Projeto: BB 200 anos de Brasil
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Elton Pinheiro Carru
Entrevistado por Lenita Verônica Pires e Nádia Lopes
Miranda, 13 de Novembro de 2008
Código BB_HV039
Transcrito por Gabriel Monteiro
Revisado por Eloisa Galvão
P/1 – Nós começamos sempr...Continuar leitura
Projeto: BB 200 anos de Brasil
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Elton Pinheiro Carru
Entrevistado por Lenita Verônica Pires e Nádia Lopes
Miranda, 13 de Novembro de 2008
Código BB_HV039
Transcrito por Gabriel Monteiro
Revisado por Eloisa Galvão
P/1 – Nós começamos sempre pelo nome, local e data de nascimento.
R – Elton Pinheiro Carru. Eu nasci em Panambi, município de Dourados em 31 de março de 1963.
P/1 – E o nome dos seus pais, Elton?
R – Meu pai se chama Nince Carru e a mãe Maria Soares Pinheiro Carru.
P/1 – Lembra dos avós também?
R – Lembro, João Henrique Carru e Iolanda Pereira Carru. Eu não lembro dos avós maternos porque...ah, eles sumiram da história não sei como. Minha mãe... eles abandonaram minha mãe pequenininha.
P/1 – Você tá falando aí o sobrenome Carru, me explica um pouco a origem.
R – O meu bisavô era alemão e ele veio para o Brasil e se casou; veio para o Rio de Janeiro, né, e se casou com uma mulata. E aí eu peguei o lado que escureceu da família e o Carru veio dele. Na verdade, acho que não se escrevia Carru como é a grafia hoje, mas se escrevia _________, a pronúncia é que era Carru. Depois acabou ficando Carru.
P/1 – Qual que era a atividade dos seus avós?
R – O meu avô era um pequeno agricultor; na verdade, ele foi vendedor de livros religiosos por um período. A minha avó era professora. Quando vieram pro Mato Grosso, ela veio pra lecionar numas fazendas que tinha, na região do _______
P/1 – Eles eram de onde?
R – A minha avó era mineira e o meu avô era carioca, mas eles moravam em Minas e então vieram pra cá pra ela dar aula e meu avô trabalhar na venda de livros religiosos. Depois ele deixou essa atividade e passou a trabalhar com lavoura, pequenas lavouras, né, produtor pequeno, vamos dizer assim.
P/1 – E seus pais a atividade?
R – Meu pai desde jovem mexe com madeireira, sempre trabalhou com madeireira, né, na região aqui de Dourados, Mato Grosso do Sul, e também agora no Mato Grosso; ele continua exercendo essa função. A minha mãe é do lar.
P/1 – Você tem irmãos, Elton?
R – Tenho, nós somos em cinco em casa, eu sou o mais velho e temos duas meninas e três rapazes, três meninos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – A mais velha, falar na sequência: é a Keli, depois veio o Edílson, depois veio a Keila e depois veio o Nince Elinton.
P/1 – Ta. Eu queria, assim, que você mergulhasse um pouco na sua infância, que você me falasse onde você foi criado, contasse um pouquinho dessa história.
R – Eu fui criado, como eu disse, na região do Panambi, né, era um vilarejo e naquela época não tinha as maldades que existem hoje. Então a gente tinha muita liberdade e fui criado nadando nos córregos da região, comendo as frutas da região, ora do vizinho, ora nossa.
P/1 – Era arteiro, Elton?
R – Jogando bola.
P/1 – Você era arteiro? Como é que era?
R – Um pouco, minha mãe diz que era um pouco.
P/1 – Conta um pouco das artes, das brincadeiras.
R – Olha, eu lembro de brincadeiras, de arte nem tanto, mas eu lembro que a gente gostava de jogar muita bola e minha mãe era contra. Não é que era contra, não queria deixar a gente sair de casa, e às vezes a gente fugia pra jogar bola e também fugia às vezes pra pescar lá por perto. Foi uma infância muito saudável, o lugar era muito pequeno: eu vivi nessa região por 11 anos, naquela região do Panambi; depois nós mudamos. E aí a atividade já foi um pouco diferente, eu já mexia... eu tinha um amigo que tinha uma fazendinha perto de onde a gente morava e eu gostava de todas as tardes ir pra lá ajudar, cuidar do gado, separar os bezerros... que logo ia começar... pra que no outro dia tivesse leite, né. Então as minhas atividades eram essas. De vez em quando a gente caçava passarinhos, que eu acho que hoje tá fora de moda e deveria estar naquela época, mas culturalmente não era... não se cobrava tanto isso. E a gente também... muita aventura, sair pro mato, caçar, nadar, pescar, foi assim, foi uma boa infância. Até os 11 anos, depois eu fui estudar fora e...
P/1 – Como é que foi o comecinho dos estudos? Volta um pouquinho...
R – A minha professora, desde o primário, foi uma tia minha, como eu disse...
P/2 – Qual o nome?
R – Ahn?
P/2 – O nome.
R – Nilza Carru Freitas. E ela... a minha avó também me deu aula por um período, a Iolanda. E como a gente morava numa região muito limitada...
P/1 – Você tinha aulas em casa então?
R – Não.
P/1 – Como era?
R – Normalmente, quando a gente mudava, era muito... era zona rural mesmo, então meu pai normalmente construía a escola e a gente ajeitava com a secretaria municipal, minha tia passava a ser professora e aí ela passava a dar aula na escola. E como ele mexia com serraria, ele tinha vários funcionários, então os filhos dos funcionários da serraria também estudavam na escola e consequentemente dos fazendeiros da região ali, dos chacareiros. E a gente acabava estudando ali nessa escola; eram aquelas salas compartilhadas, né, era primeira e segunda série, segundo e terceiro juntos, tal. Mas foi uma boa formação, eu creio, pelo que a gente tinha na época, já que elas eram muito enérgicas. Aí nós não tivemos mais oportunidade de continuar ali porque não tinha quinta série. Foi aí que meu pai resolveu me mandar pra estudar num colégio interno em São Paulo.
P/1 – Qual o nome do colégio?
R – Aliás, em Campinas, né. Ele se chamava Instituto Adventista São Paulo, próximo a Campinas, ali em Hortolândia; hoje se chama ______ Campus II. E lá eu estudei por seis anos. Eu digo que foi a fase de ouro da minha vida porque a gente amadureceu muito, cresceu, construímos ali grandes amizades que perduram até hoje e sem contar que nós recebemos uma formação educacional de bom nível e também religiosa, já que o colégio também tinha esse princípio.
P/1 – E como é que foi ficar longe de casa esse tempo todo?
R – Olha, foi muito difícil no começo. Eu me lembro que no começo eu chorava bastante, mas nada assim com vontade de voltar necessariamente. A maior crise foi quando eu voltei das férias de julho, quando eu estive em casa e depois eu voltei. Realmente foi muito difícil, eu... a tarde lá eu resolvi chorar e chorei algumas horas. Mas depois parece que aliviou e eu recobrei o ânimo e esqueci. Dali pra cá, daquele momento em diante, nunca mais eu chorei.
P/1 – E as diferenças culturais que você sentiu? Alimentação, clima, não sei. O que aconteceu?
R – Olha, isso é um lado interessante. Eu vinha de uma região, culturalmente falando, muito pobre, então falava errado, sabe? E tudo isso era complicado porque você vai pra um ambiente escolar, o nível cultural é diferente, né. Então eu tive que ir aprimorando, ser um pouco criterioso, me preocupar com o que eu falava, com as palavras, me policiando pra que eu não falasse coisas... palavras erradas. Mesmo assim aconteceu algumas vezes,
mas foi o suficiente pra eu aprender.
P/1 – Tem alguma coisa curiosa que você queira contar?
R – Olha, deve até ter alguma, mas eu não estou lembrando agora, viu. Eu lembro do ‘muito mais maior’, tinha muita coisa assim. [risos] A gente às vezes usava essa redundância que não é legal, mas com o tempo a gente foi aprendendo e rapidamente eu já estava me enquadrando. Mas o aspecto cultural é importante porque eu vinha de uma região do Mato Grosso, eu tinha amigos que tinham vindo de Angola, eu tinha amigos que tinham vindo do Pará, eu tinha amigos americanos, do Rio Grande do Sul, de todos os lugares do Brasil eu tinha. Humildes, culturalmente falando, financeiramente falando, mas aquilo tudo só somava, a gente na verdade saía dali todos acrescentados, crescidos e contribuiu muito pro meu crescimento, meu aprimoramento.
P/1 – E os estudos? Tinha algum professor, alguma matéria que você gostava?
R – Olha, tinha professores muito interessantes, o nível deles era muito bom. Eu me lembro de um professor de física que me marcou muito, chamava Euller Bahia, eu nunca vi esse cara errar uma conta na sala de aula, eu não sei se ele decorava as continhas em casa, mas o fato é que eu nunca vi. Porque às vezes é até natural você trocar algum número, né. Eu nunca percebi isso. E tínhamos também... tinha um professor de inglês muito bom, professor Negreli, um cara realmente fantástico, muito dedicado. Um professor de biologia chamado... a gente chamava ele por senhor Veiga, não lembro agora do primeiro nome dele. E muitos professores, assim, realmente muito preparados, na língua portuguesa, sabe? O nível era muito bom, excelente o nível dos professores. E foi muito importante pra mim, pro meu preparo, quando eu saí de lá eu tive a oportunidade de prestar vestibular, comecei a fazer engenharia mecânica sem precisar fazer cursinho nem nada, eu passei no primeiro vestibular.
P/1 – Aonde foi que você começou a...
R – Eu fui fazer esse cursinho... esse vestibular no Rio Grande do Sul, na cidade do Rio Grande.
P/1 – Nossa, mas por que essa...
R – Foi assim: eu saí do colégio... quando terminou o segundo ano do segundo grau, tudo o que o colégio já tinha a me oferecer ele já tinha me oferecido, não havia mais nada, assim, pra eu explorar no colégio, por exemplo: eu fui o atleta do ano, ou seja, eu me _________ nas olimpíadas, fui o atleta que ganhou mais medalhas, de ouro, vamos dizer assim.
