Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Antônio Carlos Marinho
Entrevistado por Márcia Ruiz
Belo Horizonte, 31/07/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV032_ Antônio Carlos Marinho
Transcrito por Danielle Sales Lopes
P/1 – Bom dia, Antônio!
R – Bom dia.
P/1 – Eu gostaria de agradecer por você disponibilizar o seu tempo em nome da Kinross e do Museu da Pessoa para participar do nosso projeto. Nisso, eu gostaria que você falasse o seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Antônio Carlos Saldanha Marinho. Eu sou natural do Rio de Janeiro. Nasci em 14 de junho de 1953.
P/1 – E qual era o nome dos seus pais?
R – Mário Gonçalves Marinho e Aidê Saldanha Marinho.
P/1 – E eles são oriundos de onde? Do Rio, também?
R – Ambos do Rio de Janeiro. Meu pai trabalhou numa indústria de cosméticos, Helena Rubinstein, naquela época, era famosa, né? A minha mãe, mais do lar, naquela época as senhoras eram mais do lar, trabalhou, até teve um período em que ela trabalhou, mas depois que casou, na realidade, foi cuidar da casa e cuidar de mim, filho único que eu sou.
P/1 – E me diz uma coisa, Antônio, e o nome dos seus avôs, por parte de pai e por parte de mãe?
R – João Dartagnan Saldanha, por parte de mãe, Rosalina Dias Saldanha. Manuel Marinho, por parte de pai, e Carolina Alves de Marinho.
P/1 – E qual era a atividade deles, dos seus avós?
R – Olha, meu avô, imigrante português, na realidade, quando veio para o Brasil, veio trabalhar numa pedreira e acabou tendo uma participação nessa pedreira no final da vida dele. Mas trabalhou bastante, lidando com pedras, de modo geral, na extração de pedras e a minha avó, também do lar, como era comum, como disse ainda há pouco.
P/1 – Isso por parte de pai?
R – Por parte de pai.
P/1 – E por parte de mãe? Seus avós...
R – Por parte de mãe, tem uma história muito interessante, porque meu avô, João Dartagnan, vinha de família militar, da Marinha, alta almirantada da Marinha, e ele foi o único que não foi militar, os irmãos foram militares, Almirantes, Contra-Almirantes, mas ele conheceu a minha avó muito cedo, com 19 anos e minha avó com 16 ou 17, então se casou cedo e acabou não seguindo a carreira militar, para desgosto do meu bisavô. Mas mesmo assim, ele foi do Ministério da Marinha, trabalhou como civil, era uma posição mais humilde, não como um militar de patente. Então, essa é a história dos meus avós maternos.
P/1 – E a origem deles, você sabe?
R – Bom, a família Saldanha é portuguesa, origem do meu avô. Meu bisavô, já não era português, era brasileiro, mas a origem é portuguesa. Tanto que, assim que você viaja para Portugal, tem Praça Saldanha, tem algumas homenagens feitas. Dizem até que houve um vice-Rei Saldanha, esse vice-Rei Saldanha teria sido vice-Rei da Índia, de uma parte da Índia. Eu descobri isso outro dia conversando com um indiano, eu não sabia disso e conversando com o indiano e comecei a discutir assuntos de trabalho e depois ele viu meu sobrenome e disse: “Mas Saldanha? Saldanha tem alguma coisa na Índia” e eu disse: “Saldanha? Na Índia? Eu não conheço nada” e o indiano: “Tem sim, eu tenho certeza, seu nome é conhecido, seu sobrenome é conhecido e tal...” Depois dessa reunião eu fui pesquisar, realmente houve um vice-Rei Saldanha na Índia, então matei a minha curiosidade, porque eu não estava entendendo nada, eu não posso ter uma descendência indiana (risos), a descendência era portuguesa, quer dizer, porque os portugueses andaram pela Índia; houve um vice-Rei Saldanha. Então meu avô vem dessa parte de militares, embora não tenha sido, mas ele vem de família de militares.
P/1 – E o Dartagnan, é de origem...?
R – Dartagnan... Pelo o que eu sei a minha bisavó, gostava da história dos Três Mosqueteiros, leu e se apaixonou pela história, então ela deu o nome ao meu avô de João Dartagnan, mas não é francês, não é de descendência francesa, a palavra é francesa, mas não é…
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho... Você disse que nasceu no Rio, em que local do Rio você nasceu?
R – Eu nasci, na realidade, na zona norte do Rio, São Cristóvão, foi onde eu nasci.
P/1 – Você chegou a morar em São Cristóvão?
R – Morei praticamente minha vida inteira.
P/1 – E como era? Queria que você falasse um pouquinho dessa sua infância em São Cristóvão, sendo filho único, conta um pouquinho pra gente.
R – Minha infância, naquela época, você podia estudar em escola pública, pela qualidade do ensino, hoje, infelizmente, não pode mais e eu comecei estudando na escola pública, Escola Portugal, era o nome da escola, muito boa a qualidade de ensino. Eu fiz até a sexta série lá, naquela época era sexta série. Depois, naquela época você tinha a admissão, você tinha que fazer uma espécie de concurso, vestibular para os mais novos, que não conhecem. Você fazia uma espécie de um vestibular, digamos, para você passar para a escola pública, ir para o ginásio. Então, eu fiz admissão para passar para o ginásio e passei para uma escola também estadual, eu talvez não me recorde mais o nome dela, já tem muitos anos, não sei se era Nilo Peçanha ou alguma coisa assim. Mas enfim, passei para escola, estudei lá até o segundo ano do ginásio, mas aí a qualidade do ensino, infelizmente, no Rio de Janeiro, aliás, acho que até no Brasil, já começava a cair, então de lá eu passei a estudar... A minha mãe me tirou desse colégio estadual e eu fui estudar em um Colégio Particular Brasileiro de São Cristóvão, que era um colégio tradicional também lá no Rio de Janeiro. Eu fiz o meu ginásio todo lá, depois, mais tarde um pouco, minha mãe resolveu me colocar num outro colégio para fazer o científico. Naquela época, eu pretendia fazer Medicina... A minha formação é Advogado, eu sou Advogado de formação, mas naquela época eu queria fazer medicina, então eu fui fazer Medicina no Colégio II de Dezembro, um colégio também muito bom. A minha mãe achava que era melhor para fazer o científico lá, então eu fiz o científico. Mas depois, lá para o terceiro científico, eu digo: “Humm, não sei se é Medicina o que eu quero fazer”, agora, tudo indicava que seria Medicina, até pela natureza das matérias no cientista... Tinha o clássico e tinha o científico. Então, aí eu mudei de ideia e disse: “Vou fazer Direito”, aí fiz o vestibular para Direito e, sinceramente, eu estudei o suficiente, mas eu não fui aquele vestibulando que não se divertia, que não ia para a praia, que não ia para cinema... Eu estudei o suficiente. Então, eu estava na esperança de que realmente eu fosse passar para uma faculdade de direito, mas não fiz nada assim de excepcional, em termos de estudos. Estudava de segunda à sexta, tinha meu horário de estudar, de namorar, horário de ir para o cinema... Era tudo já bem regulado em termos de horários e aí eu fiz o vestibular. Escolhi a Universidade Federal Fluminense e, para a surpresa minha, eu fui muito bem colocado. Eram cem vagas, no contexto, eu passei em trigésimo segundo lugar. Eu nem esperava isso! Confesso que eu não esperava. Eu achava que eu deveria estudar mais, mas era aquilo que eu fazia... Eu procurava não me estressar, procurava dar o tempo certo para cada coisa. Então, eu fiquei muito contente, embora sendo em Niterói essa faculdade, eu tinha que me deslocar do Rio para Niterói, mas é um passeio até agradável de barca. Pegava barca todo dia, depois meu pai me deu um automóvel, eu ia de automóvel só às vezes, também, porque o pedágio era muito caro, a ponte Rio-Niterói tinha sido recém-construída, se pagava um pedágio muito alto, então nem sempre eu ia de carro, mas, de qualquer maneira, o passeio de barca já era bem aprazível, embora o carro fosse mais rápido, o da barca também era muito bom. Então, eu passei cinco anos assim. Aí uns parênteses, no segundo ano ou no terceiro ano eu comecei a estagiar, terceiro ano! Eu comecei a estagiar e fui trabalhar num laboratório de reagente bioquímicos alemão, na verdade eram duas empresas do mesmo grupo, era a Boehringer Ingelheim Bioquímica e a Boehringer Ingelheim do Brasil. Eu comecei a estagiar já na parte de direito empresarial, que é o que eu queria, o que eu gostava. Então, fazendo estágio, trabalhando atendendo, também, outras áreas da empresa, principalmente a presidência. Naquela época, foi engraçado, porque eu comecei a estagiar só no departamento jurídico, mas depois, o que aconteceu? Me solicitaram para atender a presidência também. Eu fiquei no departamento jurídico e na presidência, então eu já comecei por cima ali (risos), embora involuntariamente porque eu queria trabalhar na área jurídica. Então, me diziam que era muito complicado trabalhar na presidência, que existia uma senhora que era uma secretária alemã, a empresa era alemã de origem e ela era muito rigorosa e tal. Eu disse: “Bom, mas o que eu vou fazer? Eu tô começando, eu tenho que aprender, provavelmente eu vou aprender com a melhor pessoa, se ela for rigorosa”. Então, eu enfrentei a senhora, que no início era uma pessoa muito metódica, como todo bom alemão, em termos de horário e tudo, mas eu nunca tive nenhum problema, na realidade. Passei quase dois anos, era para ficar três meses e fiquei quase dois anos trabalhando com a presidência e jurídico. Mas eu não tive problema maior, porque realmente entregava tudo no horário certo. Muitas vezes eu ia para o centro da cidade para resolver problemas de cartório lá da presidência e às vezes, tava lá... Cartório, negócio complicado, sempre foi... Demorava um pouco, tava meio apertado o horário, muitas vezes eu pagava táxi do meu bolso para entregar o documento que ela queria. Foi uma grande experiência de vida nessa empresa Boehringer Ingelheim Bioquímica e Boehringer Ingelheim do Brasil. Essa foi minha primeira oportunidade de trabalho.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Você colocou para gente das escolas que você passou pelo Rio. Queria você falasse se teve algum professor que te marcou, que de alguma forma te direcionou para essa coisa de ir para o Direito e não para a Medicina. Conta um pouquinho para a gente isso.
