A RODA DO MEU FABULOSO DESTINO (Conto futurista de Cynthia Theodoro Porto)
Ofereço aos meus saudosos Professores Zeilig Nachim e José Domingos da Silveira.
- O que você vai ser quando crescer? - Perguntaram-me.
-Poeta. - Respondi.
- Poeta não. Poetisa. - Co...Continuar leitura
A RODA DO MEU FABULOSO DESTINO (Conto futurista de Cynthia Theodoro Porto)
Ofereço aos meus saudosos Professores Zeilig Nachim e José Domingos da Silveira.
- O que você vai ser quando crescer? - Perguntaram-me.
-Poeta. -
Respondi.
- Poeta não. Poetisa. - Corrigiu a pessoa que me indagou. A mesma ria da minha resposta. Desde quando poeta é profissão? Não enche a barriga de ninguém e nem dá camisa.
Acontece que cresci, virei poeta, nos eventos todos há comidas a fartar e ganhei camisa sim, de algodão do bom!
Meu primeiro contato com a poesia foi com o livro-cartilha do segundo ano primário VAMOS SORRIR. Havia nesse mágico livrinho poesias de Manuel Bandeira, Dulce Carneiro, Bastos Tigre. O TREM DE FERRO de Manuel Bandeira
era o máximo, assim como as trovas de Dulce Carneiro.
Todos contidos nesse encantado livro de leituras.
Aos onze anos de idade fui a um almoço festivo e nesse evento meus pais e eu nos sentamos à mesa do restaurante com o poeta Ibrahim Nobre. Disse-lhe, ao saber que Ibrahim era uma celebridade:
- Poeta Ibrahim Nobre, quando eu crescer, vou ser poetisa.
Ele sorriu para mim e me respondeu:
- Você não precisa esperar crescer. Comece já.
- Poeta é profissão? - Perguntei-lhe.
- Para mim é uma nobre profissão. Por isso me chamo Nobre. Ibrahim Nobre.
Os anos foram passando, comecei a estudar piano mas meu sonho era também tocar acordeão. Meu pai me prometera um acordeão quando eu estivesse mais adiantada nos estudos de piano. Esperei muito e aos vinte e cinco anos de idade, comprei um e tomei aulas, podendo me apresentar com o piano e a sanfona, harmônica ou acordeão. A música me leva à poesia. Também aprendi primeiramente, francês e inglês, mas o meu maior sonho seria aprender a falar, a escrever e a ler em hebraico.
- Mas você não é judia. - Diziam os \"desincentivadores de plantão\". - É difícil.
- E daí? Se hebraico é difícil, eu posso aprender sim.
- Você vai acabar se casando com um judeu.
Ora, meu primeiro namoradinho, no segundo ano primário, era judeu. Cresceu, sumiu dos meus contatos e tornou-se rabino ortodoxo, talvez no exterior ou em algum planeta distante da Terra. A roda do destino foi bem diferente. Tive namorados judeus, mas não me casei com nenhum deles!
Meu sonho de me tornar pianista também se dissolveu: músico sofre muito porque os cachês são raros e escassos e um estudo no exterior seria muito custoso. Mesmo tendo ingressado numa faculdade de música, desisti logo no primeiro mês. Acabei cursando letras na USP e o idioma estrangeiro que escolhi foi hebraico. Meu sonho de aprender o idioma dos judeus estava prestes a se realizar. O meu destino estava selado com a poesia, a música e a faculdade de letras, onde cursei língua e literaturas portuguesas, latim e linguística, além da complementação pedagógica. O meu sonho de lecionar idiomas, inclusive o hebraico, estava bem nítido. Porém, a roda do destino... Dei aulas de português e inglês em escolas particulares e públicas. Pagava para trabalhar, praticamente falando. E o hebraico?
Do primeiro ao quarto ano fui a melhor aluna das aulas de hebraico. O corpo docente me incentivava, dando-me expectativas de também pertencer ao grupo de professores universitários. Parecia que eu era a escolhida para fazer a pós-graduação depois de me bacharelar.
