Depoimento de Rosa Maria Lopes
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanchez (P/1)
Jaci Paraná, 24 de Junho de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n° MB_HV130
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Heci Regina Candiani
Tags: parto, seringal, imigração peruana, copaíba, castanha do Pará, família, escola, tragédia, casamento, Jaci-Paraná, Colégio Maria Auxiliadora, fome, Porto Velho, subsistência, artesanato, conflitos de terra, Associação dos Seringueiros, pesca.
P/1 – Pra começar, vou pedir pra senhora falar seu nome completo, o lugar onde a senhora nasceu e a data.
R – Meu nome é Rosa Maria Lopes. Eu nasci no seringal; o nome do seringal era Palmeral. Eu nasci em 1952.
P/1 – Esse seringal Palmeral fica onde?
R – Fica dentro de Jaci-Paraná.
P/1 – Então, a senhora é aqui de Jaci-Paraná?
R – Sou.
P/1 – E me conta como é essa história de nascer no seringal?
R – Olha, eu morei no seringal; andava muito com o meu pai, cortava seringa com ele, no tempo em que ele era vivo. Eu gostava muito, como gosto até hoje, de trabalhar.
P/1 – Sua mãe teve você no seringal?
R – Minha mãe me teve no seringal.
P/1 – Alguém a ajudou? Como ela te contou?
R – Ajudou: quem partejou com ela, quem “me pegou”, como se diz, foi uma nora dela. Ela estava trabalhando no dia e começou a sentir as dores. A nora dela não era parteira, mas no seringal tinha que fazer as vezes de parteira. Sei que quem me pegou foi essa “mãe de umbigo”, como chamam. Ela já é falecida; e minha mãe sempre ao lado dela e ela sempre ao lado da minha mãe. Minha mãe gostava muito dela, assim como gosta até hoje... Ela sempre fala muito no nome dela, que era a Dona Julieta. Meu avô também sempre ao lado dela – o que era pai do meu pai. Meu avô faleceu com 86 anos.
P/1 – Seus avós viviam aqui em Jaci-Paraná também?
R – Não. Ele era peruano. Veio do Peru com dez anos.
P/1 – O seu avô?
R – É, o pai do meu pai. Ele arranjou mulher por aqui; arranjou dois filhos, mas não deu certo. São duas filhas: titia Ida e titia Inês. Titia Ida mora em Belém e a titia Inês já é falecida – domingo faz dois anos de falecida; morreu com 75 anos.
P/1 – Depois veio o seu marido?
R – Depois veio o meu marido.
P/1 – E você sabe por que avô veio do Peru pra cá?
R – O meu avô falou que veio pra cá porque lá era muito frágil esse negócio de trabalho; e desde a idade de oito aninhos ele trabalhava muito. Aí informaram pra ele que aqui em Rondônia era melhor, ele veio aqui pra Rondônia e aqui ficou. Ele tirou esse seringal, que era do Mundo Novo, hoje em dia está invadido. Ele teve meu pai, meu tio Carlitos, meu tio João, o Wilson. Eles eram três: meu pai – João – meu tio Wilson e meu tio Carlitos. Era castanha, era copaíba, que eles colhiam. Aí de dentro do seringal eram seis quilômetros de burro que eles puxavam pra beira do rio.
P/1 – Então além da borracha eles extraíam o quê?
R – Copaíba.
P/1 – O quê que é a copaíba?
R – A copaíba é um óleo que serve pra muitos remédios. Serve pra gripe: se você está querendo se constipar, pega três dedinhos de café ou dois e coloca um pinguinho de copaíba. Aquilo é muito bom, rapaz!
P/1 – É remédio caseiro.
R – É. É bom pra gastrite; pra muita coisa.
P/1 – E além da copaíba a senhora falou uma outra coisa.
R – A castanha do Pará. Sabe o que é a castanha do Pará?
P/1 – Sei, mas conta pra gente o que é...
R – A castanha do Pará é uma castanhinha que – eu inclusive já estive no florestamento, que era do camelo; já plantei. A gente pega a fêmea e o macho; a fêmea é cumprida, a macho é redondinha, curtinha, bem grossinha. Então, se você espalha ela, você conhece o macho e a fêmea. A gente separava os machos e as fêmeas; tinha um ralador, como uma pedra, onde a gente ia ralar, pra poder plantar a castanha. Plantei muito isso. No tempo em que meu marido faleceu (ele faleceu de acidente de carro) eu fui pro lado do meu pai. Fui ajudar meu pai. Eu fiquei com quatro filhos, então fui fazer isso aí.
P/1 – Você estava contando que eles exploravam esse seringal do Mundo Novo. Esse seringal já existia ou eles plantaram?
R – Já existia... Quando ele entrou pra cortar a seringa, era toda nativa. Ele cortava, colocava em cima do jegue e trazia. Seis horas de dentro da mata pra beira do Rio Branco. A mamãe trabalhava também na seringa junto com o meu pai.
P/1 – Era normal mulher trabalhar na seringa?
R – Era normal. Ela ganhou todos nós dentro do mato.
P/1 – E vocês são quantos irmãos?
R - Somos quatro, com esse deficiente. Sou eu de filha – sou filha mais velha. Ela teve cinco filhos, mas a primeira faleceu. Aí vim eu; veio meu outro irmão; outro irmão; outro irmão; aí veio esse deficiente. Somos quatro, praticamente, porque um não se conta, porque é falecido. E graças a Deus somos unidos. Eu adoro essa minha mãezinha, apesar de eu não ter mais pai. E a única joia que nós temos na nossa vida, os nossos pais.
P/1 – Vocês trabalhavam nesse seringal onde você nasceu, mas moravam onde?
R – Nós morávamos onde eu nasci, só que lá era do meu pai e lá pra dentro do Mundo Novo era do meu avô. Eles trabalhavam todos juntos. Praticamente era deles: do meu pai, dos meus dois tios, do meu avô, minha avó, minha mãe, minhas duas tias – essa titia Ida que fez agora dois anos que ela faleceu e a que mora em Belém.
P/1 – E como era aqui em Jaci-Paraná? Tinha mais gente que morava aqui?
R – Nada! Aqui se andava pelos caminhozinhos...
P/1 – Não tinha nada?
R – Não tinha nada. Só tinha aquela igrejinha que fica perto da minha casa, que você já viu; a Estação de Ferro; e só. Não tinha mais nada.
P/1 – Você viu a Estação de Ferro funcionar?
R – Vi. Eu vou contar uma pra você. Nós chegávamos em Porto Velho e nesse tempo tinha um onibuzinho. Aí, meu pai dizia: “Vamos hoje viajar!”; então: “Vamos.” A minha mãe arrumava – naquele tempo não existia valise, bolsa, nada – aquelas maletinhas de madeira, que meu pai lixava, botava aquela dobradiça... Era caprichoso o meu pai... colocava tudo ali dentro e ia embora! Descendo águas abaixo, não tinha motor pra subir. A gente tinha um barco, só que nesse barco a gente subia de voga. Você não sabe o que é voga, né?
P/1 – Não, o que é?