R – É, teve uma professora. No primário, teve uma professora muito boa, Dona Maria de Jesus, uma senhora muito boa, mais uma vez, naquela época você tinha bons professores em escolas públicos. Ela foi... Sei lá, foi um símbolo, um ídolo para mim, muito dedicada, muito preocupada com carreira e sempre me dizia que eu tinha uma tendência para jornalista, para advogado, já naquela época, mesmo criança, talvez um pouco mais falante e tal. Então, eu acho que a primeira pessoa que realmente acenou com a possibilidade de eu seguir a carreira de advogado foi essa senhora.
P/1 – E como é que foi? Você contou um pouquinho pra gente da faculdade, dessa coisa de barca, inclusive. Eu queria que você falasse um pouco sobre como foi a faculdade para você. Achei interessante que você sempre colocou muito essa coisa dos limites das ações... Uma hora para estudar, uma hora para se divertir... Queria que você falasse um pouquinho desse período da adolescência, o que você fazia para se divertir.
R – Na adolescência, a moda eram aqueles bailes, vocês tinham os hi-fis que se falava naquela época, se eu não me engano, mas eu acho que não... Final de semana, eu tinha lá a minha turma e íamos lá para os bailes. Cada hora, alguém escolhia um baile diferente, sempre tinha um encarregado de escolher o baile do sábado, geralmente era sábado, sexta-feira à noite, às vezes, e a noite de sábado. Era assim que funcionava... Cada um escolhia, eu tinha que escolher um baile também. Tinham as festas de 15 anos, também que a gente ia né, e cada um tinha uma festa para indicar e aquela época a gente ia como penetra às vezes em certos momentos (risos), isso era muito comum. Um amigo apresentava outro amigo e outro amigo e acabava, então, na realidade, o convidado era só um. Então, essa era diversão daquela época, uma diversão saudável, uma turma muito boa e todos crescemos praticamente juntos, hoje em dia a gente não tem muito contato com essa turma, quer dizer, eu não tenho muito contato... Um ou outro, mas não muito. Mas era uma turma muito boa. Essa era a diversão nossa daquela época.
P/1 – E como era o Rio nessa época? Em termos de deslocamento, em termos de segurança? Conta um pouquinho pra gente como era.
R – Deslocamento, nessa época, era de ónibus, não tinha jeito, até porque não tínhamos idade para dirigir também, era uma época boa do Rio de Janeiro que você ainda tinha mais segurança… Não digo segurança integral, 100% seria um exagero da minha parte, mas você tinha segurança, você poderia caminhar, sair de um baile duas, três horas da manhã, sem qualquer risco. Eu fazia isso várias vezes, às vezes para economizar no táxi também, porque eu tinha mesada, né? Não trabalhava ainda nessa fase e depois que comecei a trabalhar foi diferente, mas você poderia caminhar, seguramente pelo Rio de Janeiro sem um risco maior de assalto, qualquer outra coisa. Então, era bem diferente, era uma época bem... Eu diria bucólica, até para mim, que eu sinto falta daquela tranquilidade, daquela despreocupação, que hoje você infelizmente não tem, não só no Rio de Janeiro, é no Brasil inteiro, mas como minha cidade é Rio de Janeiro, por isso eu estou comentando.
P/1 – Antônio, fala um pouquinho, como você conseguiu esse estágio nessa empresa alemã? Como é que você acabou conseguindo esse estágio... Fazendo esse estágio?
R – No terceiro ano, aliás... Minto... A partir do segundo, ano eu já tinha interesse em fazer um estágio numa empresa multinacional. Eu queria fazer carreira numa empresa multinacional, então uma tia minha, um dia, leu um anúncio no jornal: “Empresa alemã, Boehringer Brasil e Boehringer Ingelheim, procuram estagiário de direito, já ingresso no terceiro ano...” e mandou para mim. Naquela época, você não tinha internet, era jornal mesmo, os anúncios de emprego eram no jornal; hoje, muito pouco, mas naquela época a maioria vinha assim. Então, o que eu fiz? Eu preparei um currículo e mandei para aquela empresa. Aí fiz um processo de seleção, senão me engano acho que eram seis candidatos, pelo o que me informaram e tudo, e eu, felizmente, fui o agraciado. Então, foi assim que eu entrei na empresa alemã e eu procurava, também, conciliar o horário de trabalho com o horário da faculdade. Eu tive que fazer algumas matérias à noite, aí é uma parte interessante também, porque muitas vezes eu ia de manhã, tinha que acordar, eu acho que umas quatro e pouco da manhã, para pegar oito horas lá, que eu nessa fase eu ia de ônibus, porque eu tinha a possibilidade, nesse momento eu não tinha automóvel ainda, o automóvel foi a partir do quarto ano, então, limitava a barca ou o ônibus. Então, você tinha que acordar muito cedo, pegar cinco horas da manhã o ônibus para chegar lá, mais ou menos, sete e meia, sete e quarenta, que a aula começava às oito horas. Chegou um período que eu precisei jogar algumas matérias pra noite, então eu ia de manhã, ia de ônibus ou barca, tá, para Niterói, fazia algumas matérias, pegava de novo um ônibus para o Rio de Janeiro, mais outro para chegar nessa empresa, tá, de tarde eu pegava um ônibus e ia para casa e pegava outro ônibus para ir para a faculdade e chegava em casa meia noite, uma hora da manhã e no dia seguinte a mesma coisa, segunda à sexta. Eu descansava mais era final de semana, mas, mesmo assim, quando não tinha prova, em fase de prova... Foi uma fase bem cansativa, mas é o que eu digo... Eu acho que gente tem que enfrentar todos os desafios. Você não deve ter medo de nada e você tem que ter disposição pra tudo. Quando você quer vencer, o mais importante é você estar disposto a enfrentar todos os obstáculos, com bastante tenacidade, com vigor, com coragem. Eu sempre pensei assim.
P/1 – E como é que se deu o seu desenvolvimento profissional? Você ficou quanto tempo nessa empresa? Conta um pouquinho pra gente.
R – É, nessa empresa, na realidade, eu fiquei aproximadamente, entre estágio e efetivação, mais ou menos três anos, porque depois eu fiz estágio. Acho que eu fiquei um ano e meio, mais ou menos, não... Dois anos, porque eu entrei no terceiro. Me formei e depois eu recebi um convite para ser assistente jurídico, então eu fui efetivado. E aí, provavelmente, eu devo ter ficado... Já vão muitos anos nisso, né, no total, uns cinco anos, mais ou menos, tá? Esse foi o primeiro emprego. Depois, eu recebi um convite para trabalhar na empresa Scholl Plaw, meu segundo emprego, que era do ramo farmacêutico também, mas era mais a parte de produtos para os pés, Dr. Scholl’s, que naquela época era muito comum, aquelas lojas e tudo. Então eu fui trabalhar a convite de um gerente financeiro que gostava do meu trabalho, ele queria montar lá um departamento jurídico e foi assim que eu fui para o meu segundo emprego. Bom, lá eu fiquei, aproximadamente, três, quatro anos... Estou aqui rebobinando (risos), são três ou quatro anos, se não me engano. Aí mais uma vez, aí já fui eu quem viu o anuncio no jornal... Uma empresa chamada NCR do Brasil, que era as caixas registradoras e também equipamentos, naquela época, eram os chamados mainframes. Você não tinha micro naquela época, eram os mainframes e tudo, ela fabricava esse tipo de produto. Eu achei que era um desafio, porque eu já tinha duas experiências na área farmacêutica, sendo que eu não conhecia nada naquela época de informática, muito menos de caixa registradora, eram aquelas caixas NCR. Bom, a mesma coisa, eu fiz um processo lá, esse eu não me lembro do número de candidatos que participaram e fui escolhido. Eu fui praticamente, para uma posição um pouco acima, eu era assistente jurídico, quer dizer, eu me tornei na Boehringer, continuei na Scholl e ali eu seria assessor jurídico, trabalhando com Diretor de RH [Recursos Humanos] e que era Diretor Jurídico também, né. Então, foi uma realização para mim, porque é uma empresa bem avançada, em termos de tecnologia para aquela época e eu tive a oportunidade de ter contatos com correspondentes de departamento jurídico lá fora. Até então eu não me comunicava com os principais executivos da área jurídica do exterior, no caso era uma empresa Americana, a NCR Corporation e, então... Eu já falava um pouco de inglês, eu esqueci de falar essa parte, eu fiz, na realidade, cinco... Já tinha naquela época... Não cinco, mas quatro anos de inglês, de estudos de inglês, então eu queria praticar, eu estava ávido em praticar o inglês e foi fantástico, foi uma oportunidade muito boa, uma das empresas que eu mais gostei de trabalhar, não que eu não tenha gostado das outras, mas ela se destacou pela oportunidade de crescimento profissional. Uma empresa que investia também nos empregados, em termos de cursos e tudo. Então, essa foi mais uma empresa.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho... Nessas duas empresas que você trabalhou no departamento jurídico e mesmo como assistente de presidente que era no ramo farmacêutico, como eu o seu cotidiano em termos de trabalho? O que era ser um assessor jurídico?
R – O assessor jurídico, na verdade, cuidava de processos, de modo geral. Você tinha que ir para o Fórum, você tinha que ver os processos, existia muitas farmácias, no caso dos laboratórios, devedoras já naquela época, sem crise, sem problemas, mas acontecia. Eu tinha que acompanhar esses processos, tinha que fazer petições, procurações para os principais executivos, contrato social, quando havia alguma mudança de endereço ou de diretor, saída ou entrada, eu tinha que alterar aquilo e ir pra Junta Comercial. Essa empresa, esse primeiro emprego meu dependia muito de concorrência pública, licitações... Então, eu tinha que tirar certidões negativas, sempre atualizadas e a validade delas era de três meses, então você tinha que estar sempre com as certidões atualizadas, para que a empresa pudesse participar de concorrências. Caso estivesse vencida ou vencidas, não poderíamos participar. Era essa a tarefa que eu tinha, fora outros assuntos que aconteciam, às vezes, algum assunto de ordem fiscal que eu passei a ter algum conhecimento parafiscal suportável ao pessoal do departamento fiscal. Então seria esse o trabalho.
P/1 – E essa empresa americana que trabalhava com área de tecnologia da informática, muito nessa época do mainframe, assim como você está colocando. Como era? O que você foi fazer exatamente? O que era essa coisa da relação com o departamento jurídico da empresa, internacionalmente falando?
