Um século de desenvolvimento industrial no Brasil
100 anos da White Martins
Depoimento de João Brito Alves
Entrevistado por Consuelo Monteiro e Márcia Ruiz
Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2011
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número WM_HV026
Revisado por: Camila Catani Ferraro
P/1 –...Continuar leitura
Um século de desenvolvimento industrial no Brasil
100 anos da White Martins
Depoimento de João Brito Alves
Entrevistado por Consuelo Monteiro e Márcia Ruiz
Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2011
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número WM_HV026
Revisado por: Camila Catani Ferraro
P/1 – Antes de mais nada, obrigada pela sua presença, é um prazer tê-lo aqui conosco.
R/ – Obrigado a vocês.
P/ 1 – Para começar, então, poderia dizer o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R/ – Meu nome é João Brito Alves, nasci no Rio de Janeiro, no bairro Flamengo, em 16 de janeiro de 1964.
P/1 – Os nomes dos seus pais?
R/ – O nome do meu pai, Hildebrando Alves, a minha mãe, Janete Peres Brito.
P/1 – O sobrenome Brito tem alguma conexão com o fato de terem vindo de fora do Brasil para cá?
R/ – A família da minha mãe, e não sou um expert nessa árvore genealógica,
acredito que seja de descendência portuguesa, italiana, espanhola, então, acredito que o Brito tenha vindo da Itália ou algo parecido.
P/ 1– Qual o nome dos seus avôs?
R/ - Bom, por parte de mãe, o nome do meu avô é desconhecido, o nome da minha avó é Olga. E por parte de pai, os meus avós são Hildebrandina, daí o nome do meu pai, e Antônio.
P/ 1 – Você conheceu seus avós?
R/ - Eu conheci os três, o por parte de mãe não tive contato, porque ele é desconhecido.
P/ 1 – E eles moravam aqui também no Brasil?
R/ - Meus avós moravam no Rio de Janeiro.
P/ 1 – E você tinha contato com eles?
R/ - Meu pai era muito mais velho do que minha mãe, mas eu tive algum contato com meus avós, principalmente com a minha avó, porque depois que meu avô por parte de pai faleceu, a minha avó foi morar conosco. Foi no final da vida dela, eu era pequeno, mas por morarmos juntos, tivemos bastante contato.
P/ 1 – E seus pais, como eles se conheceram?
R/ - Minha mãe trabalhava com meu pai. Eles se conheceram pelo trabalho. Meu pai tinha um escritório e a minha mãe foi trabalhar neste escritório, eles acabaram se conhecendo lá e tiveram um relacionamento.
P/ 1 – E o escritório mexia com o que?
R/ - Era um escritório de advocacia e contabilidade. A minha mãe foi trabalhar na área contábil.
P/ 1 – E eles te contam como se conheceram?
R/ - Meu pai por ser mais velho que a minha mãe provavelmente tinha um comportamento sedutor. Minha mãe era muito jovem e ele acabou, acredito, seduzindo minha mãe... Advogado, com a capacidade de comunicação muito boa, daí eles acabaram tendo um relacionamento.
P/ 2 – João, quais eram as atividades dos seus avós por parte de pai?
R/ - O meu avô era também contador, por isso que meu pai seguiu a carreira de contabilidade, depois ele se formou em direito. O meu avô tinha um escritório, dois filhos trabalhavam com ele e meu pai era um deles. A minha avó era dona de casa, cuidava dos filhos.
P/ 2 - E a sua avó por parte de mãe trabalhava?
R/ - Ela não... Ela era uma pessoa que recebeu uma herança dos pais e vivia de renda.
P/ 2 – E o seu pai acabou assumindo um pouco o escritório, ele acabou trabalhando nesse escritório e assumiu o escritório do seu avô?
R/ - Meu avô depois que se retirou, deixou o escritório com os dois filhos e eles deram continuidade. Depois os filhos se separam e cada um seguiu o seu caminho, cada um com o seu segmento.
P/ 2 – E o seu pai era advogado?
R/ - Meu pai era advogado também. Era contador e advogado.
P/ 1 – Você tem irmãos, João Brito?
R/ - Tenho, tenho cinco. Quer dizer, hoje, são quatro irmãos. Éramos cinco.
Quer dizer, éramos seis comigo, hoje, são cinco.
P/ 1 – Quais as atividades entre vocês.
R/ - Bom... Eu sou o único engenheiro dos filhos. Todos têm formação em Direito, sendo que alguns têm Direito e Economia, Direito e Biologia... Todos são advogados.
P/ 1 – E são homens?
R/ - Não, somos três homens e três mulheres. Um já faleceu, então, somos dois homens e três mulheres.
P/ 2 – E nessa escadinha, você é o mais velho, o do meio...
R/ - Eu, bom... É um pouco complexo. Meu pai é... casou-se mais de uma vez. Teoricamente, eu seria o mais novo, mas tenho uma irmã da minha idade, que é mais nova por alguns meses. Só a conheci depois de algum tempo...
P/ 1 – Que idade você tinha?
R/ - Eu tinha 17 anos.
P/ 2 – E esse irmão faleceu há muito tempo?
R/ - Não, meu irmão, na realidade, não faleceu. Ele era fiscal da Receita Federal, foi seqüestrado e desapareceu. Nunca acharam o corpo.
P/ 1 – Que ano foi isso?
R/ - Há uns 20 anos.
P/ 1 – E a sua mãe conseguiu...
R/ - Na realidade ele não era filho da minha mãe. Por parte de mãe, tenho só a minha irmã. Esse irmão era do primeiro casamento do meu pai, mas era muito próximo. Todos nós sentimos muito, apesar de ser um meio-irmão.
P/ 2 – O seu pai ficava com vocês? Ele teve quantos filhos?
R/ - Meu pai foi casado três vezes. Com a minha mãe, sou eu e minha irmã, e dos outros casamentos são mais quatro filhos.
P/ 2 – E esse irmão é do primeiro casamento dele? Ele teve quantos filhos no primeiro casamento?
R/ - Dois. Ele teve um terceiro casamento e essa irmã que tem a minha idade foi uma aventura fora casamento.
P/ 2 – E esse seu irmão, como se chamava?
R/ - O que desapareceu?
P/ 2 – É.
R/ - Carlos.
P/ 2 – E você convivia muito com seus irmãos? Você sempre teve uma convivência com todos seus irmãos ou não?
R/ - Eu diria que com esse irmão que nós, infelizmente, tivemos esse caso, era dos quatro irmãos não-filhos da minha mãe, o que eu tinha maior afinidade. Ele era cerca de 20 anos mais velho, era quase um tutor. Levava para passear, enfim, cuidava quase como se fosse um filho.
P/ 2 – E como era o nome dele?
R/ - Carlos.
P/ 1 – Conte um pouco então, você já contou um pouco sobre a sua infância, mas eu queria saber lembranças da casa onde você morou.
R/ - Bom, eu morei em algumas casas. Da minha infância talvez o que tenha mais me marcado foi que eu morei na Barra, que era uma área da cidade bastante isolada, não havia esses acessos que nós temos hoje. Da Barra tenho ótimas lembranças, porque foi a parte da minha infância em que tive mais liberdade, tinha quintal, eu podia sair na rua sem preocupação, porque não havia carros na rua... A minha rua era asfaltada, mas onde eu brincava eram ruas de terra, então, tive uma infância bastante liberta.
P/ 1 – Mas você citou que nasceu no Flamengo?
R/ - Eu nasci no Flamengo, mas saí de lá e fui para o Grajaú, recém-nascido. Do Grajaú eu vim para a Barra com uns quatro anos de idade e saí quando tinha uns 11 anos.
P/ 2 – E a lembrança mais premente é exatamente essa infância que você passou na Barra?
R/ - Isso.
P/ 2 – Você nos falou que a Barra era não tinha esse número de construções. Como era o seu cotidiano, você brincava muito na rua? Quais eram suas brincadeiras, com quem você brincava?
R/ - Bom, como qualquer criança, os meus colegas eram, na maioria, pessoas vizinhas ou pessoas do colégio em que estudava, que também era próximo. Como a Barra era muito pequena, em termos de população, praticamente todos estudavam no mesmo colégio. Reuníamo-nos depois da escola, fazendo brincadeiras em conjunto, enfim, era uma atividade bem intensa.
P/ 2 – E de que brincadeiras vocês gostavam?
R/ - Ah, andar de bicicleta, brincar de pique-esconde, várias... Eram todas brincadeiras de movimentos.
P/ 2 – E vocês iam muito à praia, iam sozinhos?
R/ - Não, sozinhos não íamos. Pelo menos eu ia sempre acompanhado. Na Barra eu nunca... não me recordo de ter ido à praia sozinho. Sempre acompanhado ou pela minha irmã, que era mais velha, ou pela minha mãe ou meu pai.
P/ 2 – Como era o cotidiano da sua casa? Seus pais trabalhavam?
R/ - Não, meu pai trabalhava e minha mãe ficava em casa tomando conta dos filhos e, depois, da minha avó por parte de pai.
P/ 2 – Quando seus pais se casaram, ela acabou parou de trabalhar?
R/ - Sim, ela acabou deixando a parte profissional de lado.
P/ 2 – Como era esse cotidiano? Vocês iam à escola de manhã, à tarde? Vocês almoçavam juntos? Conte um pouco...
R/ - O meu cotidiano com a minha mãe, minha irmã. Meu pai trabalhava, então, só o via a noite. Minha irmã, geralmente, tinha um horário de estudo diferente do meu. Ela é cinco anos mais velha, então, ela tinha turmas bem distantes da minha. Nos horários de escola praticamente não nos víamos, só nos encontrávamos à noite. Eu estudava de manhã e ela estudava à tarde ou vice-versa.
P/ 1 – Desculpa adiantar a pergunta, mas eu fiquei curiosa. Se você fosse lembrar uma peraltice que você fez durante esse período... Quais eram as coisas que não podia fazer?
R/ - Vou ser sincero, eu era muito quieto. Na minha casa, eu era a imagem antagônica da minha irmã. A minha irmã, se pudesse elencar, era quem fazia as peraltices, eu simplesmente ficava como observador. Nunca tive, que eu me recorde, algo que violasse uma regra de conduta familiar. Minha irmã não. Ela andava em muro, andava de bicicleta sozinha, fazia altas desobediências, segundo a minha mãe. Eu era muito quietinho, não fazia muita coisa de peraltice, não.
P/ 2 – E nessa fase como era a sua convivência com os outros irmãos. Pelo que eu entendo eram mais velhos que você, então como é que era a convivência com eles?
