Oficina Cultural Mário de Andrade
Oficina de Memória Oral
Depoimento de Américo Rochi
Entrevistado por Gláucia Ribeiro de Lima
São Paulo, 7 de Outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Fita Nº 08, entrevista nº 06
Transcrito por: Fransueldes de Abreu
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Senhor Américo, o senhor podia começar dizendo o seu nome, o local e a data do seu nascimento?
R – Pode, agora?
P/1 – É. Pode começar.
R – Pode sim. O endereço é _____________, o nome é Américo Rochi.
P/1 – E onde o senhor nasceu?
R – São João da Boa Vista.
P/1 – Que dia?
R – Dia 8 de setembro de 1920.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R- Santo Rochi.
P/1- E a sua mãe?
R- Ana Casulti?
P/1- E o seu pai nasceu...
R- Nasceu na Itália, só que eu não sei o dia que ele nasceu, mais ou menos, né?
P/1- Não faz mal.
R- Eles vieram da Europa. Vieram da Itália com dezoito anos ele 20 anos, por aí.
P/1- E a sua mãe também nasceu na Itália?
R- É, vieram junto no navio. Naquele tempo demorava quase dois meses pra vir, três meses.
P/1- E os seus avós como eles chamavam?
R- Meus avós ao certo eu não sei, mas se não me engano chamava Benedito de (Piajolo?). Um nome assim meio... Eu não lembro porque faz muitos anos, né?
P/1- Está certo. E a sua infância, o senhor poderia começar falar de sua infância?
R- Olha minha infância até que se pensar bem foi muito trabalhada, mas foi boa.
P/1- E o que o senhor fazia?
R- Andei muito a cavalo montei muito a cavalo, tomei muito tombo, mas trabalhando sempre com seriedade e trabalhar bastante. Este sempre eu gostei. Sempre trabalhei, você vê eu trabalhei, entrei aí no CMTC, antigamente não era CMTC, era da LIGHT, que custava 200 réis um bonde. Quando entrei em 47, foi o maior quebra-pau. Quase acabaram com os bondes tudo por causa do aumento de 500 réis.
P/1- Ah! O pessoal fez...
R – De 200 réis passou para 500. 500 réis não era cruzeiro nem cruzado, nem nada, então...
Continuar leituraOficina Cultural Mário de Andrade
Oficina de Memória Oral
Depoimento de Américo Rochi
Entrevistado por Gláucia Ribeiro de Lima
São Paulo, 7 de Outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Fita Nº 08, entrevista nº 06
Transcrito por: Fransueldes de Abreu
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Senhor Américo, o senhor podia começar dizendo o seu nome, o local e a data do seu nascimento?
R – Pode, agora?
P/1 – É. Pode começar.
R – Pode sim. O endereço é _____________, o nome é Américo Rochi.
P/1 – E onde o senhor nasceu?
R – São João da Boa Vista.
P/1 – Que dia?
R – Dia 8 de setembro de 1920.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R- Santo Rochi.
P/1- E a sua mãe?
R- Ana Casulti?
P/1- E o seu pai nasceu...
R- Nasceu na Itália, só que eu não sei o dia que ele nasceu, mais ou menos, né?
P/1- Não faz mal.
R- Eles vieram da Europa. Vieram da Itália com dezoito anos ele 20 anos, por aí.
P/1- E a sua mãe também nasceu na Itália?
R- É, vieram junto no navio. Naquele tempo demorava quase dois meses pra vir, três meses.
P/1- E os seus avós como eles chamavam?
R- Meus avós ao certo eu não sei, mas se não me engano chamava Benedito de (Piajolo?). Um nome assim meio... Eu não lembro porque faz muitos anos, né?
P/1- Está certo. E a sua infância, o senhor poderia começar falar de sua infância?
R- Olha minha infância até que se pensar bem foi muito trabalhada, mas foi boa.
P/1- E o que o senhor fazia?
R- Andei muito a cavalo montei muito a cavalo, tomei muito tombo, mas trabalhando sempre com seriedade e trabalhar bastante. Este sempre eu gostei. Sempre trabalhei, você vê eu trabalhei, entrei aí no CMTC, antigamente não era CMTC, era da LIGHT, que custava 200 réis um bonde. Quando entrei em 47, foi o maior quebra-pau. Quase acabaram com os bondes tudo por causa do aumento de 500 réis.
P/1- Ah! O pessoal fez...
R – De 200 réis passou para 500. 500 réis não era cruzeiro nem cruzado, nem nada, então naquele tempo pra cá foi indo assim.
P/1 – E o que o senhor fazia na CMTC? Na Light?
R – Na Light eu trocava motor, roda, às vezes quatro, cinco horas. Pegava às 4 até 2, 3 da madrugada. Mas fazia o vira toda a tarde.
P/1 – E o que era o vira?
R – Motorneiro. Porque naquele tempo não tinha, naquele tempo às vezes até cochilava de motorneiro, não tinha nem nada na rua. Pegava esses carros __________ , fazia Penha/Lapa.
P/1 – O senhor trabalhava na linha Penha/Lapa?
R – É. A maior parte na garagem, né? Rolamento de motor, trocar roda, motor, compressor.
P/1 – E quantos anos o senhor trabalhou, ______ o senhor já falou?
R – Eu trabalhei 30 anos e 8 meses, parece, por aí. Me parece que foi isso.
P/1 – Sempre na mesma função?
R – Sempre na mesma função.
P/1 – E antes um pouquinho, quando o senhor morava no interior?