R – O que acontece, na realidade... Bom, a interligação com o departamento jurídico da empresa era com referência, principalmente, ao que se chama hoje, naquela época não se chamava, de compliance. O americano, de modo geral, o norte-americano sempre foi muito cioso com referencia a compliance. Naquela época, você tinha outros nomes, não se falava em compliance, como se fala hoje, mas a ideia seria que a empresa brasileira seguisse os mesmos ditames, em termos de legalidade, da casa matriz. Então, um dos grandes desafios, além desses trabalhos todos que eu fazia no dia a dia, eu tinha que ser o fiel da balança para que todos os executivos, de modo geral, seguissem os ditames da empresa matriz. Eles eram mais avançados, naquela época, nessa parte de legislação, muito mais do que o Brasil. Hoje, eu acho que não há praticamente diferença nenhuma. Essa inter-relação era o maior desafio para mim, vender novas regras, novos assuntos já ligados a compliance, como eu falei ainda há pouco. Esse trabalho foi a maior parte do tempo assim, quer dizer, discutindo um ou outro... Às vezes um assunto de contrato também, nós tínhamos grandes clientes naquela época. Eu me lembro que o próprio Banco Bradesco foi um grande cliente nosso, naquela época, comprando mainframes e tudo. Aí você tinha, também, os contratos comerciais, que você tinha que analisar e discutir lá com o congênere do banco, ou seja, o advogado do banco, então tinha um ajuste ou outro, eles nunca aceitavam, como era normal em toda discussão de contrato, nunca aceitavam 100%, não só o Bradesco, como o Itaú e outros grandes bancos também. Então, eu comecei a trabalhar nessa parte também, além dos processos, fórum, cartório e tudo isso que eu disse ainda há pouco.
P/1 – Você estava colocando para a gente que o departamento jurídico, que toda a questão da legalidade americana era muito mais desenvolvida do que hoje e você até trouxe que isso é uma coisa que já quase não há mais diferença. Você olhando para aquele momento, o que mais te chamou atenção em termo de evolução? Vamos dizer assim, dessa questão da legalidade americana com relação à brasileira, que tinha uma diferença tão grande. O que você percebeu a época que era diferente?
R – Bom, a cultura brasileira era bem diferente, hoje é como eu disse há pouco, essa empresa em que nós estamos trabalhando é extremamente legalista, uma empresa brasileira, de origem canadense. Naquela época, os valores eram um pouco diferentes e o grande desafio que eu tinha era moldar esses valores aos padrões internacionais, principalmente americanos, que eram os mais exatos. Digamos assim, eram os mais explícitos, também. Você pode uma coisa e você não pode outra, como por exemplo, favorecimentos por parte de fornecedores, aquilo naquela época já não era possível. Você aceitar até um jantar mais caro, não era aceito. Quando o Brasil, não se via, não digo nem que fosse uma coisa de malícia, de tentar tirar algum proveito de uma determinada situação, mas era normal receber um presente mais caro, como um relógio mais caro, um bem mais caro. Então, esse era um dos desafios que eu já tinha naquela época de dizer: “Olha, gente, a empresa tem uma regra”. Nós sentávamos, fazíamos apresentações e discutíamos com os executivos. A empresa tem uma regra, que não é só para o Brasil, é internacional, a todas as unidades do mundo ela aplica e nós temos que seguir também. A gente divulgava os gerentes, diretores, todos eram signatários, inclusive eu, obviamente, então todo mundo tinha o seu “dossiêzinho” lá, um documento assinado – português/ inglês. Então, esse foi o trabalho nessa fase profissional da minha vida.
P/1 – Você ficou uns quatro ou cinco anos, você me falou, nessa empresa, mais ou menos, né?
R – Sim.
P/1 – Aí, você foi para onde? Conta um pouquinho para a gente como você...
R – Bom, aí foi um desafio bem maior. Obviamente, não que eu estivesse insatisfeito com essa empresa, nenhuma delas, na realidade, mas eu sempre procurei espaço para crescer. Aí, na realidade, eu já era gerente jurídico na NCR, no final eu já terminei nessa empresa, terminei que eu falo é eu saí da empresa como gerente jurídico, tá? Consegui chegar a gerente jurídico. Saiu o gerente jurídico que se reportava a esse diretor, houve uma vaga e como eu já estava conhecido ali dentro da empresa e tudo, me fizeram a proposta e eu aceitei. Aí veio o desafio maior, também pesquisando, acompanhando o mercado, em contato com headhunters e tudo, apareceu uma proposta para mim muito boa, naquela época, era produtos alimentícios, a Fleischmann Royal, mas na realidade, a grande empresa por trás era o Grupo Nabisco, um grupo fortíssimo no mundo inteiro em termos de alimentação, uma das maiores empresas de alimentação do mundo. A posição lá era para ser diretor jurídico. Era uma empresa imensa, naquela época era uma empresa de faturamento de... A moeda era outra, mas tenho na minha cabeça, algo em torno talvez... Uma vez eu fiz essa conversão, talvez, um bilhão de reais, um bilhão e duzentos milhões de reais, o que já era muita coisa já para aquela época, é um valor muito alto, muito expressivo. E eu tinha que tomar conta, em termos de fábrica, provavelmente, dez fábricas, talvez eu esteja errando um pouquinho, mas já vão muitos anos aí, mas eram dez ou 12 fábricas, era um grupo muito grande, essa empresa tinha unidades no Norte do Brasil, Nordeste, Sul, Centro, Minas Gerais, São Paulo, então, olha, foi um tremendo desafio. Eu que vinha de empresas menores, foi como eu que pilotava jatinho e me deram um Boeing para pilotar (risos), foi muito interessante, a minha carreira cresceu muito, alavanquei muito. Peguei muitas crises lá, essa empresa era fabricante da gelatina Royal e um dia alguém da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária achou que a gelatina estava com excesso de cromo. Cromo é uma coisa que tem no ovo, não é nada, para aqueles que não conhecem podem até se impressionar, então, é questão muito mais política do que qualquer outra coisa. Então, essa gelatina foi proibida no Brasil inteiro. Quer dizer, isso começou em São Paulo, a coisa irradiou para outras secretarias, então... Eu já estava com um ano e pouco de casa, foi logo no começo, o presidente, um inglês, um dia, chegou para mim e disse: “Olha, esse assunto aqui é seu, você vai ter que liberar a gelatina e tem prazo para isso, esse prazo é de quatro meses para estar liberado. Você conjuntamente com o Diretor de Alimentos, vocês dois que se completam, terão que liberar essa gelatina”. Aí começamos saindo em campo... Eu sumia de casa, às vezes, por uma semana, viajando pelo Brasil afora, até conseguimos liberá-la em São Paulo mesmo, que foi onde começou o problema. Liberamos a gelatina em São Paulo, dali você tinha que replicar aquilo pelo Brasil afora, que não necessariamente era automático, os outros não iriam liberar somente porque São Paulo, que começou com o assunto, liberou. Então, saímos viajando por uma verdadeira romaria, sumia às vezes de casa até 15 dias e tudo, e já era casado e já tinha filhas, naquela época, duas filhas, ainda tenho, né? Então, foi uma fase muito importante da minha vida. Eu acho que eu cresci profissionalmente, muito, com essa situação. É o que eu digo, eu acho que você sempre cresce quando você enfrenta uma crise. A gente não tem que fugir das crises não, quando elas aparecem, claro que o ideal é que não tivéssemos, mas quando aparece, nós não devemos fugir, a gente deve chegar e enfrentar e lutar com todas as armas, desde que legais, para chegar ao objetivo maior. Eu consegui então liberar a gelatina, fiquei muito forte dentro da companhia por esse “gol”, esse grande “gol” na minha vida. Então, ela foi uma empresa muito importante, um grande desafio.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho sobre “o que é liberar a gelatina” em termos de processo. Imagino eu que aí tenha que ter toda uma relação com o Governo, com o Ministério da Saúde... Então, eu queria entender um pouquinho o significa isso.
R – Como eu disse, ela foi proibida por excesso de cromo, dito excesso de cromo, porque nunca restou provado. Alguém fez um exame, talvez lá, não sei nem se era a melhor forma de fazer exame sobre o assunto cromo, mas apareceu para eles, para nós, os nossos controles eram bons e tudo naquela época, mas apareceu e ficou proibida. Então, nós tivemos que fazer vários estudos, inclusive com laboratórios, se não me falha a memória, laboratórios estrangeiros, até fora do país, pois já fazíamos aqui em bons laboratórios, como Adolfo Lutz, até fora nós fizemos estudos para provas a essas autoridades de que o nosso limite de cromo estava dentro do padrão, que não havia nada errado. Isso é um trabalho de “corpo a corpo”, é um trabalho que tem que sentar e discutir e, claro, que a outra parte questiona, para isso que tinha o meu colega diretor de alimentos, com conhecimento técnico muito maior do que o meu e eu, também, com os aspectos jurídicos e tudo, já tinha pensado em talvez tomar alguma medida judicial, mas realmente não foi necessário, nós conseguimos resolver a questão provando, “por A+B”, os resultados de dois, três laboratórios, inclusive alguns internacionais, como falei ainda há pouco. Provamos que, efetivamente, tudo estava dentro do limite normal, do limite permitido no Brasil e estava bem nos padrões internacionais e aí conseguimos convencer. Foi uma discussão basicamente técnica, muito mais técnica do que qualquer outra coisa, era a questão de se provar que o cromo está em todas as nossas células do nosso organismo, está no próprio ovo... O excesso de cromo para fazer mal, na realidade, teria que levar muitos anos da pessoa comendo e ninguém iria comer, estamos falando aqui de gelatina, comer a gelatina, anos e anos seguidos, de uma forma absurda, muitas vezes por dias e de mais a mais, o nosso produto, que era o argumento maior... Esses dois argumentos utilizados levaram as autoridades a liberarem a gelatina.
P/1 – Você colocou que, uma coisa que eu achei interessante, não bastava você liberar em um lugar, você teria que ir “corpo a corpo”. Quer dizer, isso não era uma coisa que centralizada, por exemplo, por um Departamento Federal, né?
R – Existe o Departamento Federal também, mas nesse caso começou a nível Estadual, São Paulo começou com o assunto, aí os outros seguiram. A tendência, normalmente, é Rio e São Paulo, eles irradiam para os outros, para as outras secretarias, secretários. Efetivamente, foi o que aconteceu, e aí, mesmo conseguindo a liberação em São Paulo, eu tive que fazer um “corpo a corpo” com todas as secretarias pelo Brasil inteiro, né? Foi Nordeste, Pernambuco, Bahia, Amazônia, lá em Manaus... Esse foi um trabalho bem hercúleo, vamos dizer assim, trabalho hercúleo (risos).
P/1 – Quando tempo você ficou no Grupo Nabisco? Conta um pouquinho para a gente, porque você falou que isso aconteceu bem no início da sua chegada ao Grupo.