P/2 – Várias modalidades?
R – Várias modalidades.
P/1 – Qual que era o seu esporte?
R – Em basquetebol, em espirobol...
P/1 – Olha isso!
R - ...em lançamento de dardos, em atletismo, 100, 200, 400 metros rasos.
P/1 – Que que é espirobol hein?
R – Espirobol é aquele esporte que você tem um mastro e lá de cima desce uma corda e você amarra uma daquelas bolas que os boxeadores usam pra treinar, assim, tem uma bola daquela que parece uma cabaça, assim, no formato de uma gota, vamos dizer. Então você... pode jogar em dupla ou sozinho, né, com adversário, e aí um enrola prum lado e outro enrola pro outro. E quem conseguir enrolar a bola primeiro no mastro ganha o jogo. Então, nesse aspecto eu me destaquei, e aí eu já estava muito feliz por isso, acabei ganhando a medalha de atleta do ano. Eu também na época fui presidente do grêmio masculino, já que também era um colégio interno pra mulheres, então uma vez... um ano os homens faziam a festa da amizade e no outro ano as mulheres. Então, no segundo ano do colegial eu já tinha coordenado todos os meninos do colégio, né, que eram na faixa de trezentos meninos. E que mais eu tinha feito?
P/2 – Em que ano foi isso mais ou menos?
R – Isso foi na década... foi em 1980, tal.
P/1 – Quando você tava fazendo o que?
R – Essa fase.
P/1 – O segundo ano...
R – Segundo ano do segundo grau. E aí eu já participava de coral, do coral, né, e foi realmente um ano de muito, muito proveitoso. E eu tive o prazer de realizar todos esses sonhos, ter essas oportunidades. E aí eu resolvi sair no segundo ano do segundo grau pra fazer o terceiro ano fora com cursinho junto com o terceirão. E aí eu fui pra Curitiba estudar, eu fui morar lá com um colega que também tinha saído do colégio, ele tava fazendo o cursinho lá e nós fomos estudar juntos.
P/1 – Mas só pra eu entender: por que você resolveu ir pra Curitiba?
R – Pra fazer o cursinho.
P/2 – Mas por que Curitiba?
P/1 – Ah, por que era forte? Explica.
R – Em Curitiba foi o seguinte: como eu tinha esse amigo lá, ele era... ele trabalhava no cursinho e ele conseguiu uma bolsa de estudos pra mim pra eu poder jogar bola, basquetebol, pelo cursinho e eu não ia pagar nada. Isso facilitava, mas também pela amizade, pelo ambiente, eu acho que Curitiba é um grande centro de formação. E eu acabei indo morar com ele, era uma companhia que eu tinha na época.
P/1 – E o que você achou de Curitiba?
R – Curitiba é muito bom, muito boa cidade, eu acho que podemos dizer, assim, é uma das capitais que se desponta no Brasil, culturalmente falando, tudo o que se aplica em grandes capitais Curitiba sai na frente. Eu acho o povo de lá um pouco frio, eu morei por um período sozinho e sofri muito com isso, apesar dos meus pais pagarem meus estudos eu sempre fui muito equilibrado, assim, nos gastos. Então eu morava num ginásio da igreja adventista de lá, um ginásio de esportes, e tinha lá dois quartos e eu morava num deles, entendeu? Não nos custava nada, se custava eu não me lembro, mas era bem pouco, e por conta disso as despesas eram menores. Isso tudo facilitou a estada em Curitiba, né. Mas não foi muito boa a experiência porque eu acabei deixando um pouco os estudos de lado, fui lá pra estudar mas acabei não cumprindo o propósito.
P/1 – Então vamos aproveitar esse gancho pra você falar como era o Elton jovem, né, as coisas que você gostava de fazer, passeios...
R – Olha, eu sempre gostei muito de aventura, né, de desafios também. Eu me considero um garoto normal, nada diferente dos demais, sempre fui muito leal, muito companheiro e sempre me destaquei pela minha determinação, de ter garra, persistência e não necessariamente sempre exerci a liderança, mas às vezes que eu exerci ela aconteceu naturalmente. Foi interessante, não sei muito o que falar mais, mas acho que eram esses os aspectos importantes. Fiz algumas... não tive grandes aventuras porque nós éramos... nós saímos de casa muito novos, então aí com...
P/1 – Com quantos anos mesmo?
R – Com 11 anos eu saí de casa. Então aí eu fiquei num colégio interno e lá era cheio de regras, então não dava pra você fazer muita coisa, mas no colégio a gente fazia algumas coisinhas, por exemplo: lá tinha muito pomar e a gente não podia pegar as frutas, entendeu? Era limitado, né, então às vezes a gente escondido catava essas frutas e levava escondido, abacates, laranjas, coisinhas assim, nada muito comprometedor, mas umas coisinhas até meio ingênuas. E não fui de bagunça, não fui muito garoto de estar em secretaria de escola, eu sempre fui muito na minha, sempre soube das minhas limitações.
P/2 – Uma pergunta: do que você sentia mais falta durante esse tempo que você ficou longe dos seus pais? Do que você sentiu mais falta, assim, da sua casa, enfim, do lugar. Tinha alguma coisa que pegava?
R – Olha, na verdade era a ausência de casa, mesmo, o apego, né. Eu acho que nessa fase a gente sofre um pouco no começo, mas a saudade de casa... quando você está tão novo, assim, os pais decidem muito pra você, eu tive que tomar as minhas decisões, fazer as minhas escolhas. Eu sentia falta de alguém pra de repente falar: “Olha, Elton, faz assim agora.” Mas a gente teve que tomar as atitudes e as decisões, isso foi importante porque eu amadureci muito cedo, Mas ficar longe de casa realmente era familiar, só saudade mesmo que a gente sentia, né.
P/1 – E, voltando lá pra Curitiba, você estava estudando...
R – Aí eu estive em Curitiba por um ano só e nós acabamos não passando no terceirão, acabei reprovando porque eu me juntei com esse amigo meu, ele tinha prestado vestibular e depois não passou e aí deu uma relaxada, ele já chegou no segundo semestre, não tava muito preocupado mais com os estudos porque tinha ralado muito no ano anterior e ele agora queria só levar mais tranquilo. E chegou um outro amigo, aliás, esse amigo que estava em Curitiba chamava André Luiz Fonseca, hoje ele é neurologista, ou melhor cardiologista em Curitiba. E o outro depois que chegou é o Tércio Pinho, nós todos éramos colegas lá do Iasp, e o Tércio já era um aluno que não era dado aos estudos mesmo, então juntou a fome com a vontade de comer. E aí a gente...
P/1 – Só pra marcar aqui: o que que era o Iasp?
R – Instituto Adventista de São Paulo, o colégio interno que eu estudei. E aí a gente só ficou na festa, né, dormíamos tarde todas as noites, assistíamos a todos os filmes a que tínhamos direito, finais de semana na praia
e acabamos deixando a escola de lado e não teve outra saída a não ser reprovar. Aí eu vim pra Dourados no ano seguinte, meu pai não quis me pagar mais os estudos, apesar de eu não ter contado pra ele que eu tinha reprovado, eu não tive coragem de contar porque eu tinha vergonha. Porque graças a Deus meu pai sempre bancou os meus estudos e eu não tive coragem de contar pra ele. Aí eu falei pra ele que ia fazer cursinho, na verdade eu estava fazendo cursinho junto com o terceirão em Dourados. E eu resolvi estudar nessa escola lá e minha irmã foi estudar junto também, a mais velha, a Keli. E aí chegou num ponto que minhas notas começaram a aparecer no mural e eu ficava com medo dela ver minhas notas e perceber que eu tinha reprovado e aí eu resolvi vir embora pra Dourados por conta disso. E no meio do ano eu vi que não dava mais pra me esconder e eu falei: “Eu vou embora.” Eu tinha uns amigos em Uberlândia e saí com o intuito de ir pra lá, e aí fui pra Uberlândia estudar, mas meu pai já não me ajudou mais. Eu tive que arcar com as despesas todas sozinhas, eu tinha acho que 18 anos... foi uma fase muito difícil porque eu tive que trabalhar e não ganhava... ganhava comida e os estudos, meu colega pagava a minha escola e me dava comida, mas não tinha mesada, não tinha dinheiro pra comprar roupa, não tinha dinheiro pra nada. E aí foi uma fase realmente um pouco difícil, chata, mas não foi por um período muito grande, foi só um semestre.
P/2 – Mas que trabalho você fez?
R – Ah, sim. Ele tinha um pequeno atacado de doces, de balas, essas coisas assim, e eu cuidava do atacado, estoque, controlava, fazia entrega para os distribuidores, pras kombis que saíam pra distribuir e tal. E eu ficava ali cuidando desse estoque e a noite eu ia pra escola, né. Aí fui aprovado graças a Deus e saí dali e fui prestar o vestibular no Rio Grande. Por que no Rio Grande? Porque eu tinha esse amigo lá de Curitiba, o André, ele tinha passado no ano seguinte para medicina lá, e aí ele me convidou. Não era uma concorrência muito alta, apesar de ser uma universidade federal, e eu resolvi ir porque eu achei que tinha mais chances também. E aí foi...
P/1 – Só pra eu entender uma coisa: o seu pai chegou a ficar sabendo dessa reprovação? Eu não entendi direito.
R – Não ficou sabendo, eu não contei isso pra ele. Eu não sei se ele sabe até hoje [risos]
P/1 – Nossa! [risos]
R – Eu fiquei com um pouco de... eu sempre me cobrei muito e eu acho que no mínimo eu tinha a responsabilidade de passar de ano. E como eu reprovei,
não tive coragem de contar pra ele porque eu respeitava muito ele, eu me senti envergonhado. Aí eu falei: “Bom, já que é assim, eu tenho que pagar o preço.” E aí foi quando eu fui pra Minas lá e graças a Deus deu tudo certo, fui aprovado.
P/1 – Bacana.
P/2 – E aí na faculdade que curso você escolheu? E por quê?
