Projeto Morro dos Prazeres, este morro tem história
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento de Luís Fernando Marcelino
Entrevistado por Emanuel Campos Filho
Rio de Janeiro, 06 de julho de 2002
Código: MP_CB002
Transcrito por -
Revisado por Beatriz Buck
P/1 – Qual o seu nome completo?...Continuar leitura
Projeto Morro dos Prazeres, este morro tem história
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento de Luís Fernando Marcelino
Entrevistado por Emanuel Campos Filho
Rio de Janeiro, 06 de julho de 2002
Código: MP_CB002
Transcrito por -
Revisado por Beatriz Buck
P/1 – Qual o seu nome completo?
R - Meu nome completo é Luís Fernando Marcelino.
P/1 – Local e data de nascimento?
R – Eu nasci em São Paulo, a 18 de dezembro de 1971.
P/1 – Fernando, você poderia falar um pouco da sua relação com o Morro dos Prazeres?
R – Olha, eu sou um membro muito novo dentro da realidade da comunidade, porque faz apenas 60 dias que eu estou aqui no Rio de Janeiro, e mais ou menos é esse tempo que eu trabalho aqui na comunidade. Eu ministro uma oficina de circo. Malabarismo e acrobacia para as crianças aqui do morro. E está rolando legal. Nós temos 40 vagas e estamos com todas as 40 vagas preenchidas. Está massa.
P/1 – Certo. E este trabalho que você está realizando hoje tem relação com a sua história profissional, correto?
R – Olha, eu fiz o bacharelado em Química na Universidade Federal de São Carlos. Não concluí o curso. Aí mudei para o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, também não concluí o curso, e resolvi viajar para conhecer o Brasil. Nessa de viajar, eu estive em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Espírito Santo e voltei para o Mato Grosso do Sul onde eu estava morando. Agora nós saímos há seis meses mais ou menos novamente lá de Campo Grande e estamos subindo, nós vamos pelo litoral do Brasil até o Maranhão, aí vamos entrar Amazônia e vamos a Campo Grande de novo.
P/1 – Você poderia falar um pouco desse trabalho que você faz com as crianças, como é que ele se dá?
R – Olha, esse trabalho com as crianças ele começou a ocorrer porque, na verdade, eu acho que faz bastante tempo que a gente está sempre envolvido com alguma coisa que diz respeito aos problemas sociais do Brasil. É assim uma onda da gente mesmo. E dentro dessa perspectiva de estar trabalhando o social, nós sempre trabalhamos com educação, porque eu dei aula bastante tempo, então tenho uma certa afinidade com educação. Lá no Mato Grosso do Sul a gente fez alguma coisa também. Tinha um projeto chamado Vidarte, que era arte-educação. Nós fizemos uma exposição de arte em Bonito, também foi uma grande exposição de arte sul-mato-grossense e onde nós recebemos as escolas, tal. Aí nós chegamos aqui no Rio, cara, eu estava assim na fissura de conhecer a comunidade. Eu nunca tinha estado em uma favela na minha vida, no morro. E constatando as condições em que a vida corre aqui, dentro da comunidade, eu achei que era importante estar contribuindo de alguma forma. E pensando em várias coisas, a coisa que mais rolou foi essa ideia do circo. Pelo próprio aspecto lúdico, alegre, muito contrastante para com a realidade de violência e todas as consequências que se traz... Então, a gente optou pelo circo e está legal esse trabalho, feito assim de forma o mais independente possível, sempre. Eu faço questão de frisar isso: a gente não tem muitas relações com o Estado, com a Igreja, entende? Somos eu e uma amiga que fazemos as acrobacias e os malabarismos. Pouca coisa, a gente não é muito bom, mas a gente ensina o pouco que a gente sabe.
P/1 – Você poderia falar um pouco desse trabalho, quais são os grandes desafios de se trabalhar em comunidade?