R – É, eu tinha um ano de casa, isso era pouco. Eu fiquei lá, na realidade, uns oito anos, se eu não me engano. Eu, basicamente, eu consegui todos os principais assuntos que surgiram, todos os grandes desafios, eu consegui vencê-los todos, mas aí houve um fato, próximo do oitavo ano que não me agradou, que foi a mudança de controlador. Houve a mudança de controlador, na realidade, com uma série de medidas que desagradou a todos, era outro estilo de gerência, então eu comecei a ficar insatisfeito, não só eu, mas outras pessoas também. O presidente, o inglês, que me deu a missão da gelatina, estava saindo também, tinha outro vice- presidente norte-americano, que eu me dava muito bem com ele, com os dois, também saindo da empresa. Bom, a empresa começou a ficar diferente, um ambiente diferente, sei lá, até a maneira de trabalhar... Antes nós tínhamos liberdade, era o princípio da responsabilidade, te davam a missão aqui, como se diz hoje em dia, naquela época, não se usava essa expressão: “It’s your accountability”, é a sua contabilidade, você não tem um sistema de ficar controlando, “o que você fez, deixa eu ver aqui”, era bem assim e aí começou a mudar, o sistema demais, controle desnecessário, profissionais que já tinham uma certa senioridade. Então isso me deixou insatisfeito, não só a mim, mas outros executivos também. E aí eu digo: “Bom, eu tenho que mudar” e assim fiz. Chegou um momento que a empresa ela tinha um incentivo para quem quisesse sair, esse novo controlador e tudo, então eu resolvi fazer uma composição e sair, eu disse “Vou parar um pouco, vou descansar, porque eu estou vindo de fase complicada... Uma administração diferente... Vou descansar, colocar minha cabeça para descansar um pouco”. E assim fiz, eu fiz uma composição com eles. Isso foi, senão me engano, foi em setembro de 1997. Aí foi interessante, eu falei: “Vou descansar”, falei com a minha esposa e tal coisa... Aí apareceu pouco tempo depois, um mês e meio, um norte-americano que é headhunter... Não sei se vou me lembrar do nome dele... O resto dele eu tenho aqui, mas o nome... Bom, ele já me conhecia, gostava muito de mim, isso no Rio de Janeiro, aí ele disse: “Olha, tenho uma proposta para você no interior de São Paulo, Campinas, é uma empresa grande, não posso passar o nome ainda e tal coisa... Mas você estaria interessado?” Ai eu disse “Olha, depende, eu não sou aquele carioca, realmente, que só mora em local de praia” (risos), isso é muito comum no Rio de Janeiro: “Ah, não saio daqui por causa da praia”, eu não! Praia tem em qualquer lugar ou você viaja, vai de encontro a praia... Se fosse São Paulo, Capital ou Campinas, eu poderia pegar um carro, viajar algumas horas e passar um final de semana lá e voltar... Isso não é problema pra mim, mas depende do desafio, não é só a questão salário, questão de salário é muito relativo, tem que ter salário e desafio, né? “Mas você aceita”? eu disse “Aceito”, eu disse que eu ia descansar um pouquinho... Agora (risos) não vou conseguir descansar, mas vamos lá, vamos em frente. Aí começou o processo, que na época, era da empresa Champion Papel e Celulose, uma empresa também norte-americana. Fui pra lá, fiz não sei quantas entrevistas, foi um dia muito cansativo, eu fiz, senão me engano, mais de cinco ou seis entrevistas em um dia só, sendo que eu saí cedo do Rio de Janeiro, eu peguei um voo às seis horas da manhã e só cheguei em casa aquele dias às 22 horas e 30, porque a última entrevista era com o presidente, que ficava em São Paulo uma boa parte do tempo e às vezes também na principal planta que ficava em Mogi Guaçu, um pouco acima de Campinas. Eu saía lá de São Paulo… bom, você conhece. Então, a primeira foi com homem de RH, depois eu passei por toda a vice-presidência da empresa, não sei se eram uns quatro ou cinco, quer dizer, eu já cheguei lá umas oito, porque eu saí as seis, uma hora até o Aeroporto de Viracopos, mais uma hora até Mogi Guaçu, uma hora e um pouquinho mais... cheguei umas oito e 30, por aí, e passei o dia lá, almocei por lá... E o último seria em São Paulo, e aí eu fui para São Paulo. Então, eu achei que eu tinha ido bem em todas as entrevistas, gostei do pessoal, da interação, um pessoal muito simpático, agradável, nível muito bom. Aí eu digo, “Agora vamos ver o que acontece, né?” Bom, mas isso foi já em outubro, como eu falei, eu saí em setembro e fiz essa entrevista em outubro. Quando chegou já em novembro, final de novembro, eu era um dos primeiros candidatos, inclusive... Veio o resultado, fui aprovado. “Se quiser, você já começa aqui em janeiro de 1998”. Bom, aí foi um trabalho, na época, de convencimento com a minha esposa, de mudar, ficou aquela negócio... As crianças também, aquele negócio de amiguinhos e coleguinhas... Duas meninas que tem um excelente relacionamento com as colegas da escola em que elas estudavam e tudo, então foi uma fase bem complicada. Mas eu pensei: “Será um desafio. Então, sei lá... Por que não mudar? Estamos nos mudando para uma cidade boa... Campinas”. Eu já conhecia Campinas, até na fase da gelatina eu tive que ir várias vezes para Campinas, também, por conta disso. Então, eu já conhecia, achei que seria uma boa opção, uma empresa boa, pessoa legal, pelo o que eu vi e tudo. Então, mudamos! Fomos para Campinas. Saímos do Rio de Janeiro, morávamos na Barra da Tijuca. E eu digo: “Bom, vamos para o interior de São Paulo!”. Resolvemos morar em Campinas, até porque, Mogi Guaçu é uma cidade muito pequena, seria uma mudança muito radical também. Não sei hoje, mas naquela época não tinha shopping, até escola para as meninas seria um pouco mais complicado, pois elas vinham de uma escola de freiras, muito boa... Eu pensei que tinha que manter mais ou menos o padrão de ensino. Pensei em ficar no meio, vou ficar efetivamente em Campinas. Fomos procurar casa lá, no primeiro momento não foi casa, foi um apartamento alugado: “Deixa eu ver também, ver se tudo dá certo, né!” Porque comprar um imóvel... Eu deixei meu imóvel no Rio... Cm o tempo, realmente, deu tudo certo nessa empresa. Logo depois eu passei por uma mudança dentro da empresa, eu fui para lá ainda na posição de Diretor Jurídico, mas logo com um ano e meio essa empresa foi comprada pela International Paper, também de papel, essa é a maior empresa de papel no mundo. Bom, “Eu não sei o que vai acontecer aqui, eu com um ano e meio e a empresa sendo comprada... Eu não sei se irão manter as pessoas aqui, provavelmente sim, porque a principal planta ficava em Mogi Guaçu e eles não vão conseguir mão de obra, também, tão fácil, acredito que não haja mudança maior”. E felizmente não aconteceu mudança alguma, a não ser de cultura e para melhor, pois a cultura deles era realmente fantástica. Ela era uma empresa que dava treinamento. A cada ano você tinha que fazer um treinamento diferente, programado por eles em um centro de treinamento que eles tinham lá nos Estados Unidos, todo ano era isso. Então, eu me adaptei bem, gostei do pessoal... Pessoal bem acessível lá fora. Eu fiquei lá, aproximadamente, nove anos e viajando muito para os Estados Unidos, interagindo com o pessoal, não só com o jurídico, mas com outras áreas também. Houve aquisições nesse espaço de tempo, o que foi muito interessante para mim, eu nunca tinha participado de um processo tão grande de aquisições. Nessa época, nós fizemos aquisições de várias empresas que foram do extinto Grupo Bamerindus, inclusive uma empresa de papel é no interior do Paraná, era a Putic, fabricava papel para jornal, era o Lightweight Coated, um papel específico. E no final, já quase pouco antes de sair de lá, nós fizemos uma transação bilionária, um bilhão de dólares, com o Grupo Votorantim, foi uma espécie de joint venture que foi feita e para mim foi a maior transação que eu já pude participar em toda a minha vida, complicadíssima, isso demandou, aproximadamente, dois meses de muita discussão, muito cansaço, às vezes virando direto lá em São Paulo, a gente dormia no escritório, se é que se pode falar dormir... A gente cochilava no escritório, lá, porque as negociações não podiam parar e vinha o prazo... E isso tudo foi muito importante na minha vida, quer dizer, a International Paper me proporcionou um crescimento profissional também nessa parte de Business, muito grande. Transação dessa ordem, são poucas que acontecem no mundo inteiro, estamos falando de um bilhão de dólares, como eu disse ainda há pouco. Bom, eu fiquei lá até outubro de 2006 e com essas aquisições todas... O mote dessa empresa maior foram as aquisições. Bom, aí, eu esqueci de contar uma parte importante, nesse espaço de tempo eu fui promovido para VP, vice-presidente jurídico, até pelo sucesso nessas negociações todas, essas aquisições... Mas como eu falei há pouco, a vida, mutaste, mutantes, muda! É dinâmica, é uma coisa vida, é latente o tempo todo, aí houve mudanças na presidência também, então chegou o momento que eu já não estava mais trabalhando contente, ultrapassado essas vitórias todas, eu esperava ter uma fase melhor, mas os valores ali, não da empresa, mas valores de determinada direção, sem entrar em minúcias, já não era os mesmos que eu tinha, os meus valores próprios e o que eu aprendi, desenvolvi na minha vida inteira, o que apliquei, melhor dizendo, na minha vida inteira... Então, as coisas começaram a ficar complicadas. Bom, chegou o momento em que eu tinha dois chefes. Eu tinha um chefe nos Estados Unidos, que era da área jurídica, excelente pessoa e tudo! Chegou um momento, como eu não estava satisfeito com esse direcionamento dado, eu disse: “Olha, agora eu já cumpri minha missão, já conversei com você que algumas coisas estão acontecendo, que eu não estou satisfeito. É aquela história, eu acho que você não pode pensar só na posição, no salário, nos ganhos, em si. Há certas coisas que são inegociáveis e aqui estou vendo certas coisas que não estão me deixando crescer mais e eu acho que eu tenho mais espaço para crescer, eu já sou uma pessoa de idade mediana, mas eu ainda tenho muita carreira pela frente, eu quero crescer e aqui eu acho que não vou ter essa oportunidade.” E aí combinei a saída com ele e com os outros diretores também e saí. Saí sem perspectiva nenhuma, sem visão nenhuma. E eu disse, “Bom, dessa vez descansar um pouco, porque também...” Consegui descansar um certo tempo, né, negociei um valor lá com eles, aí eu viajei, aproveitei as férias das minhas filhas e tudo... Viajei por mais ou menos, sei lá, entre uma viagem e outra né, morando ainda em Campinas, uns seis meses, mais ou menos, talvez um pouquinho mais. Aí aparece a oportunidade da Kinross.