R – Meu pai foi criado dentro de uma serraria, vamos dizer assim, e eu também. E eu sempre admirei meu pai porque ele tinha um jeito pra tudo e eu observava muito isso, então na serraria tem muitas máquinas, têm caminhões, e ele não só consertava como também orientava o que tinha que ser feito, às vezes ele até criava determinadas peças pra fazer as... para ajustar os equipamentos lá e fazer o que tinha que ser feito. E eu sempre estive muito junto, desde pequeno, sempre fui companheiro, sempre estive com meu pai ajudando ele a consertar, a dirigir caminhões, entendeu? Eu cheguei, por exemplo, de umas férias, eu tinha 15 anos de idade, ele falou: “Elton, eu tenho um presente pra você.” E eu fui lá e ele me deu um... falou: “Olha, é um caminhão aqui pra você puxar tora.” E eu fui puxar tora com 15 anos de idade, então... e ele acreditava na gente também, confiava muito, né, e eu sempre tive muito envolvido com isso, e sempre fui criado nesse ambiente de máquinas e equipamentos, tal. Então isso me fez pender por esse lado. Eu creio que a minha vocação era pro lado da engenharia, e eu me dirigi pro lado mecânico, né, que eu achava que era alguma coisa que tinha a ver comigo, eu tinha uma certa facilidade pra mexer com isso, por isso eu optei por engenharia mecânica, mas eu só fiz um ano dessa faculdade.
P/1 – O que aconteceu?
R – O meu pai, na época, continuava a me sustentar, e eu todas as vezes que pedia dinheiro sentia que ele estava com um pouco de dificuldade, eu sentia que ele tava passando por uma situação financeira um pouco complicada. Então resolvi trancar a faculdade, falei assim: “Eu vou ajudá-lo um ano e depois volto a estudar, né.” E aí foi quando eu vim de férias, depois de um ano e aí conversei com ele, tal, e nós tínhamos uma cerâmica aqui em Agachi, aqui no município de Miranda. Essa cerâmica que realmente era, vamos dizer assim, a causadora da situação financeira.
P/1 – Qual era o nome da cerâmica?
R – Na época se chamava Cerâmica Pantanal e ele mandava muito dinheiro pra cá, só que não tinha retorno, isso não por um período curto, foi por um período longo e eu resolvi vir pra cá com 21 anos, eu creio, né, 21 anos. 1984, eu tinha... eu tinha 21 anos, isso. Com 21 anos de idade eu vim pra cá pra ajudá-lo nessa cerâmica com o intuito de alavanca-la, fazê-la prosperar. E aqui eu realmente enfrentei uma barra muito pesada, totalmente diferente de tudo que eu tinha passado até então. Eu cheguei a cerâmica tinha apenas um forno, dois estavam caídos; as máquinas todas desgastadas, a energia cortada e eu então tinha que fazer rodar e não tinha mais dinheiro. E aí eu peguei um diferencial de um caminhão que tinha lá desmontado, vendi, fiz um dinheiro, fui a São Paulo, comprei as peças da cerâmica, trouxe, montei, fiz um acordo com a __________ pra pagar a energia, e nós começamos a rodar. Eu trabalhei um ano, mais ou menos, eu consegui levantar os outros fornos, os outros dois fornos, só que era uma fase difícil, você tinha que andar de joelho todo dia, porque não tinha dinheiro pra pagar fornecedor, era gente cobrando, às vezes era cheque voltando, era uma pressão muito grande. E
então... começamos a melhorar, já estávamos com dois... com três fornos levantados, mas quando eu terminei de levantar o terceiro, uma semana depois caiu o que estava pronto, quando eu cheguei. Eles têm um cabo de aço e esse cabo de aço arrebentou, não deu pra gente prever que ia arrebentar, ele arrebentou. Esse dia realmente foi muito difícil, eu me lembro que eu chorei naquele dia e fiquei muito triste porque afinal de contas era um retrocesso, mas era _________ difícil, mas eu sempre como disse tinha muita determinação e tinha certeza que ia vencer aquilo dali. Passado um ano eu me empolguei com os negócios, já estava melhor e achei que poderia ser o negócio da minha vida, e resolvi continuar, resolvi não voltar pra faculdade. Nós tínhamos naquela época um sócio que era uma tia, que chamava Nilza Carru que por coincidência tinha sido a minha professora da primeira à quarta série e então resolvemos tirar ela da sociedade, meu pai comprou a parte dela e eu toquei sozinho a cerâmica. Nesse ínterim, eu tenho que botar a mulher no meio já porque ela já tinha entrado na história.
P/1 – Ah é? Quando você a conheceu ela?
R – Pois é, logo que eu cheguei aqui, um ano antes eu tinha estado aqui e aí eu a conheci, conhecia a Luci, a gente deu uma paqueradinha, tal...
P/2 – Mas qual que foi a circunstância? Você lembra desse momento?
P/1 – O primeiro encontro, assim.
R – Lembro. Eu estava andando com um primo meu aqui da cidade e de repente ele falou: “Elton, vou te apresentar umas meninas aqui, uma amiga minha.” Aí foi quando ele apresentou, foi quando eu tinha acabado de passar no vestibular. E aí eu conversei com ela um pouco, conheci, tal, foi só um papo e eu fui embora. No sábado eu voltei à igreja, nós frequentávamos a igreja também adventista, né, e aí no sábado eu sabia que ela ia estar lá, mas ela trabalhava no departamento dos menores, das crianças. E eu fiquei sondando ela pra ver a hora que ela ia chegar _______ e eu preparei uma cadeira do meu lado e quando ela entrou na igreja eu fiz sinal pra que ela viesse sentar ao meu lado, né. E ela veio e sentou do meu lado. E eu não sabia, ela tinha namorado, mas a gente conversou bastante, eu fui embora, convidei ela pra ir no Agachi, na cerâmica, mas ela disse que o pai não deixava e aí tudo bem, foi esse o nosso contato. E eu fui estudar, né, aí no ano seguinte que eu vim pra cá, pra Miranda. Eu tinha um propósito também quando vim pra cá, eu vim administrar a cerâmica, mas meu pai me deu uma máquina que fazia um tijolo comum, e eu tive o intuito de começar a produção independente, era como que um estímulo pra mim, pra ter o meu dinheiro. Então eu ia administrar a cerâmica que era a fábrica de tijolos de oito furos, e eu ia tocar uma outra máquina que se chamava tijoleira para fazer tijolos comuns, essa pra mim. E eu então trouxe um amigo comigo que era meu sócio e tal, e a gente começou a mexer com esses dois serviços, que era tudo junto, no mesmo espaço. Quando eu cheguei aqui, no dia em nós chegamos eu falei pra ele: “Vamos pra Miranda que eu tenho umas meninas pra te apresentar, umas amigas lá.” E aí nós mal passamos pela cerâmica e fui pra cá. Aí nós passamos na casa dela e pedi pra falar com ela. Ela nem me conheceu na hora, não me reconheceu, mas logo em seguida caiu a ficha, me identifiquei, apresentei o meu amigo, tal, e aí a gente começou a conversar. Como a gente ficou aqui, aos sábados nós íamos à igreja e consequentemente a gente se encontrava aos sábados, e nós começamos então a fortalecer a amizade, né. Ela tem uma outra irmã, o meu amigo ficou interessado na irmã dela e aos sábados nós acabamos passando a almoçar na casa dela, então todos sábados nós estávamos juntos. E quando foi... mas a gente era muito amigo, sabe? E aí foi ficando aquele negócio...
P/1 – Xi, tô vendo que foi demorado esse negócio... [risos]
R – Foi no mês de maio.
P/1 – Vocês se conheceram em que mês?
R – Isso era março, nos conhecemos em março.
P/1 – Ah tá.
R – Eu cheguei em março de 1984 aqui. E aí já era... a gente começou a ficar muito amigo, né, e começou a pintar aquele clima, mas era esquisito porque a gente era amigo. E olha, aí foi um drama pra pedir essa menina em namoro, viu? Porque eu ficava sem graça e aí eu sei que eu... chegou um dia que não tinha mais jeito, o meu amigo me pressionando, ela pressionava o meu amigo [risos] e eu tive que dar um jeito na situação e eu a pedi em namoro. Foi interessante esse dia, né, porque eu falei com ela em namoro e ela consentiu na hora e eu falei: “Bom, agora nós estamos namorando, né?” Ficamos tudo meio sem graça, nós dois um olhando pra cara do outro e aquele beijo que era tão esperado não saía e eu tinha muito respeito por ela, também era isso. E eu sei que aí tocou o sinal da escola, aí eu falei: “Puta vida, eu não vou dar um beijo nessa mulher!” E caminhamos em direção ao portão da escola e não tinha jeito de eu puxá-la, e como eu não fiz isso ela pegou, me puxou pelo colarinho e me deu um beijo. Fiquei meio assim paradão, meio assustado, ela falou: “Tchau.” E foi embora pra dentro da escola, eu falei: “Bom, vou ter que ir embora também.” [risos]
P/1 – [risos] Legal.
R – Foi isso, foi muito interessante, mas nós éramos muito amigos, nós namoramos... éramos muito jovem também, né, ela tinha, quando eu comecei a namorar, 16 pra 17 anos e o pai não queria o namoro, foi um ano pra eu falar com o pai dela.
P/1 – Nossa!