R – Olha, filha, no interior, eu vou te contar uma história que até parece brincadeira. Você vai pensar até que é brincadeira. Eu morei em ____________. Quando tinha 18 anos, meu velho falou assim: “Vou comprar um sítio em Paris”. A cidade chamava Vila Paris. Um falava Vila Paris ou Vila Paris. Para baixo de Votuporanga.
P/1 – Certo.
R- Então toquemos. O meu velho falou assim, compramos 80 alqueires de terra por 400 contos. Era na Companhia, que era a companhia Teodoro Vila, que tinha 12 mil alqueires. Em 1945, na guerra quando os alemães... Era companhia alemã, perdera tudo por causa do Brasil, Itália, venceu a guerra, então tomaram a posse das terras . Quem tinha escritura, tinha tudo ficou. Quem não tinha. Meu velho tinha. Depois meu velho vendeu. Mas olha, foi uma história que em 39, 40, foi um ano de muita miséria. Não tinha sal, não tinha açúcar, lá não tinha energia, lá tinha lamparina. Sabe o que é lamparina?
P/1 – Sei.
R – De querosene. Não tinha querosene para a lamparina. Sal... tinha que comer sem sal porque não tinha sal. Porque a guerra foi em 45, no tempo da guerra foi o ano de mais miséria. Mas toquemos, na roça eu derrubei 8 alqueires de mata para plantar. O velho falou assim: “O que vocês fizerem é de vocês”. Você sabe de uma história que nós fincamos 4 alqueires de arroz sem colher, porque não tinha saco para por o arroz. Você calcule, hoje com essa miséria que está, você calcula?
P/1 – O senhor e seus irmãos?
R – Eu e meus irmãos.
P/1 – Quantos irmãos o senhor tinha?
R – Nós éramos em seis. Duas mulheres e quatro homens.
P/1 – E todo mundo trabalhava na roça?
R – Todo mundo trabalhava. Mas era arroz, não que nem agora que é criado com veneno. Hoje planta feijão, você não vê como feijão não tem paladar? É puro veneno. Eu vejo como eles botam aqueles camburão de trator lá no interior, eles pulverizam dando da flor. Isso aí é um veneno pra humanidade. Porque a flor do feijão é o feijão, se pulveriza o feijão, né, não tem paladar. Não é que nem Minas. Em Minas, a maior parte das cidades mineiras, eles colhem o feijão sem veneno. Mas aí é outro preço. Aqui toda essa _________ até Paraná todo esse mundo aí feijão, soja, tudo no veneno.
P/1 – Sei. E naquela época não? Naquela época o senhor não usava? Não era assim?
R – Naquela época tinha um feijão que chamava cara suja. Não era do tempo de vocês. O feijão chamava cara-suja. Aquele era um feijão que tinha paladar.
P/1 – Hoje não tem mais esse feijão?
R – Acabou tudo, não existe mais.
P/1 – O senhor estava me contando que daí o senhor casou?
R – Eu me casei, olha, bom, pode falar que não tem briga. Eu namorei com uma moça dois anos e era irmã da patroa da minha. Depois eu fui embora pro interior e a patroa minha era pequena, tinha 14 anos e quando viemos de Vila Paris ela estava moça. Então falei pros meus pais: “Pode contar que agora vou me casar”. Casei com a patroa minha e estou com ela até hoje. Graças a Deus.
P/1 – O senhor namorava a sua cunhada?
R – Eu namorei 2 anos com a irmã dela.
P/1 – E a sua esposa era pequena ainda?
R - Era pequena.
P/1 – Aí quando o senhor voltou?
R – Quando eu voltei já era moça.
P/1 – Ah! E como foi?
R – Aí vem uma história (riso).
P/1 – E como é que foi essa história?
R – Aí meu velho falou assim: “Não_______” A minha sogra, finada, já morreu, falou assim: “Não pode fazer o casamento que ele é malandro. Veio do interior, já namorou com outra”. A outra já tinha casado. E é meu compadre hoje, mora aí no Sacomã. É meu compadre, eu sou o padrinho.
P/1 – E ai senhor casou em que ano?
R – Casei, sabe que eu não estou nem lembrado? Aí na hora, assim no momento, né?
P/1 – Mas foi nessa época. Foi em 1945?
R – É por aí, sim.
P/1 – Foi antes do senhor vir para São Paulo?
R – Antes de vim para São Paulo. Me casei lá.
P/1 – Quantos anos mais ou menos?
R – Olha, filha, negócio de casado, sabe eu não sei quanto tempo eu tenho. Daqui mais uns dois anos eu faço 50 anos de casado. Mais uns 3, 4 anos por aí. Minha patroa fala assim: “Vou fazer bodas de prata, de ouro.” Eu falei: “Outra vez casar?” (riso)
P/1 – Não, mas tem que comemorar, né?
R – Tem que comemorar sim. Mas eu não me sinto, como diz o ditado, graças a Deus, tenho até sorte. Com um bom casamento nós vivemos muito bem. Trabalhamos, porque ela trabalha até hoje.
P/1 – E o que ela faz?
R – Ela é madame de costura.
P/1 – Ah! Então no interior ela já costurava?
R – Já costurava.
P/1 – Quando o senhor a conheceu?
R – Ela é presidente da... Eu já te falei, da Seicho-no-iê [ensinamento japonês].
P/1 – E o senhor estava me falando.
R – É na filosofia, né?
P/1 – É.
R – Seicho-no-iê. É presidente.
P/1 – E o senhor também, às vezes ia nas reuniões. O senhor estava me contando.
R – Eu vou às vezes na reunião, mas falo assim: “Mas eu gosto mais do interior”. Ficar em São Paulo hoje não está dando mais. Aposentar e ficar em apartamento.
P/1 – O senhor viaja sempre para o interior?
R – Eu viajo sempre para o interior.