P/1 – Conte-nos, como foi isso? (risos)
R – Bom, na realidade, foi uma amiga minha que foi presidente de várias empresas, inclusive da Kodak, ela é do ramo de hunting também, ela trabalhou como C.E.O [Chief Executive Officer] em várias empresas, da Kodak eu me lembro muito bem. Ela passou a trabalhar fazendo hunting em uma empresa de hunting lá de São Paulo. Ela teve, na realidade, conhecimento dessa posição através de um amigo dela que também é da área de hunting, entendeu? Ela teve essa lembrança da minha pessoa, indicou para ele o meu nome. Um detalhe, eu a encontrei em São Paulo, em um workshop, já não a via há um bom tempo e ela me indicou para esse senhor e ele me chamou. Foi um processo demorado também, processo de uns três a quatro meses e tudo né, aí veio uma proposta para assumir uma posição justamente na Kinross, que não era nesse escritório, era em um escritório quase que aqui em frente. Aí começou o processo e mais uma mudança, né? Nesse espaço teve uma fase bem desagradável na minha vida, eu me esqueci de falar... Mais isso é muito importante. Minha esposa teve uma doença muito grave, muito séria e infelizmente, após dois anos... Isso antes de eu chegar nessa fase crítica... Em dois anos, ela não resistiu e faleceu. Nessa fase eu estava apenas com as minhas filhas, foi uma fase muito complicada e até para fazer uma mudança seria difícil, minhas filhas já estavam um pouco maiores, elas estavam com 12 a 13 anos, adolescência... E eu conversei com elas e disse: “Aqui tem outra oportunidade, vocês sabem bem da história, eu não estava satisfeito nessa empresa, aconteceu o que aconteceu e eu tenho que voltar a trabalhar. Foi uma fase boa, nós viajamos e tudo, mas a gente tem que viver, não tem jeito!” E aí eu conversei com elas e acabei aceitando a posição aqui para a Kinross, foi um desafio muito grande, muito interessante, porque a empresa, naquela época, era uma empresa que precisava aumentar a sua produção de 21 milhões para 62 milhões de toneladas e dependia de uma série de licenciamentos e de compra de terras também, porque para você aumentar a produção em um valor expressivo desses, você tem que produzir barragens e para produzir barragens você precisa, na realidade, é de muita terra, que se chama de área de empréstimo. Então, você compra a terra para você emprestar aquela terra para levantar barragens. E esse foi um dos maiores desafios que eu tive quando eu entrei aqui na Kinross. Tinha que comprar, tinha que assumir essa área de terras, eu até então tinha tido algumas experiências de aquisição por parte da International Paper, porque papel, como você bem sabe, tem que plantar eucalipto, pinus e tudo... Mas não nessa proporção, então, eu comecei a desenvolver um planejamento, algum controle para que a gente pudesse ser mais efetivo nessa aquisição de terras e foi um sucesso. Um detalhe interessante é que esse projeto de aumento de produção da empresa foi feito mas, naquela época, não contemplaram a parte de aquisição de terras, que é extremamente importante, porque você precisa de área de empréstimo para a barragem. Quando eu comecei a comprar teve um fato que me preocupou muito, porque os preços começaram a aumentar tremendamente, princípio básico da lei da oferta e da procura. Quando eu cheguei nessa companhia, o preço do hectare custava em torno de dois mil hectares, no final, pela pressa que nós tínhamos de comprar, para manter o cronograma da expansão, você já estava pagando 20 mil, 25 mil o hectare, tinha pessoas que pediam até 30 mil. Então eu tive me apressar muito em comprar, porque quanto mais tempo passasse, mais complicado seria. O Presidente na época, eu me reportava ao presidente da época, eu não era presidente naquela época, nós conseguimos vencer aquilo ali. Claro que era muita pressão, muita intensa, em cima de mim e em cima dele. Nós tivemos também problemas com o Ministério Público, naquela época, você tinha um procurador federal extremamente complicado e radical, com questões de licenciamento, ameaçando a empresa com ações, mas nós conseguimos contornar esse assunto... Lá no final das contas, ele estava bem mais acessível, mas uma pessoa muito radical no inicio. Havia uma preocupação também com referência às comunidades Quilombolas por parte dele, desnecessária, porque a empresa sempre cuidou bem das comunidades Quilombolas, inclusive, em alguns casos construiu residências, casas, melhores do quê a que eles viviam. Foi uma fase muito complicada de trabalho, mas também, eu, conjuntamente com outros executivos, não só eu, pois o mérito não foi só meu, nós conseguimos realmente suplantar e fazer com que a empresa seguisse o seu objetivo maior, que era o esse plano de expansão. Esse plano levou uns três anos, mais ou menos, eu imagino, para se completar, mas foi um sucesso, nossa produção está em plena capacidade. Foi um marco na minha vida profissional ter enfrentado todas essas dificuldades e ter saído bem sucedido, foi muito bom para a minha carreira. E até hoje, eu continuo, nós continuamos aí em busca de novos desafios, a empresa sempre tem algum projeto de crescimento também dos executivos, eu acho que é uma empresa que se preocupa, que eu acho que são valores que, como disse há pouco, importantes, muito importantes para a gente você ter a oportunidade de crescer, a gente consegue investir nas pessoas que reportam também cursos e tudo, pessoal que reporta diretamente para mim, eu já fiz bons investimentos também, em termos de crescimento na área jurídica, acho que eu vesti, literalmente, a camisa da Kinross (risos) e não me arrependo, embora, também, implicasse em uma mudança, como eu disse ainda há pouco, em situações bem delicadas, né, eu tive que me dividir bastante em um determinado período entre Belo Horizonte e Campinas, né, mas eu consegui superar.
P/1 – Você trouxe uma coisa interessante, até para o processo para a gente que está escrevendo a história, é interessante pra gente entender isso. Você vem para assumir a vice-presidência jurídica nesse primeiro momento, na Kinross, é isso, né?
R – Em um primeiro momento, na realidade, eles não tinham a vice-presidência jurídica, então eu vim como diretor jurídico pra cá, mas com a promessa de ter uma posição maior, dependendo, obviamente, da minha desenvoltura profissional. Foi assim que foi combinando.
P/1 – Você trouxe uma questão que eu acho que está ligada a questão do próprio negócio, que é essa questão de minerar e principalmente, dentro de uma característica da própria mina de Paracatu, que é uma mina de céu aberto, que realmente precisa ir ampliando em termos de volume, acho que até mesmo em termos de volume de terra, também, não no centro só da barragem, mas dentro do próprio processo. Como é que se dá essa relação? Explicando isso para pessoas mais leigas... O que são essas aquisições e se vocês também entram com arrendamentos de terras, como isso se dá? Como isso se dá em termos, também, em relação aos acordos que vocês têm que fazer com a questão de meio ambiente, com a questão de governo, também? Gostaria que você explicasse isso como se estivesse colocando isso para pessoas leigas, gostaria que você fosse mais didático.
R – A questão de terras... Normalmente, você compra terras, mas têm áreas, em que você faz uma servidão minerária, onde você paga um royalties para uma determinada pessoa, então, você não compra, necessariamente. Você tem a possibilidade de comprar e de arrendar. Você faz arrendamento, também, muitas vezes, para prospecção de poços de água, nossos processos exigem muita água, então você terá aí uma servidão. Então, é dessa forma que funciona. Há outras aquisições também que, como eu disse ainda há pouco, que são para áreas de empréstimos, quando você, efetivamente, vai construir uma barragem. Nesse caso, nós já estamos com uma barragem nova, construída. É interessante, também, o processo de lavra de barragem, atualmente nós estamos fazendo lavra de barragem, que você tem os rejeitos, eles vão para as barragens e estão devidamente autorizados pelo DNPM, Ministérios de Minas de Energia... Passamos também a fazer a lavra das barragens, são processos que, efetivamente, são parte de todo os nossos trabalhos. Então tem todas essas modalidades, você tem a aquisição, a servidão, depende do momento, depende da oportunidade, muitas vezes a pessoa pode não querer vender a área, mas você não pode perder a oportunidade, mas é interessante para essa pessoa também, porque ela vai receber os royalties que são pagos. Então, têm duas modalidades, respondendo ao seu questionamento.
P/1 – Quando você faz a construção da barragem, você também tem que ter uma compensação ambiental?
R – Bem colocado. Normalmente, quando você pede um licenciamento para a barragem ou para a própria mina, na realidade, quando você, obviamente, de alguma forma, impacta o meio ambiente, embora o impacto seja sustentável, o licenciamento que é dado a você sempre aparece uma forma de compensar. Digamos, é muito comum você ter um licenciamento ambiental para cada hectare impactado, você compensa com três, isso é um número, mais ou menos, na média de compensação que são colocadas quando você pede um licenciamento ambiental, é assim que funciona, você vai e compensa. Você vai pegar uma área em que você impactou um... A proporção é sempre essa, impactou um, você planta em três hectares. E aí, de alguma forma, você está preservando o meio ambiente sem ter um problema maior, ninguém pode, efetivamente, questionar que nós não estamos cuidando do meio ambiente em si. É assim que funciona essa compensação ambiental.
P/1 – Por exemplo: Eu imagino que deve haver alguma especificidade com relação à própria comunidade, porque como a mina está muito próxima a Paracatu. Quais são os desafios que você teve com a comunidade? Falando em termos legais.
