Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida - Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Adélia de Jesus Almeida
Entrevistada por Márcia Trezza e Cremildes da Silva
São Bernardo do Campo, 08/03/2014.
Realização Museu da Pessoa.
ASP_CB02_Adélia de Jesus Almeida
Transcrito por Iara Gobbo.
P/1 – Adélia, fala seu nome completo.
R – Adélia de Jesus Almeida.
P/1 – Você nasceu em que cidade?
R – Boa Nova, Bahia.
P/1 – Que data?
R – Dia oito de maio de 1960.
P/1 – E você tem que lembranças da sua infância, Adélia, nessa cidade?
R – Ah, da minha infância eu tenho assim, não da cidade mesmo, que eu morava no sítio, mas eu tenho boas lembranças. Por mais de ser uma vida sacrificada, mas eu tenho muitas recordações que hoje eu falo. Naquele tempo, a gente era feliz e não sabia. Que era feliz e não sabia.
P/1 – Como que era o seu dia a dia, assim?
R – Olha, a gente trabalhava. O meu pai era muito rígido com a gente. A gente trabalhava muito, mas a gente brincava. A gente brincava de roda, os finais de semana a gente ia pro rio tomar banho de cachoeira, pescar, fazer piquenique em cima dos lajedos. Então, era uma vida muito gostosa. Lá a gente pescava, a gente pegava os peixes, a gente fazia as comidinha, brincava de boneca em cima das pedra, fazia batizado das boneca, fazia casamento. Então era muito legal, tenho muitas boas lembranças. Assim, o dia a dia, meu pai saía pra... Viajava, aí deixava eu de castigo tomando conta dos trabalhador e eu ficava. Mas no final de semana a gente tinha a liberdade pra viver a vida da gente tranquila. Graças a Deus, eu não tenho o que reclamar da minha infância.
P/1 – Você criança já tomava conta?
R – Já, eu com dez anos... Na verdade a gente começou a trabalhar na roça antes dos oito anos, a gente começou a trabalhar. E com dez anos meu pai saía e eu ficava tomando conta dos peões na roça.
P/1 – E você morou na Bahia até que época?
R – Até 21 anos. Aí, com 21 anos eu me casei, aí... Vinte e dois anos, porque com 21 anos me casei, aí fiquei lá um ano. Aí, vim pra aqui pra São Paulo, fiquei um ano aqui. Aí, um ano e cinco meses, fui embora pra Bahia, fiquei mais dois anos lá, aí voltei pra aqui, aí não fui mais. Fiquei 17 anos sem ir lá passear. Com 17 anos aí eu fui passear. Aí depois disso eu já fui duas, três vezes já.
P/1 – E vocês mudaram pra cá, por que, Adélia?
R – Da onde? Da Bahia?
P/1 – É. A primeira vez você veio com seu marido?
R – Ele veio primeiro e depois eu vim.
P/1 – Por que que resolveram mudar pra cá?
R – Por quê? Eu, porque ele foi criado aqui, ele veio pra aqui ele era pequeno, ele foi criado aqui. Aí, ele foi prá lá, a gente ficou noivo, casamos, só que ele não conseguia se adaptar lá. Aí, ele veio pra cá, aí eu o acompanhei.
P/1 – E depois você disse que ficou um tempo aqui e voltou pra lá.
R – É, voltei pra lá.
P/1 – Mas ele junto?
R – Não, ele ficou aqui trabalhando. E eu fui.
P/1 – E por que você resolveu voltar?
R – Eu fui por causa que eu era muito apegada à minha família, principalmente à minha mãe. Minha mãe vivia doente, então eu nossa, eu só pensava na minha mãe, eu não tinha sossego aqui. Então, eu fui pra lá ficar com ela. Aí, quando tava com um ano e cinco meses que eu tava lá, ela veio a falecer, aí foi onde, um ano e quatro meses. Aí, com um mês que ela faleceu eu vim embora pra cá e não voltei mais.
P/1 – Mas continuou casada com ele?
R – Não, separada.
P/1 – Não, lá, nessa época.
R – Ah, lá sim. Eu vim pra aqui, ainda vivi quatro anos com ele aqui ainda.
P/1 – E quando você mudou pra cá, qual foi sua sensação Adélia, quando você chegou aqui?
R – Pra São Paulo?
P/1 – É.