P/1 – Vai passar o fim-de-semana?
R – Fim-de-semana? Quando eu vou eu fico 15 dias, um mês. Vou pescar, tem lugar bom de pescar, né?
P/1 –Onde o senhor pesca? No rio?
R – Tem lá o Cubatão. Tem a Barra Mansa. Tem São José. Muitos amigos. A primeira coisa na vida... Eu nunca discuti com um amigo, sempre fui um bom empregado, sempre eu falo para (Silmara?) Hoje se você chegar, ____ marcar cartão. Naquele tempo não tinha cartão, no meu tempo. A pessoa corria na garagem. É garagem, né? E via as pessoas e já marcava o nome.
P/1 – É como se fosse o ponto?
R – É, então agora, hoje não, tem que ir lá no relógio. Eu vejo no Fontoura. Vem correndo, vem que nem doido marcar o cartão. Eu nunca fiz isso na minha vida.
P/1 – O senhor sempre chegou na hora?
R – Na hora não. O mínimo que eu chegava era meia hora antes. Que eu ia na cozinha às vezes. “Ô Rochi, faz um café para a gente”. Pronto, ia fazer café. Ai que via o ponto é que nós íamos trabalhar.
P/1 – O senhor ainda encontra algumas pessoas que trabalhou com o senhor na CMTC?
R- Associação da CMTC?
P/1 – Ah! Então o senhor faz parte dessa...
R – Faço parte. Eu sou sócio lá. Eu vou lá sabe por que? Só porque tive muitos amigos. E se eu _______ aí 15 dias, um mês sem ir lá, a turma fala assim: “Fala pro Rochi, onde é que ele está? Onde foi esse homem?”
P/1 – E o que o senhor faz lá na associação?
R – Não, eu vou ver a turma. ___________. Às vezes tem festinha, coloca distintivo nas pessoas, né?
P/1 – Distintivo nas pessoas que trabalharam muito tempo? Igual a medalha que o senhor ganhou?
R- Não, mas eu ganhei, eu não sei se algum outro tirou não. Sabe que eu não lembro?
P/1 – E porque o senhor ganhou essa medalha?
R – É porque fiz 18 anos sem perder um dia, por causa nem de acidente, nem de hora, né? Eles me deram isso.
P/1- O senhor nunca teve um acidente?
R – É, nunca tive, graças a Deus.
P/1 – Porque naquela época tinha muito acidente?
R – Não. Mais é hoje. Hoje mesmo eu fui num prédio, passando aí na Rua 15 e vi um caboclo puxando uns quatro degraus, parece, e eu no quinto degrau, puxando uma coisa e não tinha proteção atrás. Então eu bati lá na portaria e falei: “Aquele homem lá pode causar um acidente”. A firma tem que ver isso, não é as pessoas que andam na rua.
P/1 – E naquela época, o senhor acha que as pessoas eram mais cuidadosas?
R – Era mais amoroso o serviço. Tinha mais cuidado. Prédio mesmo é difícil fazer, né? Esses edifícios não faz muito tempo quem fez foi o povo do norte que veio para cá. São Paulo ficou muito tempo parado, tempo de guerra, tempo...
P/1 – Agora, voltando um pouquinho, os seus filhos, o senhor estava me contando que sem...
R – Não, olha filha, é que nem eu falo, é só filho.
P/1 – O seu filho, né?
R – Não, eu tenho um só em casa. Tive um filho só, mas graças a Deus.
P/1 – E ele nasceu no interior?
R – Hoje, a mocidade não é que nem meu filho, eu falava: “Filho, olha teu pai nunca, eu nunca entrei, graças a Deus, de braços prsos no carro, polícia, mas nunca na minha vida. Veja bem onde teu pai foi”. E ele, graças a Deus, agora está estudando para primeiro Tenente do quartel aí em Jundiaí e parece que ele está indo...
P/1 – O seu filho?
R – É, mas ele é diretor da coisa da ___________, hospital.
P/1 – E onde ele nasceu? O senhor estava me contando que ele nasceu...
R – Nasceu aqui no Ipiranga.
P/1 – Ah! Nasceu no Ipiranga?
R – No Ipiranga.
P/1 – Quando o senhor veio para São Paulo?
R – É. Lá na rua do __________. Lá em São Vicente, no Ipiranga. Aí ele trabalhava aqui. Trabalhava lá e morava aqui. Aqui numa rua da Mooca, na Guarantã, aí eu falei: “Filho, olha, vai morar pra Jundiaí”. Aí ele casou, teve um casamento muito bom, porque a minha nora não é nora, é filha.
P/1 – O senhor se dá bem com ela?
R – Nossa Senhora! Quando eu vou para o interior, eu fiz aniversário agora dia 8 de Setembro. Eu falei: “Quer saber de uma coisa, não vou ligar para ninguém e vou ficar aqui. Eu vou é pescar. Vou pegar um isopor, vou levar umas brahminhas e vou para a beira do rio”. Aí o cara “Ô Rochi, vamos lá, vamos pescar”. Ai pega e chega um camarada no rio e falou assim: “Olha a tua nora já ligou umas quatro ou cinco vezes, quer falar com você”. Falei: “Pôxa vida, agora sim não é uma nora é uma filha”, viu?
P/1 – E a atividade pelo que eu estou percebendo que o senhor mais gosta de fazer hoje em dia é ir para o interior e pescar?
R – É ir para o interior, filha. Sabe que agora mesmo eu fui tomar um metrô lá no Brás, coitada de uma senhora. Eu estava assim encostado esperando minha sobrinha. Agarrada no paletó, numa blusa de um cara que tinha batido a carteira dela. Você sabe que aquilo, eu falei: “Pô, mas como é que está esse mundo, não”? Insegurança...