R – É tipo um remo: jogava água desse lado, jogava água desse; jogava água desse, jogava água desse. E assim a gente subia ao seringal. Às vezes, passava cinco ou seis dias pra poder chegar lá.
P/1 – E tinha outras pessoas que moravam aqui na região ou eram poucas?
R – Tinha, tinha muita gente que morava no seringal. Tudo no seringal. Tinha uns vizinhos de uma hora e meia, mais ou menos. Os que a gente chamava de vizinhos ficavam a uma hora, uma hora e meia, três horas.
P/1 – Mas tudo na mata?
R – Tudo na mata. Subindo o rio.
P/1 – Conta pra mim como era a sua casa?
R – A minha casa era de paxiúba. Você sabe o que é uma paxiúba de açaí? A paxiúba é um açaí. Meu pai derrubava... Não tinha como tirar a tábua – madeira tinha, mas não tinha como – então meu pai tinha um serrote, que um puxava de um lado, outro puxava de outro. E ali serrava aquilo ali, fazia a casinha, cobria de palha; fez meu quarto, o quarto de minha mãe mais ele, a salinha de espera. Fazia uns banquinhos, colocava na sala e fazia a cozinha. Tudo de paxiúba.
P/1 – E aí só tinha as camas? Vocês só dormiam nas casas?
R – Minha mãe e meu pai só dormiam em redes. E meu pai, como era astucioso, fazia aquela gradezinha de cama: tirava aqueles pauzinhos no mato e lavrava bem lavradinha; passava a laminadeirazinha. Ele tinha um aparelho todo cortadinho, aí ele limpava aquelas tabuazinhas todinhas e fazia as caminhas. E o colchão sabe do que que era? De capim!
P/1 – De capim?
R – Você juntava aquele monte de capim no roçado; botava tudo pra enxugar; aí a minha mãe fazia aquele pano bem grande e botava aquele capim bem sequinho dentro; aí colocava em cima daquela grade que o meu pai fazia. Mas era bem feitinho! Passava até verniz! Aquilo era gostoso.
P/1 – Desde criança você já trabalhava na seringa?
R – Desde criança. Olha, eu tenho a quinta série só, mas eu estudei assim: minha mãe mal sabe assinar o nome, mas meu pai sabia ler mais um pouquinho. Então, ele passava aquela lição pra mim, o abecedário, sabe? Ele pegava um papel e escrevia o abecedário, 23 letras; e então eu escrevia o abecedário todinho. Sabe o que eu fazia? Minha mãe fazia um chapeuzinho, colocava aquele chapeuzinho e colocava aquelas letras em cima da minha cabeça. Eu botava o chapéu e, quando chegava no rolo da estrada, eu ia ler, pra de noite eu dar pra ele aquela liçãozinha.
P/1 – Conta de novo: você colocava o chapéu...
R – Minha mãe sabe costurar bem. Ela fazia camisas do meu pai, camisas de punho... Uns bichinhos que só vendo! Chegava a fumaçar! De noite era muriçoca e de dia, bichinho. Então, minha mãe fazia camisa de punho para o meu pai, calça comprida. Fazia uma roupa pra cobrir ele, porque ele era branco e quando pousavam nele ficavam uns caroços. A mamãe fazia aqueles mosquiteiros de cabeça que cobriam aqui, assim, e só ficavam os olhos.
P/1 – E você tinha esse chapéu em que se escrevia.
R – Isso, mamãe fazia aquele chapeuzinho. O meu pai ia fazer aquelas letrinhas, 23 letras (o abecedário), aí eu pegava o papelzinho, dobrava, botava na minha cabeça, botava na cabeça. Quando dava o rodo na estrada, eu espiava, espiava, e ele ficava cochilando. Nós comíamos, levava uma farofinha, levava água nos cantis – meu pai quando serviu recebeu uns três cantis, então a gente colocava água naqueles cantis e levava. Então eu espiava, tinha letras que eu não sabia, então eu espiava e pensava: “Não. Eu vou é soletrar”. Então, eu fui aprendendo, aprendendo; e ele me ensinando. “Papai, eu sei essa letra”, “Ah, você sabe? Vem aqui”. Aí eu ia: “Como é que é essa letra?”. E eu: “A. B, C, D...”. “Quantas letras tem?”, e eu: “Vinte e três letras.” E devagarzinho eu fui aprendendo. E do meio pro fim eu já ensinava meus primos.
P/1 – Seu pai foi militar também?
R – Papai serviu.
P/1 – E ele serviu novo? Como foi isso?
R – Papai serviu com 18 anos.
P/1 – Seu pai foi soldado da borracha?
R – Era soldado da borracha.
P/1 – Conta pra gente o que é o soldado da borracha.
R – O soldado da borracha é do tempo da guerra. Eles cortavam muita seringa em Rio Branco do Acre, então eles vieram do Acre pra cá, contando as histórias. Ele me contava que, em Porto Velho, só tinha um posto médico, que era a Ana Adelaide. Eu inclusive já li num livro essa história. Uma vez eu peguei um livro e comecei a ler. Aí o Carioca disse assim: “Minha velha, venha cá. Tu sempre fala nessa Ana Adelaide. Olhe aqui, leia aqui...” Aí eu me sentei e fui ler. Aí eu falei: “Bem que meu pai falava mesmo, que só tinha um posto médico aqui em Porto Velho.” E meu pai cansava de dizer que esse posto médico tinha que ir por caminhozinhos, afastando o mato.
P/1 – Quando eram crianças, vocês vendiam ou consumiam a castanha? E a borracha?
R – Nós vendíamos. Nessa época nós vendíamos para o regatão, que era um moreno, cujo apelido era piranha. Eu tinha um medo dele! Ele chegava com aquelas caixinhas de bolacha – ele me chamava de Rosita – “Rosita, toma!”; mas quem era que chegava perto dele, com medo dele? Não era que nem hoje, essas crianças todas matutas, todas por fora. Porque naquele tempo a gente tinha disciplina. Vou dizer uma coisa: Deus me livre de meu pai e minha mãe estarem conversando e eu passar no meio! O papai e a mamãe só me olhavam assim, sabe? Isso foi coisa que eu nunca fiz, porque eu não procurava fazer. Porque eu apanhava, sabe? A peia comia! Dizia: “Você tem que ter educação! Quando os mais velhos estiverem conversando você não se meta no meio. Você fique aí”. Então, quando chegava aquele pessoal, tudo conversando com meu pai e meu avô, eu ficava sentadinha só escutando o que eles estavam conversando. Essas pessoas curiosas, sabe? Depois, às vezes, conversando com a mamãe, eu perguntava: “Mamãe, a senhora falou aquilo e aquilo naquele dia.” Aí, mamãe dizia: “É, minha filha. Mas vou lhe dizer uma coisa: quando eu estiver conversando, não quero você passando no meio.” E Deus me livre! A gente já sabia que apanhava mesmo. Deus me livre! Eu não passava mesmo perto.
P/1 – E do seu avô, você lembra o quê?