R – Quer dizer, eu ia na casa, mas o velho não conversava comigo, e eu puxava assunto de tudo que era jeito e ele não conversava. Um dia, interessante isso, ele nos pegou dando um beijo, e foi interessante porque ele passou na sala a gente tava dando um beijo e aí ele foi na cozinha, e quando ele voltou a gente tava dando o segundo beijo, mas ele achou que era o primeiro ainda, entendeu? Aí ele deu uma intimada nela, falou: “Que negócio é esse, tá muito sério, vocês são muito novos, eu não quero esse namoro sério, não sei o que.” E ela me contou e eu resolvi chegar nele e entender o que que ele estava querendo dizer, eu falei: “Eu queria saber o que estava acontecendo, tal. Eu tenho a maior das boas intenções com a tua filha.” Ele falou: “Não, eu não tenho nada contra você. Eu sei que você é um menino trabalhador, mas é que vocês são muito jovens, aí vai ficando muito sério esse relacionamento, daqui a pouco tem que casar, tal.” Eu falei: “Ah tá, mas realmente o namoro é sério, eu respeito a sua filha, a gente não está pensando em casar, mas sei lá o dia de amanhã, o que que o futuro nos reserva.” Aliás, quando falava em casar a gente ria um da cara do outro porque tanto um como outro ainda alimentava a possibilidade de estudar. E um belo dia, depois de dois anos e três meses eu a levei numa joalheria que havia do lado da casa dela e eu falei: “Escuta, eu quero comprar uma aliança aqui.” “Pra quem?” “Prum funcionário.” Aí eu falei: “Eu queria que você me desse sua opinião aqui, qual que é a mais bonita.” Aí ela escolheu uma lá, eu fui lá comprei, mandei arrumar a caixinha, aí depois eu cheguei na casa dela e falei: “Olha, isso aqui é pra você.” “O que? Que que é isso?” Eu falei: “Abre e veja.” Aí ela abriu e falou: “O que? Aliança?” Eu falei: “É, nós vamos ficar noivos.” Ela falou: “Noivos?” Eu falei: “É, nós vamos ficar noivos. Eu não quero mais continuar namorando, eu quero casar. E eu gosto de você e nós vamos nos casar.” E aí ela ficou meio assim, tal, e eu falei: “Eu quero falar com o teu pai.” Já fomos pra dentro da casa e aí eu falei dos planos e já falei também que eu queria marcar uma data do casamento. E aí a gente marcou a data do noivado e acertamos os detalhes. Marcamos a data do noivado, isso era em agosto, ficamos noivos em agosto de 1996. Não... 1996. Em Janeiro de 2007 nós nos casamos. Desculpa, eu troquei os números só, é 1986, 1986. Em janeiro de 2007... 1987 nós nos casamos.
P/1 – Aonde vocês se casaram?
R – Também é um dado interessante, como nós marcamos a data pra janeiro e meu sogro estava fora construindo... reformando a casa dele, ele falou: “Ó, até lá eu não termino.” Ele falou: “O casamento de vocês só pode ser em julho de 1987.” E eu falei: “Eu não aguento esperar até lá, ou a gente casa em janeiro ou a gente não casa.” E ele falou: “Bom, pra casar em janeiro não pode ser aqui, tem que ser fora.” E aí sugeriram Campo Grande e nós casamos na igreja Central Adventista de Campo Grande, o casamento foi lá, não teve festa, não teve nada, mas eu tive o que eu mais queria que era a noiva, né.
P/1 – Tá. E aí, vocês foram morar aonde?
R – Bom, aí nós viemos morar aqui, eu tocava cerâmica no Agachi, tava numa fase melhor, só que...
P/1 – Mas ela começou a ajudar você, trabalhar junto? Como foi? Qual a atividade dela?
R – Não necessariamente. Aliás foi uma fase difícil até pro nosso relacionamento porque eu acordava de madrugada... bom, quando nós casamos ela exigiu que nós morássemos aqui na cidade, aliás, o pai dela fez a cabeça dela pra que ela morasse aqui na cidade e gerou um custo adicional pra mim, eu era... minha renda era muito pequena ainda, mas a gente quando quer casar você faz tudo pra agradar a noiva, né, e acabamos morando aqui por um ano. Foi um ano de desencontros porque eu deitava oito horas da noite, ela deitava às onze, eu levantava às cinco e ela levantava às oito. E eu tinha que levar pessoas pra cerâmica, tal, trabalhar, eu tinha que estar lá. E foi um ano muito difícil, não foi bom financeiramente, eu tive um período com a energia cortada, fiquei mais ou menos 45 dias sem energia, não tinha dinheiro pra pagar, e aí vieram querer as prestações do jogo de quarto que eu tinha comprado, o cara da loja de móveis queria levar e olha, foi realmente um momento muito difícil, mas deus abençoou, a gente conseguiu pagar e começamos a trabalhar. Mas chegou o final do ano e não tinha mais jeito, nós tínhamos contraído um volume de dívidas razoável, fizemos um levantamento e ________ tínhamos que parar com a cerâmica. Ou melhor, tínhamos que nos mudar pra cerâmica, e fomos pra cerâmica. No ano seguinte, 1988, nós nos mudamos pra cerâmica, mas não teve jeito mais, resolvemos fechar a cerâmica. Aí eu produzi... fiz um levantamento de dívidas juntamente com ela e nós calculamos a quantidade de tijolos que a gente precisava fazer. E eu entrei dentro da cerâmica e nós fomos produzir tijolo. Esse período foi um período difícil pra gente, nós tivemos que vender carro pra pagar a dívida, lá não tínhamos meio de transporte, ela tinha que andar um pedaço a pé pra pegar carona com caminhões que puxavam barros de uma outra cerâmica aqui pra cidade. Então foi realmente uma fase muito difícil, foi pro nosso relacionamento porque a gente estava juntos, tal, ali, deitando e levantando nos mesmo horários, dividindo junto as mesmas coisas, aí ela já estava me ajudando. Era ela que vinha fazer o banco, pegava as caronas que precisava e depois que nós fechamos a cerâmica aí nós viemos morar em Miranda e meu sogro tinha uma casinha aqui de madeira e ele passou ela pra nós. Como era de usufruto da mãe dele, nós pagávamos um salário mínimo de aluguel pra ele. E aí eu fui queimando os tijolos que eu tinha fabricado e pagando as contas, pagando as dívidas, tal, até que no meio de 1988 surgiu uma venda pra cerâmica, essa cerâmica ela não era minha, ela era do meu pai, e então ele vendeu a cerâmica. Aliás não foi em 1988, foi em 1989 que ele conseguiu vender. Mas deixa eu contar de 1988 ainda, né. Nós viemos morar aqui, aí nós estávamos sem atividade, nós não tínhamos o que fazer. Eu tinha a ideia de ir pros Estados Unidos, mandei uma carta pra um amigo meu que estava ali e ele arrumou um emprego pra mim lá e eu ia pros Estados Unidos, só que quando eu estava pra ir pra lá, eu tive que tirar o passaporte, e uma das exigências era reservista, e eu tinha jurado... não tinha jurado bandeira na época, eu me alistei mas não fui jurar a bandeira. E eu achei que era só eu ir lá, jurar a bandeira e pegar meu reservista. Na verdade, o meu alistamento foi cancelado e eu tive que me alistar novamente, ou seja, inviabilizou a ideia de ir pros Estados Unidos. Aí eu comecei a ideia de ir com meu pai trabalhar no Norte de Mato Grosso, porque em 1986 ele tinha se mudado pra lá, pra mexer com serraria na região de Nova Maringá. Eu ia pra lá, não tinha outra opção. Nesse ínterim, o meu sogro me chamou e falou: “Olha, Elton, eu estou precisando me tratar, fica aqui na loja um pouquinho, dá uma coordenada aqui até que eu me trate.” Eu falei: “Tudo bem, eu posso ficar um pouco. O senhor não está fazendo isso pra me ajudar, né?” Falou: “Não, não, não. To precisando realmente.” Eu falei: “Olha, eu vou ficar por um período.” Eu fiquei por um período, eu fiquei por um período de quatro, cinco meses.
P/1 – Tá. Vamos dar uma paradinha agora.
R - Então meu sogro me chamou pra trabalhar com ele uns dias pra que ele pudesse se tratar, e eu fui pra ajudá-lo, isso era o segundo semestre de 1988. E fomos eu e a minha mulher pra ajudá-lo, ela como vendedora e eu pra ajudar nos pagamentos. E nós trabalhamos até o natal, até o final do ano juntos, sabe?
P/2 – Era comércio de que mesmo?
R – Comércio de roupa, ele tem uma loja de confecções; e no final do ano a minha esposa já deixou de trabalhar porque tinha acabado as festas, tal, e ela acabou deixando de ajudar lá na loja. Naquela época a gente ganhava dois salários mínimos apenas, era livre, mas era dois salários mínimos que nós ganhávamos. Aí eu disse pra ele no início do ano que eu não queria continuar trabalhando porque o salário não era realmente algo que me motivava, eu precisava de algo maior, de projetos mais ousados, tal. Então eu disse a ele... um belo dia ele chegou lá em casa no mês de janeiro, falou: “Elton, você não precisa ir mais.” Aquilo me deu um certo choque porque eu queria, mas ao mesmo tempo eu não tinha mais renda, nem eu, nem ela. E fazer o que agora? Como ele sabia que eu tinha a ideia de ir pro norte, ele pegou e falou: “Por que vocês não vendem roupa?” e a gente então começou a mexer com roupa, começamos a trabalhar com roupa. Eu tinha vendido umas árvores que sobraram do reflorestamento lá da cerâmica, a reposição florestal que a gente tinha que pagar e dava o dinheiro de um fusca, na época, 1200 cruzados, eu acho. Eu peguei a metade desse dinheiro, paguei um fusca, financiei o resto e a outra metade eu fui com ela pra São Paulo e a gente foi comprar roupas. Nós viemos com duas malas de roupas lá de São Paulo, não conhecíamos nada lá, fomos com a cara e com a coragem e quando nós chegamos aqui, ela... minha mulher é uma exímia vendedora e dentro de 15 anos ela vendeu as duas malas. Só que ela vendeu fiado e aí acabou a roupa e acabou o dinheiro.
P/1 – 15 dias?