Nós alunos tínhamos um cartão branco do chefe da cadeira de estudos judaicos para frequentarmos as bibliotecas e centros de estudos da Congregação e da Federação Israelita de São Paulo, com direito às palestras e eventos de clubes da colônia judaica. Entretanto, ao conhecermos nessas entidades alguns intelectuais de renome, um deles, o Professor Nachim, certa vez esse cidadão olhou-me fixa e secamente, aconselhando-me:
- Você deveria tentar outra carreira e não a de professora de hebraico. É
perda de tempo e o campo de trabalho está restrito somente para a coletividade judaica e olhe lá!
Muito sentida e melindrada, antipatizei com ele. Anos mais tarde, quase formada em direito e fazendo carreira na Justiça do Trabalho, encontrei com o mesmo professor Nachim, bem velhinho, na sede do Centro de Estudos Judaicos, atual UNIBES. Ele se lembrou de mim, inclusive do meu nome, encarou-me, e dessa vez, com um olhar mais amistoso, fez o seguinte aparte:
- Você fez algo direito em sua vida: o curso de direito.
Sorri satisfeita. Até fiz um soneto em homenagem a ele, constante no meu livro A LIRA DE AQUÁRIO. Pena ele não ter presenciado essa minha realização. Tinha morrido uns anos antes. Quem poderá garantir que ele adquiriu um exemplar no Além?
Voltando aos anos setenta, o meu saudoso professor de latim, o Professor Silveira, disse-me como um bom conselheiro:
- Dedique-se mais às artes lítero-musicais. Hebraico não lhe trará futuro algum, salvo se você quiser prestar serviço militar em Israel. Ou então quando você se aposentar, menina.
Na minha concepção de uma recém-saída da adolescência, um aposentado era sinônimo de velho caduco e incapaz de aprender algo novo. Hoje, na casa dos \\\"sessentinhas\\\", analiso essa crença limitante e agradeço aos saudosos Nachim, Silveira e tantos outros que me aconselhavam a seguir outra carreira, incluindo a de servidora pública.
No quarto e último ano
da graduação em letras, inúmeros trabalhos de conclusão em todas as disciplinas. Em hebraico, deram-me um livro de poesias escritas em hebraico. Chamava AS SETE CANÇÕES DE ISRAEL. Eram poesias rimadas e metrificadas para serem traduzidas para o português. Vencedora num concurso de sonetos aos treze anos de idade, consegui fazer o que poucos tradutores de poesias conseguem: a tradução fiel com métrica e rimas em português, sem alterar o sentido do texto original. Todos os professores
do departamento de estudos judaicos ficaram encantados e o nosso \"monstro sagrado\", vulgo \"Profe X\", chegou a me contar que pretendia publicar as poesias com o meu nome em destaque. Acontece que cometi um lapso quando entreguei o meu caprichado trabalho: tinha me esquecido de tirar uma cópia para os meus arquivos e naquele tempo, um registro autoral era um ato repleto de burocracias, além de ter um alto preço. E a roda do destino me pregou outra peça: sem os originais, apesar de ter concluído o curso brilhantemente, fui terminantemente barrada na matrícula para curso pós-graduado. Decepcionada e aos prantos, encontrei-me com uma colega que não era e nunca foi a melhor aluna. Ela estava muito alegre, com um sorriso de orelha a orelha, contando-me que havia sido aprovada no exame de ingresso à pós-graduação. Arrisquei uma pergunta:
- Como você conseguiu esta proeza?
Após uma sarcástica gargalhada, respondeu-me:
- Bobinha... Não é só conhecimento que pesa. Tem outras coisinhas que você é tão criancinha que vai acabar com a sua inocência... Agora, fica uma dica: tente resgatar a sua tradução das sete canções, porque o \\\"Profe X\\\" vai publicar como sendo ele o tradutor. Você só botou azeitona na empadinha dele e vai ficar chupando o dedo. Mas, se você quiser virar o jogo, amoreco...
Se não fosse a minha querida amiga Rosa, que também tinha sido barrada no curso, igual a mim, eu teria agredido aquela fulaninha. Chorei muito e decidida a acatar os conselhos dos meus pais e dos professores Nachim e Silveira, estudei com afinco para uma nova vida de servidora pública, já que a carreira de professora em escola pública era inconcebível para mim: escolas de periferia, sendo algumas em lugares com altos índices de violência e criminalidade, além de condições sub-humanas.