R – Ah, eu achei muito diferente. A vida diferente assim, porque lá a gente tinha, cheguei aqui, eu com a menina pequena, não tinha quem cuidasse pra mim trabalhar. Eu tô acostumada a trabalhar. Aí, pra mim já foi um ponto chave de eu não me adaptar. Amanhecia o dia, arrumava a casa, ficava. Naquele tempo não tinha assim, aquele incentivo de procurar alguma coisa pra fazer em casa. Eu achava que trabalhar era só sair pra trabalhar fora e não é, né? Eu vim aprender isso depois que ele foi embora, que eu vim acordar pra vida. Que eu falo que eu vim acordar pra vida, foi depois que ele foi embora.
P/1 – E você teve seus filhos aqui?
R – Aqui. E tive duas lá e uma aqui. Eu só tenho uma batateira, é daqui de São Bernardo.
P/1 – Chama batateira?
R – Não, porque eles falam que quem nasce em São Bernardo é batateiro.
P/1 – Ah é?
R – É.
P/1 – E por que tem esse nome? Você sabe?
R – Não sei, não sei te explicar, só sei que é batateiro.
P/1 – Adélia, quando você veio pra cá, você veio morar direto em São Bernardo?
R – Vim, direto pra São Bernardo. Aí, morei aqui uns três anos, aí fui embora pra Campinas. Morei em Campinas um ano e sete meses, vim pra São Bernardo de novo. Aí, daí pra cá não saí mais daqui. Mudei pra vários bairro, mas em São Bernardo.
P/1 – Antes de morar no condomínio, você morou onde? No último lugar que você morou.
R – O último lugar, no Jardim Represa. Último lugar que eu morei, pra que eu vim pra aqui.
P/1 – E como era lá, Adélia?
R – Lá era bom, só era longe das coisas. Que lá é um bairro assim, mais distante. Era bem distante de São Bernardo, e eu trabalhava no Planalto. Então, era muito longe pra poder vim trabalhar, tinha que tomar duas conduções. Aí, foi onde minha filha fazia faculdade, aí eu tinha que esperar ela chegar pra poder ficar com as menina. Então, era muito difícil. Assim, as menina estudavam, ela chegava da faculdade, pegava as menina. Só que o dia que alguém não tinha aula, eu tinha que levar pro meu serviço. Aí, quando era na hora... Já sabia o horário que ela passava lá no Planalto, eu ia pro ponto esperar ela pra entregar a menina pra trazer pra casa pra mim poder trabalhar direito, entendeu?
P/1 – Entendi.
R – Aí, foi onde que eu vim pra aqui pro Oleoduto.
P/1 – Você veio pro Oleoduto antes do condomínio?
R – Ah, antes, bem antes.
P/1 – Quando seu marido, você disse que ele foi embora, as meninas eram pequenas?
R – Tudo pequena.
P/1 – E foi difícil, você tava dizendo.
R – Foi, não foi fácil.
P/1 – Você disse que acordou pra vida?
R – Acordei pra vida, graças a Deus. Hoje eu agradeço a Deus, porque talvez se eu tivesse ficado com ele, hoje eu não era quem eu sou, entendeu?
P/1 – E como é acordar pra vida?
R – Acordar pra vida é você saber que você tem capacidade pra conseguir o melhor. É só você lutar, que espaço tem pra todo mundo. Só falta disposição e isso é o que não falta pra mim, é disposição.
P/1 – E você não casou mais?
R – Não.
P/1 – E como foi criar as meninas?
R – Não foi fácil, mas graças a Deus eu consegui criar, estudar a mais velha estudou, fez faculdade. As outras duas não chegaram a esse ponto porque são especiais, mas desde pequenininha que sempre frequentaram a escola. Eu trabalhei 12 anos e 11 meses numa casa de família. Foi meu pai, minha mãe, meus irmãos, foi essa família que até hoje eu considero a mulher como minha mãe, porque eu saí da casa dela, mas a gente continuou amiga. Então, foram eles que me ajudaram a criar meus filhos, era ela que participava da minha história, do meu sofrimento, da minha luta. Tudo foi ela. Então foi 12 anos e oito meses. Não, minto, foi 11 anos e 11 meses na casa dela. Saí porque eu já enjoei, resolvi partir, saí.
P/1 – E você trabalha em quê, agora?