R/ - No que me recordo de infância e depois na adolescência, meus irmãos vinham à nossa casa com uma certa periodicidade, uma vez ao mês pelo menos, sendo que esse irmão que infelizmente desapareceu, ia mais vezes, era mais presente. Havia um bom convívio, não havia restrição, a Barra era uma área agradável de estar no final de semana, porque tinha uma praia relativamente perto. Você andava na praia, não havia a preocupação de estacionar carro, podia largá-lo em qualquer lugar. A praia era limpa, deserta, não tinha ninguém. Tinha tatuí e aquela maria-farinha na praia. Você ia a uma praia que, hoje, há no Nordeste, em termos de ser mais rústica.
P/ 1 – E o escritório do seu pai…?
R/ - Era no centro...
P/ 1 – Ele não reclamava da distância?
R/ - Meu pai, como era profissional liberal, fazia o horário dele, optava por sair muito cedo de casa e chegar um pouco mais cedo.
P/ 1 – Vocês jantavam juntos?
R/ - Sim.
P/ 1 – Você lembra dos jantares com eles à mesa. Como eram?
R/ - Eu lembro quando já estava com uma certa idade. No início, não me lembro muito, mas os grandes jantares mesmo eram no final de semana. Jantares e almoços. Disso recordo mais porque geralmente recebíamos alguma visita, então, era algo mais elaborado.
P/ 1 – Aí jantavam todos à mesa...
R/ - Quando tinha visitas obviamente não. Não cabia todo mundo mesa. Havia uma segunda mesa para as crianças. Havia um isolamento, éramos isolados.
P/ 2 – E dos seus amigos da época da escola e da região, tem algum que te marcou ou permaneceu sendo seu amigo durante um tempo da sua vida?
R/ - No tempo da Barra, eu tinha um amigo muito mais próximo que, infelizmente, nos distanciamos e há muito tempo não consigo contactá-lo. Ele foi para os Estados Unidos e não consigo mais contactá-lo. Como não sou muito adepto a essas redes sociais de agora, não tenho nem esse artifício para tentar encontrá-lo.
P/ 2 – Como é que era o nome dele?
R/ - Roberto.
P/ 2 – E por que ele foi uma pessoa que te marcou muito?
R/ - Apesar do meu pai ser advogado, a nossa condição de vida era de classe média baixa e esse meu colega era de uma classe mais elevada, era quem tinha os últimos brinquedos, as novidades de crianças. Ele era muito meu amigo, nós brincávamos muito com as últimas informações. Isso marcou muito,
brincávamos com coisas que eu não tinha dentro de casa.
P/ 1 – O que era um último brinquedo?
R/ - Regride uns quase 40 anos, havia brinquedos que a família dele trazia do exterior e eram muito difíceis de encontrar no Brasil. Jogos de mesa, velocípedes e carrinhos de última geração, nós brincávamos juntos.
P/ 2 – Você falou um pouco da escola e pelo que entendi da sua narrativa, era praticamente uma das únicas escolas que existiam aqui. Como era o nome dessa escola e como foi a sua entrada na escola? Você lembra do seu primeiro dia na escola?
R/ - Ah, isso marca, lembro obviamente do meu primeiro dia. Era uma escola pública, Almeida Garret, no Jardim Oceânico, e lembro que eu fui com uma roupa xadrez, quadriculada azul. Tinha uma bolsinha, lembro bem dessa... Tinha uns seis anos de idade, foi algo que marcou bastante.
P/ 1 – Essa roupa xadrez era uniforme?
R/ - Era.
P/ 1 – E você comprou? Teve que comprar?
R/ - Eu não sei te responder, mas provavelmente a minha mãe comprou ou fez.
Porque havia essa facilidade, na época, de você ter costureira um dia em casa. A costureira ia lá e fazia a costura, mas eu não me recordo se minha mãe comprou ou fez.
P/ 1 – Era uma calça xadrez?
R/ - Era short e blusa xadrez, tipo uma manta xadrez.
P/ 1 – E a costureira ia até a sua casa?
R/ - Ia.
P/ 1 – Costurar para todo mundo? Fazer barra…?
R/ - Costurar para todo mundo.
P/ 1 – Ela aparecia bastante?
R/ - Ah, ela ia com uma freqüência, a periodicidade eu não sei lhe dizer, mas ela ia porque naquela época, pelo menos a minha mãe optava por fazer as nossas roupas. Short, camisa, camiseta, era praticamente tudo feito pela costureira que passava o dia em casa.
P/ 1 – Você lembra da compra do seu primeiro sapato?
R/ - Ah, lembro do meu primeiro tênis, disso eu me lembro, mas já tinha uns oito, nove anos. Isso eu me lembro.
P/ 2 – E porque que você se lembra? Você queria um tênis específico?
R/ - Eu queria um tênis específico e foi um tio que me levou para comprar, o que me marcou muito.
P/ 2 – E qual que era o tênis que você queria? Você se lembra?
R/ - Ah... (risos) Era um Rainha, não me lembro mais como era. Eu queria aquele tênis e acabei conseguindo que meu tio me desse esse tênis.
P/ 2 – Como é que foi o cotidiano seu dentro dessa primeira escola? Conta um pouquinho como era, se tinha um ritual, por exemplo, de fila, se tinha professores ou era uma única professora...
R/ - Bom, nos primeiros anos eu tinha uma professora quase que dedicada.
Era por ano, então, eu adorava a primeira professora do jardim de infância. O nome dela era Maria Luíza, eu a adorava. Foi uma pessoa que marcou muito...
P/ 2 – Por quê?
R/ - Pelo carinho que ela tinha, sempre foi uma pessoa... Ela me tratava com carinho, o que era, para mim, algo muito interessante. Não que minha mãe não fosse carinhosa, mas era outro tipo de carinho. Uma pessoa que era estranha e demonstrava aquele carinho todo, marcou muito. Era uma pessoa muito cheirosa, tinha um perfume que eu adorava, enfim, foi algo que marcou bastante.
P/ 2 – Você ficou nessa escola até que série?
R/ - Eu fiquei nessa escola até sair da Barra, quando nós mudamos, saímos daqui da Barra e fomos para o bairro de Laranjeiras, aí acabei saindo da escola porque não tinha como estudar aqui e morar em Laranjeiras.
P/ 2 – E até que ano você estudou nessa escola?
R/ - Eu estudei nessa escola acredito até a sexta série, que era o segundo ano ginasial na época. Agora nem sei mais qual é a correlação...
P/1 - É (risos), deve ser o sétimo (risos).
R/ - (risos). Depois saímos de Laranjeiras e viemos para Ipanema. Em Ipanema mudei de escola também. Sempre escola pública, estudei toda a minha vida em escola pública e em Ipanema fui até a faculdade.
P/ 2 – E nessa escola você chegou a fazer exame de admissão?
R/ - Não.
P/ 2 – E como era o nome da escola que você foi em Laranjeiras?
R/ - Anne Frank.
P/ 2 – E teve algum professor nesse período entre primário e ginásio que te marcou? Fora essa professora...
R/ - Ah, eu tive uma professora, quando eu estudava no colégio em Ipanema, ela marcou muito. Uma professora de Matemática... Comecei a gostar de Matemática por influência dela.
P/ 2 - Como era o nome dela? Você lembra o nome?
R/ - Hum... Eu acho que era Clara, se não me engano.
P/ 2 – E aí você já estava no científico?
R/ - Não, eu estava no ginásio, já estava nas últimas séries do ginásio e acabei tendo gosto pela Matemática e quis... Acho que foi o momento que comecei a me aproximar mais de uma carreira técnica.
P/ Márcia – E por que te marcou muito essa aula de Matemática? O que ela tinha, que metodologia...
R/ - Eu diria que a didática, a forma como ela transmitia conhecimento. Lembro que era escola pública e a minha turma, na época, tinha mais de 30 pessoas, mas nunca havia sido, até então, um excelente aluno de Matemática e eu comecei a tomar gosto pela Matemática, acredito, pela forma como ela ensinava, e daí em diante, sempre gostei muito até o científico.
P/ 1 – Tinha alguma matéria que, hoje, você diria que a geração atual, que teria a sua idade naquela época, estranharia? Alguma matéria diferente?
R/ - Tenho um filho de sete anos, eu o acompanho. Vejo que ele teve as dificuldades que talvez eu tinha na idade dele. Não consigo destacar muito bem se há algo diferente. Mas eu diria que ainda Matemática e Português, pelo que tenho conhecimento de amigos que têm filhos em idades mais avançadas, são as matérias que a juventude apresentam maior dificuldade.
P/ 2 – E fale uma coisa, você fez o científico em que colégio?
R/ - Eu fiz em um colégio no centro da cidade, chamado Liceu de Artes Modernas. Fiz o científico conjugado com curso técnico de Eletrônica. Nesse colégio também tive um professor que marcou muito, que dava aula de Física e Eletrônica. Foi uma pessoa que me estimulou muito a querer estudar mais e isso foi muito interessante.
P/ 2 – E por que você optou por um colégio técnico em Eletrônica?
R/ - Porque eu já tinha uma queda pela área técnica. Quando eu tinha 14 anos, era uma área que percebia que teria um crescimento grande, sempre gostei muito de som, sempre gostei muito desse tipo coisa e achava que seria um excelente técnico de som. Perguntei aos meus pais se eles tinham alguma barreira e não, até estimularam e acabei fazendo curso técnico.
P/ 2 – E a faculdade você escolheu fazer...
R/ - Mecânica.
P/ 2 – Mecânica? Por quê? (risos).
R/ - Fiz Mecânica porque quando cursei Eletrônica, vi que era algo que eu não tinha muita afinidade. Gostava da área técnica, estudei muito Eletrônica, mas acabei entendendo que eu queria uma área mais voltada para grandes empreendimentos, queria ser engenheiro naval. Optei por fazer mecânica, porque acreditava que poderia ficar voltado para a área naval, nuclear, era a época em que a usina de Angra estava sendo construída, era algo que me trazia uma ambição de conhecer um pouco mais.
P/ 1 – Havia na família alguma expectativa para que você seguisse a carreira que você acabou seguindo?
R/ - Não, meus pais, no caso, meu pai principalmente deu muita liberdade para fazer o que eu queria. Como nós não tínhamos uma condição muito boa, resolvi fazer o curso técnico, porque queria começar a trabalhar logo, arranjar um emprego e ter a minha liberdade alcançada mais cedo. Meu pai e minha mãe não criaram barreira, tanto que eu fiz o curso técnico, um segundo curso técnico que foi Contabilidade, porque fui trabalhar com meu pai e com o objetivo de alcançar uma liberdade, uma independência mais cedo.
P/ 1 – Era mais curto o curso?
R/ - O curso técnico era de três anos, então, eu já terminava o segundo grau com uma qualificação. Isso permitiria que eu me posicionasse no mercado mais cedo. Acabou não acontecendo diretamente na área de eletrônica, fui trabalhar com meu pai, no escritório dele, e trabalhei com ele por três, quatro anos.