P/1 – Tem muita diferença de quando o senhor chegou aqui e o ...
R – Você sabe que eu me senti mal. Quando aqueles sequestradores pegaram aquela irmã do Sílvio Santos?
P/1 – Sei
R – E eu vi que ela ficou umas horas no porta-malas, se é eu morro, sabe que me senti mal só de ouvir falar aquilo?
P/1 – Sei.
R – Porque tinha esse negócio de direitos humanos. Direitos humanos tem que existir, mas tem que ver quem merece os direitos humanos. Tem pessoa que não merece, não é certo?
P/1 – É
R – Direitos humanos é bonito existir mas tem pessoas que na vida... Saber que é negar direitos humanos. Que nem esse negócio aí. Eu tive lá pra... Quando eu aposentei em 78, eu fiquei quase 6 meses em _________ - Paraná, lá em Rondônia. É que nem eles davam naquele tempo, acho que no tempo do Figueiredo, ou Geisel, não sei, eles davam 100 hectares por cada família.
P/1 – Sei
R – Então, meu sobrinho tem uma fazenda, 100 hectares, tem cacau, tem tudo, mas a maior parte derrubou as matas, lenha boa, madeira de marfim, cedro. Eu vi, eu tirei até uma foto de uma maquina, uma maquina era lá do Japão. Então eu falei para o cara: “Máquina japonesa fazendo picada, derrubando, tirando lenha, tirando mata”. Cada bruta tora, em 78.
P/1 – Quando o senhor foi lá passear na casa...
R – Quando eu fui passear lá.
P/1 – Desse seu sobrinho?
R – É, o sítio lá do meu... Não é do meu sobrinho, é hectares de quem tinha pegado, a maior parte era paraguaios, vindo do norte. Quando acabava de vender abandonava tudo aquilo. Até hoje deve ter muito porque nunca mais eu fui lá e ficou tudo abandonado.
P/1 – Uma coisa que eu fiquei...
R – Que transtorno, viu?
P/1 – Que eu lembrei que o senhor me contou... O senhor ficou não sei quantos anos sem tirar férias.
R – Olha, nem lembro o tempo que eu fiquei, viu?
P/1 – Mas o senhor ficou muitos anos?
R – Olha, quando eu vi a minha...
P/1 – Porque o senhor esta me contando dessa viagem, aí me lembrei.
R – Eu ganhei complementação da companhia e ainda recebo da companhia.
P/1 – E essa complementação?
R – Uma advogada, Dona Vilma
P/1 – Sei
R – Aqui do Ipiranga. Quando peguei a carteira mostrei para ela, ela falou assim: “Senhor Rochi, vamos marcar uma audiência para você ganhar complementação, porque o senhor merece. Aqui nem marca que você perdeu uma hora, nunca perdeu um dia”. Então na mesma hora fui a um juiz, um tal de Gabriel, falou para o advogado da companhia: “Olha, aí”. Até hoje estou ganhando a complementação. Eu ganho mais da complementação.
P/1 – Do que da aposentadoria.
R- Do que do próprio INPS [Instituto Nacional de Previdência Social]. Para mim está bom, esta jóia. Mas hoje a companhia não paga mais, porque ninguém faz aquilo que eu fiz.
P/1 – E quais, o senhor lembra quais foram as primeiras férias que o senhor tirou depois de tanto tempo?
R – Vai saber, viu?
P/1 – Que o senhor ficou? O senhor não lembra?
R – Não lembro. Faz tempo. Você vê, aposentei em 78.
P/1 – E o que o senhor fazia para se divertir naquela época que o senhor trabalhava?
R – Olha, eu tive muitos amigos bons. Tem um até que está até hoje. Ensinei para ele pintar o número de um bonde. E ele está até hoje, chama Teixeira. Ele está com quase 60 anos de serviço se não tiver mais.
P/1 – E naquela época o senhor também se encontrava com esses seus amigos?
R – Hoje é um chefão. Ele não sai. “Sozinho para onde é que eu vou?” Ele trabalhava aí na Cachoeira.
P/1- Sei. Naquele tempo o senhor saia com os amigos, era assim que o senhor se divertia?
R – Eu sempre tive bons amigos, mas não maus elementos. Sempre detestei, que nem hoje... A mocidade de hoje tem que saber com quem anda, com quem sai. Não tem amor, quase, né? Hoje 10% da mocidade é que tem um pouco de amor, mas a maior parte, que nem esse aí do Collor, esse negócio de pintar a cara, o camarada tem mais que lavar a cara, não pintar, não está certo? É minha opinião. Ontem vi um senhor de idade pintar a cara, eu não sei o que ele era, vendedor, deputado, não sei. Pois se fosse eu não votava para esse homem nunca. A pessoa tem que andar com a cara limpa, não está certo? Fazer aquelas mascaras na cara não resolve nada.
P/1 – E é assim que o senhor andava, é o que o senhor está querendo me dizer, de cara limpa?
R – Eu gostava muito mais é de pegar um cavalinho bom e montar, cair, tornar a levantar, mas colegas sempre tive, bons amigos. O que mais eu sinto é que quando eu vou na Associação e não vejo um e pergunto para a turma: “Como é?”. “Ih rapaz! Aquele lá já foi”. Aquele já chegou a vez e a gente também não espera nada, né? Que um dia também a gente vai. A minha finada mãe falava assim: “Ninguém fica para semente”.
P/1 – É, não fica, mas às vezes demora muito.