R – O meu avô era branco. Era vistoso que nem meu pai; nariz afilado... Era bonito, o meu avô. Ele gostava demais de mim, sabe? Às vezes eu fazia manha, porque menina é sempre peraltinha, e minha mãe: “Peraí, Rosa! Que eu vou lhe dar umas lambadas!” Naquele tempo, era um cinturão de balata. Essa balata era como uma borracha: onde pegava, a marca ficava. Eu era meio danada, sabe? E quando a mamãe dizia pra mim: “Vá fazer isso e isso, assim, assim e assim..” E eu dizia: “Peraí, mamãe, já vou fazer!” Até hoje ela ainda é assim, quando ela fala: “faça isso, assim, assim e assim”, se eu disser “tá, mamãe, eu vou fazer depois”, ela acha que parece que a gente não quer fazer. E ela dizia: “Eu não estou lhe mandando, Rosa?” Então, a gente já sabia. Às vezes, quando eu não via, ela pegava aquele cinturãozinho pra me bater; eu corria, subia. Eram sete degraus onde meu avó era alojado no barracão feito de tábua. Eu subia aquela escadinha rapidinho, correndo. Chegava lá e me abraçava: “Vozinho, vozinho! A mamãe quer me bater!” Quando eu chegava perto dele, a mamãe não chegava, como daqui aí! Ele gostava demais de mim. Às vezes, ele vinha aqui pra Jaci-Paraná e levava um brinquinho pra mim; levava um anelzinho pra mim... Porque, você sabe, que pra pessoa que mora no mato, tudo é difícil. Então, às vezes ele levava um pedacinho de pano; a mamãe talhava e fazia duas calcinhas. Minha vida foi muito sofredora. E depois que eu fiquei de maior idade, eu fui casar. Casei com 22 anos. Eu falei: “Vou casar, tenho pouco estudo, conviver bem com meu marido, se Deus quiser”. Quando foi com quatro anos, Deus me tirou ele. Morreu de acidente de carro.
P/1 – E como você o conheceu?
R – Eu estudava no Colégio Maria Auxiliadora. Eu passava na rua do colégio e ele trabalhava numa cerâmica de fazer tijolos. Quando eu passava – eu era bem gordinha, baixinha, meus cabelos eram aqui, assim... Bonitos, os meus cabelos! Aí, ele falava pra mim: “Ei, baixinha!”, “Baixinha! Baixinha!”, “Mas os cabelos dessa baixinha são muito bonitos! E ela também, é muito fofinha!” Porque eu era gordona. E aí a gente foi se conhecendo, se conhecendo; aqui e acolá, ele: “Ei, menina! Eu quero falar contigo!”. E eu sempre saía, porque o meu pai era do tempo do carrancismo, sabe? Eu vou lhe dizer uma coisa: quando foi pra eu me juntar com esse aí, ele veio me pedir dentro de casa, que nem uma moça. Eu com quatro filhos! É, meu pai era do tempo do carrancismo!
P/1 – Carrancismo?
R – É, do tempo em que a pessoa era assim, tinha aquele carrancismo. Aí, eu estava com medo – um medo! – de apanhar! Esse Carioca falou: “Não, eu vou lhe pedir porque fica melhor. Está certo que você já tem quatro filhos, você é viúva, mas fica melhor se eu chegar e conversar com seu pai.” E eu: “Não, mas eu sei que papai vai me bater”. “Bate não, minha filha!”, dizia o Carioca. “Bate não”. E eu dizia: “Papai vai me bater.” Então, no dia, chegou um compadre meu lá em casa. Ele falou assim: “Hoje eu vou te pedir pro teu pai; pra ele saber que nós nos gostamos, sabe?” Eu passei quatro meses e 29 dias até chegar e botar a mão no ombro dele! Nós nos gostávamos só assim, espiando um para o outro. Aí, ele disse: “Vou pedir hoje pra namorar com você”. E eu disse: “Olha, eu não quero, porque meu pai vai me bater; meu pai é daquele tempo do carrancismo”. Aí, ele disse: “Não, mas é melhor do que a gente namorar escondido”. Aí chegou um meu compadre e falou: “Comadre, hoje tu vai apanhar. Tu vai apanhar!” Aí que eu ficava com medo mesmo! Eu disse: “Seja o que Deus quiser mesmo! Eu já tenho quatro filhos; eu tenho que arranjar um amparo, porque meus filhos são todos pequenininhos”. A minha filha, que trabalha na Federal estava com dois aninhos; o outro tinha um aninho; os gêmeos com dois meses de nascidos. Aí ele chegou e conversou com o meu pai. Ah, mas meu pai botou lá e botou cá! Falou o seguinte: “Ela já tem quatro filhos. É assim, assim, assado e cozido!”. E ele disse: “É. E o que é que eu posso fazer?” E aí eu passei quatro meses e 29 dias até conviver com ele.
P/1 – Esse foi o Carioca, o seu segundo marido?
R – Foi.
P/1 – E o seu primeiro marido, como foi?
R – Como eu falava, o meu primeiro marido eu conheci ele trabalhando na cerâmica, fazendo tijolo. A gente foi se conhecendo, se conhecendo. Aí ele foi, pediu pra namorar comigo lá em casa; meu pai deixou. Meu pai era daqueles que o que tinha que dizer, ele dizia. Eu tinha o meu avô, pai da minha mãe. Um dia, ele acendeu uma vela (pro senhor ver como era o tempo do carrancismo!) e chegou assim: “Eu vou espiar se é homem ou não é. Se vai dar conta da minha neta!”
P/1 – E aí, como foi a primeira vez que você foi mãe?
R – Eu estava com 22 anos. Casei-me com 21 anos e um ano depois eu tive essa primeira filha. Eu tive quatro filhos; tive gêmeos. Passei quatro anos com ele; teve um ano em que eu não tive filhos, mas faz de conta que todos os anos eu tive filhos por causa dos gêmeos, que eu não esperava. Aí ele faleceu. Ele capotou: ele vinha de Pimenta Bueno com a gatinha dele (que eu não sabia). Eu morava em Porto Velho e ele morava em Vilhena. Inclusive agora vai até sair um dinheiro para os meus filhos. Ele casou com a outra dizendo que eu era falecida, então eu não tenho direito. Ele vinha vindo e ela, na hora em que ele vinha passando na ponte de Pimenta Bueno, viu que ele deu uma parada e ao invés de pegar no volante, não, ficou espiando pro rosto dele. Aí capotou oito vezes; caiu lá embaixo. Quebrou-se todinho: quebrou a coluna, a bacia, duas pernas, quebrou um braço. Faleceu; e novo: com 35 anos.
P/1 – Vamos voltar um pouco... Você falou que aprontava muito quando pequena. O que você aprontava?
R – Assim: eu não tinha o que fazer, sabe? E meu avô comprava aqueles remédios que ele mandava buscar de Manaus, aí eu ia lá e achava bonitinhos aqueles vidrinhos, pegava remédio e derramava. Aí meu avô: “Menina, você não derrame esse remédio, porque se tu derramar esse remédio tu vai apanhar!”. Aí ele queria me bater e eu pensava assim: “Poxa, meu avô manda comprar esse remédio e é dinheiro, então não vou mais derramar”. Era assim mesmo que eu fazia com ele! [risos]
P/1 – E quando criança você estudava o que seu pai te ensinava e trabalhava na seringa?
R – Trabalhava.