R – Agora eu sou doceira. Trabalho com chocolate.
P/1 – E tá gostando de fazer isso?
R – Gosto, nossa, eu tentei muitas coisas, eu tentei várias coisas. Eu fiz crochê, eu fiz doce, eu fiz salgado. Tudo eu tentei. Salgado eu nunca gostei muito, meu feitio mais é doce. Então, fui tentando, fui tentando, até cheguei no chocolate, acostumei, gostei, deu certo e nele eu tô até hoje e pretendo ficar muitos mais anos mais pra frente, com fé em Deus.
P/1 – E você disse que morava em outros lugares mais longe e eram tranquilos, assim, os lugares não tinham problemas, eram...
R – Era sossegado. Era sossegado entre aspas, porque teve um cara safado que entrou na minha casa duas vezes pra roubar mistura. Era uma vergonha, que ele entrou na minha casa, ele não foi em muitas coisas, ele foi direto no freezer. Levou toda a mistura que eu tinha. Tinha feito compra uma semana antes, eu fazia compra pro mês, e ele teve a capacidade de levar toda a mistura do freezer. Isso me desgostou muito do Jardim Represa, que eu falei: “Poxa, eu trabalhar, comprar pra os outros comer? Pra os outros usufruir? Não”.
P/1 – E você veio morar no Oleoduto?
R – Vim pro Oleoduto.
P/1 – E como era morar lá?
R – No Oleoduto? No Oleoduto eu passei poucas e boas. Porque na época eu comprei, nem foi eu, foi minha menina que comprou um barraquinho. Aí, eu fiquei morando lá no Represa, porque lá no Represa era meu, a casa era minha. Era terreno da prefeitura, mas era meu. Aí, eu vim pra... Ela comprou aqui, aí ficou um rapaz morando lá na casa, eu fiquei morando lá. Só que aí ficou muito difícil porque ela morava aqui, aí ela ia pra faculdade, saía da faculdade, ia ficar com as meninas. As meninas chegavam da escola, ela pegava as meninas, ficava com as meninas até eu chegar. Quando eu chegava, ela vinha embora pra aqui, pro Oleoduto. Então, tava muito cansativo e aí ela falou: “Mãe, vamos ver se nós arrumamos uma pessoa pra ficar aqui e a senhora vai ficar lá comigo, até ver se eu termino a faculdade, o que eu posso fazer”. Aí: “Tá bom”. Por que qual foi o interesse dela vir pra aqui? Porque sempre ela pensou em ter o canto dela, e trabalhar pra comprar uma casa é difícil. Não é difícil pra gente pagar, porque se a gente tem força de vontade a gente consegue. O difícil é conseguir o financiamento.
P/1 – Por que é difícil Adélia?
R – Porque tem que ter uma renda limitada. Se aquela renda não bater, não consegue o financiamento, entendeu? Pelo menos aqui em São Bernardo é assim. Que eu já lutei com o ___00:11:17__ das minhas filhas, o salário dela quando ela trabalhava, mas não conseguimos. Então, aí o objetivo dela era o quê? Ter o canto dela morar. Então, tinha um sobrinho meu que morava aqui, aí ele falou: “Aqui, vai lotear, aqui vai ser apartamento”. Aí ela se interessou. Ela falou assim: “Mãe, eu não quero esperar ficar velha pra mim ter o meu canto de eu morar. Eu quero conseguir o meu objetivo mais cedo”. Tudo bem, eu dei apoio pra ela, “Mas como que tu vai comprar?”, ela falou: “Eu dou um jeito, eu dou um jeito”. Aí, ela tinha uns trocadinhos junto, porque ela fazia faculdade e ela era bolsista da prefeitura. Porque fale da Prefeitura de São Bernardo quem quiser, eu não falo. Por quê? Ela era bolsista, só que saía de seis em seis meses. Aí, como eu trabalhava, a faculdade não esperava. Então, eu pagava a faculdade e quando aquele dinheirinho saía, ela pagava aquilo que devia e o restinho ela guardava, entendeu? Então, quando chegou a possibilidade de comprar esse barraco, ela tinha o dinheiro. Ela falou assim: “Mãe, eu tenho o dinheiro. Só falta cem reais”, falei: “Se é cem reais, eu te arrumo”. Aí, ela conseguiu comprar o barraquinho dela. Aí, eu vim ficar com ela. Eu eu vim ficar com ela e eu gostei do lugar. Por mais que era sacrificante, mas era perto das coisas, e só o fato de eu tá perto dela, porque é nós duas, é eu por ela, ela por mim. Aí, eu resolvi vender lá e comprar aqui. Aí, eu comprei uma casinha.