P/ 1 – Como é que foi essa relação profissional?
R/ - Foi extremamente difícil (risos). Meu pai é muito exigente, na realidade o escritório era do meu pai e do meu irmão mais velho. O meu irmão mais velho não era muito presente e o meu pai conduzia todo o escritório. Meu pai exigia muito, eu trabalhava durante o dia e estudava à noite. Fui fazer meu curso universitário à noite também. Como pai, quando eu precisava sair mais cedo para estudar, ele nunca criava objeção, mas o período em que estive lá dentro, era tratado como um funcionário comum, não havia distinção, pelo contrário, ele exigia mais de mim do que dos demais funcionários.
P/ 1 – Você teve que se preparar muito para dizer a ele que você precisava sair, como foi a saída?
R/ - Nesse aspecto não tive problema algum de falar, porque ele sabia que eu fazia curso de Engenharia, não tinha a mínima afinidade com o trabalho, só trabalhava para conseguir ter a minha independência. Nunca tive mesada dos meus pais, por exemplo, meus pais nunca me deram mesada. Desde pequeno, fazia por onde de ter, se queria ter alguma coisa, eu trabalhava.
P/ 1 – E o critério da mesada, você achava justo, tinha consciência que era o correto?
R/ - Eu achava correto, não me opunha. Hoje em dia, por exemplo, não dou mesada ao meu filho, ele não tem essa facilidade. Mas eu vejo as pessoas, a minha mãe dá mesada ao meu filho. É quase uma violação de princípio, mas eu mesmo não dou mesada para o meu filho.
P/ 1 – Por quê?
R/ - Porque eu acho que ele tem que fazer por onde e hoje, comparado com a minha juventude, eu diria que ele tem muito mais facilidades. Nesse aspecto, eu jogo duro com ele (risos).
P/ 1 – Você só tem um filho? Só tem um menino?
R/ - Só tenho um filho.
P/ 1 – Vamos voltar um pouquinho, você começou a trabalhar aos...
R/ - Comecei a trabalhar com meu pai, formalmente aos 17 anos, mas eu trabalhava informalmente em casa. Eu tinha uma letra bonita e meu pai tinha letra que era muito bonita, mas ele demorava um século para escrever uma palavra e como não existia computador, quando ele queria fazer, por exemplo, formulários de imposto de renda, eu que preenchia. Fazia o rascunho e passava a limpo todos os formulários. Acabava trabalhando para ele, fazendo esse tipo de atividade.
P/ 1 – Mais alguma coisa?
R/ - Ah, eu fazia algumas cartas para ele, algumas petições...
P/ 1 – À mão?
R/ - À mão...
P/ 1 – Não tinha máquina de escrever...
R/ - Ah... Eu não queria fazer curso de datilografia e sinalizava para ele: “Minha letra é bonita, se você quiser que eu faça isso, amanhã eu faço”.
P/ 1 – E a sua mãe sabia datilografia?
R/ - Minha mãe sabia. Mas a minha mãe não queria mais também ficar datilografando, então, ela até deixava eu me ocupar fazendo esse trabalho para o meu pai.
P/ 2 – E como é que foi a fase de vestibular? Você terminou o curso técnico, prestou o vestibular direto? Como foi isso?
R/ - Eu terminei o curso técnico e fiz o vestibular direto... O curso era muito técnico, então, obviamente as matérias de base eram pouco desenvolvidas e eu ficava, por exemplo, esse professor que eu falei a você que me marcou muito na determinação em estudar, me auxiliava a fazer e estudar outras coisas além da Física. Ele era professor de Física, mas me instigou a fazer, por exemplo, prova da Olimpíada de Matemática. Eu fiz a Olimpíada de Matemática. Ficava o dia inteiro estudando Matemática com ele, jogávamos xadrez, fazendo esse tipo de exercício o dia inteiro. O último ano do meu curso técnico foi à noite e eu ficava durante o dia estudando as matérias que não eram fortalecidas no curso técnico. Acabei fazendo o vestibular em seguida.
P/ 2 – E esse interesse por você, como surgiu? Teve uma afinidade, conta um pouquinho... Ele fazia isso com outros alunos?
R/ - Não, ele fazia, não com todos os alunos, ele fazia com quem ele acreditava que tinha, talvez, um perfil que mais se aproximasse do dele. Porque ele fazia isso sem nenhum tipo de cobrança, dava aula durante o dia, e nos momentos de folga dele, éramos três alunos que ficavam estudando e ele dava cobertura, fazia exercício, simulava prova, fazíamos isso direto.
P/ 2 – Ele estimulava muito a questão técnica de conhecimento para Matemática e Física? Ele estimulava outros tipos de leitura?
R/ - Estimulava. Estimulava a ler bastante livros, mesmo fora da área. Era bem eclético, romance, suspense, ele estimulava que lêssemos, mas cobrava muito o bom resultado na área dele.
P/ 2 – E você prestou vestibular em que faculdade?
R/ - Bom, eu fiz o Cesgranrio na época. Como eu queria trabalhar, optei inicialmente por universidades à noite. Eu não consegui passar na única faculdade pública à noite, a CEFET, e acabei passando para uma faculdade paga, fui fazer a Souza Marques, foram seis anos de faculdade... O currículo era de seis anos e foi uma faculdade paga e digo sinceramente que foi uma universidade muito boa, porque todas as pessoas que estavam lá, e talvez eu fosse o aluno mais jovem – passei para a faculdade com 17 anos e todos os meus colegas eram pessoas de mais idade. A maioria trabalhava durante o dia e era formada por técnicos na área, que queriam se graduar em engenharia e iam para faculdade com uma visão prática fenomenal. Talvez por ser universidade privada, não-pública, ela não era uma faculdade que privilegiasse uma parte teórica, mas a parte prática foi fenomenal, tanto pela faculdade, porque tive o poder de exercitar muita coisa, mas na convivência com meus colegas de curso, porque todos eram da área, havia alunos, inclusive poderiam perfeitamente ir à frente da turma e dar aula, tamanho era o conhecimento em determinadas áreas que eles tinham.
P/ 1 – Você não titubeou entre Mecânica, Engenharia de Produção, Engenharia Química, Civil... Não tinha essa dúvida? Era isso que você fez mesmo, Engenharia Mecânica.
R/ - Não, não, Mecânica. Não tinha outra opção. Já no curso técnico de Eletrônica eu havia definido essa opção, até por conversas com esse professor que foi um mentor, e ele falou se era o que eu queria, se queria investir nessa área, tinha mais é que ir para essa área mesmo.
P/ 1 – Qual foi o seu trabalho de conclusão de curso depois dos seis anos? Havia essa necessidade de se apresentar?
R/ - Sim, nós tínhamos um projeto, foi uma unidade de produção de PVC e bastante... Quer dizer, foi em grupo não foi individual, éramos um grupo e nós fizemos um trabalho de uma planta de produção de PVC.
P/ 1 – Qual era o título do trabalho, você lembra?
R/ - Aí você está querendo demais. Era um título bastante complexo porque era produção de um PVC e o nome técnico do PVC é bastante complicado, eu não me lembro...
P/ 1 – Ah, é que eu não... O que é um PVC em uma linguagem mais...
R/ - PVC é esse tubo, material de tubulação plástica que você vê em residências. Uma das aplicações do PVC é essa. Há outras aplicações, aliás várias outras aplicações.
P/ 1 – Você gostava da biblioteca da faculdade? Achava que ela tinha a bibliografia necessária?
R/ - A biblioteca da faculdade era muito pobre. Íamos em bibliotecas, por exemplo, da Petrobras, porque eu tinha um grupo de seis pessoas, três eram da Petrobras. Muitas vezes usávamos a biblioteca da própria Petrobras.
P/ 1 – E as línguas da bibliografia? De que línguas eram os livros?
R/ - Bom, a maioria era bibliografia ou inglês ou em português.
P/ 1 – Então, você não teve dificuldade em obter material para pesquisa da sua conclusão de curso?
R/ - Não, não. Conforme eu disse todos os meus colegas, principalmente colegas de grupo, todos trabalhavam, todos eram técnicos, então eles já tinham alguma história, vamos chamar assim, de desenvolvimento na área técnica.
P/ 1 – E o gás nessa época, então, não passava pelas suas preocupações?
R/ - Não, na faculdade, por exemplo, não tinha colega da área de gás. Eu tive um professor que era da White Martins, hoje ele está até nos Estados Unidos, Luís Fernando, que, na época, estava exatamente saindo da empresa onde trabalhava e foi para a White Martins. Daí que eu ouvi falar o nome White Martins.
P/ 1 – E ele te dava aula do que? De que matéria?
R/ - Ele me dava aula de Refrigeração.
P/ 2 – E fala uma coisa, João, esse período que você trabalhou junto com seu pai é até que ano da faculdade mais ou menos?
R/ - Eu trabalhei até eu sair para fazer estágio. Foi quando eu saí para fazer estágio na White Martins. Eu saí faltando dois anos e meio para me formar.
P/ 2 – Diz uma coisa, em relação à faculdade você traz na sua narrativa uma questão do aprendizado prático que te propiciou tanto a faculdade, como a convivência com essas pessoas. Da relação que você teve com essas pessoas, olhando esses técnicos que faziam parte da sua turma, em que área você via interesse para aplicar aquilo que você estava aprendendo? Você tinha alguma idéia de trabalhar em algum mercado específico, alguma coisa?
R/ - Tinha. Obviamente quando você é muito jovem e na área de engenharia, na minha época, não havia algumas facilidades como o livre acesso à informação. Para obter mais detalhes do que significava uma área específica de engenharia, você tinha que estudar muito, tinha que ou ir ao professor ou então ir a uma biblioteca e tentar identificar algum segmento. Hoje com a internet você consegue ir no que é específico da empresa. Não havia essa facilidade de acesso. Durante o meu exercício da faculdade, o que eu mais tinha afinidade era a área de transformação, você ter algum tipo de idéia e conseguir transformá-la em uma realidade, ou seja, queria construir um navio, por exemplo, o que tinha de fazer para poder construir aquele navio? Ah, tinha que conhecer bem motor, conhecer bem estrutura metálica, conhecer bem a aerodinâmica do navio no oceano, tinha que começar a investigar mais essas áreas e isso ia me estimulando.
Mas o que mais me atraia era a questão de transformação, soldagem, era algo que eu tinha muita afinidade, gostava muito de estudar isso durante o período de faculdade.
P/ 2 – Como aconteceu a sua entrada na White Martins? E por que escolher estágio na White Martins?