P/1 – A vida na mata era essa? O que mais vocês faziam?
R – Eu estudei um ano na Maria Auxiliadora. Meu avô, pai do meu pai, pagou o Maria Auxiliadora; aí foi o tempo em que ele já estava doente, estava velhinho, sabe? Aí não teve mais condições de pagar o Maria Auxiliadora pra mim. Eu convivia com as irmãs lá no Colégio Maria Auxiliadora. Aí teve o tempo em que eu saí; fiquei estudando, cortando... Uma época de seis meses passava pra lá, quando enchia o rio, eu ia estudar. Inclusive está com três anos que eu estudava aqui; tem uma amiga minha que estudava junto comigo, nos Idosos.
P/1 – Você disse que quando enchia o rio você ia...
R – Eu ia estudar.
P/1 – Porque não dava pra trabalhar na seringa?
R – Não dava pra trabalhar, porque enche tudo, não tem como cortar.
P/1 – Então, na seringa, quando você trabalhava, eram seis meses de trabalho e seis meses...
R – Seis meses de seringa e seis meses que eu ia embora pra Porto Velho. Ia estudar, porque não tinha como trabalhar. Meu pai ficava lá e eu vinha pra Porto Velho.
P/1- E como é que era Porto Velho? Era muito diferente?
R – Era.
P/1 – A primeira vez que você chegou a Porto Velho como foi?
R – Porto Velho não tinha bairro nenhum. Ali, a Igreja Católica, eu vi derrubar pau dessa grossura de machado.
P/1 – A Igreja Católica era de pau?
R – Era, a de Porto Velho. Agora, pra você ver, eu fico naquelas paradas de ônibus e é tanto nome de ônibus que você não sabe nem pra onde vai.
P/1 – E quando você chegou na escola, as pessoas eram muito diferentes de você ou ia todo mundo pra Porto Velho estudar?
R – Não, porque tinha que ser unido mesmo.
P/1 – E a primeira vez que você foi pra cidade, você já tinha visto carro, já tinha visto essas coisas?
R – Já. Eu nunca fui criada com meus pais, eu fui criada nas casas alheias. Meus pais só viviam dentro do seringal, então eu fui criada pelas casas alheias. A criação que eu tenho hoje em dia quem me deu foram as casas alheias. Inclusive, tinha uma que morreu o ano passado que, nossa, eu considerava como minha mãe, porque ela me dava muitos conselhos: “Minha filha, vá estudar, porque é muito bom. Você aprende pra si própria; se você morre não tem pra quem você deixar”. Nossa, ela me dava muitos conselhos. Ano passado ela morreu de derrame cerebral.
P/1 – E como é esse negócio de casa alheia? Nos seis meses em que ficava alagado, você ficava na casa de alguém?
R – Ia pra casa dessa senhora, da madrinha Arimar, como eu chamava.
P/1 – Sempre pra casa dela?
R – Era. Eu ia pra casa dela.
P/1 – E como era essa casa?
R – Era de taipa. Ela era de tabuazinha. Eu vou contar como eu fui criada nas casas alheias: eu almoçava e não jantava. Eu só jantava quando meu pai mandava umas frutas lá do seringal, porque tinha muita tangerina, mexerica, laranja; carne de caça, que ele botava pra secar e mandava pra mim. Olha, lá nessa casa em que eu fui criada, nós almoçávamos bem: era feijão, arroz, macarrão, carne ou senão peixe; e a janta sabe o que era? Uma bituquinha de pão com chá mate. Isso às sete da noite; quando dava nove, dez horas da noite a minha barriga estava doendo de fome! Sabe o que eu fazia? Ia lá no vidrinho de sal dela, metia o dedo dentro do vidrinho de sal, passava na língua, metia dentro do sal, passava na língua, metia dentro do sal, passava na língua... Bebia água e ia dormir.
P/1 – E passava fome?
R – É, porque eles eram muito pobrezinhos, não tinha de onde eles tirarem. Naquele tempo não existia aposentadoria. Você sabe o que existia nessa época? Naqueles bancos de receber dinheiro, que eram muito poucos, tinha pessoas pedindo esmolas; a gente passava e a pessoa: “Me dá uma esmolinha, pelo amor de Deus.” E você sabe que pra eu comprar um lápis, meu pai dizia assim: “Senhor Antonio – o nome dele era Antonio e o dela Arimar – e dona Arimar, quando a Rosa precisar de um caderno, o senhor compra.” E ele era desses ruins e dizia: “Compro não! Compro não! Seu pai não paga!”. Mas quando papai chegava, a primeira coisa que ele procurava saber era: “Senhor Antonio, o que a Rosa pegou por aí? Eu vou lhe pagar”. Aí, sabe o que eu fazia? Sabe esses sacos de cimento? Eu pegava esses sacos de cimento e, com a minha madrinha Arimar, eu ia encher um tamborzão de água, puxando do poço com a mão. Enchia o da beira do poço e daquele da beira do poço eu enchia o do banheiro; depois que enchia o do poço. Quando eu terminava ela fazia aquele panelão, aquele caldeirão de grude e cortava aquele saco de cimento pra eu fazer os saquinhos. E ela tinha um filho, que hoje em dia é meu compadre, ele era desse tamanhozinho, tinha sete aninhos, todo miudinho – a gente chamava ele de passarinho. Aí, ela amarrava com aquele cordãozinho bem fragilzinho, e ele botava nas costas e ia vender no Mercado Central em Porto Velho, pra poder comprar um lápis.
P/1 – O que ele vendia?
R – Os sacos que eu fazia pra comprar um lápis, um caderno, um apontador.
P/1 – Essa casa ficava aqui em Jaci-Paraná também?
R – Não, em Porto Velho.
P/1 – Quantos anos você tinha nessa época?
R – Eu estava com oito anos.
P/1 – E já trabalhava pesado.
R – Já. Eu tenho essa minha clavícula quebrada porque, com dez anos, eu estava tirando castanha com o meu pai, mas choveu muito no caminho e o chão varou. Aí, meu sapato escorregou, porque era liso (se fazia o sapato de chiclete, de seringa), eu pisei numa raiz e escorreguei. Quando eu escorreguei, a lata de castanha passou por cima de mim e minha clavícula passou numa raiz e se fraturou. Eu passei mais de um ano com isso aqui... Naquele tempo, não existia gesso nem nada. Sabe o que minha mãe me dava? Mastruz, que é uma erva; me dava sumo de vassourinha.
P/1 – Todos remédios caseiros.
R – É. Quando eu estou costurando e me levanto, isso dói.
P/1 – E sua mãe conhecia esses remédios de onde? Ela aprendia com quem?
R – Com ela mesma, remédios que a pessoa que mora no mato sabe. Com a mãe dela, minha avó. Com a idade de treze anos, ela ficou sem a mãe, que faleceu. Aí ela via a minha avó fazer e ia aprendendo. Como eu, que sou meio curiosa: eu vejo uma coisa e fico só espiando; e aprendo logo.
P/1 – Você, dos oito aos 22 anos, continuou indo pra Porto Velho estudar ou não?
