Programa Conte Sua Historia
Depoimento de Hugo Paz
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 30/09/2015
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Bom dia, primeiro, Hugo. Pode falar seu nome, local e data de nascimento pra gente?
R – Meu nome é Hugo Paz, sou nascido em São Paulo, nasci no ano de 1987.
P/1 – E seu pai, qual que é o nome dele? Ele nasceu onde?
R – O nome do meu pai é Carlos Rodrigues Paz, nasceu em São Paulo também e o nome da minha mãe é Ângela Maria da Silva Paz, ela é de Minas Gerais, cidade de Uberaba, ali, fica no Triângulo Mineiro.
P/1 – E qual que é a história da família do seu pai, você sabe de onde eles vieram?
R – Olha, da família do meu pai… (risos) da minha mãe, eu peguei um pouco mais assim.
P/1 – Mas a família do seu pai?
R – Eu sei que eles nasceram na região do Caxingui e eles acabaram vendo a construção do Estádio do Morumbi e lembro que o meu pai sempre falou pra mim que ele conheceu a região do Butantã quando era só mato. Então, era uma imensa roça (risos). E hoje a gente vê como tá evoluindo a região do Butantã, construção do metrô, industrias, comercio crescendo muito na região. Eu sei dessa história do Caxingui, na época em que tinha muito mato ali, eles viram a construção do estádio, eles são originários aqui mesmo de São Paulo. Inclusive o meu avô, ele tocava música caipira nas rádios.
P/1 – É? Conta mais.
R – Vou contar meio por cima, nas rádios populares da época. Agora, eu não vou lembrar bem o ano assim, porque naquela época tinha muita moda de viola, e o meu avô pegou essa época.
P/1 – Qual que é o nome do seu avô?
R – Albino Paz.
P/1 – E você conheceu ele? Viveu com ele?
R – Conheci. Tive pouco convívio com ele, mas ele já tava na fase terminal. Estava partindo dessa pra outro plano. (risos).
P/1 – E o seu pai, ele morou então a vida inteira no Caxingui, no Butantã?
R – No Caxingui, depois foi para a região do Bonfiglioli, Jardim Maria Luísa, ele morou na casa de um amigo, quando ele conheceu a minha mãe, eles estavam pra casar, então eles acabaram passando essas dificuldades aí no começo. Acredito que a minha luta, não só no meio cultural, mas acredito que tenha vindo do berço. Meus pai contam assim, um pouco por cima essas histórias. Eu tenho uma admiração incrível pela luta deles, dos meus pais, tudo o que eu sou hoje, assim, como ser humano, eu agradeço aos meus pais, eles que me ensinaram, assim, a procurar o melhor caminho possível.
P/1 – E a sua mãe, qual que é a história da família dela? Você sabe? Você disse que ela era de Minas Gerais, né?
R – Eles vieram de Minas Gerais, minha mãe veio para São Paulo, se eu não me engano, com nove anos de idade. Era ela e mais duas ou três tias: tia Sonia, tia… era ela, mais duas irmãs, tem o meu tio também, o Luiz, mora em Santo Amaro, as minhas duas tias faleceram por parte de mãe e elas moravam na roça ali, em Uberaba e sempre passando por dificuldades. Eu não cheguei a conhecer meu avô por parte de mãe, também morreu, eu não havia nem nascido, ainda e minha mãe, tentando ajudar, desde muito nova trabalhando ali na roça pra ajudar minha avó e ela veio muito cedo pra São Paulo trabalhar como empregada doméstica, inclusive, ela ficou um bom tempo trabalhando como empregada doméstica e depois, ela conseguiu entrar no restaurante da USP, apesar que ela não goste que fale (risos). Ela fala: “Ah, não quero que você fale que eu trabalho”, não conseguia no restaurante, mas… – mãe, me perdoa! (risos) – Eu lembro que a minha vó, praticamente, foi uma segunda mãe, né, ela veio para São Paulo pra me ajudar, inclusive uma parte muito difícil que nós passamos na minha vida, quando o meu pai chegou a ficar internado no manicômio. Eu devia ter oito meses de idade, ainda, meu pai ficou com problema psíquico e ficou uns meses internado e a minha mãe e a minha vó tentando me ajudar. Eu lembro, inclusive, uma vez que ela disse pra mim que o meu pai deixou na chuva ali, eu era muito criança ainda, mas foi um momento difícil, eu não cheguei a… não me lembro essa parte, mas meu pai depois se recuperou, ele se encontrou na religião dele, no Budismo, como eu me descobri como ser humano na arte, meu pai se descobriu na religião. Mas tão interessante assim da minha vó de Uberaba, que a minha mãe teve contato com o Chico Xavier, que ele era vizinho delas ali, eu lembro que eu fui lá no ano de 1996, vai fazer agora, 20 anos que eu não vou para Uberaba. E a minha mãe é espirita, ela teve esse contato com o Chico Xavier pelo fato de morar ali nas proximidades e como a minha avó sempre teve muita dificuldade, inclusive, até financeira, alimentar e outras coisas, minha mãe não queria mais passar por aquilo, foi por isso que ela veio para São Paulo para tentar a sorte grande, então eu segui por um tempo o espiritismo, tinha algumas crenças que eu às vezes, acredito, às vezes, desacredito, que tem vida após a morte, que nós vamos para um plano superior, outro estágio de vida e minha mãe sempre me incentivando assim, a seguir o espiritismo, meu pai com o budismo, mas acho interessante assim, o conceito que eles aplicam. Budismo eu vejo mais como uma filosofia de vida, esse conceito do carma, conceito de causa e efeito, de você tentar progredir ajudando o próximo, tem algumas coisas que eu acho interessante e no espiritismo, também, de você lutar para se desenvolver como ser humano, que na verdade, eles alegam que nós temos várias vidas depois daqui, que sempre a gente vai reencarnando, reencarnando para poder encontrar essa evolução espiritual, mas eu também, às vezes, desacredito em algumas coisas, como por exemplo, se nós temos outras vidas, se a gente tá aqui pra aprender, então por que o ser humano sofre tanto? Ou seja, nós vamos aprender aqui e às vezes, você erra pra caramba e desencarna – como eles dizem – e você não vai voltar a esse estádio, assim, do aperfeiçoamento, o quê que eles querem dizer com isso? Entendeu? Chico Xavier foi considerado um homem além do seu tempo, um espírito super evoluído! Então, eu vejo, as veze, como uma coisa meio utópica, meio fantasiosa em alguns conceitos, algumas bases que o espiritismo prega. Eu acredito que estamos fazendo essa vida e esperar outra vida também pra tentar crescer? Entendeu? é algo meio complexo, assim, eu vejo.