R – Não. Eu já vou para 73, quase. Eu sou de 20. Eu fiz esse mês de Setembro 72. E graças a Deus nunca tomei injeção, nunca tomei um melhoral, uma aspirina. Agora, se for uma caninha com limão ou maracujá, eu adoro. Mas não demais, que bêbado também eu detesto. Mas um golinho não faz mal a ninguém. É ou não é? Saber beber, fumar. Eu também fumei uns 25 anos. Um dia falei assim... fumava cachimbo.
P/1 – Ah! O senhor fumava cachimbo?
R – É, um (Georgete?) e um cachimbo. Um dia falei para a patroa...
P/1 – O que é (Georgete)?
R – Georgete é um cigarro, é um charutinho baiano, forte como o diabo. Um dia estava andando na praia e falei para a patroa: “Mas eu tenho que andar com esse cachimbo no bolso e esse pé de fumo?” Falei: “Não, espera aí. Vamos jogar fora isso. Vou jogar e nunca mais vou fumar”. E nunca mais fumei, joguei fora.
P/1 – E faz muito tempo que o senhor não fuma?
R – Já faz uns trinta anos.
P/1 – Então... e hoje, como é seu cotidiano, hoje quando o senhor não está na fazenda, quando o senhor não está no interior?
R – Filha, se eu contar, se você fosse na minha casa lá...
P/1 – Lá no interior ou aqui?
R- No interior, aqui não. Aqui também a mulher dá bronca. Eu______________ de lá e ponho na janela. É no quarto andar. Agora junta esses pardalzinhos aí, mas junta demais. Agora no interior não, eu fiz lá água direta, né! Eu fiz uma piscina, não é para mim não, é para os passarinhos (riso). Se você ver o que é passarinho! Esse pássaro preto, colerinha, o que tem é incrível!
P/1 – Então o senhor...
R – Parece criação. Tanto a criação como a planta. A criação sendo um (vivente?), eles têm amor para a vida. Mas se você vê os passarinhos... A patroa foi lá, falou assim: “Mas o que quê você inventou?”. A água fica pingando dia e noite. A noite quando vou dormir, fecho, mas pinga o dia inteiro. Mas se tiver esse pássaro preto, esse joão-de-barro, tomando banho, o outro não entra, porque eles brigam. É um __________ que fiz de cimento. Mas tem que ver.
P/1 –Então aqui...
R – É, aquilo é gostoso de ver, viu?
P/1 – Então lá o senhor fica cuidando dos passarinhos?
R – Não, eu ponho comida para eles. Eu tenho uns amigos que tem a maquina de limpar arroz e sobra aquelas quirelas, então, às vezes, eu pego uma sacola e vou lá buscar quatro, cinco pilhas, não dura uma semana.
P/1 – Porque aparece muito?
R – E o mais interessante é que parece até guiado por Deus, quando às quatro e meia, dez para cinco, na hora da saída, eles voam todos, esses chopins, mas voa mais de 500. Eles dão umas duas ou três voltas de roda, em cima, aí vão embora pro mato. Mas vem todo dia. Se eu ponho, aí ,eles ficam lá até escurecer e aí voam direto.
P/1 – E na sua casa? O senhor estava me falando que o senhor mora com sua esposa...
R – Não. Aqui eu moro com ela, mas lá em casa ela não vai, porque ela não gosta muito de lá não.
P/1 – Ah! Não? E o senhor ia sozinho?
R – Não gosta. Eu vou sozinho, mas sempre vai família, parente, sempre vai. Agora em Dezembro, tempo de manga, aí lota.
P/1 – Vai muita gente?
R – Vai, aí vai gente.
P/1 – E lá tem muita mangueira?
R – Nossa. Muita manga. Agora tem é muita jabuticaba, mas no tempo de manga você pode ir buscar caminho_______.
P/1 – E esse sítio que o senhor tem hoje?
R – Não é sítio muito grande, é pequeno. É um lote grande, tem 12 metros por 45.
P/1 – E o senhor comprou faz muito tempo?
R – Paguei 300 contos, 300 cruzados.
P/1 – Faz pouco tempo?
R – Faz uns 5 anos. Agora tem uma casa boa. Só que minha casa é tipo casa de mato, não tem estuque. Só tem estuque nos dois banheiros, o restante é tudo aberto.
P/1 – Sem forro?
R – Não tem forro. A patroa não vai lá por causa disso. Ela tem medo.
P/1 – Por que?
R- Ela tem medo de dar um temporal e tudo aquilo cair na cabeça. Cai nada! Eu morei em casa de sapé!
P/1 – O senhor morou em casa de sapé?
R – Você não sabe o que é casa de sapé, sabe?
P/1 – Não, eu nunca vi uma.
R – É, você nunca viu.
P/1 – O senhor morou quando? Quando o senhor era pequeno?
R – Quando eu era pequeno. Vivi até 17, 18 anos. Casa de barro! Você amassava, pegava coisa de vaca e punha no barro, aquela terra vermelha e pisava tudo junto, e você amassava e punha na parede. Primeiro ripava a parede, dos dois lados, aí você punha aquilo.
P/1 – De pau-a-pique?
R – Podia chover que não tirava, não é que nem essas casinhas que faz o BNH aí, que está caindo aos pedaços.
P/1 – E o senhor ajudou o seu pai a fazer essa casa?
R – Nós fazíamos a casa. Fazíamos.
P/1 – O senhor e seus irmãos?
R – Eu e meus irmãos. Quando acabava a minha, pegava um mutirão, às vezes fazia a de um vizinho.
P/1 – Ah! Também ajuda as outras pessoas?
R – Cada um se ajudava. Tinha ajuda no interior, né? Agora aqui é muito...
P/1 – O senhor sentiu muita diferença quando o senhor veio para cá no fim da guerra?