R/ - Bom, começou, obviamente, como parte do currículo da faculdade, você tem que cumprir uma carga horária de estágio e eu comecei a pesquisar, avaliar um local para trabalho. Então, fui ao CIEE, que é o gestor de estagio, hoje é até o gestor de estágio da própria White Martins, na época era uma unidade independente, e me inscrevi no CIEE para tentarem me alocar em algumas entrevistas de empresas. Eu fiz uma série de entrevistas, umas quatro ou cinco entrevistas de empresas, e acabei tendo a oportunidade de fazer uma entrevista com uma pessoa que acabou sendo até um contato para outra pessoa me indicar a trabalhar na White Martins. O CIEE, apesar de não ter me indicado para White Martins, possibilitou que fosse indicado para entrevista na White Martins. Acabei fazendo entrevista na White Martins, não fui selecionado de primeira vez, mas na segunda oportunidade acabei sendo selecionado.
P/ 1 – Vocês faziam curso de ambientação? Em algum momento havia cursos de ambientação para os estagiários?
R/ - Na White?
P/ 1 – Na White.
R/ - Ah, eu diria que quando entrei como estagiário, a minha ambientação foi no chão de fábrica. Não houve um treinamento específico... Entrei já no fogo, vamos chamar assim.
P/ 2 – O estágio era para qual área? Era um estágio especifico para determinada área?
R/ - A primeira vez que fui fazer seleção, participar da seleção de estágio, a oportunidade era na área de Qualidade, acabei não sendo selecionado e na segunda rodada de seleção, acabei sendo selecionado para trabalhar na fabricação. Na nossa fábrica aqui no Rio de Janeiro.
P/ 2 – E por que você não foi selecionado? Eles te falaram por que você não foi para a área de qualidade?
R/ - Olha, obviamente quando eu não fui selecionado da primeira vez, não me deram o feedback. Acho que o feedback, naquela época, para quem não havia sido selecionado, ainda mais estágio, não era algo comum. Depois de muito tempo, quando tinha ingressado como estagiário, fui efetivado, até abordei esse tema com a pessoa que havia me entrevistado, porque que ele não me selecionou? Até brinquei com ele nesse sentido. E, na época, ele não me selecionou por achar que o meu perfil não era para a área de qualidade, então, foi essa a alegação dele, enfim, hoje até conversamos...
P/ 2 – Quem foi que fez essa entrevista?
R/ - Hoje ele não trabalha mais na companhia. Saiu da companhia há uns 15 anos, tem um negócio próprio, mas hoje ele é meu fornecedor.
P/ 1 – E você se lembra da reação do seu pai, contou para ele? Como você chegou em casa nesse dia, tendo que contar para ele que você não foi selecionado?
R/ - Na realidade, achei que tinha feito uma entrevista muito boa, que até sinalizava, no meu modo de entender, que eu havia sido escolhido. Como a confirmação não veio, semanas depois, me conscientizei que não havia sido selecionado. Fiquei frustrado? Fiquei. Acredito que eu não tinha idéia do que era a White Martins efetivamente até ser apresentado à empresa no programa de estágio. Eu me lembro muito bem da conversa que nós tivemos com a psicóloga que fez o processo de recrutamento, porque depois ela me chamou de novo, para a segunda rodada de seleção já em outra área, já em outro segmento também. Então até abordei com ela nessa conversa se naquela oportunidade alguém havia sido escolhido. Ela me falou que sim, mas o meu perfil era bom, por isso que ela estava me chamando de novo e acabei sendo selecionado para trabalhar no estágio.
P/ 2– Você disse que você foi para o chão de fábrica. Que fábrica era essa e quais eram as funções que vocês deveriam exercer lá?
R/ - É a fábrica que existe até hoje, inclusive, hoje, está dentro da organização a qual lidero, a fábrica de equipamentos criogênicos. Trabalhei na área de produção, ligado ao supervisor de fabricação e também à gerencia de produção. E eu trabalhava coordenando as atividades de chão de fábrica. Ajudando a coordenar, na realidade, papel de estágio não tinha função de coordenação, mas acabava ajudando, suportando as pessoas do chão de fábrica na gestão de cronograma, de qualidade de chão de fábrica, na gestão das atividades, priorizando as atividades que tinham de ser feitas, o que tinha de ser feito hoje, o que vai ser feito amanha, então, ajudava, vamos chamar assim. Eu corria mais do que efetivamente ajudava. Tenho essa consciência.
P/ 2 – Quando você chega à fábrica, qual foi a tua visão em termos de equipamentos, se eram sofisticados, se era aquilo que você esperava ou pelo menos conhecia? Você tem lembrança disso? Como você viu essa fábrica?
R/ - Eu entrei na fábrica como estagiário em 1985, se não me engano. A fábrica tinha uns 10 anos, algo em torno disso, então tinha equipamentos modernos, uma tecnologia por trás desses equipamentos, no processo de fabricação dos equipamentos que produzimos lá e que se mantém até hoje. Essencialmente a tecnologia na transformação não mudou muito no que a fábrica se propôs a fazer. Aquilo me fascinava, porque muito daquilo que imaginava que exerceria como estudante de engenharia, vi acontecer ali na minha frente, eu tive oportunidade de vivenciar processos que estudava na faculdade. Aquilo me fascinava.
P/ 2 - Fale um pouco como foi a sua trajetória profissional na White Martins.
R/ - Como funcionário, sem contar o período de estágio, são 24 anos...
P/ 2 – Desculpa... De estagiário você ficou quanto tempo?
R/ - Fiquei dois anos e meio, então, se somar o estágio já vão mais de 26 anos. Existe uma relação quase de paixão nas funções que exerci, porque adorava o que fazia, vivi muito o meu período de final de curso de faculdade... Eu tive muito aprendizado, aprendi mais trabalhando, exercendo minha função de estagiário do que na faculdade em si. Diria que a minha grande faculdade foi o chão de fábrica. Antes mesmo de me formar, virei funcionário. Como tinha o curso técnico, acabei sendo efetivado como técnico. No meu último ano de faculdade, na realidade, já era um funcionário, tinha um papel mais efetivo.
P/ 2 – Como técnico, o que você fazia na fábrica?
R/ - Bom, quando fui convidado a ser funcionário, sai do chão de fábrica e fui para a Engenharia, na época, chamava-se de Engenharia de Manufatura. Eu trabalhava como técnico definindo como as atividades iriam acontecer no chão de fábrica. Se era preciso fabricar um tanque, eu dizia como aquele tanque seria fabricado, fazia o que a gente chama de métodos e processos, definia como iria conseguir chegar com aquele tanque pintado, perfeitinho para ser entregue ao cliente. Eu verificava quais eram os materiais que comprávamos. Comprava uma chapa, dizia o que fazer com aquela chapa, como cortá-la e transformá-la em um cilindro, como que a soldagem seria feita, como montar aquilo para evitar que não houvesse um problema de qualidade. Eu atuava na área de Métodos e Processos. E isso novamente foi fantástico, porque tive a oportunidade de conhecer a transformação com a qual idealizava poder trabalhar durante a minha vivência como engenheiro. Também conheci pessoas fantásticas que me auxiliaram muito, ensinaram muito nesse momento de total falta de conhecimento, eles foram me ensinando os métodos, os processos até que eu pudesse ter certa autonomia.
P/ 2 – João, o que era necessário para produzir um excelente tanque para poder guardar o gás. O que era necessário nesse processo e do que você precisava contar? Onde havia inflexões para evitar correr o risco de não chegar a um equipamento com qualidade? Se você fosse explicar para um leigo: “Olha, você tem que fazer assim...” (risos).
R/ - (risos) Hoje, depois de alguns anos de experiência, eu diria que a minha garantia de sucesso na fabricação de um bom tanque são as pessoas. Exige essencialmente das pessoas e, naquela época, onde aprendi a tentar fazer com que conseguíssemos ter o melhor tanque, aprendi que se não tivéssemos as melhores pessoas para fazer o trabalho, não teríamos sucesso nunca. Aprendi muito com o que as pessoas me diziam. Cometi muitos erros, apanhei muito, mas essas pessoas, nesse momento em que atuei como técnico, foram essenciais na formação do engenheiro que sou hoje. E a discussão de como fazer melhor, como fazer mais rápido, foi a tônica nesse período inicial da minha vida profissional na White Martins. O tanque que eu falo para você é o mesmo que existe em hospital, por exemplo, não sei se vocês já tiveram a oportunidade de vê-los. Fabricávamos aquele tanque. Começamos a questionar muito como conseguir fazer aquele tanque com uma melhor qualidade, mais rápido e, obviamente, mais barato, porque, naquele momento que entrei na White Martins, o país estava crescendo muito e a demanda por esses tanques era muito intensa. Acabamos tendo a oportunidade de exercer vários aspectos de como otimizar mais aquele processo de fabricação.
P/1 – Quando começou a ser pensada a questão das diretrizes de racionalização das plantas produtivas? Já se falava disso?
R/ - A fabrica até hoje responde por um aspecto na área de Fornecimento de Plantas, de crítico, onde reside toda a tecnologia de produção de gás. A fábrica produz, além dos tanques para armazenagem do produto, também tem como linha principal um equipamento que é chamado Cold Box, que faz o fracionamento do ar. Pega o ar atmosférico, insumo básico da White Martins, o ar atmosférico é energia, mas vamos chamar assim, o ar atmosférico é pego e fracionado. Separa o oxigênio, separa o nitrogênio e os outros gases, e o equipamento em que isso acontece é fabricado na nossa fábrica, tem o nome de Cold Box, caixa fria, porque esse fracionamento acontece à baixíssima temperatura, e fui envolvido nisso desde o primeiro dia em que eu pisei na fábrica, porque além de tanque eu também fabricava, quer dizer, nós também fabricávamos esses equipamentos. Comecei a ter mais proximidade com esse equipamento no chão de fábrica.
P/ 2 – E isso desde a época em que você era estagiário?
R/ - Desde a época em que era estagiário. Na época em que entrei, o grande foco era produção destes tanques, não a produção do Cold Box, mas sempre tínhamos um Cold Box em fabricação. Era algo completamente inovador para mim, porque eu conseguia realizar como conseguíamos colocar o oxigênio dentro daquele tanque. Até entender o processo de pegar o ar atmosférico e obter o oxigênio produzido no estado líquido naquele tanque era algo inovador para mim, algo completamente fora da minha capacidade de entendimento. Mas, depois, vivenciando todo aquele processo de fabricação, começando a se questionar: “Tenho um equipamento que separa, mas como separa, o que vem antes?”. Você acaba se aperfeiçoando e se induz a estudar mais para entender toda a cadeia de produção.
P/ 2 – Você ficou quanto tempo como técnico?
R/ - Fiquei até me formar. Colei grau em janeiro e em fevereiro já havia sido promovido para engenheiro. Depois, fiz toda a minha cadeia de engenheiro júnior, pleno, sênior...
P/ 2 – E você vai para a área de Projetos e Engenharia dentro da fábrica? Era dentro dessa área que vocês estavam?