Uma vez investida em cargo público efetivo, o ano era de 1982, recebi uma visita de um ex-professor da USP. Essa visita tinha dois propósitos: passar informações
de minha pessoa ao corpo docente da cátedra de estudos judaicos e contar-me que o \"Profe X\" publicaria em breve AS SETE CANÇÕES DE ISRAEL.
A princípio, não acreditei nas palavras daquele informante. Entretanto, para minha surpresa e a roda do destino que parecia, então, conspirar contra mim, meu pai mostrou-me o encarte de cultura e eventos sociais do jornal, onde constava um \"close\" do tal \"Profe X\", anunciando a festa de lançamento de sua mais recente tradução das \"famosas\" sete canções de Israel. Soube que a festa foi a rigor num suntuoso clube da capital paulistana. Adoeci física e psicologicamente. Ao procurar ajuda espiritual, um voluntário aconselhou-me a não desejar mal a esse \"irmãozinho\" afastado da luz, pois é implacável a lei de ação e reação. Não demorou muito. Alguns anos mais tarde, fui informada que o \"Profe X\", depois de aposentado e viúvo, foi internado numa modesta casa de repouso e tudo orquestrado por seus \"adorados\" filhos. A roda do destino foi implacável para ele.
Continuei a seguir a minha carreira de servidora, sem deixar de lado os estudos e as artes lítero-musicais. Fiz pós-grduação a distância e
língua portuguesa e aproveitando o entusiasmo, cursei mestrado, doutorado e pós-doutorado em jornalismo cultural, adquirindo mais uma profissão: a de jornalista. E de quebra, um curso de autoconhecimento. Eu já fazia parte da Orquestra Sanfônica de São Paulo e havia participado de dois concursos de acordeão em Castelfidardo, na Itália, quando a orquestra venceu em segundo lugar. Aproveitei para visitar Israel e perceber que eu não tinha esquecido a língua hebraica. Prometi a mim mesma reativar o hebraico.
Em 2005, houve o lançamento do meu primeiro livro. A LIRA DE AQUÁRIO e em 2011 fui convidada pelo autor Tibor Simcsik para escrever em dupla com ele, um \\\"thriller\\\": CSÍMBOLO G EM TRANSE. A roda do destino girava e continuou o movimento com a minha aposentadoria integral. Hoje, autora de quatro livros, conhecida na Brasil e no exterior, relembro e abençoo todas aquelas pessoas que para mim eram \"desincentivadoras de plantão\" e que hoje as considero os meus verdadeiros mestres e incentivadores. Durante o isolamento devido a pandemia do corona vírus, escrevi a novela paulistana MEMORIAL DE AGNES, PÉROLAS E DIAMANTES, MEUS MOMENTOS (MEU PORTO), JUÒ BANANERE E A LITERATURA BRASILEIRA e atualmente, nessa metade do ano de 2023, no prelo, o romance para a juventude CORAÇÃO DE AMIGO. Em maio de 2022 fui contemplada com o título de baronesa pela Casa Real Imperial Godos do Oriente de Petrópolis e nesse mesmo ano, a cátedra MANUEL BANDEIRA na Academia de Ciências, Letras e Artes de São Paulo. Interessante o foto de que me tornei poetisa graças a um poema de Manuel Bandeira.
Ao procurar na internet a tradução de AS SETE CANÇÕES DE ISRAEL, não encontrei nenhum resultado. Todavia, ao escrever o nome originalmente em hebraico, usando o teclado especial, deparei com um velho exemplar à venda. Matriculada num curso de hebraico em nível de mestrado diretamente de Jerusalém e 100% on-line, o meu próximo passo de me tornar doutora em língua hebraica está concretizado. É a roda do meu fabuloso destino. Cresci, sou poetisa profissional, advogada, jornalista, escritora e acima de tudo, empoderada. FIM.
(Cynthia Theodoro Porto (Baronesa Theodoro Porto), a autora deste texto, é escritora e jornalista.Recolher