R – Foi no fim da guerra.
P/1 - O senhor estava me contando que a roça não deu certo.
R – Foi um ano pesado. O arroz... Sabe o que é arroz? Você planta o arroz, mas quando está emborrachando, você não sabe o que é isso, né?
P/1 – Não.
R – Quando está emborrachando para soltar a flor. Para dar o arroz se der três dias de sol você não colhe nada.
P/1 – Aí tem que chover nessa época?
R – Tem que chover nessa época.
P/1 – Quando tiver emborrachando?
R – Hoje tem irrigação. Hoje a maior parte é irrigação.
P/1 – E aquela época deu uma seca e o senhor teve que vir para cá?
R – Aí tive que picar mula. E você sabe como é que eu vim para São Paulo?
P/1 – Como?
R – Ah! Um dia você vai lá em casa e _______ te conta. Eu tirei duas, três tábuas da cama, cortei as tábuas e fiz uma caixa que é duro, porque naquele tempo não tinha mala, malinha, né? Fiz que nem um bauzinho, ó. Falei pra ________: “Vamos embora”. Nunca tinha ido a São Paulo... vim de mudança.
P/1 – E aí, como foi quem o senhor chegou aqui?
R – Aí eu comprei, eu morei com o meu cunhado que já faleceu.
P/1 – Ah! Então o senhor já tinha uma pessoa.
R – Na Caetano Pinto, que eu moro hoje.
P/1 – O senhor foi morar no Brás?
R – No Brás. Eu vim de lá direto no Brás. Moramos tudo num quarto. O meu cunhado, a mulher e a menina, hoje já é avó, eu e a patroa. Aí comprei um lote de terreno fazendo o possível, comprei um lote no Jardim Colorado, era das Pirâmides. Você não lembra das Pirâmides, né?
P/1 – Lembro das lojas Pirâmides.
R – Que acabou. Era uma fazenda das Pirâmides. Acabou tudo em nada. Aí vendi o lote, comprei um apartamento na Rua Prudente de Morais, vendi o apartamento como esse meu. Aí eu comprei aquela casa que eu tenho lá que é do meu padrasto, 30 contos uma casa, um sobrado. Pagava 1000 cruzeiros, 1100 réis, nem sei como era naquele tempo. Hoje tenho a casa e tenho a casa no interior, mas com sacrifício e não paro de mexer. Agora quase nunca deve de jogar, fazer o possível para não jogar nada fora. Você não vê esses aí do Heliópolis, que invadiram tudo. Tem pessoa que tem um terrenão aí, bruto terreno, outro não tem nada. Agora o dia que joga Corinthians e São Paulo, eles perdem um dia de serviço, nem vai trabalhar, fica aí um dia, dois, para ir ver o futebol, para vê uma coisa e outra, e vê se a família deles tem o que comer? Por isso que eu falo, falo aí para a (Silmara?): “Faz seu sacrifício enquanto você é nova. Faz seu pé de meia”. Porque ao contrário, filha...
P/1 – E como o senhor arranjou o primeiro emprego quando o senhor chegou aqui?
R – Não, nós viemos em dois trabalhando, eu e a patroa.
P/1 – A sua esposa quando veio para cá continuou costurando.
R – Costurando, ela trabalhava no Matarazzo.
P/1 – Nas industrias Matarazzo?
R – Maria Ângela, acabou também aquilo.
P/1 – Na Maria Ângela?
R – Maria Ângela é uma, agora é madereira aí na Gasômetro. Era um moinho naquele tempo de 30, na Revolução de 32, São Paulo e Minas e derrubaram até o prédio para roubar farinha. Era do Matarazzo.
P/1 – E quando vocês chegaram o senhor foi trabalhar...
R – Eu trabalhava na CMTC.
P/1 – O senhor trabalhava na CMTC e ela trabalhava nas industrias Matarazzo.
R – Ela trabalhava na Maria Ângela. Mas mesmo o sacrifício foi muito bom. Hoje, graças a Deus, agora não, agora só quero passear.
P/1 – É, o senhor estava me contando...
R – Andar, passear, eu falo para patroa: “Agora que está no tempo de você desfrutar, você é presidente, você não pode sair, não pode ir para lugar nenhum.”
P/1 – Ah! Porque ela tem essas atividades na Seicho-no-iê?
R – É, não pode porque é presidente, presidente lá da Seicho-no-iê, está bom.
P/1 – O senhor tem mais tempo livre que ela, o senhor tem mais tempo livre para ir para o interior?
R – Tem mais tempo, né? Eu vou para o interior, é outra vida. Lá você está belo e folgado em casa, eu vim com seu Mário para aqui. A moça coitada, agarrada com o cara lá, tinham batido a bolsa dela. Você vê aquilo ali... é um ambiente carregado. É ou não é?
P/1 – É.
R – Eu vou ficar fazendo o que aqui. Para ver isso?
P/1 – Então o senhor prefere ficar lá no interior?
R- No interior, eu tinha uma televisão, eu tinha uma área na frente da casa e uma mesinha. Às vezes para eu ir lá no tempo de calor. Depois eu vim embora e a televisão ficou lá, o vizinho que guardou. É difícil de eu fechar a porta porque lá não tem esse negócio. Lá é que nem nos tempos antigos, puxa a cadeira, sabe? Às vezes está dentro da cozinha, então você puxa para o cachorro não entrar, um gato. Você puxa e fica assim, vai dormir. Você vê que ambiente!
P/1 – E essa que é a vida que o senhor gostaria de estar levando?
R – Quem sabe um dia vocês pegam umas férias e vão para lá, não custa, não é difícil, no tempo de manga.