R/ - Não, na realidade a fábrica era bem estanque, era só fábrica, a área de projetos de engenharia foi algo que eu efetivamente trabalhei mais a frente. Fiquei 10 anos na fábrica, trabalhei em chão de fábrica, nas áreas de Produção e Engenharia. Trabalhei na área de Qualidade também. Depois voltei à Engenharia já em nível de supervisão, tendo equipe e ficava muito estanque a um ambiente de produção, fabricação de equipamentos.
P/ 2 – E qual era o papel do engenheiro na fabricação de equipamentos? Qual era a sua principal função como engenheiro, independente de ser júnior, sênior ou chefe?
R/ - Bom, conforme falei, naveguei por varias áreas dentro da fábrica. Em cada área tinha um papel específico. Na engenharia, trabalhei muito na área de métodos e processos, eu definia em quanto tempo nós fabricaríamos um equipamento, como o equipamento seria fabricado, quais eram os processos, qual era o tipo de mão-de-obra de chão de fábrica que participaria daquela fabricação. Se soldador, quanto tempo de soldador, caldeireiro, quanto de mecânico, quanto de... Eu fazia essa identificação. Depois, comecei a trabalhar também no aspecto de como melhorar o nosso processo de fabricação. Por exemplo, a expansão da fábrica, o seu crescimento físico, foi através do estudo que fizemos nesses 10 anos. Praticamente dobramos a capacidade da fábrica e o estudo foi feito pela área onde estávamos. Na Engenharia trabalhei muito nesse processo. Depois da Engenharia, fui para a área de Qualidade como supervisor de Controle de Qualidade. Coordenava a inspeção de todos os equipamentos que fabricávamos. Participei de todo o processo de qualificação da fábrica para um código ASME, American Society of Mechanichal Engineers,, um código americano de certificação que determina o quão hábeis somos para fornecer equipamentos para exportação. Participei desse processo de certificação, depois fiquei também na área de Engenharia de Qualidade, definindo quais seriam os checklists que faríamos. Fiquei um tempo bem razoável nesse processo.
P/ 2 – Nesse seu primeiro momento, no chão de fábrica, mesmo enquanto engenheiro, vocês faziam muitos Cold Box, além dos tanques... Vocês importavam tanques também? Importavam Cold Box ou não? Todos eram fabricados aqui nesse...
R/ - Bom, volte aí alguns anos. O Brasil era um mercado fechado, extremamente restrito à importação, mas nós importávamos itens para fabricarmos os equipamentos aqui no Rio de Janeiro. Importávamos, por exemplo, para tanques, algumas chapas, alguns componentes eram importados. Para Cold Box, boa parte do material interno era importado, fazíamos a transformação aqui, mas toda a matéria-prima era importada. Chegamos a exportar equipamentos prontos, exportamos Cold Box, exportamos tanques...
P/ 2 – E quem eram os seus principais fornecedores? Eram de quais países?
R/ - A maioria dos fornecedores era dos Estados Unidos. Alguns equipamentos eram do Japão, mas diria que, essencialmente, boa parte da matéria-prima que nós importávamos, equipamentos, sub-componentes que importávamos vinha dos Estados Unidos.
P/ 2 – E quando vocês começam a exportar? Exportavam para que países?
R/ - Exportamos para os Estados Unidos.
Exportamos alguma coisa para a China na época, hoje em dia, é o contrário, a China é quem exporta. Exportamos alguns equipamentos, tanques para a América do Sul também.
P/ 2 – Você falou muito do processo de qualificação. O que houve de inovações durante esses 10 anos que você ficou na fábrica, tanto em nível de tecnologia e inovações que foram trazidas para fábrica nesse momento?
R/ - Olha, não posso dizer que eu fiz isso sozinho, lembre-se que sempre trabalhamos com uma equipe, mas diria que, durante esses 10 anos, tive a felicidade de participar do processo de expansão da fábrica, dobramos a capacidade de produção de tanques. Quando comecei a trabalhar na fábrica, tínhamos a média de fabricação anual de cerca de 120 tanques. Nesses 10 anos, conseguimos chegar a mais de 300 tanques fabricados. Possuíamos dois galpões, conseguimos ampliar a fábrica em mais quatro galpões. A chance de participar de todo esse processo de expansão, de analise de valor. Introduzimos o conceito de análise de valor na fábrica e diria até na White Martins mesmo. Foi um movimento quase único, naquela fase da White Martins, reestudar se tinha o melhor projeto de um tanque, se tinha o melhor processo de fabricação por meio da análise de valor. Tive a oportunidade de vivenciar muitas inovações. Inclusive, foi um momento de incentivo a me aprofundar mais, não mais no processo de fabricação, mas no projeto do equipamento. Para otimizar o equipamento, torná-lo mais barato ou mais rápido na fabricação, tive que estudar o porquê do equipamento ter aquela conformação, porquê o equipamento era daquela forma, comecei a estudar o equipamento. Começamos a projetar o equipamento o que, até então, não fazíamos aqui no Brasil. Importávamos o projeto e o estudávamos um pouco mais, aperfeiçoando o projeto original. Não copiávamos o projeto, mas olhávamos o que era o projeto, porque era assim e conseguimos, por meio de movimentos incipientes, calcular determinados equipamentos, torná-los mais fáceis de serem fabricados e conseqüentemente mais baratos.
P/ 2 – Quando você fala que começa a pensar no projeto dos equipamentos, nesse momento a controladoria já tinha sido passada para Praxair ou não?
R/ - 100% não. Nós ainda éramos uma sociedade anônima, com o capital aberto no mercado brasileiro e a Praxair detinha 49% ou 51%, não me recordo muito bem.
P/ 2 – Mas o projeto sempre veio de fora, mesmo quando a White Martins tinha a família, vamos dizer assim, quando era essencialmente brasileira, ainda assim, os projetos eram projetos importados?
R/ - É, quando entrei na White, os projetos dos tanques eram similares aos americanos e os Cold Box eram completamente desenvolvidos nos Estados Unidos.
P/ 2 – E aí, o processo do desenvolvimento dos projetos começa a mudar, começa a vir de fora e vocês começam a pensar no desenvolvimento de outros projetos ou na adaptação destes?
R/ - Começamos, primeiro, com a otimização de um projeto existente. Hoje, somos completamente independentes em várias áreas. Cold Box eu diria que temos uma independência. Ainda precisamos, eventualmente, da área de tecnologia da Praxair, mas, hoje, somos mais autônomos. Inclusive, essa autonomia foi conquistada porque foi definido que faríamos um projeto de Cold Box no Brasil. Foi até o momento em que saí da fábrica e fui trabalhar na área de Engenharia e Projetos. Saí como engenheiro de Cold Box e com o objetivo de desenvolver um Cold Box brasileiro.
P/ 2 – E porque ter essa necessidade de abrasileirar o Cold Box?
R/ - Na realidade, foi iniciativa de um gerente que trabalhou muitos anos na fábrica, foi ele até que me efetivou como funcionário da White. Nesses 10 anos, ele acabou saindo da fábrica, migrou para a área de Engenharia e Projetos e, depois, me chamou para a mesma área. Ele era um idealista no sentido de tentar desenvolver pessoas, torná-las mais independentes e ele conseguiu demonstrar para a Praxair que era importante haver outra região no mundo capaz de desenvolver projetos de Cold Box. Ainda mais porque o mercado da América do Sul era ainda pequeno, tinha pequena demanda de produto. A Praxair está mais preocupada com grandes plantas e o mercado da America do Sul demandava plantas um pouco menores. Ele acabou convencendo a Praxair a desenvolver outra região, além dos Estados Unidos, nessa área. Então, fui convidado a ser o engenheiro de Cold Box para desenvolver o novo produto, que desenvolvemos e até hoje o utilizamos.
P/ 2 – E isso foi mais ou menos em que ano?
R/ - Eu tinha 10 anos de fábrica. Eu diria que há 14 anos, sendo simplista na conta.
P/ 2 – Isso deve ter sido, mais ou menos, em 1997, 1998?
R/ - Por aí. Quando fui convidado a ser o engenheiro de Cold Box, acabei passando por um programa de treinamento e fiquei um tempo nos Estados Unidos. Aprendi muito lá, conheci muitas pessoas, até que tivesse condições de desenvolver esse produto. E acabou sendo desenvolvido quando voltei. Comecei a desenvolvê-lo lá, voltei e, depois, fiquei um período indo e voltando. De cada mês, passava 30 dias lá e uma semana aqui, fiquei viajando bastante.
P/ 2 – E quanto tempo você demorou para desenvolver o Cold Box?
R/ - Foram dois anos desenvolvendo esse equipamento.
P/ 2 – No meio desse processo de desenvolvimento, você acredita que o fato da Praxair ter se tornado a controladora da White Martins propiciou essa possibilidade do desenvolvimento do Cold Box?
R/ - Eu diria que, apesar de ter se tornado uma companhia fechada, trouxe maior confiança de que nós não vazaríamos informação, porque, conforme falei, Cold Box é uma área tecnológica, você retém a tecnologia de fracionamento do ar. Mas mediante o nosso interesse, temos uma fábrica e a Praxair nunca revelou ter alguma desconfiança, acho que isso facilitou. Mesmo que não tivesse o capital fechado, provavelmente teríamos as mesmas oportunidades.
P/ 1 – Você contou de um processo, um produto que precisou de trabalho persistente de convencimento, isso em relação ao exterior. E aqui no Brasil, houve também uma necessidade...
R/ - Ah, houve, claro que houve...
P/1 - Você poderia contar alguma história a respeito?
R/ - Bom, eu era um engenheiro, um profissional da área técnica. Nessa função não tinha cargo executivo. Então, ouvia o meu gerente demonstrar algumas preocupações, mas nada que pudesse ser caracterizado como barreira. Havia a clara identificação de que a Praxair estava querendo se tornar mais global, tanto que o nome da organização mudou exatamente nesse momento, nós passamos a ser chamados de GSS, que significa Global Supply System, como se fossemos uma organização global de fornecimento de plantas. Isso para a America do Sul, para os Estados Unidos, Ásia, Europa. Foi uma evidência de que a Praxair estava efetivamente mudando a sua cultura e se abrindo mais, desconcentrando dos Estados Unidos e abrindo para as regiões onde ela tinha interesse de crescer.
P/ 1 – E você sentiu que estava preparado pra isso?
R/ - Ser convidado a atuar no desenvolvimento de um produto, foi algo que me trouxe muita satisfação. Era um sonho também como engenheiro: “Eu fiz esse produto, criei esse produto, eu desenvolvi isso do zero”. Sentei em uma mesa, comecei a bolar aquilo, obviamente não foi sozinho, tive apoio tanto aqui no Brasil como pessoas nos Estados Unidos, mas você sente muito prazer depois que vê-lo fisicamente, produzindo o oxigênio que se imaginava produzir quando saímos do zero. Partimos de uma idéia e conseguimos vê-la se tornar realidade, você sai de um pensamento, quase um sonho, e vê aquilo sendo concretizado... Nos Estados Unidos. O primeiro Cold Box desse produto foi instalado nos Estados Unidos. Então saímos do zero aqui e fomos instalá-lo nos Estados Unidos.