R – Na realidade, nós temos uma situação muito peculiar, porque hoje a comunidade, de modo geral, está muito próxima da mina, que é uma questão muito normal, pois as pessoas, muitas vezes, na ânsia de conseguirem emprego e pela proximidade do trabalho... Todo mundo gosta, efetivamente, de morar perto do trabalho... As pessoas vão se achegando. Não foi uma coisa que nós chegamos lá e começamos a minerar sem ter preocupação. Mas nem por isso nós deixamos de fazer algo para a comunidade, nós temos vários projetos. Recentemente, conjuntamente com a prefeitura, nós estamos trabalhando no sentido de dar título de propriedade para essas pessoas, são áreas que não possuem título/ escrituras, e nós estamos fazendo um investimento razoável, juntamente com a prefeitura para que consigamos, através de processo judiciário, dar título de propriedade. Valoriza, embora sejam casas humildes, isso valoriza o bem dessas pessoas. E nós temos vários projetos educacionais, temos o projeto Integrar, temos voltados para educação... A empresa, na verdade cuida muito bem das comunidades próximas, que nós podemos fazer, nós fazemos. Nós temos preocupações com nossos processos diários de trabalho, com referência a poeira, com referencia a ruído... Todos os nossos processos, nós avisamos as horas que você precisa impactar um pouco, em termos de ruído, você já está combinado come eles... Na verdade, nós já chegamos, sentamos e acertamos os horários, você tem um processo que a gente chama de blasting em si, então aquilo tudo é combinado, nós não fazemos nada aleatoriamente ou fora de horário, respeitando também a lei do silêncio. Então tudo é feito de forma combinada. Eu diria que o relacionamento com eles é muito bom, a gente não tem um problema maior, levando em consideração que uma dessas comunidades está muito próxima da mina, mas tudo é combinado, tudo é discutido, nossa área de relações com a comunidade... É, eles visitam o tempo todo essas pessoas, procurando saber quais são os anseios deles, as preocupações maiores que eles têm e daquilo que nós possamos eventualmente ajuda-los. Então, respondendo a sua pergunta, eu diria que essa empresa é uma empresa muito voltada para isso. Não é só no Brasil, na realidade é no inteiro, em todo local que a empresa tem unidades, ela é sempre voltada para comunidades locais.
P/1 – Gostaria que você falasse um pouco sobre algo que você disse e eu achei muito interessante. Você disse que o impacto é sempre sustentável. O que significa sustentabilidade em uma mineradora? Como você definiria isso?
R – Bom, ser sustentável é não deixar que outrem seja prejudicado pela sua atividade, isso é ser sustentável. Se você está prejudicando alguém ou alguns, você não é sustentável. A outra interpretação também dessa questão de sustentabilidade que um dia as minas se exaurem, um dia nós teremos que sair dali. Nós temos um compromisso, inclusive, com o Ministério Público de fechamento da Mina, nós, todo mês, fazemos uma contribuição de determinado valor, para esse fechamento que um dia vai acontecer. Então, espontaneamente, a empresa sentou com o Ministério Público, já havia uma preocupação deles e discussões... E discussões... Então, vamos fazer o seguinte, vamos destinar um valor para o fechamento dessa mina, já que é essa a preocupação? Porque a preocupação deles era: “Um dia, os senhores saem aqui do Brasil e como é que fica”? Nós dissemos: “A empresa não trabalha assim, a empresa já tem uma dotação, um valor para isso. Mas se os senhores querem alguma coisa a mais, nós podemos conversar com Toronto, com a casa Matriz e ver se podemos fazer e validar com conforto”. E assim foi feito, discutimos com o pessoal lá fora e independente do que nós já temos previsto para o fechamento da mina um dia, nós também temos um termo de compromisso assinado, que nós fazemos depósitos mensais, para que no dia que chegar o fechamento, você terá um valor razoável para atender as necessidade de mais uma vez mostrar que a empresa é sustentável, ela passou um período, explorou, gerou riquezas para a cidade também, a CFEM [Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais], é aquilo que a gente paga, 65% daquilo que a gente paga vai para o município, isso significa mais condições financeiras para obras, construções, casas habitacionais ou qualquer outro projeto social que a prefeitura consiga fazer. Então, ser mais sustentável do que isso... A, temos um projeto interessante, adquirimos uma área há um tempo que é para receber animais silvestres, animais de modo em geral, feridos às vezes por caça, e ele não tinha onde ficar, então a gente fez também uma composição com o Ministério Público, no sentido de reservar um espaço desses. Compramos este espaço... Existem algumas obras de infraestrutura já feitas, falta agora o Estado assumir a parte do dia a dia, provavelmente com veterinários, profissionais só para cuidar dos animais, que aí já é com eles. Mas nós fizemos esse investimento também, isso já é mais que uma prova de a empresa está voltada para sustentabilidade, empresa que se preocupa.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho, primeiramente, o que significa estar à frente de uma empresa como a Kinross e, também, como se dá a sua relação com o Canadá.
R – Bom, estar à frente de uma empresa de mineração no Brasil, é um grande desafio, talvez, seja o maior desafio de todos os empreendimentos que existem, porque se requer uma grande interação com autoridades, a gente vive em um país extremamente político e eu acho que aqui no Brasil a ciência política é uma das maiores ciências, então requer uma habilidade muito grande por se transitar em todos os meios, como Ministério Público, Federal, Estadual... Os políticos, ninguém vive sem os políticos. Nós temos que sentar, discutir e pedir suporte muitas vezes, em determinadas questões... Uma questão de licenciamento ambiental é muito difícil aqui no Brasil, isso é algo que a gente pode comentar porque isso está na televisão todos os dias, não é uma coisa fácil você conseguir um licenciamento ambiental. É claro que eu acho que tem que ter um controle, mas também não pode ser uma coisa exacerbada em termos de documentos e burocracias que infelizmente exige, é claro que você, também, tem que ter um conhecimento básico de mineração. Eu não sou engenheiro de minas, mas uma das coisas que eu procurei fazer quando cheguei nessa empresa foi conhecer o tema mineração, a legislação que suporta, que é muito importante, independentemente de você ser ou não advogado, você ter um conhecimento básico da legislação. Quando você tem esse conjunto todo, você consegue, efetivamente, dirigir uma empresa. É preciso que você tenha todo esse arcabouço, conhecimento de mineração, conhecimento de legislação, habilidade politica muito grande é importante também que você esteja associado uma associação, no nosso caso nós somos filiados ao IBRAM [Instituto Brasileiro de Mineração], eu sou conselheiro do IBRAM também. Então, todos os principais temas que são discutidos no IBRAM e a quem está representada na minha pessoa, eu tenho suplentes, também, quando eu não posso ir. Olha, é um pouquinho de cada coisa, tem que juntar esses elementos todos e você tem a receita do bolo, para você ter uma administração reconhecida. Os valores também são muito importantes, os valores dentro de uma companhia como nós vimos ainda há pouco com referencia a seguir as regras, a seguir as leis, os compliance, que existem internos, a empresa é muito preocupada com isso, há pouco tempo mesmo veio um vice-presidente da área de compliance fazer uma palestra aqui nesta sala em que nós estamos, para os todos os principais executivos da empresa. Fomos, também, lá para Paracatu, para os outros executivos de lá também. Então, é um conjunto de fatores, isso te permite que no momento em que você tem todos os elementos, você faça essa empresa crescer e que você goze de respeitabilidade junto às autoridades, isso é uma coisa que eu tenho orgulho aqui de dizer, isso não é só um trabalho meu... Isso é um trabalho de equipe, é um trabalho com o pessoal lá da mina, é um trabalho de todos nós. Essa é uma empresa que é respeitada, eu acho isso muito importante... A empresa conseguir construir um nome e, para construir um nome, isso representa grandes atitudes, que são essas todas que eu falei. E você ser reconhecido como uma empresa correta, dinâmica, uma empresa moderna, sustentável. É dessa forma que eu vejo, respondendo a sua pergunta.
P/1 – Você trouxe muito essa questão da relação com o Governo, como isso está estruturado dentro da empresa? E você trouxe a questão da sua habilidade, como esse trânsito é feito, é muito em cima da sua própria ação, é uma coisa que está muito focada na sua mão ou você tem uma equipe que também transita? Conta um pouco para a gente como isso funciona.
R – Nós temos uma área de DIAR, não é uma equipe muito grande aqui no Brasil, mas tem um gerente de DIAR, que também é meu suplente no IBRAM, eu falei nesse suplente ainda há pouco. Funciona dessa forma: quando há a necessidade da gente fazer o contato com uma autoridade, seja de que calibre, nível for, esse gerente faz uma avaliação, além disso, existe um VP regional, que fica no Chile, na nossa unidade do Chile, que também faz essa parte de DIAR, é um ex-diplomata aposentado, então interage, assim, quer dizer, eu identifico uma necessidade, num primeiro momento, converso com o DIAR aqui a nível de Brasília, às vezes, também, com o Chile, diretamente e a gente faz uma triangulação e aí nós identificamos aí quem é a autoridade que devemos fazer uma aproximação para você atingir um objetivo maior, novo, que a empresa acabou de criar ou que já existe, mas que por alguma razão não está caminhando bem, alguma dificuldade que você tenha eventualmente com o licenciamento, por exemplo, isso acontece. Então, muitas vezes você precisa ter um ator acima da pessoa que está encarregada de cuidar do assunto, para desembargar esse assunto. Isso é muito comum, mas uma vez estamos nós estamos no ramo de mineração, há sempre uma preocupação muito grande, às vezes por falta de informação: “Isso vai impactar, a isso vai...” Mas por tudo que nós dissemos aqui ainda há pouco, é sustentável. Eu sei que nós estamos em uma fase difícil, o pós Samarco, a mineração ficou muito estigmatizada, não vou entrar no mérito do que aconteceu, sempre tive a melhor impressão da Samarco, conheci o antigo presidente, pessoa seríssima, então eu não entro no mérito do que aconteceu, mas fato é que a empresa é uma empresa sempre correta e depois da Samarco, aí as empresas acabaram sendo estigmatizadas como um segmento que polui, que não é sustentável e nada disso é verdade, conforme você teve a oportunidade de me escutar e tudo, isso não é uma coisa correta. Tudo é feito, a empresa é séria e a maioria das empresas internacionais é extremamente legalistas, isso é importante dizer. Todas que trabalham aqui no Brasil, eu me dou com os outros dirigentes, todos eles são muito sério, então é uma preocupação que não tem sentido existir, mesmo a despeito do que aconteceu, pois alguma coisa pontual aconteceu ali, mas não quer dizer que o segmento não é sério, que as pessoas não fazem a coisa certa, que todos estão errados aí no processo de mineração.
P/1 – Eu gostaria que você falasse agora, já que estamos caminhando um pouquinho para o final, sobre: você teve um desafio inicial que era sair de uma produção de 20 mil para 60 milhões, quando você entrou. Hoje, isso, de alguma forma já foi cumprido, de alguma forma, está estabelecido. Então, qual é o grande desafio hoje para você, enquanto dirigente da Kinross? Gostaria que você falasse um pouquinho para a gente.