R – Aqui e acolá, eu ia pra Porto Velho. Do meio pro fim foi o tempo em que eu casei e aí pronto: tinha minha casinha, morava com meu marido. Só que meu marido era caminhoneiro, e o caminhoneiro arranjava uma gatinha aqui e acolá, e eu não sabia. Foi o tempo em que compramos uma casa melhorzinha; começamos a vender mola de carro. Cansei de entrar embaixo de um carro pra colocar as seis molas. Eu mesma, quando trabalhava com meu marido. Eu trabalhava no escritório, quando não tinha quem trabalhasse, eu entrava, desmontava e parafusava as seis molas. Inclusive, meu filho sabe mexer com carro. A gente foi comprando umas pecinhas, umas pecinhas... Aí ele juntou-se com o cunhado dele (foi o tempo em que ele se arranjou com meu irmão e casou comigo no Civil) e aí fui trabalhando, trabalhando, até o tempo em que ele morreu, caindo da ponte. Nesse tempo em que eu morava com ele, ele sempre dizia que doía o coração, mas as coisas eram todas difíceis. Não era como é hoje: você vai ali e faz um exame. E eu vou lhe dizer uma coisa: você acredita que eu já tenho até medo de ficar viúva de novo? Porque tem época que esse aí fica ruim do coração! Dói a cabeça; de noite ele não dorme, fica fatigado; ele fica falando: “Minha velha, parece que eu vou morrer!”. Aí eu ponho o ventilador em cima dele. Aparece uma quenturona, sabe? E aí eu falo: “Ai, meu Deus, já sou viúva! Deus me livre, Ave Maria!”. Minha vida é difícil.
P/1 – Você tinha falado do chinelo de chiclete. Eu achei legal. Eu queria que você me contasse como era a alimentação de vocês, porque vocês viviam no mato e toda a alimentação de vocês era ali mesmo que vocês arranjavam, né?
R – Era. Era cana moída; sabão que minha mãe fazia.
P/1 – Como se fazia cada um deles?
R – Meu tirava dois paus, colocava um no outro e fazia ele meio fino de um lado e do outro. Aí furava um buraco nesses dois paus; metia um pau; e aquilo ia moendo a cana, pra tirar o caldo da cana. Aí fervia pra fazer um café, um chá.
P/1 – E o sabonete?
R – O sabonete, a minha mãe tirava o óleo da andiroba, misturava pra fazer o sabonete. Ficava um sabonete cheiroso! Quando não, ela quebrava um coco de babaçu, botava pra coalhar. No outro dia, ela tirava aquela nata todinha, botava dentro de um caldeirão e fritava. Aquele oleozinho fininho, sabe? E ia fazer aquele sabonete cheiroso. Ficava branquinho! Ela batia, batia, bem batidinho mesmo! E quanto mais ela batia, mais branco ficava.
P/1 – E o sapato chiclete?
R – O sapato chiclete é assim: o meu pai tirava o tamanho do pé da gente (da minha mãe, meu, dos meus irmãos). Ia no mato, tirava aquele pedaço de pau e fazia tipo um pé, tudo direitinho. Quando ele fazia aquela forma, ele tirava o pedaço de pau deste tamanho, limpava bem e enfiava ali. Quando ele chegava da estrada, a gente defumava com coco: eu fazia o fogo na fornalha, saía aquela fumaça, meu pai colocava dentro do leite de seringa e defumava. Depois que terminava de defumar, eu ia fazer as capanguinhas. Para fazer as capanguinhas, eu fazia duas tábuas. Quando eu tirava, elas se fechavam; aí cortava aqui, cortava aqui e só ficava aquela coisinha no meio. Quando eu queria colocar um tabaco nas minhas amigas, eu colocava assim do lado. A capanga é assim: você corta uma tábua e põe, igual ao sapato. Aí você defuma aquilo tudinho, pega um pedaço de pau, corta, enrola bem direitinho. Corta dois pedaços pra colocar do lado da capanga, pra entrar o cinturão por dentro, pra você colocar na cintura. Aí você coloca o cinturão e pode colocar na cintura. Às vezes, as meninas chegavam lá e eu falava pra elas: “O que você quer? Você quer sapato chiclete, bolsa chiclete?”, que é um apelido que eu botei. Até esses tempos eu tinha as forminhas...
P/1 – E o que mais se fazia com a borracha?
R – Fazia bolsinha, capanga.
P/1 – E você vendia?
R – Vendia, dava para as amigas. Elas também não tinham dinheiro, então falavam: “Rosa, tu dá pra mim?”. Eu fazia balão. Sabe como? Eu fazia assim: pegava um vidro, colocava um pau no vidro seco. Molhava com o leite da seringa – segurando o pauzinho – na fornalha e defumava. Botava dentro do leite de novo. O papai não gostava que eu fizesse, mas eu gostava. Eu defumava, defumava... Aquilo ali chegava a ficar até coradinho. Aí eu pegava, enterrava, deixava passar dois dias no sol e na chuva. Aí eu ia, tirava aquela garrafa, pegava e assoprava. Quando fazia aquela bola eu pegava a capa da bacia que sobrava do leite, botava na fornalha pra defumar, pegava aquela capa e saía enrolando e fazia aquela bolinha pra gente jogar. Porque nós não tínhamos condições de comprar bola; e eu sou como essa minha neta: toda vida eu gostei de bola. Eu gosto de bola. Quando eu estudava no Colégio Maria Auxiliadora, eu jogava muita bola com as irmãs! E não tinha como a gente comprar uma bola, então eu inventava. Esfregava aquela bola, enrolava e ela ficava redondinha. Aí as amigas vinham: “Poxa amiga! Como foi que tu fez? Eu não sei fazer. Faz uma pra mim?”, “Faço se você me pagar.”, “Ah, mas eu também não tenho dinheiro.”, “Faço.”, e fazia. Mas o papai não gostava, porque eu enrolava na capa da bacia e ele precisava da capa da bacia, que ele cortava pra fazer fogo.
P/1 – Como era o relacionamento com as irmãs?
R – Olha, eu morava lá dentro com as irmãs mesmo, então eu estudava lá dentro com elas; brincava de bola; passeava; ia pra Igreja – Catedral, agora, em Porto Velho. Como eu falei: era só aquele caminhozinho que a gente fazia abrindo o mato. As irmãs de véu, grinalda, aquelas roupas com que a gente quase não via os pés das irmãs. Elas, naquela época – eu cansei de fazer isso, porque elas gostavam muito de mim – usavam uma placa cheia de botão atrás. Naquela época não se via os seios como se vê hoje, sabia? Aquilo era batido, então elas me chamavam pra abotoar aquilo atrás; eu ia e abotoava, aí eu via como era. Aquilo era cheio de linha. Então era tudo batidinho, não se via seio nas irmãs. Hoje em dia a gente vê aquelas irmãs com cada seiozão! Então, eu morava lá com elas, e elas me ensinavam a fazer bolo, fazer salgados, quebrar os ovos bem no meio. Elas sabiam: pegava uma linha de costura, amarrava no meio do ovo bem amarradinho, acochadinho. Aí mandava a gente bater. Aí batia. Mas cortava certinho! Eu aprendi muita coisa.
P/1 – E depois que o seu marido faleceu, você veio a conhecer o Carioca. Como foi?