P/ 2 – O que diferenciava a tecnologia que você desenvolveu, o Cold Box, da que existia antes? Quais foram as melhorias ou quais foram os diferenciais que existem de um produto para outro?
R/ - Em termos tecnológicos a diferença não é muito grande. Acho que a grande sacada, pelo menos nesse desenvolvimento que fizemos, foi tentar pensar que esse produto tinha de ser instalado em países de baixíssima infra-estrutura, onde você não tivesse facilidades como existem nos Estados Unidos. Apesar de o nosso primeiro produto ser instalado nos Estados Unidos, ele foi concebido para ser instalado em países com pouco acesso a algumas facilidades de montagens. Então, idealizamos um produto que pudesse ser rapidamente montado e desmontado. O grande diferencial foi esse. Obviamente, porque o produto era uma planta pequena, não é possível imaginar isso em uma planta muito grande, mas em uma planta pequena, como a que desenvolvemos, essa facilidade foi um diferencial que conquistamos.
P/ 2 – Pensando um pouco no uso desse equipamento, quando você fala de uma planta pequena, será implantada em que tipo de segmento de negócios? Com certeza não é uma siderúrgica...
R/ - Não, pode ser.
P/ 2 – Oh! Então, explica como é isso! (risos)
R/ - (risos) Bom, o segmento do negócio hoje ele é muito diversificado. A nossa primeira planta instalada, o produto foi instalado primeiro em uma empresa de fibra óptica, nos Estados Unidos, mas poderia ser implantado em uma pequena siderúrgica, ou em uma Mini-mill [pequena usina siderúrgica que utiliza a sucata como insumo e produz aço a partir de aciarias elétricas]. Mas, hoje, você tem essa planta do seu lado em indústria de tecnologia, como foi essa de fibra óptica, em pequenas siderúrgicas, em empresas de mineração, em empresas químicas, há segmentos que você pode aplicar. É uma planta de 80 toneladas.
P/ 2 – Está diretamente ligada à capacidade de...
R/ - Produzir oxigênio.
P/ 2 – Produzir oxigênio em um limite de 80 toneladas?
R/ - De 80 à 100 toneladas.
P/ 2 – Ah, tá certo. E quando você fala em termos de facilidade de instalação o que é necessário? O que é necessário para instalar um grande Cold Box, um projeto com mais de 100 toneladas e o que é necessário para a instalação de um Cold Box de 80 toneladas? Você trouxe o diferencial exatamente nesse processo de instalação e desinstalação...
R/ - Sim.
P/ 2 – O que é necessário para um e para outro?
R/ - Bom, por exemplo, nessa planta todos os equipamentos são transportados em contêineres marítimos que vocês vêem nos portos. O Cold Box é um contêiner, tem as dimensões exatas de um contêiner.
Tem a dimensão exata de um contêiner e pode ser transportado exatamente como um contêiner desses de navio que vocês vêem. E ele é todo pronto, sai pronto da fábrica, só precisando ser transportado e verticalizado. Se você quiser transportá-lo como contêiner, efetivamente são duas peças e ele é totalmente parafusado, ele é plug and play, ou seja, conecta-o, parafusa, verticaliza e já está pronto. Todo o restante da planta tem esse conceito, o pensamento foi fazer com que esse equipamento pudesse ser facilmente transportado, porque você o transporta para qualquer lugar que você queira, mesmo que seja local de difícil acesso e como ele é todo plug and play, é facilmente montado como ele também pode ser facilmente desmontado e deslocado para outro local. Foi a sacada que tentamos dar no desenvolvimento desse produto.
P/ 2 – E o consumo de energia dele tem um diferencial também em relação ao outro? Foi pensado em termos de otimização de consumo de energia?
R/ - Energia responde por boa parte do custo do gás. Você ainda não paga pelo ar atmosférico que você fraciona, mas o que você paga efetivamente é a energia e os custos de mão-de-obra, operação. Mas essa planta foi concebida para ser auto-operada então na realidade ela tem um custo fixo baixo. Foram muitos exercícios de identificação do que precisávamos fazer para trazer um custo de energia mais baixo, mas você tem um trade-off, se você quiser privilegiar esse equipamento muito compacto, muitas vezes, você tem um pênalti em alguma área. Fizemos esse trade-off até que chegamos a um ponto de equilíbrio, o que entendíamos que era competitivo ter em uma planta de gás de tal forma que conseguisse tê-la facilmente transportada, facilmente montada no campo. Então, fizemos esse trade-off. Se você me perguntar: “Foi a planta de maior eficiência de energia que a gente poderia desenvolver?” Não, não foi. Se a gente quisesse privilegiar a energia, provavelmente a planta não poderia ser o que é, mas, em compensação, você traz outras facilidades que uma planta de maximização de energia não poderia trazer.
P/ 2 – E entendendo um pouco, quando você fala dessa rapidez de montagem, do play-off, plug-off... (risos) Em quanto tempo ela é montada?
R/ - Bom, depende muito do que você quer, porque planta em si é muito rápida, mas quando se fala de uma planta, não há só o Cold Box, há vários outros equipamentos. Mas foi concebida para você ter uma montagem de 30 a 45 dias.
P/ 2 – E a outra...
R/ – Uma planta que não tem esse conceito demora dois, três meses.
P/ 1 - Você está dizendo, então, que, por exemplo, uma planta em Manaus pode ser transportada para o Sul do Brasil.
R/ - Pode.
P/ 1– Existe essa demanda. Há toda uma logística de qual planta está em qual lugar, e quando que precisará ser transportada. Como vocês pensam na demanda futura para estarem preparados para tirar uma planta de Manaus para levar para o Sul? Ou isso não é do seu departamento?
R/ - É... Hoje, essencialmente, trabalho muito com isso também, com essas possibilidades...
P/ 1 – Não ficam uns gargalos de logística, de distribuição do equipamento?
R/ - Tem, né... Mas estamos ali para achar a solução.
P/ 1– Teve alguma situação que você pensou que fosse intransponível e que conseguiu superar? Você pode contar uma história a respeito?
R/ - Eu diria que nada é intransponível, desde que se queira a solução que atenda a necessidade do negócio. Mas casos que eu poderia contar são vários, momentos desafiadores que temos. A instalação da primeira planta nos Estados Unidos foi desafiadora porque éramos um grupo muito pequeno e levar um produto engenheirado no Brasil para ser instalado em uma empresa de tecnologia, no caso o cliente era uma empresa de tecnologia, foi um desafio fantástico.
P/ 1 – Mas a infraestrutura lá é mais tranqüila. O transporte é por terra, asfalto, estrada.
R/ - Sim.
P/ 2 – Mas o que ela está dizendo... Ela saiu daqui.
R/ - Ela saiu daqui, foi fabricada aqui.
P/ 2 – Perguntei aqui no Brasil, quando falei Manaus, Sul, tudo bem...
R/ - Nós já fizemos empreendimentos em Manaus, tem toda uma questão logística, temos a ideia de fazer um mega empreendimento no Norte do país onde a questão logística é crítica. Infelizmente as nossas estradas não trazem muitas facilidades, têm pontes que não resistem ao peso dos equipamentos...
P/ 1 – Então, você precisa ter uma equipe de produção para imaginar...
R/ - Hoje, a função de Engenharia e Projetos é atender a companhia no seu crescimento. Se companhia quer crescer, depende essencialmente de atender novas demandas de cliente, que, geralmente, demandam plantas, temos que encontrar soluções... Se não tem estrada, tem que encontrar um caminho para fazer com que aquele produto chegue; se não tem mão-de-obra, precisa arrumar mão-de-obra para fazer naquele local. Faz parte do nosso grupo, hoje, encontrar soluções para garantir que a expansão da companhia atinja onde nossos clientes estão.
P/ 2 – João, quando você fala da questão de buscar soluções, há também uma preocupação com segurança? Esses equipamentos trazem algum tipo de problema de segurança na sua instalação nessas plantas, mesmo em nível de meio-ambiente, de pessoas ou não?
R/ - Claro, qualquer obra industrial tem riscos na área de segurança. A segurança na Praxair é uma condição de empregabilidade, temos isso muito seriamente incorporado à nossa cultura, mas como em qualquer empreendimento industrial, você está em áreas industriais, muitas vezes, que não são próximas dos grandes centros, são áreas remotas para se deslocar. É preciso viabilizar condições que permitam construir aquela planta de forma segura. Também um projeto que não traga exposições ao meio-ambiente, então, precisamos ter muito cuidado, ainda mais hoje, com os órgãos ambientais muito mais severos no processo de liberação e de obtenção de licenças para desempenharmos esses empreendimentos nesses locais.
P/ 2 – E quais são os principais riscos que vocês têm de mitigar? Vazamento de gás... Nesse sentido qual o principal risco que vocês podem vir a ter na construção de uma planta?
R/ - A avaliação de risco é uma característica fortíssima no nosso processo de execução de projetos. Avaliação de risco de todo o projeto, do seu inicio ao seu fim, desde o atraso de uma engenharia, se não conseguimos quantificar corretamente os custos de engenharia ou cumprir o prazo desejado para conseguir os documentos que permitam que as construções ocorram, desde risco de logística, se consigo contratar o transporte no prazo e com a garantia que terei o equipamento chegando ao destino, até os característicos(?) [corte no áudio], se tenho mão-de-obra qualificada no local, se tenho mão-de-obra devidamente preparada para lidar com determinados tipos de atividade no campo e até a planta produzir. Para ter a planta produzindo é preciso cumprir várias etapas que são muito cercadas de dados, de performances, de segurança, pra não haver qualquer tipo de risco às pessoas envolvidas naquela atividade.
P/ 2 – Depois que você desenvolveu o Cold Box, como é que se dá o seu desenvolvimento dentro da empresa em termos de evolução profissional?
R/ - Bom, uma planta é muito mais complexa do que um Cold Box, que é um equipamento que faz parte da planta. A planta tem vários equipamentos e a área de Engenharia e Projetos coordena tudo. Desde a alimentação elétrica, se pego a energia de uma concessionária ou aproveito a energia do próprio cliente – muitas vezes o cliente é quem fornece a energia –, até a alimentação do cliente com o gás que ele quer. Se ele quer oxigênio, entrego o oxigênio, meço-o, defino a sua pureza, controlo... Se o cliente parar de consumir, preciso ter um processo de controle para não produzir gás à toa. É muito complexo, mas ao mesmo tempo para nós é muito simples porque fazemos quase seriadamente. O grupo ao qual estamos ligados hoje precisa ter a capacidade de rapidamente identificar a necessidade do cliente e traduzir aquilo em um produto. É muito interessante para um jovem engenheiro, eu percebo que ele consegue ver nitidamente todo um processo de engenharia sendo realizado, desde a concepção até estar efetivamente produzindo algo e entregando ao cliente.