R – Bom, eu gostaria que nós tivéssemos uma nova aquisição, eu acho muito importante para a companhia a gente ter uma nova mina, eu gostaria muito de conseguir... A gente sabe que, às vezes, não é muito fácil quando você vai lá para fora, conversa com um par ou outro, você vender Brasil, é um pouco difícil, por tudo o que a gente está vendo, as pessoas estão antenadas aí, real time, saiu aqui, sai lá fora e o que assusta mais, de modo geral, os executivos de todas as empresas que a gente conversa, os congêneres aí, são os famosos “regulatories”, que são todo esse emaranhado de legislação que você tem e complicou bastante, também, agora depois da Samarco, tem “n” projetos agora de leis, “n” em discussão... E cada vez as empresas ficam até mais oneradas em função de cuidados e recuidados que são tomados ou que são propostos através desses projetos de leis, então isso é uma coisa que dificulta muito. Mas eu gostaria que nós partíssemos para um novo projeto, para a empresa crescer e até pensando futuro, nas pessoas mais novas, porque, obviamente, existe uma data para a mina se exaurir. É assim que funciona. Porque não se pensar numa nova possibilidade, até porque a empresa já tem conhecimento de Brasil. A Kinross, hoje é uma empresa que conhece o Brasil, por tudo o que nós já passamos no passado, o aprendizado foi muito grande, foi difícil... Sim... Bem difícil, mas todos nós crescemos, eles lá fora e a gente aqui também. Mas é um pouco difícil, de modo geral, você passar uma imagem do Brasil de que você vai conseguir os licenciamentos, têm empresas, menores até, mas que estão há mais de cinco anos tentando licenciamento no norte e não consegue, entendeu? Então, até o [presidente Michel] Temer, outro dia estava comentando, não um caso pontual, mas dizendo: “Tem que melhorar essa parte” e está certo, tem que melhorar! Seja Temer, seja lá quem for, quem vai ficar daí pra frente, eu sei que é uma transição, mas tem que pensar nisso aí. Tem que ser fácil, o licenciamento tem que ser fácil. É aquele negócio, peça as garantias que você quer, você homem público, mas dê o licenciamento, não pode ficar, dois anos, três anos ... Ninguém consegue... Ninguém resiste a isso... Até porque você precisa ter um corpo de executivos que você paga, você tem o pessoal de campo, que paga e não entra nada? Isso não existe. Esse é um ponto, eu gostaria de ter amanhã uma segunda, uma terceira mina, seria um prazer muito grande ter essa meta. A outra, que eu acho que é uma tarefa de todos nós, executivos, não só do ramo de mineração, mas uma tarefa primordial para todo executivo que quer ter uma empresa saudável, financeiramente falando, e reduzir custos, de modo geral, e quando eu falo reduzir custos, eu não falo você reduzir pessoas... É você reduzir o seu custo efetivamente, aquilo que você tem de gasto para a sua produção, então, essa é uma parte muito importante, você fazer estudos e verificar o que você pode fazer, para você ter um custo menor, pegar todos os insumos, tudo... E você fazer estudos. Essa parte também, isso aqui é o que se diz “ongoing process” que tem sempre que continuar, ele não para, é o tempo todo, o que custava mil hipoteticamente, o custo para a minha produção por tonelada, você tem que chegar a mil, amanhã nós vamos tentar jogar para 900, 800, sei lá, estudar novas técnicas... Enfim, não sei exatamente o que você vai fazer, mas é importante você fazer o exercício, mais importante do que conseguir o resultado é fazer o exercício para alcançar, porque numa hora você acerta, entre erros e acertos, uma hora você vai conseguir, custo é uma coisa que a gente tem em mente que é dever de todo o executivo, na verdade, de todos os empregados... Às vezes uma pessoa lá embaixo tem uma ideia fantástica que, às vezes você, alto executivo, não tem. Isso acontece. Se a pessoa tem uma ideia e fala: aqui a gente pode fazer um processinho aqui e tal, tal, tal, que vai reduzir em cem dólares a onça, então você pega aquilo ali, leva para a direção, a direção desenvolve e muitas vezes dá certo e o funcionário até mesmo é premiado por causa disso, então, custo é uma coisa muito importante para todos nós, principalmente, todos os segmentos, principalmente esse momento que nós vivenciamos aqui no Brasil.
P/1 – Você tocou um pouquinho na questão do fechamento da mina, que isso é inerente ao próprio negócio. Eu gostaria que você falasse um pouquinho como é pensado dentro da Companhia, pois isso é uma visão de médio prazo, no caso, pois nós estamos falando de 2031, mas... Enfim, como a companhia estrutura o fechamento da mina? Como a Kinross está olhando para isso hoje?
R – Bom, toda empresa, como eu falei ainda há pouco, tem um planejamento para o fechamento, você já tem valores, medidas... Nos outros locais em que as minas da Kinross foram desativadas, você pode estar certa de que, pelo mundo afora, tudo foi feito dentro da legislação, há uma previsão, há um investimento, há um protocolo, não tenha dúvida de que toda mina da Kinross que for desativada, ela vai seguir um protocolo, existe um protocolo dentro da empresa, não é uma coisa aleatória. Saiu o CEO mundial hoje, vem outro, tem uma ideia... Não, existe um protocolo de fechamento, existe uma estimativa de fechamento. Tudo isso é feito com bastante critério, com bastante preocupação. Existem valores, e como eu disse ainda há pouco, aqui no Brasil mais ainda, independente de você orçar esse fechamento, você tem também um valor próprio que nós depositamos para o Ministério Público, justamente para não termos nenhum questionamento sobre essa questão de fechamento. E, depois, a data é uma questão relativa também, sabe por quê? Tecnologia evolui sensivelmente, você pode ter novas descobertas também dentro da mina, então tudo é relativo. O mais importante é que essa preocupação existe, nós temos uma diretoria de sustentabilidade, um direito de sustentabilidade, ele é plenamente consciente disso, uma pessoa muito gabaritada também, então é um conjunto de coisas que faz essa empresa ser sustentável, inclusive com referência ao fechamento, que é da vida. É impossível o fechamento, eu sempre que é impossível o fechamento porque mudam, as datas mudam a depender da tecnologia, dependendo da sorte na pesquisa, quando você vai fazer a pesquisa no solo... Agora, uma preocupação que existe também é com referencia a como fica o município depois que a empresa efetivamente sair. A empresa não está desatenta a esse tipo de coisa, existem várias ideias, vários pensamentos, sei lá, eu acho até que um dia a gente pode sentar com a Prefeitura e já começar a discutir, já se começou algum trabalho, na realidade, mas acho que a gente pode avançar mais um pouco, no sentido de trazer eles para o nosso lado e: “Vamos conversar sobre o futuro?” e, não sei, talvez atrair até outras empresas, não no segmento de mineração, mas outras empresas para o Município e tudo, já pensando lá na frente... O município daria algum incentivo fiscal ou alguma coisa assim... eu diria que esse não é um tema dormente, é um tema que a gente pensa o tempo todo, se discuti o tempo todo a saída da empresa, isso é um tema cuidado.
P/1 – Agora voltando um pouquinho para a vida pessoa. Você falou das suas filhas, queria que você falasse o nome delas, o que elas fazem, se elas continuam morando em Campinas.
R – Sim, elas continuam... Teve aquela fase meio difícil, né, que eu ficava de ponte aérea, hoje já estão crescidas. Uma está com 29 e a outra com 31 anos, o tempo passa! A mais velha, a Bruna Marinho é da área de Marketing, ela trabalha hoje na Heineken, que a acabou de comprar a Brasil Kirin, ela estava na Brasi Kirin, aí a Heineken comprou, então ela trabalha como analista de marketing, aliás. A outra, a Bianca Marinho, é psicóloga, ela trabalha também numa empresa de hunting, nos processos e entrevistas de executivos e também montando equipes, quando a empresa é nova e tudo, ela tem que formar equipes de profissionais e tudo. Ela monta, ela faz esse pacote, para fazer com que a empresa tenha todas as condições de funcionar no prazo acordado. Esse é o trabalho das duas aí.
P/1 – E você chegou a casar novamente?
R – Sim, sim, eu me casei novamente, casei em 2010. Sou casado pela segunda vez. Minha atual esposa mora aqui comigo.
P/1 – Filhos, você só têm as duas?
R – Sim, só as duas.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho, algo que você colocou, sobre a legislação toda. Eu geralmente costumo brincar que a gente deveria usar para algumas relações o critério americano, da Constituição Americana, que são duas páginas (risos). Gostaria você comentasse sobre isso, você sendo da área, qual é o grande desafio, olhando para essa questão jurídica e muito do jurídico em termos empresariais, até mesmo em função de algo que você trouxe, a dificuldade das empresas e a questão das leis. Como você enxerga essa questão e o que você que deve ser melhorado.