R – Eu passei quatro anos e nove meses sozinha, trabalhando, cuidando dos filhos. Nunca dei nenhum dos meus filhos. Tinha dias em que eu saía pra trabalhar – eu trabalhava num supermercado aqui em Porto Velho – chegava lá e ia limpar aquelas coisinhas, aquelas frutinhas. Quando eu saía de casa, deixava uma senhora de idade e o dinheirinho só dava pra pagar a mulher. Eu pensava: “Meu Deus, como é que eu vou comer?”. Aí eu ia, conversava com minha patroa, ela ia e comprava aquele rancho e eu ficava comendo com meus filhos. Aí, um filho precisava de uma sandália e não tinha; precisava de um calção novo, de um short e não tinha. Por isso que às vezes eu digo pra essa minha neta: “Minha filha, você tem tanta mordomia, minha filha”. Eu tenho uma neta com 17 anos e eu canso de me sentar, com a minha filha mais velha falando: “Mamãe, conte a sua vida pra sua neta. Senta aí minha filha”. E a minha neta: “A vó já é velha, a vó já é velha”, ela fala. Aí eu digo: “Minha filha, eu fui criada assim, assim, assim e assim”.
P/1 – Você morou em Porto Velho com seus filhos. Por que você não veio pro mato?
R – Eu vim.
P/1 – Ah, você continuou seis meses lá e seis meses cá?
R – Foi. No tempo em que eu fiquei viúva, eu vim pra casa da minha mãe; e meus filhos adoram minha mãe. E ela também gosta dos netos.
P/1 – Quando você conheceu o Carioca?
R – A gente começou a se conhecer andando por lá, por cá. Aí ele começou a me espiar, eu espiava ele, e aí foi indo, foi indo... E nos juntamos. Ele foi lá em casa, me pediu. Disse que gostava de mim. Ele conversava comigo, e disse que tinha muita pena, porque eu era uma mulher muito trabalhadeira e ele me via com quatro filhos. Então, ele me dizia: “caso eu peça aos teus pais pra conviver contigo, tu quer?” Eu dizia: “Quero não”. “Por que você não quer?”, “Porque, Deus me livre! Está arriscado o meu pai me dar uma peia!”, mas ele dizia: “Não, mas você precisa, você é uma menina nova, você precisa de uma pessoa pra viver ao seu lado, pra ajudar a criar os seus filhos”. Mas eu tinha medo. Aí meu pai falou assim pra mim: “Olhe! Você já tem quatro filhos; quero ver você arranjar mais um! Eu lhe mato na peia!”. Aí eu ficava com trauma.
P/1 – Quando vocês se juntaram, vocês vieram morar em Jaci-Paraná definitivamente?
R – Nós ficamos lá mesmo, cortando seringa.
P/1 – Como funciona a seringa? Como corta, quais os tipos de seringa, como funciona?
R – A seringa, pra cortar tem espinha de peixe, cara de gato. São tipos de corte. Meu pai fazia uma raspadeira, um arame... Naquele tempo tinha umas caixas que a gente comprava, que tinham uns arames nessas caixas. Hoje em dia é mais papelão, mas naquele tempo eram caixas, que vinham umas aspas, como meu pai chamava. Então, meu pai pegava e colocava aqui assim dois paus; pregava; e quando a gente chegava assim na madeira a gente raspava pra ficar limpinha, pra poder cortar melhor.
P/1 – E aí tinha vários tipos de corte.
R – Cara de gato, espinha de peixe. Se fosse grossa a seringueira, você podia fazer três bandeiras ou quatro.
P/1 – A seringueira tem só um tipo ou mais de um?
R – A seringueira tem dois tipos: a itaúba e tem a roxinha. A itaúba, quando se corta ela, quase não dá leite, ela é mais de centro, não é da margem. Agora, essa de casquinha roxa, é de margem, de baixo. E o pior é que no mês de agosto ela dá pouco leite; em agosto o leite sobe e vai pras folhas; caem todas as folhinhas e nasce outra. Aí ela vai florar pra sair o botãozinho, que é a frutinha. Depois do mês de agosto, lá pro dia cinco, dez de setembro, ela já começa arriar de novo. Aí dá um leite bonito, grosso!
P/1 – E nessa época vocês vendiam pra quem?
R – Ele vendia pro senhor Augusto Leite – já são todos falecidos – e pro senhor Leônidas.
P/1 – Vocês vendiam sempre pelo seu pai?
R – Na época do meu pai, era pro senhor Augusto Leite, pro senhor Leônidas; no tempo do meu marido, o Carioca, ele vendia para o senhor Jamim Basta.
P/1 – E eles eram o que, comerciantes?
R – Eles pegavam a mercadoria, botavam num barco bem grandão; subiam rio acima comprando a borracha e a gente comprava a mercadoria quando eles vinham aqui pro Jaci, porque se tivesse que vir até aqui, gastava mais.
P/1 – Eles vendiam a mercadoria pra vocês e vocês vendiam borracha pra eles?
R – Era assim. E aí era bom pra quem tinha motor. O meu pai, no começo não tinha, mas aí ele conseguiu comprar um motorzinho e vinha vender aqui em Jaci; quando não, ele comprava, porque o meu pai era de barriga cheia: tudo ele comprava com fartura. Está aí a minha mãe que não me deixa mentir. Porco, galinha, gado, tudo a gente tinha. Cabra? Ele fala que ele foi criado com leite de cabra. Tirava leite de cabra e tomava na hora: “Minha filha, esse aqui é que tem força!”. Era um bicho bem bonitão, bem vistoso ele. Era bonito, o meu pai. Não é porque era meu pai, né? Ele falava grosso. Mas vou lhe dizer: ele era desses que se dissesse que pedra era pedra, era pedra mesmo. Meu pai era realista, sabe? Morreu e não devia nada a ninguém. Trabalhador: não faltava dinheiro; não faltava rancho. Se o senhor visse quando eu fiquei sozinha, ficava assim de gente dormindo lá na casa do meu pai, todos me paquerando – eu era novinha, sabe? E aí eu via que ele me espiava, me pastorava; porque naquele tempo a criação era outra.
P/1 – E como foi quando seu pai faleceu?
R – Ave Maria! Quando meu pai faleceu, quase que eu morro também. Eu não estava aqui, estava em Manaus. Quando eu cheguei – ele é sepultado aqui nesse cemitério –, com meia hora saiu o sepultamento dele. Ave Maria, pra mim foi uma tristeza! Você sabe que depois que meu pai faleceu, tudo pra mim mudou, tudo. Quando meu pai era vivo, era outra coisa: se você chegasse na casa dele, parecia que ele já te conhecia há muito tempo. Era aberto pra conversar, prosava, contava história! Ele era assim.
P/1 – Você aprendeu muito com ele...
R – Eu aprendi pouco, porque não dava tempo...
P/1 – Depois que ele faleceu, a senhora continuou trabalhando na seringa?