P/ 1 - E isso deve te dar muita satisfação, porque você participa de um processo que tem começo, meio e fim. E o fim você consegue ver...
R/ - Sim, eu diria que esse talvez seja o maior diferencial que temos hoje para o mercado, pelo menos em engenharia. Hoje, o mercado do Rio de Janeiro é muito voltado para a área de óleo e gás. (inaudível) acabou de fazer uma baita de uma expansão. O mercado no Rio é muito voltado para esse segmento, mas como a Petrobras é uma empresa muito grande, segmenta muito o seu processo de desenvolvimento de engenharia, então, há empresas que são muito voltadas para aquele processo. O início, meio e fim dela não é nem 20% do meu inicio, meio e fim, entendeu? Hoje, qualquer engenheiro que se junta ao nosso grupo, consegue ter uma visão muito maior do que é uma engenharia do que, talvez, se ele trabalhasse até na Petrobras mesmo, porque a Petrobras também é muito segmentada, muito grande, não dá para comparar. Mas as empresas que prestam serviço para a Petrobras também são muito segmentadas e acompanham a segmentação da Petrobras tem.
P/ 1– Vocês, então, precisam ter uma equipe com engenheiros elétricos, eletrônicos, químicos, de produção...
R/ - Nós temos uma variedade de engenheiros razoável, em termos de disciplinas. Temos engenheiros mecânicos, eletricistas, engenheiro de automação, que inclui eletrônico, mecatrônico, enfim, engenheiros civis, engenheiros de produção, engenheiros químicos... Tem uma variedade de engenharia bem expressiva.
P/ 2 – Voltando um pouco para sua evolução profissional. Depois que você sai do processo de Cold Box você assume a supervisão, para onde você vai?
R/ - Bom, depois do meu período de residência na área de Cold Box, como engenheiro de Cold Box, fui convidado a ir para um programa que a companhia estava começando a desenvolver, o programa Seis Sigma, eu fui ser Black Belt. Fui treinado, fiz todo o processo de treinamento e exerci a função de Black Belt, depois, fui treinado para ser Master Black Belt em que atuei por dois anos e meio.
P/ 2 – Explica para nós que somos leigos (risos).
R/ - (risos) Bom, o Seis Sigma é um programa essencialmente de utilização de processos para poder analisar, preparar-se para olhar algum processo dentro da companhia, seja de produção, como tinha na fábrica, pode ser um processo na área contábil ou na área de vendas ou na área de distribuição. Você olha e precisa entender como fazer que aquele processo não apresente falhas e, fazendo isso, muitas vezes consegue-se otimizar aquele processo no seu melhor, consegue-se ter o processo mais otimizado pra atender o seu cliente. Trabalhei tentando investigar processos e era possível identificar quais eram as alternativas para fazer com que eles tivessem menos falhas e, conseqüentemente, ter maior produtividade e menor custo. Trabalhei muito fortemente nisso.
P/ 2 – E basicamente só na área de produção ou você olhou o todo?
R/ - Como eu vinha de uma área técnica, fiquei mais voltado para a área da fábrica e a área de distribuição. Fiquei acompanhando as nossas áreas, os nossos centros de distribuição de líquido, principalmente, no sentido de tentar investigar a possibilidade de reduzirmos perdas, gastos adicionais que o centro de distribuição tinha.
P/ 2 – Quando a organização implanta esse programa, geralmente estrutura uma equipe que vem de varias áreas, vocês trabalham conjuntamente ou é implantada separadamente em cada departamento da companhia?
R/ - Nós tínhamos a liberdade de formarmos equipes para investigar determinado ponto. Não tinha a liberdade de escolher qualquer coisa, mas se eu identificasse que havia uma área que precisava de uma investigação, um processo que apresentasse muitas falhas, propunhamos o projeto e tendo a aprovação dos Champions [dentro da estrutura hierárquica do Seis Sigma, os Champions definem as pessoas que disseminarão os conhecimentos sobre o Seis Sigma] que promoviam e patrocinavam o programa, nós identificávamos as pessoas que poderiam nos ajudar naquele estudo, identificávamos melhor o problema, segmentávamos, seguíamos toda a metodologia característica do Seis Sigma para tentar identificar qual seria o ótimo naquele processo, implantávamos aquilo e colhíamos os resultados. Depois, medíamos a melhoria que efetivamente aconteceu a partir da nossa ideia e tendo resultado positivo, ficávamos muito satisfeitos.
P/ 2 – João, depois você foi para onde?
R/ - Depois do Seis Sigma, fui convidado... Eu era Seis Sigma ligado ao GSS ainda, área de Engenharia e Projetos, mas ficava atuando na fábrica ou no centro de distribuição, que não necessariamente era um GSS. Fui convidado para voltar ao GSS para trabalhar na área de Estimativas. O que significa essa área? É a área que estima as plantas que instalamos para atender os clientes. Eu participava do grupo que estimava essas plantas.
P/ 2 – E quando você fala estimar, era olhar as necessidades de uma planta do tamanho...
R/ - O primeiro momento em que comecei a trabalhar era só fazer estimativa. Alguém definia a planta e eu dizia quanto custaria e quanto tempo iria levar para ser construída.
P/ 2 – Era muito mais uma coisa de investimento do que implantação mesmo?
R/ - É. Aquilo era informado ao grupo de negócios, que fazia a viabilidade econômica de se instalar aquilo ao cliente ou não. Por exemplo, tenho um cliente, um vizinho que quer colocar uma planta para produzir 80 toneladas de oxigênio. Teoricamente ele precisa de 80 toneladas de oxigênio, então, alguém diz: “A planta é essa”. Eu ia até o cliente, olhava o que cliente tinha de facilidades e de dificuldades e dizia quanto custaria para instalar aquela planta nesse cliente e quanto tempo iria levar.
P/ 2 – E você teve alguma planta, algum case para nos contar, de muitas dificuldades de análise que você encontrou ou qualquer outro tipo de dificuldade?
R/ - Olha... Muitas dificuldades... (risos). Mas acho que é o legal porque, ao mesmo tempo que é difícil conseguir inferir o valor de um empreendimento, é muito desafiador porque você participa ativamente da conquista daquele negócio. Obviamente o meu cliente é um cliente interno, a White Martins, eu não falo com cliente externo. Falo pouco. Falo mais com o meu cliente interno, quem efetivamente fica na discussão com o cliente externo. E a percepção do cliente é sempre que nós somos caros, somos lentos, não temos a melhor solução e é uma guerra. Como sei também que o nosso cliente interno também é muito exposto pelo cliente externo, dizendo que ele é caro, que não está entregando o melhor produto, então, o grande segredo é termos o entendimento do que o cliente quer. Muitas vezes você tem quase que desbravar, tentar desenhar exatamente o que o cliente quer. A nossa participação é intensa nesse sentido, porque se formos muito frios, não vamos ter, talvez, a melhor solução, então, precisamos ter uma participação muito intensa com o nosso cliente interno, que, por ventura, precisa ter uma atuação muito intensa do cliente externo na conquista daquele negócio. As dificuldades são muitas, já rodamos 24 horas preparando uma proposta. Muitas vezes a proposta é modificada no ultimo minuto, tem aquela sacada que você não havia percebido ao longo de muito tempo: “Ah, se eu fizesse isso, será que não ficaria melhor?”. Recebemos um feedback de coxia, muitas vezes, obtido no apagar das luzes, nas últimas conversas com o cliente, que obriga a fazer adaptações, vem aquela correria, aquela mobilização de uma equipe muito grande na tentativa de dar a melhor resposta para o cliente. Que reclama... É o nosso dia-a-dia, não tenho ilusões, mas acho que, no fundo, acabamos tendo sucesso porque temos um índice muito produtivo de vitórias...
P/ 2 – Depois que você sai dessa área de análise, na minha visão, mais de mapeamento, de compreensão, de diagnóstico, você vai para onde?
R/ - Bom, depois que eu liderei o grupo de Estimativas, acabei absorvendo também o grupo de Seleção das Plantas. Fazia a seleção de qual era a planta adequada para atender aquela demanda do cliente e fazia a estimativa. Fiquei trabalhando mais uns dois anos, fazendo esse movimento.
P/ 2 – A seleção da planta, o que significa? O cliente vem e fala: “Eu quero 80 toneladas de gás”. Além de olhar a planta e ver se aquela é a melhor, se ele realmente precisa dos 80, você também diz que tipo de planta você vai implantar? É isso?
R/ - É exatamente isso. Estudo a melhor solução, dentro das opções de planta que nós temos, para atender aquela oportunidade. Fazíamos essa seleção e depois fazíamos a estimativa.
P/ 2 – E quantos tipos de planta vocês têm para indicar ao cliente? É uma coisa de prateleira, não?
R/ - O discurso é que é de prateleira, mas, na realidade, é caso a caso, porque existem clientes e clientes e eles nunca querem a mesma coisa, sempre querem algo que traga alguma diferença. Mas a nossa tentativa é tentar padronizar ao máximo, até para conseguirmos maior competitividade. Porque o mercado, hoje, está muito competitivo. Essa busca é um exercício contínuo que temos de fazer. Sempre o nosso cliente interno acha que não somos competitivos, que vamos perder, que temos de fazer malabarismos para conseguir conquistar os clientes.
P/ 2 – E a manutenção dessas plantas é sobre a sua...
R/ - Não, não. Existe um grupo de Operações que é responsável pela operação e manutenção das plantas. O grupo de Engenharia e Projetos faz a seleção da planta, a estimativa, se formos vitoriosos naquela oportunidade, nós executamos toda a engenharia, executamos todas as estratégias por trás da execução daquele projeto, fazemos toda a gestão(?) de compras, de suprimentos, fazemos gestão de construção, comissionamento e partida. Damos garantia de um ano, mas, depois da partida, quem opera é o grupo de operações.
P/ 2 – E qual planta te deu maior satisfação em dar a partida?
R/ - Acho que toda planta que parte e funciona conforme idealizamos traz satisfação... Agora há plantas que são muito difíceis, plantas que já partiram há 10 anos e nós ainda continuamos dando assistência porque, apesar de, teoricamente, a garantia ser de um ano, o nosso grupo tem um conhecimento técnico que o grupo de Operações muitas vezes não tem. Mesmo a planta tendo partido há 10, 25 anos, quando acontece algum problema somos envolvidos e temos que participar porque seria injusto não se envolver nessas questões. O mais interessante é que a planta que deu problema volte a operar o quanto antes para não trazer prejuízo ao negócio.
