereceu eu fazer isso. Que fez o mundo sofrer, eu e meus filhos junto. Mas eu falei: “Não, o pai das minhas filhas é meu marido, vou cuidar dele até o final.” Saímos do Rocha Faria. Eles não queriam dar ambulância para levar ele. Minha cunhada queria pagar. Eu falei: “Não paga nada, não.” Eu vou levar ele de ambulância daqui. Tem algum jeito na Rainha, que lá tinha uma casa, lá, vazio. Aí levei até lá. E para passar por lá? Tem uma escada no meio do caminho lá: “Não tem como eu te passar.” Aí o cara foi com a maca passando com ele até lá dentro. Botou ele no sofá. Aí eu falei: “Tudo bem.” Aí fui. Fiquei com ele lá. Ele passou o Natal. Eu fui lá, cuidei dele no Natal. Aí, quando chegou o Ano Novo eu falei assim: “Eu vou com a minha mãe lá pro Cantagalo, que todo ano a gente passa Natal lá, a gente vai pro Cantagalo.” Aí pedi para irmã dele ficar com ele para mim. Ela ficou com ele para mim. Aí, quando foi dia dois, eu fui para lá pra cuidar dele. E já não sabia mais o que fazer. Eu falei: “Gente, não é possível isso ser tuberculose.” O cara não cuspia sangue. O cara não tossia. Só emagrecia, emagrecendo, emagrecendo. Aí fui parar naquele hospital lá no Meyer. Esqueci até o nome do hospital que tem ali.
P/2 – Pasteur?
R – Oi?
P/2 – Pasteur.
R – Acho que é Lourenço Jorge, não é isso?
P/1 – Bom, tudo bem.
R – Aí eu fui para o hospital do Méier. Perguntei o que que ele tinha. Ele falou assim: “Ó, teu marido não tá bem, não.” Aí, eu saí de lá com ele, isso tudo levando ele de cadeira de roda pra lá e pra cá. Porque não tinha dinheiro pra pagar carro. Aí eu saí de lá falando: “Meu Deus, Jeová, o que é que eu vou fazer?” Pensando. Aí, o que é que eu fiz? Como a minha mãe criou a gente, orei pra Jeová. Abri na saúde 91, pedindo força. Aí fui parar com ele de lá. Economizando dinheiro. Eu ficava no meio da rua sem comer nada. Saí de lá com ele, peguei metrô. Não tinham cobrado nada do metrô pra mim e pra ele. Saí do metrô, peguei metrô, ônibus. Aí quando saltou no ponto final, tava errado. Então, peguei outro ônibus, voltei com ele. Eu com 14 horas sem almoço, com ele. Aí saltamos ali na Taquara. Falei pra ele: “Vamos ir até a Santa Casa.” Aí, me falaram assim: “Ah, tem que pegar aquela kombi ali.” Aí eu fui lá, catamos, o motorista da kombi me ajudou. Fomos parar lá em cima, na Santa Maria, ali. Tem um hospital lá em cima só de tuberculose, câncer e aidético, ali em cima. Aí a mulher olhou para minha cara: “Você veio pra cá com ele como?” Falei pra ela: “Veio eu, meu Deus, Jeová, Jesus Cristo e os anjos ajudaram pra trazer meu marido.” “Você veio como?” “Vim de kombi.” “Veio de ônibus de deficiente?” “Não.” “Veio de ambulância?” Eu: “Não.” “Como é que você veio?” “Vim de ônibus comum com ele, peguei a kombi aqui.” “Menina, como é que tu conseguiu fazer isso?” Falei: “Olha só: eu não tenho mais o que fazer com ele. Eu não sou médica, não me instruí nesse sentido. Eu quero saber o que você pode fazer pelo meu marido.” E graças a Deus que os enfermeiros eram tudo bons. A moça mandou um…
Que o cara que me deu o papel no Méier, não mandou um fax pra eles. Tinha que mandar. Agora tem esse negócio, para internar ele. Não mandou nada. Aonde eu ia com ele, levava todo documento. E aí, a irmã dele falava: “Não, o meu sobrinho vai arrumar pra ele.” E eu falei: “Ah, eu é que vou arrumar.” Aí acabou que ele foi internado lá. E lá ele ficou internado, e lá ele faleceu.
P/1 – O que ele tinha?
R – Câncer no estômago. E estavam tratando ele para tuberculose. Ele com câncer no estômago. Acabou falecendo. A irmã dele gastou dinheiro, coitada. A irmã dele é muito minha amiga, a Nica. Os irmãos dele também sempre foram meus amigos. Sempre me apoiaram. Sabiam o que acontecia dentro da minha casa. Sempre foram meu amigo. Agora tá lá, casa vazia. Ele morreu, não deixou nenhuma pensão para gente, porque ele não estava pagando há tempo. E, acabou falecendo. Minha filha sentiu à beça, a Mariana, no começo, que ela tava dando crise convulsiva direto. E a outra, às vezes, quando fica triste, ela chora, lembra do pai dela. Que ele fazia muito a vontade das crianças. Não prestava para mim como marido. Como pai para as filha dele, ele fazia o que podia pelas filhas dele. Até pelo meu filho, que não era filho dele, e minha filha mais velha, ele fazia também.
P/1 – Ele fazia?
R – Fazia. Então, por isso que, às vezes, eu ainda aturava, por causa disso. Fazer o que? Acabou indo embora.
P/1 – Miriam, pensando em tudo que você contou, na entrevista inteira, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, em tudo que você viveu, você mudaria alguma coisa?