R – Continuei. Foi nesse tempo que jogaram arma pra cima de mim, com esse meu marido. Jogaram arma em cima de mim lá no meu lugar, no meu seringal. São seis estradas de seringa que dão um leite bonito! Foi no tempo em que esse meu marido, o Carioca, foi pra Goiânia, porque teve um problema de coração e quase morreu. Aí, eu passei seis meses afastada de lá. Quando eu voltei, estava tudo acabado: derrubaram tudo.
P/1 – Quem derrubou?
R – O pessoal que vem descendo de Buriti. Derrubaram tudo, meteram uma casa bem grandona, bem feitinha, bem teladinha, com tudinho, janela. Puseram uma placa: “Fazenda Capa Preta”. Ameaçaram, né? Até hoje ninguém sabe quem é; eu já corri atrás. Às vezes, o Carioca fica nervoso, porque tem problema do coração, aí eu digo: “Não, meu velho, tenha paciência. Tenha paciência”. Porque só vamos eu e ele, aí eu tenho medo de eles me matarem, matarem ele. Fazerem o que quiserem de mim e me matarem. Aí, nós fomos trabalhar na Associação dos Seringueiros, ajuntamos um dinheirinho e compramos esse terreno, que é onde nós temos hoje essa casinha, fomos construindo. Estou trabalhando no restaurante. Aqui todo mundo me conhece. Eu já trabalhei com o dono daqui, o Pará; já trabalhei com o Ademar; já trabalhei com o Tonhão; trabalhei com o Chico Lata. Ele, quando chegou aqui, estava puxando um cachorrinho; e eu ajudando, ajudando, ajudando. Pegava um dinheirinho, tomava nota de tudinho, levava tudo anotado pra casa. A mulher dele estava no hospital, foi ganhar nené. Vixe, eles gostam demais de mim. E eu digo: “Graças a Deus, meu Deus, que tem gente que se confia em mim”.
P/1 – E quando você se juntou com o Carioca, a criação dos seus filhos foi mais fácil?
R – Pra mim foi mais fácil, porque ele nos ajudou, e todos o respeitam como pai. Todos eles, até a mais velha, que tem 40 anos. Ela fez 40 anos dia sete de janeiro. Fez quarenta anos e respeita ele como um pai legítimo. Ela diz: “Eu adoro meu pai, porque meu pai nos criou”. Porque ela ficou com dois aninhos; o outro, que trabalha na Uni, ficou com um aninho; e os gêmeos com seis meses. Eu passei quatro anos e nove meses sozinha, mas aí, quando nós começamos a nos conhecer, durante esses quatro anos e nove meses, eles se acolheram, ele me acolheu, e meus filhos, e eles até hoje contam essas histórias. Gostam demais dele. Meus filhos? Quando sabem que ele está doente, Virgem Maria! Por eles, ele estaria em Porto Velho fazendo outros exames. Ele fez uns exames esses tempos e eles: “Paizinho, venha pra cá.” E ele: “Tá, eu vou meu filho”. Mas aí ele disse: “Se eu for pra lá, eu morro antes da hora, por causa da quentura!”.
P/1 – E como foi a criação dos seus filhos?
R – Olha, criei assim: eu no seringal...
P/1 – Ele trabalhava no seringal também?
R – Trabalhava. Cortou muita seringa, o Carioca!
P/1 – Seus filhos também?
R – Também. Às vezes eu ia pra estrada com ele: ele ia pra uma estrada e eu ia pra outra; a menina ficava fazendo a comida; outro ficava fazendo a comida pros porcos e pras galinhas. Era assim. Meus filhos todos foram bem criados na mata. E assim a gente vai vivendo a vida.
P/1 – Você me falou da Associação dos Seringueiros. O que foi isso? Como foi? Vocês estão fazendo arrastão, é isso?
R – É. Eu gosto muito de pescar, eu ando muito com minhas amigas pescando. Eu tenho carteira de pescadora.
P/1 – A senhora aprendeu a pescar com quem?
R – Eu aprendi a pescar quando eu morava lá no seringal, porque eu ia pescar com o meu pai. E aí eu fui aprendendo a pescar, comprando linhada. Como eu gosto de pescar!
P/1 – E como vocês pescam aqui?
R – A gente compra uma linhada, joga. Põe um anzol e uma isca, joga. Aí, deixa o peixe puxar. Pega o espinhel, faz aquela linha grande, põe o anzol, amarra num lugar em que a gente sabe que o peixe vai passar. De malhadeira também, só que agora está proibido; está ficando tudo difícil. Eu tenho uma malhadeira lá em casa; tenho lá no seringal também. Aqui eu tenho malha miúda e lá eu tenho malha graúda. Eu já estou com nove anos de pesca.
P/1 – Você viveu de pesca nesses nove anos?
R – É, esses nove anos eu estou vivendo de pesca, porque relaxou o preço de seringa e os invasores acabaram com tudo.
P/1 – Faz muito tempo que eles invadiram?
R – Já faz um tempão. Eles vêm descendo o Buriti. Jogaram arma em cima de mim e quem é que quer morrer? Ninguém.
P/1 – E o que é a Associação dos Seringueiros?
R – O meu marido, o Carioca, trabalhava na Associação dos Seringueiros, era o presidente. Então, ele ia pra São Paulo, Rio de Janeiro, trazer recursos pro pessoal aqui de dentro, para os seringueiros. Só que, com essa invasão que teve, não tem mais quem corte seringa. Ele era o presidente, corria atrás da mercadoria pra trazer pro pessoal; vinha dinheiro pra ele comprar o gás, comprar o óleo, a gasolina – pra ele mesmo e pra deixar pro pessoal. Vinha cesta básica – uma cesta de um tamanhão, sabe? Aí ele falava pra mim: “Minha velha, você vai me ajudar lá na Associação?”. Eu digo: “Vou”. Aí pegava, via o nome das pessoas na relação de papel, fazia naqueles papeizinhos de papelão: botava o nome e furava, amarrava com um cordãozinho num saco.
P/1 – E a Associação foi fundada por quem?
R – Eu não sei bem te informar, porque era mais ele quem mexia com isso; e eu ia com ele: pra Brasília, pra Costa-Mar. E como eu gostava de viajar! E se continuar eu vou viajar com ele!
P/1 – E quais lugares que a senhora foi e gostou de conhecer?
R – Eu fui pra Brasília e gostei; fui pra Costa-Mar e gostei; em Guajará-Mirim, a gente tinha reunião.
P/1 – Era muito diferente lá?
R – Eu achava bom, porque era tudo por conta da Associação: dormida, comida, tudo. Aí eu conheci uma senhora de nome Jacira e comecei a aprender artesanato de cipó. Só que a maior parte do que eu fiz foi pra Brasília. Quando eu fui pra Brasília, eu ganhei bolsa, ganhei bastantes livros, ganhei uma blusa, ganhei um chapéu, porque foi aprovado o nosso trabalho de artesanato de cipó. Ganhei uma bolsa bem grandona e tantos livros bons! Até hoje eu tenho: tem do meio-ambiente. Muito gostoso.
P/1 – Está sendo construída a Usina aqui e eu queria saber: sua casa vai ser alagada?
R – Domingo retrasado a gente foi numa reunião, porque eu sou procuradora da minha mãe e ela vai sair da beira do rio, então o laudo dela já veio. O laudo dela está na minha mão. Ela preferiu a casa e o resto em dinheiro.