R – Bom, no passado, houve um Ministério da Desburocratização, com Hélio Beltrão, você, com certeza, lembra disso. Eu acho que o Brasil deu um grande passo naquela época, eu acho que isso aqui é um país que é ainda muito burocrático, precisa muito... Você compara uma cédula de identidade lá de Portugal, acho que é a CU, Cédula única, ali, você tem um só documento que tem tudo, tem a identidade, número da matrícula do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] de lá, tem tudo. Aqui imagina quantos documentos você tem: você tem carteira de motorista, carteira de identidade, tem CPF [Cadastro de pessoa física], você tem quatro ou cinco... Em tese, você teria que andar com isso tudo, mas isso não faz sentido. Porque não seguir esse modelo? Portugal, nosso descobridores no passado (risos) não precisa ir tão longe, se outro país, se fosse na Rússia, que a língua é diferente e tudo... Mas você já tem isso aqui, então, porque não se espelhar em Portugal, que fez um trabalho muito interessante nessa parte? Tudo é complicado no Brasil, tudo é difícil, tudo é complicado. Eu acho que a gente teria, no meu entender, se eu fosse Presidente da República, eu teria o Ministério da Desburocratização (risos) toda vez que eu falo nesse assunto eu fico meio emocionado (risos). Mas não é? É complicado demais, tudo é complicado demais, tudo é muito burocrático, tudo é muito difícil. A gente vai numa repartição pública, é complicado... Documentos e mais documentos... Esse é um país que você tem que provar que é honesto até que alguém um dia venha desabonar isso aqui, só que isso não é o lógico, você como cidadão, você quando se dirige a um órgão, você já tem que ter uma presunção de honesto, as pessoas tem que achar que você é honesto. Mas a desconfiança é tão grande, pode ver, às vezes, você vai a uma loja, comprar uma roupa, entendeu, quando você está em um estado, por exemplo, vamos imaginar: eu tenho a minha carteira de identidade do Rio de Janeiro e vamos imaginar que eu vou comprar aqui em São Paulo, aí o cara vê lá e pede um documento para você e tudo e já acha que você está vindo de outro Estado para aplicar algum golpe... E aí querem fazer ficha e querem... Mas aí você já pagou com o cartão de crédito, já foi aprovado... Muitas vezes assim durante um ano e parece que você vai comprar um apartamento... Até admito que o caro que está vendendo um apartamento para você seja mais cuidadoso, tenha certidão negativa... Mas tudo é muito burocrático e você, como cidadão, não é presumido honesto, no primeiro momento, você tem que provar que é honesto. Qualquer país democrático, civilizado, você é honesto. Os Estados Unidos, nesse aspecto não é perfeito não, não vou fazer apologia de que tudo lá é perfeito, mas você vai e mesmo você sendo estrangeiro, você não tem problema, vai nas lojas, passa o cartão, o cara pede para ver, no máximo, o passaporte, mas não fica com questionamentos. Tudo é complicado aqui e quando você, lamentavelmente, envolve repartições públicas, elas também carecem de um processo de desburocratização, porque é um negócio impensável, esse negócio de licenciamento é, como eu falei ainda há pouco, isso aí preocupa muito, porque não ser uma coisa rápida, uma coisa fácil, que tenham as compensações que eu acho que são válidas, como falamos há pouco aqui, você impactou sustentavelmente, não é só impactar, é impactar sustentavelmente, você vai fazer alguma coisa. Você impactou um hectare, você tem que compensar em dois, três... Isso já basta, não pode ser uma coisa difícil, né. Acho que falta muitas vezes por desconhecimento das autoridades sobre o que é uma empresa privada, como funcionam as empresas privas, os valores das empresas privadas, de modo geral, não só as nacionais, quanto as multinacionais, que é o nosso caso, a gente tem os valores lá fora que são replicados aqui, como a gente falou no inicio da entrevista aqui. O empresário aqui no Brasil tem que ser reputado como uma pessoa séria, nós somos pessoas sérias, até que provem o contrário, como todo mundo é uma pessoa série, como político é uma pessoa séria, como promotor, juiz, todas as autoridades são pessoas sérias, até que provem ao contrário, se for o caso. Mas a empresa, você nem sempre tem esse tratamento, você vai às vezes junto às autoridades, digno, uma pessoa que deveria ser reputada como uma pessoa séria, como uma pessoa que respeita as leis, uma pessoa que quer o crescimento do país, que paga os seus impostos, as empresas, de modo geral, são extremamente legalistas, em termos de impostos, pagam certinho... Essa aqui é uma empresa que não deve um centavo, se dever é por engano, mas não deve um centavo para fisco, para nenhum, seja o nível que for. Então, essas pessoas, esses empresários, tem que ser valorizados e é o que eu diria, esse país deveria ser um país fácil para tudo, não complicado... Porque país complicado... Para esses países mais desenvolvidos do que complicados, você pega os europeus, ingleses, dinamarqueses, suecos, Noruega, americano, o próprio canadense, para eles tudo é fácil, a vida tem que ser assim. Você chega aqui, você vê uma porção de problemas, de documentos, de exigências, parece que você vem para cá para trazer problema (risos), essa leitura, muitas vezes eu ouço ela de fora, não só na nossa companhia, mas muitas vezes conversando com outros colegas, de outros segmentos até. É assim, parece que o cara veio para atrapalhar a vida de alguém, não é isso, ele dá emprego, precisa do emprego. Outro ponto também é que não existe... O Estado em si, gera pouca receita, a empresas é que geram a grande receita do Estado pagando os impostos. Você começa a dificultar a entrada de uma determinada empresa estrangeira no país, ela vai para outro país, quem é que perde? Nós. Fica até difícil você pagar melhor os seus funcionários públicos, as pessoas que trabalham no Estado. Fica complicado, porque o dinheiro... O Estado tem poucas estatais, você conta no dedo aquela que geram receita própria, enquanto empresa e o resto é receita, mas essa consciência não existe, muitas vezes a autoridade se coloca numa posição de “a eu sou a autoridade aqui, tal coisa, se quiser é assim”.. Não pode ser assim, tem que ouvir, tem que ouvir a proposta, tem que ouvir o empreendimento, tem que ouvir quanto vai gerar de imposto, quanto vai gerar de emprego. Qual o tempo da construção? Quanto isso impacta? No que impacta e demonstrar que é sustentável isso. Tem que ter essa disposição, isso mudaria o nosso país e resolveria rapidamente essa crise que a gente está vivenciando. Se a gente for para esse caminho, acho que tudo ficaria mais fácil. Espero que, sem entrar no mérito das particularidades do governo Temer, eu digo que espero que tenhamos outras cabeças como temos nesse aspecto, esquecendo outros eventuais aspectos que possam denegrir, mas nesse aspecto tem que ter alguém assim, se botar outro sujeito retrógrado nesse país, ninguém aguenta. Tem que ter alguém com a mentalidade bem aberta para atrair o capital estrangeiro, fazer esse papel de grande embaixador, pelo mundo afora. Trazer divisas para cá, trazer receitas, mas tem aquela história, tem que ter a contrapartida, a contrapartida é facilitar o ingresso do capital, com licenciamentos, com registro de capital estrangeiro, com tudo... Remessa, que hoje também está bem melhor, bem mais fácil, mas no passado já foi bem mais complicado. Enfim, você tem que ser um facilitador e tratar o investidor estrangeiro como empresário que está trazendo riqueza para o país.
P/1 – Para finalizar, gostaria que você falasse o que você acha... Qual a importância da Kinross em promover um projeto que fale, que trabalhe com a questão da memória e da história, tanto da empresa, quanto da cidade e da comunidade?
R – Olha, eu acho isso aí extremamente importante, eu vejo mesmo que Paracatu, uma cidade importante que é, uma cidade que tem uma história. Eu já tive a oportunidade um dia com a minha esposa, um final de semana em que fomos lá conhecer alguns locais históricos e pegamos uma boa cicerone, que explicou para a gente a importância de Paracatu. Eu acho que ela é pouco cuidada, nesse aspecto. Eu acho que ali é um polo, de alguma forma, turístico. Você tem Ouro Preto (MG), claro, é uma cidade muito maior, mas tem história ali também, mas não é só Ouro Preto que tem história. Você vê Ouro Preto nos finais de Semana, está sempre cheio... Ali você tem história, falta trabalho, talvez no passado não tenham preservado tanto, mas acho que melhorou com a vinda da Kinross, sem qualquer falsa modéstia, mas melhorou bastante. Eu acho muito importante você preservar a cultura, a história de como começou Paracatu, lá com os Bandeirantes... Tem todo um processo, eu não vou me estender aqui, mas isso aí é história pura e num país em que você, efetivamente, não preserva a memória... Nós não temos esse sentimento de preservação de cultura, isso é muito triste, eu fico muito triste. Quando você vai em outros países tem lá, todo o histórico, até os museus, quando você visita os poucos museus brasileiros, tem tanta coisa para fazer, você tem os índios, os quilombolas... Tanta coisa, mas você não tem muitos museus no Brasil. Mas quando você visita um museu no Brasil, sei lá, não são bem cuidados... Tem Ouro Preto, mesmo... Você até paga para entrar nas igrejas, paga com satisfação até, mas, sei lá, poderia ser mais preservado... Não sei, talvez o Governos através do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] ou outros órgãos poderiam investir um pouco mais. Mas algumas empresas privadas também poderiam participar disso com mais efetividade, até seguindo o que nós estamos fazendo, estamos lá querendo preservar cada vez mais a cultura, não queremos ter uma passagem por lá em que fiquemos “x” anos, “n” anos lá e não deixamos nenhum legado, então essa parte de preservação da cultura, museu... Museu é algo interessante, o nosso, eu tenho certeza, que diferentemente de outros, que tristemente não são cuidados, o nosso será cuidado, com informações, com atualizações, novos achados, nós não sabemos o que se pode achar lá, vai que alguém escavando Paracatu encontra alguma coisa... Eu acho que o nosso museu pode, de alguma forma, patrocinar essa tipo de coisa, também. Então, é dessa forma que eu vejo.
P/1 – Eu queria agradecer em nome da Kinross e do Museu da Pessoa a sua participação, muito obrigada, Antônio.
P/2 – Uma última coisinha, você poderia fazer um resumo sobre quais os planos futuros da empresa, de forma sintética, para deixamos todas as ideias em uma única fala.
R – O futuro será sempre sustentável, essa é uma empresa sustentável. O que nós queremos e precisamos fazer são novos investimentos, nós precisamos ter novas minas, nós precisamos ter novos negócios dentro do nosso court business. Uma preocupação, também, para o crescimento da empresa é a questão de custo. Nós como funcionários dessa empresa temos que cuidar dos custos, todos os funcionários têm que cuidar dos custos, não só os executivos... São todos, desde o homem de campo, do homem da mina... São todos... Até o executivo, todos têm que fazer a sua parte, porque uma empresa que você não se preocupa com os custos, ela não cresce, ela vai estagnar, até porque estamos falando de ouro, ouro é uma commodity, o preço varia muito, muitas vezes estaciona, então esse é um dever de casa que todos nós temos que fazer, cuidar da empresa e pensar em novas possibilidades de negócio. É assim que eu vejo o futuro da empresa.
P/2 – E, especialmente, sobre Paracatu, gostaria que falasse resumidamente sobre: “a gente está se preparando para sair e deixar um legado, estamos fazendo algo sustentável”.
R – Na realidade, Paracatu é uma cidade histórica, uma cidade importante, cuidada, descoberta pelos Bandeirantes no passado. Ela deve ser cuidada pelo Kinross. A Kinross tem esse dever e é com muito prazer que nós fazemos isso. Com referência ao legado para o futuro, a nossa empresa, empresa legalista que é, com certeza, ela deixará uma estrutura muito boa para todos os habitantes. Ela já teve experiências pretéritas em outros locais e a atuação dela tem sido sempre uma atuação ilibada, uma atuação perfeita e eu tenho certeza de que, efetivamente, nós teremos uma cidade muito melhor. Ela vem crescendo com uma efetiva participação da Kinross nos últimos anos e tenho certeza que o dia que, eventualmente, ela deixar Paracatu, ela vai deixar um legado muito positivo para todos os funcionários, para todos os habitantes. Essa cidade, certamente, ela vai ser muito bem cuidada pela Kinross, por todos os valores que ela possui e como ela tem feito em outras partes do mundo.
FINAL DA ENTREVISTA
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