R – Olha, a única coisa que eu mudaria, que eu devia ter pensado mais, do objetivo que eu queria fazer, de acabar de fazer meu estudo, que eu não acabei minha faculdade. E eu devia ter me preservado mais para não arrumar filho tão cedo. Dar uma vida melhor para eles. Não me arrependo de ter tido eles. Teria tido eles de volta, mas… Deveria ter acabado meu estudo, para dar uma vida melhor para eles, mais digna. Eu acho que a criança tem que ter tudo que a gente pode fazer, por si, para criança. A única coisa que eu mudaria é isso.
P/1 – Qual que é o seu maior sonho?
R – Meu maior sonho é o meu empreendimento bombar e eu viver só dele. E meu sonho maior, maior mesmo, que eu tenho além disso, é que minha filha ande. Que eu fico muito triste de ver ela não andando, entendeu? E ver que a terapia vai se arrastando, se arrastando. E ela não anda. Eu vou conseguir isso. Essa é a minha luta, que eu tenho com a minha filha. Como eu luto com ela para vir ao médico. Perdi tanta coisa: serviço, marido. Meu pai também ficava muito triste de ver ela se arrastando no chão. Isso eu queria: que ela andasse em pé. Na Medicina no Brasil a gente passa cada coisa com os nossos filhos. A gente espera com tanto amor e carinho, aí vem uma pessoa e bagunça tua vida. A filha que não anda. Quando ela chegou, eu me senti culpada. Eu quero que a minha filha ande, ela vai andar. Na fé de Deus. Eu tenho certeza que ela vai andar. Eu luto pra isso. Só isso que eu luto.
R – Então, é isso. A única coisa que eu tô lutando para ela, para fazer os exame de vista pra ela. Que eu não consegui resolver esse negócio de exame de vista pra Mariana. A Mariana poderia ter mais esse procedimento para ela andar logo. E eu não consigo. Eu tento ligar pra Benjamin Constant.
P/1 – Ela tem problema de vista?
R – É, porque ela teve um problema
devido a falta de oxigênio no cérebro, na hora no parto, aí, deu problema na vista dela. Já era para ela estar andando, já. Só que eu não consigo marcar vista para garota de jeito nenhum. Já fui lá, no Benjamin Constant. A menina me arrumou um número para eu ligar pessoalmente, para a Mariana. E eu ligo, bato sempre na caixa postal, a mulher nunca me retorna. Aí, vou ter que ir lá segunda-feira de novo com a Mariana. Vou sair daqui, vou pra Tijuca. Não, minto. Salta no Leblon, ali na Gávea. Da Gávea eu pego um pra Urca. Eu vou com ela de ônibus. Vou levar ela pra ver se eu consigo fazer esse negócio de exame de vista pra Mariana, que eu preciso com urgência. Porque isso tá atrapalhando ela não andar logo, entendeu? Eu quero que ela ande, eu quero que ela interage com outras criança. Que ela gosta de brincar. Dentro de casa, ela brinca. É uma criança alegre. Eu nunca mostro para ela tristeza perto dela. Sempre brinco com ela. Faço cosquinha nela. Ela passeia pra vários lugares comigo. Que eu assumo a filha que eu tenho. Eu não tenho vergonha dela. E aí se alguém olhar pra ela de cara feia, que eu fico injuriada. Se eu sinto que tá tendo alguma discriminação com a minha filha, eu também brigo pela minha filha. E luto pelas coisas por ela. Por isso que eu vou de novo lá segunda-feira. Para saber o que está acontecendo, que ela não me retorna, nunca, para garota. Aí, eu vou ver se eu consigo com a Mariana.
P/1 – Miriam, tem alguma coisa, deve ter várias que a gente não tocou no assunto, tanto da sua história de vida quanto do projeto, que você acha importante deixar registrado, que a gente não tenha tocado?
R – A única coisa que eu acho é que a gente nesse mundo tem que pensar em primeiro lugar na saúde. E respeitar os pais que tem e dar valor quando estão vivos. E quando morrem. E dar valor à família. Que todo mundo tem seus defeitos, suas qualidades. Que a gente nunca pode julgar ninguém, porque todo mundo tem seus defeito. Eu acho isso. Isso que pra mim é vantajoso.
P/1 – O que você achou da importância de ter contado o seu depoimento nesse projeto do Museu da Pessoa?
R – Eu mostrei para as pessoas que por mais que a gente tenha obstáculo na vida, se você quer uma coisa, você lute. Não coloque obstáculo como se fosse empecilho, mas sim, uma solução. Isso que eu estou passando para as pessoas.
P/1 – Eu queria agradecer.
R – De nada. Estamos aí.
P/1 – O que que você achou de dar seu depoimento?
R – Muito bom. Muito bom mesmo. Muito bom, porque as pessoas têm que parar de pensar que é coitado: “Ai, meu deus, coitadinho.” E sim tentar resolver os problemas. Assim que eu tento fazer. E brincando. De vez em quando eu também choro um pouco. Mas escondidinha, que mãe não gosta que os filhos fiquem preocupado. Que mãe tem essa mania de proteger os filhos. E eu converso muito com a minha mãe, eu amo muito minha mãe, ela é muito minha amiga, mas nem todos os meus problemas eu não passo pra ela, que eu não quero ver minha mãe mais triste, nem tampouco doente. Fora os problemas de saúde que ela já tem. Minha mãe, assim, é muito alegre. Acho que para idade que ela tá, vai fazer agora em julho, dia 8, 80 anos. Quer dizer, a coroa já com essa idade toda.
P/1 – Obrigada.
R – De nada, Rosana.
--- FIM DA ENTREVISTA ---Recolher