R – Olha, irmão, o maior desafio é despertar o interesse concreto, é estar oferecendo exatamente ou algo muito próximo daquilo que se necessita de fato. O que você fizer aqui na comunidade, irmão, a priori vai ser bem recebido, porque falta de tudo. Essa é a primeira constatação. A segunda: tem muita gente trabalhando o social aqui no Rio. Eu nunca vi assim, nunca vi. O Rio de Janeiro é um lugar especial tanto do ponto de vista como da ação social em si. Mas tem muita gente despreparada. Nós mesmos gostaríamos de estar melhor preparados para estar exercendo esta função. E dentro desta perspectiva assim, eu creio que o desafio maior é estar ocupando as lacunas que o Estado deixou. São grandes vãos. Na educação, na cultura, na saúde, no trabalho. E a sociedade civil está tendo que arcar com esse ônus por força de um Estado neoliberal que se retira e deixa o mercado decidir. O grande desafio é encontrar uma resposta equilibrada para esse conflito que a gente está vivendo aí.
P/1 – Certo. Fernando, você poderia falar um pouco, no seu pensamento, qual seria o espaço ou a dimensão do Casarão dos Prazeres na comunidade e do entorno de Santa Teresa?
R – Eu acho que a comunidade ainda vai descobrir isso, porque o Casarão, pelo que me parece, é um projeto novo. Você vê as paredes estão todas branquinhas ainda [risos], recém-pintadas, e os projetos que estão rolando aqui, ainda estão em uma fase, eu creio, pelo pouco que eu posso perceber, eu só dou a minha oficina e vou cuidar da minha vida, dos meus afazeres, mas eu acho que os projetos ainda estão em uma fase em que as pessoas estão descobrindo o que são esses projetos e que as pessoas estão começando a aprender algumas técnicas. Sem que as pessoas tenham dominado algumas técnicas e tenham podido apresentar alguns resultados, não dá para se ter uma idéia de como vai ser. As crianças, nessa oficina de circo mesmo, elas demonstraram, assim, um interesse muito além da nossa expectativa primeira. E eu acho que vai dar tudo certo. O Casarão, acho que se tudo for feito aqui como tem que ser feito, que é principalmente voltar o foco de atenção para as pessoas que necessitam deste trabalho, eu acho que vai ser um divisor de águas na realidade. Porque está trazendo a cultura para perto dessas crianças, principalmente, e da comunidade como um todo.
P/1 – Fernando, você poderia dizer o que significa o Morro dos Prazeres para você?
R – Nossa, cara! [pausa] É muito louco para mim estar trabalhando aqui, sabia, irmão? Porque o Brasil é um país... Eu não entendo o Brasil, às vezes. Uma riqueza tão grande e uma galera, assim, passando mal. E eu fui um cara privilegiado, eu estudei em boas escolas. Sei lá, para o meu padrão social eu sou um cara relativamente culto, eu vou ao cinema, vou ao teatro, entendo os livros que eu leio, fui bem alfabetizado... E essa aqui está sendo a maior oportunidade que eu estou tendo de dividir um pouco, esta grande chance que rolou na minha vida, sacou? E todo mundo vai ter que dividir, meu, porque o bicho está pegando. Ontem eu subi o morro aqui, cara, os guri de 14 anos com pistolas e rifles. Eu nunca tinha visto um civil com uma metralhadora, uma arma de fogo na rua, em pleno dia. Eu nunca tinha visto. São duas opções: a gente acredita no seguinte, quem estiver jogando as nossas bolinhas para cima não tem como segurar o cabo do revólver. Só que tem uma galera segurando o cabo do revólver.
P/1 – Então por fim, o que você achou de ter participado desta entrevista e contribuído para o Projeto de Memória do Morro dos Prazeres?
R – Eu acho que todo projeto de memória no Brasil tem que ser louvado. Para mim, participar dessa entrevista é a oportunidade de ter contribuído com vocês mais do que a de eu ter estado aqui. Para mim, contribuir com o projeto de vocês é uma boa porque o Brasil infelizmente é um país sem memória. Nós convivemos diariamente com uma mídia que desconstrói a memória do Brasil o tempo todo. E tem um lance muito importante, que é estar preservando a visão que o próprio povo tem de si mesmo. A gente participa muito da visão que a elite tem da gente. Eu não sou elite. Nenhum de vocês três aqui é elite. Então, eu acho que se vocês colherem as opiniões das pessoas certas, [risos] daqui a um tempo vai ser show as pessoas sentarem e verem. O que é que a gente pensava em 2002? Pensa o cara lá em 2000 e lá vai pedra, pegar e falar: “Olha o que esses malucos imaginavam trinta anos atrás!”.
P/1 – Muito obrigado, Fernando.
R – Obrigado a vocês. Parabéns.Recolher