P/ 2 – E tem algum segmento de negócio, cuja planta seja mais complexa do que em outros? Por exemplo, como você disse em uma indústria tecnológica ou em uma siderurgia, onde a planta é mais complexa ou pode vir a dar mais problemas?
R/ - Eu diria que todo projeto, toda planta tem a sua complexidade, mas, é claro, a tendência é que a solução seja mais complexa para um cliente que demande muito produto.
A cada dia que passa as demandas dos clientes são maiores... Antigamente: “Ah, eu quero só oxigênio”. Hoje ele não quer só oxigênio, quer mais coisas que, muitas vezes, nem estão intrinsecamente ligadas ao negócio principal, ao core business da White... Mas é o cliente e, muitas vezes, temos que atender a sua demanda. Hoje, o grupo de Engenharia e Projetos está cada vez mais se expandindo em áreas de conhecimento. Até então, nós tínhamos um grupo que era muito forte em determinada linha. Hoje, preciso ter gente que pense não só naquela linha, mas pense em mais outros segmentos que muitas vezes o cliente pede.
P/ 2 – Você disse de demandas que saem do seu core business. Qual foi o cliente ou que operação te trouxe uma solicitação para área de engenharia e projetos para que a _____________ [trecho incompreensível devido a corte no áudio]? Dá um exemplo para nós entendermos.
R/ - Bom, há vários cenários de complexidade, Márcia. Mas vamos segmentar em dois, para tentar dar um ponto de partida. Primeiro, essencialmente na maioria dos nossos empreendimentos, a White Martins está vendendo o gás. Não está vendendo a planta. Porque o cliente diz: “Eu quero o gás! Resolve aí a solução para entregar esse gás”. Outra opção seria vendermos o equipamento. Para vocês pode parecer que não há diferença, mas há uma diferença cavalar, porque quando eu vendo equipamento, tenho que vender equipamento de acordo com os requerimentos do cliente. Quando eu vendo gás, eu só tenho que vender o gás, o equipamento pode seguir o meu requerimento, não tenho que me preocupar com requerimento do cliente. Não importa se eu estou colocando a minha planta dentro do quintal dele, mas eu tenho que entregar o gás conforme a especificação que ele quer. Quando vendemos o equipamento, não o gás, você começa a ter que entrar muito nos procedimentos do cliente, o que traz uma complexidade que foge ao nosso dia-a-dia porque não somos uma empresa de engenharia. A minha organização está inserida em uma empresa que vende gás, uma empresa de comércio de gás, não de elaboração de engenharia. E quando você vende equipamento, está vendendo engenharia. Nós não estamos preparados efetivamente para isso, tanto que hoje a empresa praticamente não vende mais equipamento, só vende o gás, procura negócios em que ela venda o gás. Agora vamos esquecer essa parte de equipamentos, que já teve desafios muito difíceis dentro e fora do país nesse sentido, não quero ficar nesse assunto que é muito extenso. Vou falar na venda de gás.
Gás é algo que é comum, mas há cinco, oito... Há dez anos nós fazíamos dois projetos por ano, grosseiramente falando. Hoje nós estamos com 15 projetos, 15 plantas que estão em processo de execução. Essa mudança de patamar, de execução de projetos, foi algo que nos obrigou a mudar muito o nosso comportamento. Crescemos como organização, mas não na mesma proporção. Ou seja, a produção praticamente multiplicou por sete, oito, e o nosso grupo cresceu duas vezes. Essa diferença revela que tivemos de nos aperfeiçoar muito na forma como conduzíamos os nossos projetos e, ao mesmo tempo, os nossos clientes começaram a demandar: “Eu quero oxigênio, mas também quero isso aqui”. E o “Quero isso aqui também” foi o que obrigou que nos aperfeiçoássemos muito em áreas que não conhecíamos até então. Antigamente, há 10 anos, só entregávamos plantas que produziam oxigênio e nitrogênio, hoje, nós temos plantas que produzem gás natural liquefeito, temos plantas que produzem hidrogênio, estamos falando em plantas que produzem outros tipos de gases... A diversificação de produtos, de plantas, começou também a crescer bastante, para atender às demandas que os clientes fazem.
P/ 2 – João, quando acontece o convite para você pegar a direção da área de Projetos e Engenharia?
R/ - O convite aconteceu esse ano, sou muito novo na função, e porque o antigo diretor se aposentou, e indicou meu nome para substituí-lo. Existe todo um processo de validação do nome, e meu nome foi validado há uns três meses mais ou menos. Em julho desse ano eu assumi a função na diretoria.
P/ 2 - O que significa assumir a direção, em termos de atividades... O que é necessário você agregar às suas funções ou no seu olhar?
R/ - Eu vou ser um pouco crítico na minha resposta, tá? Como falei no início, eu tinha uma relação quase de paixão com a empresa e tenho até hoje. Foi uma conquista, foi um romance que vínhamos alimentando. Eu casei com a White... É como se fosse um filho que você vai tendo a cada conquista...
Não exatamente da função, mas o reconhecimento, eu acho que reconhecimento é algo maior do que a função propriamente dita. Ser reconhecido pelo meu ex-diretor, ser capaz de cumprir o que ele exercia é até maior do que efetivamente a função.
P/ 2 – Qual é o nome desse ex-diretor?
R/ - O nome dele é José Luis Moraes, mas não foi só ele também, foram outras pessoas... Até a presidência da empresa em reconhecer que eu tenho a capacidade de exercer essa função. Obviamente, os desafios são muito grandes, eu tenho muita coisa ainda para responder, estou sendo acompanhado, obviamente eu estou sendo acompanhado, se eu vou performar de acordo com a expectativa da organização... Eu tenho um chefe brasileiro e outro americano. Administrativamente eu me reporto ao brasileiro, mas tecnicamente me reporto ao chefe americano. Essa dicotomia é algo também que você tem de lidar muito bem.
P/ 2 – Eu vou te fazer agora uma pergunta mais macro, acho que você tem muito a contribuir. Olhando o processo de industrialização brasileira, a cadeia do gás, você, como engenheiro, vai pode nos dizer quais foram os marcos no processo de industrialização?
R/ - Como nós participamos nesse processo?
P/ 2 – Não só a White Martins, mas você olhando o desenvolvimento industrial brasileiro, na cadeia do gás, o que considera como marcos importantes, porque era uma indústria que, de alguma forma, matricialmente estava dentro das outras indústrias, é um negócio que atua em vários segmentos industriais, dentro do alimentício...
R/ - Eu vou ser bem rápido nessa questão. Acho que há vários marcos muito interessantes, dentro da experiência. Dentro da organização, claramente eu enxergo a nossa inserção na América do Sul, acho que foi um movimento marcante, até por começarmos a ter uma cultura diferente da brasileira, foi um marco muito significativo. Teve a companhia (inaudível) para novos segmentos que não gás e ar, a parte de CO2 que foi um marco também, que a companhia não atuava nesse segmento e começou a atuar, você tem a área de gás natural que foi um marco fantástico, a gente aprendeu muito. Área de Processos, Gestão de Projetos porque foi um projeto completamente... Eu diria que ele é o único na Praxair, foi um segmento desenvolvido do zero pela White e, até hoje, temos uma planta funcionando, mas existem oportunidades aparecendo... Agora diria que o grande momento é a migração para um novo segmento, o do hidrogênio, que ainda é um pré-projeto. São projetos de grandíssimo porte, pelo menos para o tamanho da Praxair, e eu acredito que a America do Sul tenha, talvez, um dos maiores, as maiores fatias dessa pizza de investimentos futuros que a Praxair muito provavelmente fará.
P/ 2 – Quantas plantas você tem hoje no país? Sabe?
R/ - Em funcionamento? Número exato eu não sei, mas com certeza mais de 50 plantas de produção de gases do ar. Com certeza muito mais do que isso.
P/ 2 – Bom, agora vamos finalizando... Você é casado?
R/ - Eu sou hoje divorciado.
P/ 2 – E só tem um filho?
R/ - Só tenho um filho.
P/ 2 – Ele tem quantos anos?
R/ - Sete anos.
P/ 2 – Qual o nome dele?
R/ - João Pedro.
P/ 2 – João, se você olhar para a sua carreira dentro da White Martins, quais foram os maiores aprendizados que você teve?
R/ - Bom, eu vou... Pelo lado técnico foi o aprendizado técnico, foi fantástico, não me imagino em uma única empresa, aprender o tanto que aprendi aqui. Eu poderia trabalhar na Petrobras, na Volkswagen, em um estaleiro, mas provavelmente eu não aprenderia tanto como aprendi aqui. O que a companhia me ensinou de melhor foi a capacidade de lidar com pessoas, algo que me fascina até hoje, você conseguir com que pessoas juntas consigam produzir algo que você veja que dá resultado, eu acho que é algo que traz muita satisfação, marca muito. Isso é algo contínuo, porque saem e entram pessoas na empresa, e você ter a capacidade de mover isso constantemente, sempre conseguir atender a expectativa de resultado é algo muito positivo.
P/ 2 – Eu queria que você falasse qual é a sua impressão da White Martins, de contar a história do desenvolvimento industrial no Brasil na cadeia do gás, e os 100 anos da White Martins através de um projeto de memória? Como você vê isso?
R/ - Eu vejo que a companhia contribuiu muito para o crescimento do país. O país cresce, a companhia cresce e, muitas vezes, acho que a companhia até sugere formas alternativas de crescimento, porque desenvolve novos negócios, novos segmentos, novas oportunidades. E isso acaba abrindo fóruns de discussão, o desenvolvimento industrial do país.
Há casos que eu poderia citar que nitidamente revelam que a companhia tem um comportamento inovador e isso acaba estimulando que oportunidades apareçam de tal forma que alavanque o crescimento do país, bem alinhado com o crescimento do país. Um país sério, íntegro, que acredito ser o estímulo que a companhia revela para todos que estão trabalhando dentro da empresa.
P/ 2 – E o que você acha de ter participado dessa entrevista?
R/ - Sinceramente eu nunca fui entrevistado, pela primeira vez que estou sendo entrevistado, mas acho que é uma iniciativa interessante porque de repente, talvez, no futuro, alguém que esteja iniciando veja pessoas como eu, com 24 anos de vivência, declarar o quão satisfeito estão, até a relação de amor que tem com a empresa. Acho que se houver oportunidade dos mais jovens, daqui a alguns anos, em treinamento, de acompanhar esse registro, deve ser algo que eu tenho até dificuldade de imaginar como seria a reação, mas acho que deve ser algo muito interessante.
P/ 2 – Nós agradecemos em nome da White Martins e do Museu da Pessoa a sua participação. Obrigada.
R/ - Obrigado a vocês.
P/ 1 – Muito obrigada.Recolher