R – 15 dias. Aí nós ficamos planejando como voltar pra São Paulo de novo, tomamos dinheiro emprestado do meu sogro pra fazermos mais uma compra, e aí fomos pra São Paulo de novo, voltamos, começamos a vender novamente, mas nesse ínterim nós começamos a receber as prestações daquela primeira... das primeiras vendas, né. E aí começou uma rotatividade, eu sei que quando foi em julho de 1989 nós já tínhamos pago todo o dinheiro emprestado e do fusca também e nós já estávamos planejando abrir uma lojinha. Em agosto eu consegui, agosto de 1989 eu consegui alugar um salão, paguei uma luva muito alta, mas era um salão muito interessante, que era meio central, né, tinha um ponto estratégico muito bom. E eu aluguei o salão mas não tinha dinheiro pra comprar roupa pra botar dentro dele, e nós então falamos: “Vamos demorar um pouquinho, vamos trabalhar nessa direção.” E começamos a vender roupa, continuamos a vender roupa, mascateando. Nós íamos pra Corumbá, íamos pra Bodoquena, íamos pra Bonito, Aquidauana, tudo no fusca, com as malas dentro e de casa em casa abrindo as malas pras pessoas, né. E Deus nos abençoava muito porque a gente vendia bem.
P/1 – Você tem alguma história boa desse período? Eu imagino que vocês conheceram muita gente, né, nesse período.
R – Conhecemos muita gente e nossa roupa era uma roupa de bom gosto, e era interessante que...
P/1 – Que tipo de roupa que era?
R – Roupa feminina, blusas, vestidos, saias, conjuntos, bermudas.
P/1 – Roupas de passeio.
R – É, e roupas como essa que você está, muita roupa bem diferenciada, eram roupas... a gente não comprava repetido, tinha uma certa exclusividade pra cada peça que eu trazia, era meio que exclusiva. Então era um negócio muito bem trabalhado e de muito bom gosto, então nós começamos a vender, lá em Corumbá, por exemplo, pra sociedade de lá, apesar de que éramos mascates, como diz aí o jargão popular, eu não sei se a palavra está certa, mas mascate... nós éramos bem recebidos, chegou a ser até meio que importante as pessoas comprarem com a gente lá em Corumbá, era interessante isso, né. A gente realmente vendendo roupa daquela forma humilde, jogando as roupas, abrindo as malas nas salas das pessoas, vendíamos pra diretores da Cimento Itaú, pra advogados do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], pras mulheres de oficiais da marinha, pra donos de... esposas de empresários, entendeu? Então era um negócio interessante, foi um grande negócio, pra nós foi excelente, foi realmente muito importante e útil porque deu condições pra gente ir construindo uma estrutura, né. Resultado: no final de 1989, novembro, dia 6 de novembro nós conseguimos abrir a nossa lojinha, porque também a gente não queria abrir de qualquer forma, nós queríamos abrir uma lojinha bem ajeitadinha, de acordo com o padrão que a gente trabalhava. E nós começamos a agregar, começamos a vender sapatos, sabe? E a loja foi crescendo, mas nós não deixamos de mascatear, uma vez por mês nós catávamos toda a roupa da loja e sumíamos uma semana pra ir pra Corumbá porque lá, em três dias representava quase quinze dias da loja aqui. Então era interessante, era um stress danado porque era muito cansativo dobrar aquelas roupas todas, botar... e aí já não eram duas malas, eram cinco, seis malas e lá a gente tinha que subir prédios, andar em casas longes, às vezes corredores, era um sacrifício, eu era o que carregava as malas, não tinha ninguém pra ajudar. E ela dobrava tudo porque tinha que expor, arrancar dos pacotes e mostrar. Então a gente... era muito trabalhoso mas era muito compensador porque a gente só parava às 11 da noite e aí a gente ia somar o que tinha vendido no dia, então realmente valia a pena, sabe? Foi uma fase muito boa, muito abençoada, construímos muitas amizades lá em Corumbá, o pessoal realmente muito agradável, recebiam a gente muito bem, era um... criamos um círculo de amizade, não éramos mais vendedores, era amizade. E depois disso, a gente resolveu parar porque realmente ficou muito cansativo, e aí entra o material de construção. O meu pai ele mexia com madeira no norte e nessa época, né, de 1989 pra 1990, 1990 propriamente dito ele começou a falar da idéia de eu montar um depósito aqui, falou: “Por que você não monta um depósito de madeira aqui?”, “Ah, pai, não dá. Madeira aqui tem as serrarias da região, como é que vai vender madeira aqui com esses caras?” A madeira tinha que andar 1350 quilômetros, frete, impostos, tudo, eu falei: “Não tem jeito, pai.” E sempre que ele vinha ele me falava. Uma certa vez eu falei: “Bom, você tá animado pra montar,
então vamos fazer uma sociedade.” “Não, eu mando a madeira pra você e a gente divide o lucro.” Eu tinha um terreno aqui embaixo, um terreno de doze por trinta, e ele então mandou a madeira do barracão pra mim, pra eu construir a estrutura do barracão e mais a madeira pra eu vender. Ou seja, quando chegou a primeira carga não tinha nada no terreno, só tinha o terreno limpo, e aí então eu construí o barracão e botei a madeira embaixo dele e começamos a vender. Aliás, antes de botar no barracão nós começamos a vender. Nós trabalhamos ali durante três anos, isso foi em 1993 que eu abri, e já não tinha, vamos dizer assim, eu tinha só um funcionário, não tinha muita gente, não tinha volume de negócio até porque a margem de lucro era muito pequena porque eu tinha que concorrer com a serraria. E eu agreguei outros produtos como pregos,madeiras, tijolos... madeira eu já estava vendendo, né, cimento, ferragem, comecei a vender. Era pouquinha coisa, eu vendia uma carga de cimento de 500 sacos a cada 15 dias, então realmente era muito pequeno. Mas como não vendia muito eu fiquei preocupado, eu falei: “Meu pai, meus irmãos vão pensar que eu tô ficando rico aqui, não vão entender porque não vai ter retirada e não tem como mandar o dinheiro pra eles.” Então eu resolvi comprar, pagar a madeira pra meu pai e ficar sozinho. A gente utilizou um dinheirinho que nós tínhamos na loja, paguei meu pai essa carga de madeira e fiquei sozinho. Mas realmente o volume de vendas era muito pequeno.
P/1 – Só pra entender uma coisa: você continuou mantendo a loja de roupas?
R – Continuamos mantendo a loja de roupas, a minha mulher que cuidava da loja, quando ela tinha que viajar pra Corumbá eu deixava só o meu funcionário eu ia com ela pra Corumbá. Quando tinha que ir pra São Paulo, nesse período ela estava grávida da nossa primeira filha, eu ia, eu largava o materiais de construção e ia pra São Paulo, porque a loja era a menina dos olhos, entendeu? E era da loja que a gente vivia, nós não vivíamos do materiais de construção até então. A ideia era ir capitalizando, mas quando chegou no final de uns três anos eu vi que eu tinha que fazer alguma coisa pra mudar, se não a gente tinha que fechar. Eu não via muito futuro ali. E eu comecei a procurar um ponto mais central e a pessoa que estava alugando esse terreno aqui ele queria me vender as instalações. Uma vez ele me ofereceu por 60 mil reais, depois ele ofereceu por 40, depois ele me ofereceu por 20 e eu sempre perguntava: “Você quer vender o terreno, cara? Não dá, eu tenho interesse mas, assim, não dá.” E um dia passando por aqui eu vi que estava vazio isso aqui e eu então corri pra ligar pra pessoa que era dona e ela me disse então que tinha interesse de alugar pra mim, era só o terreno e tinha na verdade os muros só, eram
muros altos. Então, nós fizemos um contrato e eu resolvi mudar pra cá. O dinheiro, assim, de capital que a gente tinha pra mudar pra cá era um consórcio contemplado que eu tinha, eu vendi por 4 mil reais esse consórcio. A minha ideia era construir um salãozinho que eu fiz ali na esquina, primeiro salão, e um barracão que continuava depois do salão pra poder guardar a madeira e ali na frente eu expor alguns produtos que eu iria comprar, porque eu só trabalhava com o básico praticamente. Então eu procurei o Banco do Brasil nessa época e fiz um cadastro e deixei lá alguns recursos disponíveis pra mim, se eu precisasse eu ia pegar esses recursos. Aí foi que eu comecei a diversificar, comprei conexões, esquadrias, comprei pisos, sabe? Comecei a comprar e todos os dias aparecia alguém pedindo um item novo, eu anotava aquele item e procurava no fornecedor aquele produto. Então eu comecei a crescer. Naquele momento eu tinha um concorrente que era muito forte, mas ele começou a entrar numa crise financeira e eu comecei a ser a bola da vez, vamos dizer assim, à medida que ele foi caindo eu fui subindo, fui ocupando o espaço que ele foi deixando e a loja começou a crescer. E a gente sempre corria atrás de atender as necessidades do cliente, se não tinha um produto eu anotava e procurava comprar. E assim a gente foi ampliando o nosso leque de produtos, né, até chegar no padrão que nós estamos hoje. Nesse período não tivemos dinheiro sobrando, sempre foi suficiente pra pagar as contas. Nesse período também de início de loja chegou em 1998 mais ou menos ela resolveu fechar a loja porque até então a gente vivia da loja, e eu deixei a loja com ela e ajudava nos casos de viagem. E eu tocava... e lá ela cuidava e nós tínhamos aí... já tinha nascido a nossa filha. Então nós ficamos…
P/1 – Qual o nome dela?
R – Laiane. Começou a ficar um pouco complicado porque a loja tomava muito tempo dela e ela não estava tendo tempo pra minha filha. E um certo dia ela botou na cabeça que ela tinha que vender a loja, apesar da loja ser extremamente lucrativa e bancar as nossas despesas, vamos dizer assim. Foi um momento muito difícil pra mim porque eu não queria fechar a loja. Pra tomar essa decisão que ela tomou, na verdade não fui eu, eu passei a noite em claro, não dormi, preocupado como ia ser dali pra diante, o homem fica mais preocupado, afinal de contas de uma certa forma a responsabilidade pesa sobre os nossos ombros, mas deus dirigiu e foi um bom negócio que nós fizemos. Nós vendemos ao meu sogro, o seu Raimundo, e o dinheiro que nós recebemos eu investi em material de construção. Eu também, nesse ínterim eu tinha uma casa que eu tinha comprado no período da loja e essa casa não era bem localizada, ela ficava num bairro e nós estávamos tendo dificuldade de ir para o trabalho, porque as vezes que ela precisava vir ou ir almoçar, que ela podia almoçar não era a hora que eu podia. Aí a gente resolveu mudar pra baixo, alugar uma casa aqui e alugar a nossa lá. Depois apareceu uma compra, alguém interessado em comprar e então nós resolvemos vender. Vendemos também e investimos o dinheiro aqui, foram os investimentos que nós fizemos, o restante foi tudo capital de giro que nós pegamos no banco pra podermos ir tocando. E foi assim esses anos, entendeu?