P/1 – E seus netos? Vão para lá também?
R – Meus netos vão para o Guarujá. Eles falam: “Vô, eu vou lá para o mato?” Vão para o Guarujá. Meu filho tem um apartamento bom no Guarujá.
P/1 – O seu filho?
R – Tem.
P/1 – Mas o senhor prefere o sítio do que a praia.
R – Mas eu não vou para a praia não.
P/1 – O senhor não gosta?
R – Eu tinha um apartamento lá na Praia Grande, mas eu vendi. É condomínio, é reforma, é condomínio, é reforma. Não funciona. Lá no interior você paga 3 cruzados de água. Já pensou? Aqui você paga 3 cruzados de água vem 3 cruzados de esgoto. Você paga 100 de água, vem 100 de esgoto. Ha! Aqui você não entende mais nada, viu? Lá não tem esse negócio de esgoto, só água. Você paga 500 cruzados, 500 cruzados pertence a Sabesp daqui. Lá é da Prefeitura. Até tem um prefeito lá, tomara que ele ganhasse, viu? O velho Botaro, você não conhece ele?
P/1 – Não.
R – É um cara 100%.
P/1 – E ele faz muita coisa pela cidade?
R – Esse que vai sair que é amigo dele. Chama Zé Luís, ele é advogado. Ele tem umas picapes quase na porta de casa. De vez em quando vai todo mundo lá em casa buscar salsinha, buscar cheiro-verde, coiseira. Mas é uma família só ali também.
P/1 – Lá o senhor participa de alguma associação também?
R – Lá tem sempre festa. Eu nunca vi uma cidade para Ter festa que nem lá.
P/1 – Ah! É?
R – Porque lá o ambiente é assim, quando um hospital, às vezes tem um doente, uma pessoa do sítio que não tem para comprar um remédio, faz quermesse, faz novena, faz tudo quanto é coisa para arrecadar dinheiro. Então cada um dá uma prenda, um frango, outro dá uma novilha, dá criação, né? Faz leilão. Então com o leilão ele compra e ainda sobra dinheiro. Eu nunca vi uma cidade... Até meu filho achou bom, foi lá faz uns 4, 5 meses, falou para o Zé Luís: “Quantas ambulâncias tem no hospital aí?” “Tem seis.” “Mas eu tenho quatro em Jundiaí e aqui no interior tem seis?”. Para você ver que lugar! É maravilhoso! Por isso que eu estou falando com vocês, pega umas férias, ele, esses aí, pega umas férias: “Eu vou lá ver como é que é esse ambiente lá”. Lá tu pode andar assim, ó, meia-noite, uma hora, duas horas. Se uma mulher sair de casa que de vez em quando encontra na rua, duas, três horas da manhã, que às vezes vem duma festa: “Ô dona! O que foi? Tem alguém doente”. Aqui não tem assalto. Vai perguntar o que quê houve.
P/1 – Então não mudou, o senhor acha que não mudou muito do tempo que o senhor morava no interior. O interior não mudou muito, esse lado ainda tem?
R – A cidade cresceu um pouco até.
P/1 – As cidades maiores talvez mudaram, mas as cidades menores o senhor acha que...
R – A maior cidade mesmo é São José do Rio Preto, que tem faculdade grande.
P/1 – No seu tempo também era assim?
R – No meu tempo não, no meu tempo não tinha nada. É bem pouco, né? Mas quanto tempo já faz? De 45, 46 pra 92?
P/1 – São muitos anos.
R – Faz anos. O que estendeu mais foi de uns quatro, cinco anos para cá e dobrou a coisa mesmo. Parece que vem todo mundo aqui, pô. É mineiro, é baiano, é italiano, é japonês. Coreano, então, está empesteado.
P/1 – É tem muito imigrante aqui.
R – Tem muito, olha aí na Marcolina, essas travessas aí.
P/1 – O senhor trabalhou com muito imigrante também aqui em São Paulo? Lá na CMTC também tinha muito imigrante? O senhor teve contato?
R – Olha, antigamente quando eu entrei, depois da guerra, pra pegar um funcionário era difícil, porque ninguém vinha do interior.
P/1 – Eram poucas pessoas.
R – Não vinha ninguém do norte. No norte, dizem naquele tempo, não sei porque nunca fui, mas era bom. De uns tempos pra cá não funciona mais: Bahia, Minas, né? Aqui mesmo, no próprio interior, vem vindo pra cá. Fazenda está acabando tudo, não tem mais lavoura de café.
P/1 – Deixa eu fazer uma pergunta para o senho, agora qual é o seu sonho? O senhor tem algum sonho?
R – Sonho?
P/1 – É, que o senhor ainda quer realizar?
R – Às vezes eu sonho mesmo, às vezes.
P/1 – Então qual é o sonho que o senhor tem?
R – Às vezes eu sonho de medo (riso). Sabe que uma vez eu fui com um barco em Santos pescar, e de aquele tempo pra cá às vezes quando eu sonho__________.
P/1 – Não senhor Américo, um sonho que o senhor ainda quer realizar, um desejo que o senhor tem?
R – Ah! Sei! (riso). Mas eu tenho um desejo sim, que se Deus quiser...
P/1 – E qual é?
R – Eu já comentei com a patroa. Eu vou comprar outro apartamento lá em Santos.
P/1 – Ah! O senhor quer comprar outro apartamento em Santos?
R – Eu sonho até, viu? Eu adoro andar na praia. Para mim ir para o interior, agora, são seis, sete horas, não é fácil. E Santos dentro de uma hora você vai e volta. Porque a idade vai chegando. Idade chega você tem que desfrutar um pouco mais perto, né? Porque é muito longe, ou vou pra lá, ir morar de uma vez. A patroa não vai porque tem irmãs aqui, tem os netos aqui, tem o filho. Porque com o tempo eu já comprei até um lugar pra ir pro cemitério pra já. Mas eu vou ficar por aqui mesmo.