P/1 – Ela vai perder a casa?
R – Vai. Só que já caiu na conta dela... Ela não tinha conta aberta, eu abri uma conta aqui no banco pra mim, pra que eu pudesse abrir uma conta em Porto Velho pra ela. Eu abri a minha conta aqui, abri a conta dela lá em Porto Velho, e quando foi um dia desses uma amiga foi na casa da minha mãe, mas minha mãe estava em Porto Velho. Aí, ela foi lá em casa e me procurou. A vizinha: “Dona Rosa, aí tem uma senhora!”. Eu saí e era ela. “Sou eu, mulher”. Ela pegou e falou: “Olha, três mil e seiscentos reais já caíram na conta da sua mãe. A senhora está com o laudo da sua mãe aí?”. Eu disse: “Estou”. “É que eu fui lá na casa dela e ela não se encontra”. Eu disse: “Ela está lá pra Porto Velho, está meio adoentada”. “Então, mostre aí o laudo dela”. E eu mostrei. “Olha, três mil e seiscentos já caíram na conta da sua mãe. Então, olhe, ela preferiu a casa e vai receber a casa. Depois que ela receber essa casa ela vai receber mais uns vinte e dois mil e pouco”.
P/1 – E o quê que vai mudar na sua vida com a construção da Usina?
R – Olha, por uma parte foi bom porque arranjou muito trabalho aqui pro povo. Mas eu vou lhe dizer uma coisa: vai ser uma tristeza. Agora mesmo eu estava conversando com a minha vizinha que isso aqui é um lazer! Uma coisa linda, né? Isso aqui, lá pra 2012, você acha que aqui vai estar do jeito que está?
P/1 – Você acha que vai alagar?
R – Vai, porque no inverno isso aqui fica coberto. A gente passa de ônibus por aí e isso aqui está tudo coberto. Vai ficar muito difícil pro povo; eu tenho muita pena. Eu tenho umas amigas que moram ali e outras lá no Jaci, que às vezes elas dizem: “Rosa, vamos comprar uma galinha?”. E eu digo: “Vamos”. A gente pega a bicicleta e vem. Compra as galinhas, as laranjas. E tem linha. Tem uma Linha que é do Ibama e passa lá pelo seringal, há três quilômetros do meu seringal. E aí vai subindo. E vai sair todo esse povo daí. Tem gente que chora e chora pra não sair. E eu acredito, porque morador de antigamente é assim. Eu que sou eu, de quando jogaram armas em cima de mim, tem vezes que me sento nos banquinhos lá e choro, porque de lá eu tirei o pão de cada dia pros meus filhos. Meus filhos foram todos criados com o pão de cada dia que eu tirei de lá.
P/1 – Você pretende continuar aqui em Jaci-Paraná?
R – Pretendo. Eu acho que tão cedo eu não saio daqui, não. Eu até já falei para a mamãe: “Mamãe, quando eu morrer me ponha pertinho do meu pai”. Já mandei fazer – eu tinha uma casa aqui na beira do rio, que vendi por quatro mil e hoje ela está indenizada em cinqüenta e um mil; eu constituí um advogado em Porto Velho há dois anos e seis meses e esse advogado nunca fez nada. Quando foi um dia desses, ele me ligou, eu disse umas coisas pra ele, ele falou outras pra mim. Eu falei que estava muito custoso isso, que minha idade já está chegando, que eu já estou com 59 anos praticamente. E ele: “Não, Dona Rosa, tenha paciência, não se preocupe. A senhora tenha fé em Deus”. Porque eu estou tentando me aposentar pelos Soldados da Borracha, sabe? Então, mandei fazer a casinha do meu pai lá no cemitério, está muito bonitinha a casinha do meu pai; minha mãe mandou fazer a catacumba dele, muito bonita. Estão enterrando gente em três por quatro, mas eu já fiz um cantinho lá e falei: “Aqui é que eu vou ser enterrada. Estou dizendo pra vocês!”. A minha mãe diz que não quer ser enterrada, quer que faça gavetão. Vamos ver, se eu estiver viva, né?
P/1- - Você disse que vendeu uma casa por quatro mil. Foi recente isso?
R – Faz quatro anos.
P/1 – Foi um corretor que chegou pra você? Como foi isso?
R – Não. Eu tenho um rádio lá em casa, então eu assisto o Jornal de Brasília. Esse projeto está de três anos pra cá; esse projeto em que estão indenizando as casas. E está com cinco anos que eu vendi a minha casa, praticamente quatro anos e pouco.
P/1 – Mas você tinha escritura da casa, documentos?
R – Tinha, tinha documentos, foi passado em Cartório. Um dia desses, esse que comprou foi lá em casa e falou: “Dona Rosa” – eu estava com um montão de roupas pra lavar –, “eu vim aqui porque eu queria ir lá no Cartório com a senhora, porque eu vou abrir uma conta pra mim”. “Pois não, agorinha”. Troquei de roupa, entrei no carro e fui lá no Cartório, passei a letra pra ele, ele pra mim, e tenho o recibo da casa lá. Então, foi feito esse projeto em Brasília, porque a Usina Hidrelétrica de Tucuruí não foi indenizada! Eu tenho uma amiga, velhinha, que ia pra lá, ficava debaixo de lona, debaixo de arvoredo, tudinho, e nunca foi indenizada. De três anos pra cá que foi indenizado. Eu digo: é uma benção que Santo Antonio indenizou esse povão, porque vai que não indeniza? Pra onde esse povo ia? Me responde: pra onde esse povo ia? Inclusive minha mãe, coitada, aquilo ali foi o meu pai quem deixou pra ela. É difícil, né?
P/1 – Você tem algum sonho?
R – Tenho. Tenho o sonho de morar lá em cima do meu sítio. E vou!
P/1 – Do seu seringal?
R – É. Eu tenho. Dia desses, eu falei pro meu marido: “Eu gosto muito do meu sítio. Demais”. Quando chego lá, parece que eu me sinto tão feliz! Parece que eu durmo bem.
P/1 – E aquele sítio foi você quem construiu?
R – Foi, derrubado de machado, com essas mãozinhas e as desse Carioca. Nós não tínhamos condições de comprar uma motosserra, eram meio complicadas as coisas.
P/1 – Como foi relembrar a sua história, como você se sentiu ao contar sua história?
R – Eu coloco tudo na minha cabeça, sabe? Se eu for num lugar uma vez, eu conheço. Tem gente que às vezes vai duas ou três vezes e não sabe. Eu sei. Só se eu fosse dentro de um camburão, Deus me defenda, que eu nunca entrei num camburão; mas se eu for andando e enxergando, ou de carro, eu sei. Assim mesmo é a história.
P/1 – E por isso você acha importante contar a sua história?
R – Acho, eu tô sempre a contar a lenda da minha vida pras minhas amigas. Na sala de aula, eu converso com elas: “É mesmo? A minha vida não foi assim, não”. Mas eu digo: “É, mas a minha vida foi sofredora, minha filha”. Com a idade que eu tenho – daqui dois anos vou fazer 60 anos...
P/1 – Muito obrigada pela entrevista, Dona Rosa.
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