P/1 – Fala um pouco dessa relação com o banco.
R – É, foi muito oportuno porque naquela época, como eu te disse, eu não tinha capital e o Banco do Brasil tinha uma linha chamada ______ que era um mix de um fundo do trabalhador.
P/1 - ________?
R - _________.
P/1 – Você sabe como ___________?
R – Não lembro, não lembro e era um mix. Eu sei que pegavam dinheiro do fundo do trabalhador e uma parte dos recursos do banco. O do banco eram juros mais altos e o outro eram juros extremante baratos e na somatória, na média dava um número interessante. Capital de giro, pagamento em 12 vezes, era complicado, nós precisávamos de mais, mas não tinha, era o que tinha e a gente pegou esse mesmo. E aí nós começamos a pegar e pagar em doze parcelas, mas a demanda era muito alta, nós precisávamos investir muito e eu cheguei a pagar acho que três, quatro prestações disso por mês. E aí passamos a ter uma boa relação com o banco, né, nós começamos a fazer seguro da loja, a comprarmos carro e também seguro feito no banco, e esse relacionamento foi crescendo a cada dia, conta garantida, sempre tomando os empréstimos, até hoje por sinal. E esse relacionamento foi só crescendo cada vez mais, passamos a operar com desconto de duplicata, desconto de cheques, que é extremamente interessante o juro. E finalmente, pra ter essa loja agora nós fizemos um FCO [Financiamento do Centro-Oeste] que o banco financiou. E hoje nós fazemos folha de pagamento pelo banco e outras mercadorias que o banco oferece a gente tem participado. Mas pra mim foi muito importante porque eu creio que as linhas de créditos interessantes pra indústria ou pro comércio, quem tem é o Banco do Brasil. Uma parceria que pra mim foi muito benéfica, muito interessante, me permitiu chegar aqui.
P/1 – Na sua opinião, qual foi a importância da atuação do Banco na região pro comércio?
R – O Banco do Brasil ele é um financiador do produtor rural, do agronegócio, e pra região eu acho extremamente interessante o banco porque nós temos aqui, não muitos, mas alguns lavoureiros que produzem arroz irrigado, esse pessoal todo usa o banco, então eu acho que foi importante esse suporte que o banco deu pras pessoas. Nós também temos muitos pecuaristas aqui e o banco tem aí recursos, por exemplo, tem o custeio pecuário que é um juro muito interessante pro médio, pro pequeno, pro grande produtor, é interessante, dá um gás pro produtor pra ele reformar pastagem, reformar cercas, pra ele pagar roçadas, então eu creio que isso é muito interessante. Porque o que é importante pra aquele que gera riquezas? Ele precisa ser, vamos dizer assim, ter linhas de crédito baratas que permite ele produzir e ter lucros, né. O que acontece? Quando você pega um dinheiro meio caro ou caro, o seu lucro vai quase todo pra pagar esse juro, então fica inviável e nesse aspecto o Banco do Brasil é muito interessante porque ele tem linhas voltadas pra produção, eu acho, entendeu? Aqui na nossa região especificamente pra agropecuária e também pra agricultura.
P/1 – E como o senhor vê o futuro da sua relação com o banco? Qual a sua perspectiva?
R- Olha, a parceria vai continuar, eu só espero, que não é interessante pro banco, ter um pouquinho mais de dinheiro pra não ter que tomar tantos empréstimos como eu tenho tomado, porque em uma fase da vida vale a pena arriscar, você pode correr mais riscos. Depois que você já está num certo patamar, que você já tem algo a perder, que você está de uma certa forma um pouco mais cansado, você quer um pouco mais de tranquilidade. É importante as linhas de crédito? São importantes, mas não deixam de exercer uma certa pressão sobre a gente, os compromissos geram uma certa preocupação. E eu não quero mais, eu quero ter uma vida mais light, eu não quero estar preocupado mais tanto com empréstimos, só que eu sou meio... um investidor meio compulsivo, entendeu? Eu não tenho hobby, assim, posso dizer de comprar isso, de ter luxo, ter alguma coisa, o meu hobby é empreender, o que fascina, o que me realiza é fazer as coisas acontecerem. É gerar emprego, é construir, é crescer, entendeu? Isso é o que me motiva, me realiza. Então, sendo assim, eu creio que eu devo ficar um pouco mais comedido, mas não vou deixar, eu creio, de quando necessário essas linhas de crédito que o banco tem interessantes eu vou continuar utilizando elas, eu creio. Eu acho que vai ser ainda muito produtiva, eu tenho muitos sonhos, muitos planos ainda.
P/1 – Voltando um pouquinho à questão da olaria, eu queria que você explorasse um pouquinho esse assunto pra gente. Como surgiu...
P/2 – Uma coisinha antes: aqui, quantos funcionários você tem? Os clientes são da onde? Pra gente conhecer um pouco mais.
R – Olha, a loja hoje nós temos em torno de 35 a 40 funcionários, isso direto. Nós temos um gerente, temos um departamento de cobranças, um departamento de contas que ajuda no pessoal, vendedores, temos o setor de entrega, nós temos seis caminhões de entrega e temos um areieiro também que nós resolvemos instalar devido a necessidade do mercado, ou seja, a areia nossa é própria. O que você perguntou mais?
P/2 – Pra quem você vende, os clientes.
R – Ah, o perfil dos meus clientes. Nós vivemos numa região, como eu disse, de muita pecuária, aqui é também uma região de muito turismo, já que nós estamos no Pantanal. Então nós temos muitas pousadas, temos também pousadas de pescas, ou pesqueiros, esse pessoal sempre tá investindo, sempre tá construindo. E a gente fornece pra praticamente quase todas fazendas aqui da região e chegamos mesmo até próximo de Campo Grande, atender algumas fazendas naquela região lá, região de Aquidauana, de Bodoquena, até de Corumbá a gente manda mercadoria. Vendemos um pouco na cidade também, nós temos aqui as pessoas do comércio, cidadãos, funcionários públicos que moram em Miranda que estão reformando, construindo suas casas, então a gente tem um leque bem abrangente. E eu creio que ter uma loja deste tamanho até assusta as pessoas porque ao chegar no interior você anda na rua e a praça às vezes tá até parada. Mas graças a Deus a gente conseguiu devido a esse leque bem amplo, conseguir um volume razoável até de vendas.
P/1 – Agora a olaria.
R – A olaria.
P/1 – Conta um pouco do comecinho aí como foi.
R – Pois bem. Eu estava passando por um momento muito difícil em 2003, eu comecei a construir uma casa pra mim. Em 2002 eu comprei uma casa, paguei ela em 2002 e em 2003 eu inventei de fazer uma reforma foi muito rápida, nós mudamos muita coisa dentro dessa casa e eu gastei um dinheiro bom nela, gastei na época mais ou menos uns 150 mil reais na reforma, e eu me descapitalizei um pouco, a gente não vinha sobrando dinheiro e tirar 150 mil foi mais complicado ainda, isso num período muito curto. E eu me apertei muito e nesse momento, exatamente nesse momento de crise, o dr. Arnaldo que é o proprietário dessa cerâmica, cerâmica Vista Alegre, ele veio e me ofereceu a cerâmica. Eu falei pra ele que eu não tinha a mínima condição de comprar a cerâmica, mas eu não esqueci daquilo e quando chegou em novembro desse ano, de 2003, eu lembrei que ele tinha oferecido e resolvi, falei: “Vou dar uma ligadinha pra ele, né.” Eu já tinha pago um pouco das contas da casa, não tinha dinheiro, mas já tinha pago um pouco das contas, resolvi ligar pra ele. Eu sabia que a cerâmica estava sendo vendida em troca de muitas dívidas que ela tinha, você teria que assumir um monte de dívidas, o pagamento dela seria em dívidas. E eu vi nisso uma oportunidade de negócio e resolvi procurá-lo, ele me falou: “Olha, Elton, a cerâmica está praticamente vendida.” Eu falei: “Ah, é? E quando o senhor deve fechar o negócio?”, “Mais uma semana.” Eu falei: “Dentro de quinze dias eu posso te ligar pra saber se o senhor fechou o negócio?” Falou: “Pode me ligar.” Dentro de quinze dias eu liguei e falei: “Fechou o negócio?” “Não, não fechamos ainda, me dá mais uma semana.” Falei: “Tá bom.” Depois de uma semana eu liguei pra ele, ele falou: “Quando é que você pode vir aqui?” Eu falei: "Amanhã eu estou indo aí, nós vamos sentar pra discutir.” E eu fui a Campo Grande e nós sentamos pra discutir, ele me fez toda a proposta e me pediu 500 mil reais na cerâmica, na estrutura da cerâmica e numa área de mais ou menos 210 hectares de terra. E eu não tinha dinheiro, fui visitar a cerâmica e num dia eu me peguei andando por lá: “Que que eu estou fazendo aqui? Eu não tenho dinheiro pra comprar isso?”
P/2 – Que lugar é esse?
R – É no Agachi, cerâmica Agachi. Falei: “Bom, mas vamos em frente.” E eu fui até lá, a gente conversou e ele pediu 550, fiz umas propostas menores pra ele, tal, mas tinha que dar 100 mil de entrada. Resultado: nós fechamos em 450 mil e aí ele me pediu 100 mil de entrada e eu falei: “Eu não tenho. Você precisa me dar um prazo pra eu te pagar.” Aí eu fiz uma proposta de dar 15 mil reais de entrada pra ele, que era a dívida de um banco que estava ali imediata e o restante eu daria 35 mil com noventa dias e 50 mil com 180 dias, isso em dinheiro. O restante era dívida trabalhista, dívida com _______, dívida com terceiros e dívida com tributos. Só soube dos montantes, eu não sabia nem o que ia fazer com essas dívidas, mas falei: “Depois eu vou negociar isso e ver como eu vou pagar. A gente acabou fechando então o negócio e no dia eu tinha que dar 15 mil reais pra ele, mas não tinha os 15 mil. Eu peguei 8 mil reais do meu sogro e 7 mil no Banco do Brasil.