P/2 – Quantos anos você trabalhou na roça?
R – Trabalhei dos sete, oito anos até os 21. Aí, dos 21, nem foi 21 porque eu casei ainda fiquei lá um ano e pouco, dois anos. Depois, eu voltei e fiquei um ano e cinco meses. Esse tempo sempre eu trabalhei na roça.
P/1 – E aí quando, aqui já em são Bernardo, você comprou essa casinha no Oleoduto?
R – É, minha menina comprou primeiro.
P/1 – Você diz que foi difícil. Como era o dia a dia lá, Adélia?
R – Vou contar uma situação que eu passei difícil. Uma semana antes tava tendo enchente em São Paulo. Eu tava no meu serviço, um dia de sábado, e tava passando aquele alagamento, aquela casa alagada, e o pessoal em cima do teto. Aí eu falei, conversando mais meu patrão, eu falei assim: “Ô seu Edvaldo, só que eu acho muito descuido a pessoa esperar chegar a um ponto desse, pra ele poder pedir socorro”. E eu não sei, naquela hora acho que Deus me ouviu, falou: “Vou te mostrar que não é descuido”. Com uma semana antes, isso foi uma semana antes. Com uma semana depois, justo num sábado, eu cheguei do serviço, que eu trabalhava no sábado, cheguei do serviço, começou a chover à noite e eu passava o córrego, passava bem na frente do barraco. O barraco da gente era em cima de um andaime dessa altura aqui assim. E aí eu falei: “Bom, até a água chegar aqui, se a água chegar pela frente, nós saímos pelo fundo. E a gente foi olhando, aquele rio foi aumentando, foi aumentando. Quando eu vi a água chegando na porta, eu falei: “Agora, é a hora de nós fugirmos, vamos sair pelos fundo”. Tinha saída pelos fundos. Quando eu cheguei, que eu abri a janela, que eu olhei, o mato tava sereno, a água, já tava tudo tomado. Aí, eu senti desespero, que eu falei: “Meu Deus do céu, e agora? Como que a gente vai sair?”. Porque nós duas era fácil de sair. E as duas meninas especial que tinha que sair com elas nas costas? Aí, bateu o desespero e eu fiquei desesperada, eu não sabia o que fazer. Não tinha um telefone pra poder pedir socorro. Só pedi socorro pra Deus. E a água subindo, aí o quarto — eram dois cômodo o barraco — o quarto começou a entrar água. Aí ela falou: “Mãe, vamos colocar as meninas em cima da mesa. Qualquer coisa nós colocamos essas meninas em cima da mesa”. E a gente ficou ali esperando, foi esperando. Quando a água chegou...
P/1 – Adélia, e aí a sua filha falou pra colocar...
R – As meninas em cima da mesa. Aí nós colocamos as menina em cima da mesa e ficamos só pedindo socorro de Deus, porque não tinha como pedir socorro, tudo alagado. Aí, Deus abençoou que a chuva baixou, a água já chegou na porta da frente. O fundo ficou todo alagado. O quarto alagou. Aí, nós ficamos ali só pedindo socorro a Deus.
P/1 – E vocês naquela água?
R – Naquela água, ali. Na cozinha ainda não tinha entrado água, tinha entrado no quarto. A gente veio pra cozinha, ficou na cozinha esperando. A gente abria a janela de um lado via e aquele “marzão”, olhava do outro aquele “marzão”, e a gente ali só pedindo pra Deus. Aí, Deus ajudou que a chuva passou, aí a água foi baixando, foi baixando, baixou. Foi o maior desespero que eu passei em toda a minha vida.
P/1 – Eu imagino.
R – Nossa, quando eu pensei assim: “Meu Deus do céu, agora não tem pra onde correr”.
P/1 – E os vizinhos?
R – Os vizinhos todo mundo alagado também. Aqueles que não correram de casa tava dentro de casa alagado, entendeu? Foi muito difícil. Aí, depois aí a habitação veio. Chegou o projeto de fazer os apartamentos, aí o Veras, inclusive nessa época era o Veras, pegou e falou: “Esse barraco dela não tinha cadastro na prefeitura, que quando eles passaram o cadastro, o cara que era dono não quis cadastrar.