P/1 – Mas o senhor ainda quer comprar um apartamento em Santos?
R – Se Deus quiser, e acho que não vai demorar muito não. Vou fazer um tanto de dívida, mas vou.
P/1 – E o que o senhor teria para falar para as gerações mais novas? Assim, qual é a sua experiência, o que o senhor teria para falar...
R – As gerações mais novas, a mocidade de hoje fazer que nem eu fiz. Trabalhar e ter mais amor nas coisas, porque às vezes estuda e sai com má companhia. A má companhia que é a desgraça da pessoa. Não desgraça da vida dele, da família. Fumar deve de evitar, quando não pode lagar, porque na maior parte eles não sabem o que é o tóxico do fumo. Se eles forem entrar dentro da Souza Cruz, aqueles tambores o que têm, o que sobra que eles jogam, parece que derramam lixo. É que nem óleo sujo. O que é isso? Alguma coisa eles põem no cigarro, por que isso aí sobra. Porque a maior parte do cigarro é tóxico. Fumar deve de evitar. Se fumar, fuma pouco, e saber fumar, né? Porque hoje a mocidade, a maior parte até estudando eles fumam tóxico. Maconha, então, nem te conto. Fumar às vezes é bom, às vezes porque diz que descansa a cabeça, mas descansa nada. Deve de evitar.
P/1 – Certo. E o senhor achou importante estar dando esse depoimento? Achou uma experiência interessante pro senhor?
R – Eu nunca fiz isso na minha vida.
P/1 – Ah! Então o senhor gostou?
R – Ah! Eu gostei. Amizade _____________ na minha casa. Você não foi na minha casa. Eu faço questão de que um dia você vá na minha casa, não é longe.
P/1 – Então está bom. Muito obrigada!
R – E vai tomar um cafezinho lá. Que o café eu mesmo torro lá no interior e eu mesmo que moo aqui.
P/1 – Então deve ser bom.
R – Para você vê o que é o café. Você gosta de café?
P/1 – Gosto. Sem açúcar eu gosto.
R – Sem açúcar?
P/1 – É.
R – Como café sem açúcar?
P/1 – Porque eu só consigo tomar sem açúcar.
R – Então é bom você tomar aquele cappuccino.
P/1 – Ah! Que põe leite?
R – Você conhece cappuccino?
P/1 – Conheço
R – A patroa faz também aqui aquele tal de cappuccino, capputino, sei lá.
P/1 – E o que o senhor gostaria que fosse feito com esse depoimento? O senhor tem alguma ideia?
R – Eu não sei o que vocês vão fazer.
P/1 – O senhor gostaria que outras pessoas ouvissem? ______________
R – É bom. Eu achei maravilhoso. É bom, não precisa ouvir tudo, mas pelo menos alguma pessoa que tem família para explicar pros filhos. Que eu tenho um filho muito maravilhoso. Nunca me perturbou, nada. Nunca fumou também. Nunca teve má companhia.
P/1 – Então está bom senhor Américo. Muito Obrigada, viu?
P/2 – Senhor Américo, eu tenho uma curiosidade, posso perguntar?
R – Pode.
P/2 – Quem lhe deu essa medalhinha aqui, que o senhor está segurando na mão assim?
R – Naquele tempo, naquele tempo quem era o chefe da CMTC? Sabe que nem lembro mais.
P/2 – Da CMTC, né?
R – Da CMTC. Quando eu inteirei 18 anos, ele ligou, ligou não, ele disse assim: “Vai no escritório que eu tenho uma encomenda lá.” Aí pensei, será que a patroa me levou lanche hoje? Eu pensei que ela tivesse me levado lanche.
P/2 – E era a medalhinha.
R – Era a medalha. Acho que bem poucos tiraram. Fiquei muito tempo sem pegar seguro... Eu passei (pausa). Aí na minha rua, eu já trabalhava até a cintura pra sair da minha rua com água. Se lembra, não é fazer campanha, mas que é, é. Quando o Paulo Maluf foi governo, o que fez, abriu aí o Tietê até aí no Mercado.
P/2 – Lembro.
R – O Cambuci aí, esses lados aí. O Cambuci... Como chamava ali? Hoje é o Banco Itaú.
P/2 – Lá na Avenida do Estado.
R – Ali chegou a ficar cinco dias cheio de água. Nunca mais encheu. Se encheu 10 minutos, mas logo abaixou. Porque o rio está muito fundo, muito largo. Aí que veio o Montoro fez mais um pedaço do Ipiranga e foi até São Caetano. Mas quem fez mais foi o Maluf. Tem aí o Mercadão, não é do seu tempo. As portas se abriram, lá no Mercadão, com uma enchente que deu.
P/2 – Não me lembro.
R - Não ficou nada dentro do mercado. Você pensou que prejuízo? Porque se você entra no Mercadão é uma cidade lá dentro. Naquele tempo arrebentou as portas, deu quase dois, três metros de água. Veio com tudo em cima. O rio, era mais alto o rio do que a 25 de Março. Agora o rio está fundo. Está lá embaixo. Quer dizer, até ali. Não é fazer campanha política, mas que é, é. Pode ser que ele roubou, mas que trabalhou, trabalhou. Quem é que não roubou, né, filha? Hoje, Deus me livre! Como é que está!
P/2 – Está bom senhor Américo, muito obrigada.
R – De Nada.
P/1 – Muito obrigada.
Recolher