P/1 – Só uma coisa: foi fechado em 400 mil o negócio...
R – 450.
P/1 – E você comprou cheio de dívidas? Não to entendendo essa história.
R – Isso mesmo, eu assumi todas as dívidas da cerâmica, você entendeu?
P/1 – Ahã.
R – Eu passei a ser o responsável por todas as dívidas.
P/1 – Comprou as dívidas? [risos]
R – Comprei as dívidas, assumi as dívidas, essa é a verdade. E na verdade foi feito um contrato social passando pra mim e relacionando todas as dívidas, e nós assinamos umas notas provisórias da parte em dinheiro que eu teria que dar. Quando chegou... aí nós fomos ao cartório, assinei todos os documentos, todas as promissórias, a minha mulher estava um pouco preocupada, falou: “Como é que nós vamos pagar isso?” Eu falei: “Não se preocupe.” E nós pagamos a entrada e viemos embora. Eu assumi a cerâmica e aí começamos a trabalhar. Eu conhecia um pouco do serviço porque eu tinha tocado cerâmica quando cheguei em Miranda, né, então montei uma estratégia pra começarmos a rodar, comprei as peças de reposição em São Paulo e começamos a rodar a cerâmica. Nisso os terceiros já começaram a me procurar e eu dava um chequinho pra um de trinta dias, pra outro mais quinze, pra outro quarenta, fui dando os chequinhos, né. E na Enersul, tinha uma dívida com a Enersul e a energia cortada, eu precisava rodar, fui lá e pedi um prazo de três meses, as parcelas pra vir junto com as outras parcelas em três vezes e eu fui pagando. Só que eu comecei a me descapitalizar de novo, aliás, eu não tinha nada e comecei a usar o dinheiro do giro ali do dia eu já não tava dando conta de pagar as minhas contas do dia, e aí eu contraí mais algum empréstimo lá no banco, peguei um ou outro capital de giro, não lembro do detalhe. Mas pra encaixar todo esse material eu consumi uma parte dele aqui na loja, eu vendi em torno de umas cem mil peças aqui na loja, mas eu produzia umas 220 mil, mais ou menos, 240 mil. E aquilo foi apertando e eu não sabia muito o que fazer e eu cheguei num momento em que eu achei que ia quebrar, eu já comecei a não dormir mais, acordava de noite apavorado, desesperado e um dia, eu sou cristão, como eu disse, um dia eu resolvi orar a Deus e falei: “Senhor, eu não posso viver assim. Você precisa me mostrar pra que lado eu vou. Ou eu tenho que parar ou eu continuo, eu não sei o que fazer, o senhor tem que me mostrar.” E eu pedi alguns sinais pra ele e eu precisava de algumas provas de que ele estava comigo, e eu falei: “Olha, eu tinha quebrado o eixo da cerâmica e a possibilidade dele quebrar de novo era muito grande, eu falei: “Senhor, esse eixo não pode quebrar mais, pelo menos por uns quatro meses.” Três meses daria até agosto, isso era maio, começo de maio. Eu tinha assumido a cerâmica em março, dia 11 de março de 2004, então aí ele pegou... e falei: “Senhor, também não pode fundir o motor do caminhão que está fundindo. Esse motor não pode fundir, senhor, eu não tenho dinheiro pra fazer ele.” E eu levantei da minha oração com as duas mãos e falei: “Agora eu vou esperar um sinal. Se o senhor mostrar é porque o senhor está no comando. E eu vou tocar o serviço, vou continuar.” Logo em seguida as coisas clarearam, eu tinha que pagar 35 mil e não tinha dinheiro. Eu tinha uma carreta, uma carreta Volvo e então resolvi vender. Liguei pro meu funcionário, tava na estrada carregado de madeira lá do norte, do meu pai, falei pra ele: “Vou vender a carreta.” Quando ele encostou aqui dez horas da manhã ele já chegou com o comprador. Meio-dia a gente já tinha fechado o negócio e o cara já tinha me pago, pagou 90 mil reais na hora e eu fui lá, paguei os 35 que tinha de pagar no final de maio e o restante eu joguei no meu fluxo de caixa pra dar um gás pra poder continuar trabalhando. No mês de junho a cerâmica já deu lucro, no mês de agosto eu tinha que pagar mais 50 mil e eu também não tinha dinheiro. E aí eu tava um dia no meu escritório sem saber o que fazer e de repente o telefone tocou, alguém me ligou de Campo Grande e falou: “Você que tem um caminhão assim, assim, pra vender?” Falei: “Sou eu mesmo.” “Quanto você quer?” “Eu quero 50 mil.” “Posso ir olhar?” “Pode.” Ele veio olhar, olhou o caminhão e falou: “O caminhão é meu.” Antes de vencer vinte dias eu mandei o dinheiro dos 50 mil pra pagar os 50 mil. O restante da dívida eu fui administrando , até o final de 2004 eu fui pagando direitos trabalhistas dos funcionários, cada mês eu pagava um, já fui pagando também as dívidas de terceiros, as dívidas com impostos alguns eram parcelados e eu fui pagando, outras eu fui negociando. E fui administrando, graças a Deus hoje ela está paga, ainda existe alguns parcelamentos de tributos que eu pago, mas são valores pequenos e a gente ainda tem um tempo pra pagar, mas o grosso a gente já pagou, entendeu? Estamos livres dela. E foi aí que a cerâmica entrou no negócio, a gente concilia porque ela me dá mais poder de fogo, de barganha aqui dentro. Você sabe que hoje existe a competitividade, né, a briga de mercado e eu com a cerâmica ela me dá essa facilidade de eu ter um jogo de cintura maior, de às vezes poder fazer um preço melhor, foi muito importante a aquisição da cerâmica. E nesses quatro anos e meio que nós estamos nela, nós não paramos de investir, já formulamos 150 hectares de terra, derrubamos e formamos, já fizemos água encanada, já colocamos poço artesiano em todas as casas, já compramos equipamentos, caminhões, retroescavadeira. Deus realmente tem abençoado muito.
P/1 – Conta pra mim um pouquinho como é que foi o cotidiano da cerâmica, os funcionários...
R – Olha, a cerâmica é uma benção porque eu vou lá no máximo duas vezes por semana, eu quase não vou e eu herdei o ativo e o passivo dela, os funcionários que eu tenho são os mesmos quando eu comprei ela, eles continuam lá. Alguns estão lá há vinte anos ou mais, alguns até nasceram lá e estão trabalhando comigo. E todos os funcionários moram lá. Então eu tenho um gerente que tem um celular e, em qualquer parte da cerâmica pega, não precisa de antena, não precisa de nada, então eu falo com ele várias vezes por dia pelo telefone, né. Ele me faz os pedidos, os nossos caminhões sempre estão indo buscar material pro tijolo e eu mando todo o material que ele precisa, reposição de peças, tudo. Eu faço toda a compra, a folha, tudo por aqui, lá realmente é só a parte grossa. Eu tenho alguém lá, um secretário que faz um relatório de ponto, de recebimento de lenhas que a gente tem, que controla a saída de material, faz expedição das mercadorias, expedindo nota fiscal e tal. O restante eu controlo tudo por aqui: produção, o que foi produzido ontem eu sei, eu controlo tudo por aqui, de certa forma é uma tranquilidade.
P/1 – Quantos funcionários?
R – Lá nós devemos ter em torno de 22, 23 funcionários.
P/1 – Só uma coisinha pra gente colocar: você falou da sua esposa, da tua filha, mas você não comentou do segundo filho, né.
R – Ah, é verdade. Eu quero falar... vou falar um pouquinho mais da Lucy e depois vou falar dos filhos. A Lucy, depois que nós vendemos a loja ela veio me ajudar nos materiais de construção - MADEC -, ela também tem um tino pra negócio, uma garra muito grande e realmente foi muito importante aqui na loja. Como esposa também, né, uma pessoa muito companheira, nesse período todo passamos muita dificuldade, o período que a gente saiu da cerâmica houve momentos que a gente não tinha nem dinheiro pra comprar as coisas em casa. A Lucy nunca reclamou, nunca falou nada pra ninguém, nunca cobrou, então realmente foi muito importante a companhia dela, a participação dela em tudo isso. Como eu estava dizendo, quando a gente fechou a loja ela veio me ajudar na loja e ela precisa ter o espaço dela aqui dentro, então eu fiquei com o grosso: com compras, contas, caminhões, entregas. E ela... mulher é mais detalhista, tem um olho mais clínico, uma visão das coisas, né, e ela me ajuda aqui no financeiro, ela que faz os pagamentos, cuida de banco, ajuda na exposição dos produtos da loja, opina sobre a contratação de pessoas, é uma parceria, entendeu? E quando a gente comprou a cerâmica, logo em seguida... a cerâmica é ________ do simples e não dava pra gente... a cerâmica entrou no meu nome e no dela, e não dava pra gente manter as duas empresas ligadas pois nós iríamos perder os benefícios do simples. E aí o que que nós fizemos? Ela ficou com a cerâmica, ficou sócia da cerâmica e nós colocamos o segundo filho nosso, que é o Igor, que hoje tem sete anos, ele é sócio dela na cerâmica do Agachi, cerâmica Vista Alegre. E aqui eu fiquei com a minha filha, então nós colocamos a minha filha como sócia e assim nós separamos as duas empresas. Mas a cerâmica eu cuido, continuo cuidando da parte externa da loja, de vendas, de entregas e a Lucy continua me ajudando aqui na parte administrativa da loja. E esse filho foi de uma certa forma aguardado porque a nossa pequena Laiane chegou um momento em que ela começou a cobrar um outro irmãozinho, né. E a gente... a mãe era um pouco resistente, ela até ficou grávida, mas aí ela perdeu, abortou, e aí ela não tava querendo engravidar mais. Uma história muito interessante, muito sensível, dramática até, me emociono quando eu falo disso. Ela pegou e falou assim: “Se você me levar pra uma praia no Nordeste eu vou pensar em ficar grávida.” Eu falei: “Então vamos comprar as passagens pro Nordeste.” E nós fomos a Fortaleza e ela veio grávida de lá e depois nasceu o Igor. Depois a Laiane já estava com seis anos quando ele nasceu, uma diferença até um pouco grande por causa dessas dificuldades, que ela perdeu e tal. É uma benção de Deus, os filhos que eu tenho são maravilhosos e Deus realmente foi generoso com a gente. A Laiane ta com treze anos hoje e o Igor está com sete.