P/1 – O Veras era o quê?
R – Ele trabalhava na habitação, ele era do serviço social. Aí, a gente pegou, ele falou: “Bom, o que eu posso fazer com você Rose, eu não posso levar pro alojamento agora, porque você tá sem o cadastro, a gente tem que ver isso aí depois. O que eu posso fazer é levar uma pessoa cadastrada pro alojamento e levar você pra casa daquela pessoa. Um lugar que não corre esse risco”, ela falou “Ah, tudo bem”. Foi onde que ele tirou a gente e levou mais pra frente e desmanchou o barraco. Aí, eu fiquei lá com ela. Aí, peguei, foi época que eu vendi lá no Represa e peguei e comprei a daqui no Silvinho. Aí, peguei e comprei a casinha aí.
P/1 – Aquela que vocês ficaram depois?
R – É, que eu fiquei até...
P/1 – Agora, compra de quem, se é um lugar assim, que enche de água?
R – As pessoa fazem, aí a gente vem e compra daquela pessoa, entendeu? Sem segurança nenhuma. Que hoje em dia o povo reclama dos apartamentos, falo: “Gente, vocês achavam bom quando morava dentro da lama, junto com os rato, junto com as baratas, com tudo quanto era inseto?”. Hoje eu agradeço a Deus, porque hoje eu tô num lugar decente. Começa a chover, eu me preocupo com quem? Com quem tá na área de risco. Eu penso: “Meu Deus, tá passando pelo mesmo que eu já passei”. Sempre eu mais minha filha a gente fala isso, fala: “Mãe, essa noite eu não dormi preocupada com as pessoas que tá, que eu penso, só lembro do que nós já passamos e as pessoas tão passando”, mas a gente graças a Deus, hoje eu tenho o meu apartamento, ela tem o dela, com muita luta, mas a gente conseguiu. Então, nós somos vitoriosas, entendeu?
P/1 – O que foi de mais assim, que você pode dizer que mais ficou diferente e mudou quando você agora mora nesse apartamento?
R – Poxa, em tudo. Área de lazer que não tinha, hoje tem, porque fala: “Ah, não tem uma quadra”, mas tem belos gramados. Tem o calçamento pra todo lado, não tem mais aquele negócio de pisar dentro da lama. Só pisa na lama quem quer, porque se não quiser pisar na lama não pisa. Tem água, não falta. Naquele tempo faltava água, às vezes ficava até três dias sem água. Quem tinha uma caixa tinha, quem não tinha ficava pedindo baldinho de água nas casas, pra poder passar. Muitos não tinham nem um banheiro, que eu conheci barracos que não tinham um banheiro. Imagina a situação da pessoa morar numa casa sem um banheiro? Hoje não, hoje a gente tem tudo isso. Tem uma luz decente. Antes de começar a chover, já tava faltando luz pra nós, hoje a gente tem a luz decente. Então, em tudo, falando, melhorou, tudo. Eu não digo que melhorou mais de cem por cento porque não tem condições, mas cem por cento melhorou.
P/1 – Que bom, né, Adélia?
R – Eu não tenho o que falar. A única coisa eu peço a Deus é que saia logo o projeto, saia o documento pra mim poder pagar, pra mim o dia que Deus me recolher, eu saber que minhas filhas estão arranjadas, garantido o lugar delas.
P/1 – Que documento é esse, Adélia, que tem que sair pra você?
R – Tem que sair o carnê pra gente pagar, depois que terminar de pagar aí sai a escritura. Quer dizer que a gente só vai saber que é da gente quando a gente pagar. Lógico, a prefeitura procurou fazer junto com a Caixa uma coisa, só que nós temos que pagar. Porque não é justo, já morou tanto tempo de graça, já usou água de graça, já usou luz de graça, agora ainda quer ainda? Acho que chega, entendeu?
P/1 – E é possível pagar?
R – Ah é, com certeza. Só não paga quem não quiser, porque a gente vai pagar de acordo com a renda que tem. Então, eu acredito que tendo força de vontade, todo mundo vai conseguir pagar. Só não vai conseguir pagar aquele que não quer mesmo nada da vida. Porque tem muitos desses que não quer saber de nada da vida.