P/1 – Elton, queria que você me falasse quais foram os maiores aprendizados na sua vida. Sabe, lição de vida, assim?
R – Eu acho que foi muito importante começar novo e passar por algumas experiências, de certa forma até trágicas. Quando se é novo a gente suporta tudo, a vontade faz com que você supere tudo. Eu casei novo, saí de casa novo e comecei a trabalhar muito novo. E assumi responsabilidades muito novo, 21 anos eu já tinha aí uns 12 funcionários sob a minha responsabilidade, eu é que determinava tudo, não tinha ninguém pra tomar as decisões por mim. Isso foi realmente uma experiência muito interessante porque quando você passa por uma dificuldade nessa fase você aprende e você tem tempo pra recomeçar, você tem tempo pra reconstruir de novo. Nós quebramos a cerâmica, foi trágico, a primeira cerâmica, é claro. Foi trágico, eu nunca pensava em ter cerâmica de novo, principalmente a minha mulher, ela falou: “O dia em que você pensar em ter uma cerâmica eu vou largar de você.”, você vê que situação, mas foi muito generoso nesse período todo, né. Eu quero até fazer o meu testemunho, nós somos cristãos e a minha vida até aqui foi dirigida milimetricamente por Deus, tudo o que aconteceu parece que foi planejado por ele. Então, nesse período nós oramos muito, inclusive pelo meu casamento, nós somos felizes, vivemos muito bem, mas no passado tivemos fases difíceis e achávamos que não íamos continuar, eu achava que tinha casado com a mulher errada e ela achava que tinha casado com o marido errado, mas nós oramos juntos, choramos juntos e Deus realmente fez um milagre na nossa vida. E hoje eu vejo que eu casei com a mulher certa e ela tem me dito que acha também, não tem muita certeza [risos]. Mas eu acho que passar por todas essas experiências difíceis cedo me fez amadurecer, me fez valorizar as coisas, hoje sou mais controlado, independente de Deus. Não sei se respondi sua pergunta, mas...
P/1 – Com certeza.
R – É isso aí.
P/1 – E qual foi sua maior realização?
R – A minha maior realização? Acho que foi um todo. Pro homem é importante você conseguir criar a sua família com dignidade, entendeu? Você saber que conseguiu chegar num patamar onde você pode oferecer a eles o melhor, claro, esse melhor não tem que ser o luxo, não necessariamente, mas o mínimo pra se viver com dignidade, isso pra mim é uma realização. Mas eu vou dizer uma coisa pra vocês: quando nós vendíamos roupa eu me sentia como um pássaro fora do ninho porque lá era a área da Lucy, às vezes ela tava vendendo roupa e eu tinha que estar lá passando escovão na casa ou lavando as panelas lá no fundo da cozinha porque era ela quem tinha que estar atendendo, porque eu intimidava, eu não tinha condições de estar lá. Então aquilo era terrível pra mim, mas eu achava que aquilo ali eu precisava passar, era importante pra mim, eu podia... fazia as coisas todas que eram necessárias, me aborrecia às vezes, nós discutíamos às vezes mais por colocações sobre a situação, mas era difícil. Quando discutíamos e tínhamos divergência em alguma coisa eu saía fora e deixava ela tomar a decisão porque eu entendia que ali era área dela. E consequentemente se era a área dela ela se sentia mais no direito também, e eu recuava. Quando a loja começou a surgir isso tudo foi se invertendo, eu passei a me sentir o dono da situação, passei a me sentir melhor, eu sabia que aqui era o meu espaço, sabia que aqui era onde eu tinha mais domínio, que eu tinha domínio. Então eu acho que essa transição foi extremamente importante pra mim, eu acho que me tornou uma pessoa mais segura, mais tranquila em relação ao que eu tava fazendo porque eu dominava, né, eu me sentia bem aqui. Aí ela que começou a ter um problema nesse aspecto, por isso que era muito importante que ela tivesse um espaço aqui dentro pra ela se sentir bem. Nós tivemos... não é fácil conviver com sua mulher aqui 24 horas, sua esposa… não é fácil. E ela tem opinião, nós divergimos, então houve um momento até que nós discutimos um dia, fui atrevido até, falei pra ela sair fora daqui, mas pra que eu possa ser feliz ela precisa ser feliz, e pra ela ser feliz ela precisa se sentir realizada. Aí conversei com ela, pedi, falei que ela era importante aqui, ela tinha o espaço dela e eu deixei o espaço pra ela, tanto que quando a gente discute de dinheiro aqui eu largo pra ela e é ela quem resolve. Então é importante que os dois estejam se realizando, mas pra mim foi muito importante essa mudança, porque na outra... pensa bem você um cara que quebrou uma empresa, eu era um cara teoricamente fracassado porque eu administrava uma cerâmica que tinha quebrado. Agora você se vê sob um negócio que a mulher domina, é trágico isso, foi difícil, ela teve que ter muita paciência comigo em alguns momentos, mas quando a gente inverteu a posição pra mim foi muito importante. Não porque subiu à minha cabeça ou interferiu no meu relacionamento com ela, mas me fez sentir melhor, aliás interferiu sim, as coisas até melhoraram, eu acho, porque eu me sentia melhor.
P/1 – E os seus sonhos, perspectivas de futuro?
R – Eu sou um sonhador, tenho orado a Deus pra me ajudar a ser mais comedido porque se eu tivesse hoje, sei lá, dois, três milhões eu tinha lugar pra colocar _________ nos meus negócios, mas eu sei que a gente tem que dar um passo de cada vez. Eu já não sou mais uma criança, já tenho uma certa maturidade, aliás, de um tempo pra cá nós temos procurado desfrutar. Aliás, nós sempre vivemos muito bem, desfrutamos com certo controle, nunca deixamos de tirar férias, sabíamos das nossas limitações e mesmo assim não deixávamos de ir, não é porque não tinha dinheiro que a gente não ia, a gente ia sem dinheiro mesmo. Então a gente tem procurado desfrutar de tudo isso, porque não adianta você ter tudo isso e não viver, não desfrutar. Qual é a valia disso? Nenhuma. Você tem que cuidar pra não passar a vida inteira correndo atrás do dinheiro e com compromissos, só atrás do dinheiro. Eu continuo com planos de investimento, eu tenho planos de terminar a minha loja ano que vem, falta pouca coisa, e tenho planos pra cerâmica. Eu tenho planos de modernização dela, de investimento em equipamentos, maquinários, em aumento de produção, sabe? Eu tenho muitos planos pra ela e tem outros negócios que surgem e que eu vou atrás de oportunidade, se for oportunidade eu to indo atrás, entendeu? Eu não perdi ainda a vontade, a garra e a disposição de investir, só tenho procurado ser mais equilibrado pra não fazer tantas loucuras como eu já fiz, acho que não dá mais pra correr tantos riscos.
P/1 – O que você acha do BB estar resgatando a memória das pessoas através desse projeto?
R – Olha, eu não sei bem, vocês já me explicaram, bem dizer assim, quais são os propósitos. Na verdade, eu não sei bem o que vai acontecer.
P/1 – Como você se sente de contar sua história de vida
R – Eu me sinto orgulhoso e envaidecido, o Banco do Brasil me deu a oportunidade de contar minha história e que talvez possa servir de motivação pra outras pessoas. Mas eu também agradeço a Deus por estar me dando essa oportunidade porque sem ele nada disso seria possível. Eu vejo as minhas empresas como oportunidade de louvar a Deus da seguinte forma: de poder gerar empregos, de poder dar oportunidades às pessoas, de poder ajudar as pessoas também financeiramente, entendeu? Então eu vejo isso aqui como uma grande oportunidade de fazer o bem, essa é a minha visão do meu negócio, só que é pra fazer o bem, pra ajudar as pessoas. Sou eu que administro, cuido cada centavo, mas depois que ele está na minha mão eu acho que eu tenho a obrigação de uma forma ou outra de partilhar. Não é que eu saia por aí distribuindo dinheiro, mas ajudar as pessoas, de uma forma ou de outra. Seja também pela experiência de vida, seja dando conselho, seja ajudando funcionário, seja contratando funcionários que estão envolvidos com drogas, discriminados pela sociedade pra poder ajudá-los, sabe? Então eu tenho feito isso, a minha vida tem sido assim, procurando... minha empresa tem um lado social muito interessante e o Banco do Brasil tem sido parceiro porque de certa forma me deu oportunidades e capitais pra que eu pudesse estar aqui.
P/1 – E como você se sentiu ao dar essa entrevista?
R – Estou lisonjeado, envaidecido. Tudo bem que o banco vai usar como uma forma de vender a imagem dele, mas eu creio que abaixo de Deus o banco me deu oportunidade e eu sou agradecido ao banco. E eu fico feliz de poder dar esse testemunho, essa história de vida que muito mirandense aqui sabe como foi, sabe? Sabe da nossa luta, como a gente cresceu e juntamente conosco se orgulham dessa trajetória. Então eu fico feliz de poder estar contribuindo e contando um pouco da minha história
P/1 - Então tá bom, nós agradecemos o seu depoimento.
R – Obrigado a vocês por essa oportunidade.
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