P/1 – E como é sua casa, dentro?
R – Dentro?
P/1 – Descreve um pouquinho seu apartamento.
R – É dois quartos, a sala, a cozinha e a lavanderia, e o banheiro. Aí, dormimos eu e as meninas em um quarto, que eu não consigo separar. A gente dorme as três no mesmo quarto. O outro quarto fica vazio, entendeu? Só pra quando chega, tem a cama lá só com boneca, quando chega gente (risos). E todo mundo chega na minha casa, fala: “Olha, quanta boneca!”, falo assim: “Isso aí é pra minha neta, é pra Mariana, quando Mariana crescer”.
P/1 – Você tem uma netinha?
R – Tenho um neto de três anos e uma netinha de 11 meses, vai fazer um ano agora dia 27. É Lucas e Mariana.
P/1 – E assim, você mudou alguma coisa de quando você entrou, assim, na decoração?
R – Mudei, eu fiz... Eu só não coloquei o azulejo ainda, porque eu tenho vontade de trocar da onde eu moro pra onde a minha filha mora, pra gente ficar perto uma da outra. Porque eu preciso dela, ela precisa de mim. Ela tem duas criança pequena, precisa de mim e eu preciso dela também porque às vezes eu preciso sair num lugar e ela tem que se locomover de lá de baixo pra vim cá pra cima, e nós estando perto, não. Uma tá auxiliando a outra. Então, por isso que eu ainda não coloquei o azulejo, mas eu pretendo colocar o azulejo. Já fiz a massa fina, já tá tudo na massa fina, pintadinho, piso. Só falta mesmo o azulejo.
P/1 – E você quer perguntar mais alguma coisa, Cremildes, você que mora aqui também?
P/2 – É, deixa eu ver.
R – Lembra aí.
P/1 – De coisas que você também já viveu e vive e você acha bacana ela contar também. Ou se quer saber se ela vive a mesma coisa que você aqui...
P/2 – É, então, eu quero saber como é que você vive pra sobreviver?
R – Olha, eu tenho o meu trabalho, que nem eu falei, que eu faço o chocolate. Eu trabalho com chocolate, trabalho com trufa e pão de mel e tenho o benefício das minhas filhas, entendeu? É assim que eu sobrevivo. A minha sobrevivência é essa.
P/1 – Adélia, a gente tá terminando. Você quer falar alguma coisa que eu não perguntei, mas que você acha muito importante deixar registrado sobre essa sua história aqui, ou de mudança do alojamento pra cá? Você passou no alojamento, não foi?
R – Não, eu não cheguei a passar no alojamento, passei pelo aluguel.
P/1 – Ah, tá.
R – Passei pelo aluguel, mas foi pouco tempo também que eu fiquei no aluguel.
P/1 – Então, tem alguma coisa que eu não perguntei, mas você acha que tem que contar, que foi muito marcante nessa mudança, ou você já falou tudo?
R – Não, eu acho que eu falei o que tinha que falar.
P/1 – E o que você achou de fazer essa entrevista?
R – Achei legal. Achei legal pelo seguinte, porque eu sei que daqui a cem anos, duzentos anos, que alguém chega lá e vê minha história, vai falar: “Olha, a história da moradora do Oleoduto, olha como que foi, olha como que ela passou”. Porque às vezes a pessoa vê a gente assim hoje: “Ah, ela tá bem”, mas ninguém sabe o que a gente já passou na vida. E sempre eu falei que tinha vontade de escrever um livro, que a minha vida, se eu for contar, aqui, eu tô pulando etapa, mas se eu for contar minha vida do começo ao fim, minha vida dá um livro, entendeu? Porque eu já sofri, eu já tive muitos momentos bons, mas também eu já sofri muito. Já sofri muito com marido. Então, se eu for por na ponta do lápis, dá um livro. Então, achei muito bom, que um pedacinho eu sei que vai ficar gravado pra meus netos, meus bisnetos, amanhã ou depois, quando eu não tiver mais aqui, eles olhar e falar: “Olha a história da minha avó, olha o que minha avó falou, olha como minha avó falou, olha como minha avó era, olha como minha bisa era”. Então, eu acho que isso é importante.
P/1 – Muito bem, muito obrigada e parabéns, viu Adélia?
FINAL DA ENTREVISTA
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