P/1 – Mas o que eu queria te perguntar é como é que os seus pais se conheceram, então? Eles se conheceram aqui em São Paulo?
R – Aqui em São Paulo. Essas histórias não contaram muito pra mim, né? Na verdade, tem um amigo do meu pai que trabalhava com ele, o Paulão, o grande amigo de infância, ele tem uns dois metros de altura (risos) e deve ter sido pelo Paulão que apresentou minha mãe pro meu pai… mas tem certas coisas que eles não contam muito, assim, é bem resumidamente, né?
P/1 – Sei, mas você acha que foi como? Eles moravam perto um do outro? Ou se conheceram no trabalho?
R – No trabalho eu sei que não foi, deve ter sido por conta de amigo, mesmo.
P/1 – Entendi. E você é filho único?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Ela é mais nova ou mais velha?
R – Mais nova.
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Inajara.
P/1 – Ela é quantos anos mais nova?
R – Ela tem 21. Eu tenho 28. Eu lembro até uma história (risos), uma lembrança aqui, que ela já tava pra nascer, eu pedia pra minha mãe: “Quero uma irmã, quero um irmão”, ela falou: “Tá, a gente vai dar um irmãozinho pra você não se sentir tão sozinho”, aí estávamos na casa de uma amiga dela, que é a Cida, hoje ela mora no Paraná e eu lembro que um dia nós fomos lá e tinha um bebê, que era filho da amiga da Cida e eu cheguei pra minha mãe: “Nossa, mãe, mas é meu irmãozinho? Já veio?”, ela falou: “Ainda não. Tá pra nascer”, eu lembro que a Inajara nasceu no ano de 1993, tava um dia de chuva assim, caiu um temporal aquele dia e nós havíamos ido na casa do vizinho pro vizinho conhecer a Inajara e é uma lembrança que eu tenho assim.
P/1 – E você quando nasceu, você morou em que casa? Onde é que você morava?
R – É que nós mudamos muito, assim, né? Mas sempre na região do Butantã. Quando eu nasci, a gente tava no Jardim Maria Luísa, depois, nós fomos para o Jardim Bonfiglioli e depois, nós fomos para Vila Gomes, tanto que quando nós fomos lá para a região de Osasco, a gente ficou muito pouco tempo, não adianta, coração tá aqui no Butantã mesmo, família, tá plantado aqui.
P/1 – Mas qual que foi a casa que você mais ficou na infância?
R – Acredito que tenha sido no Bonfiglioli e na Vila Gomes.
P/1 – Como é que era o Butantã nessa época, então?
R – Não tinha assim, muito comercio, era uma região para se desenvolver, ainda. Não tinha tanto comercio, metrô. Mas eu lembro que tinha bastante ônibus para todas as regiões, mas não era um bairro tão comentado quanto é hoje, ainda estava naquele processo de desenvolvimento.
P/1 – E como é que era a sua casa na infância?
R – Era uma casa grande. Naquela época, não sei, foi antes do Plano Real, época do cruzeiro, ainda, parece que era mais fácil pra você alugar uma casa, mais acessível, apesar que o salário não era… não que hoje seja lá em cima, mas essa questão da inflação era um pouco mais amena, assim, parece. Eu lembro que nós pegamos o Plano Real foi em 94, nós estávamos na Vila Gomes, ainda e a casa era uma casa grande e hoje, alugar uma casa daquela, você paga o triplo do que pagava naquela época.
P/1 – Mas como é que ela era?
R – Eu lembro que tinha uma… a do Bonfiglioli era bem lá embaixo, era a última casa e tinha duas casas em cima, os degraus, ali, descendo e a casa do seu Valério, que foi um grande amigo, assim, da família. Legal que a minha família sempre fez amizade assim, onde nós passamos, a gente… parece que formava uma espécie de família, tem pessoas que marcaram muito, assim. Tem muitas pessoas, inclusive a Cida foi uma pessoa que ajudou muito a minha mãe, minha mãe também ajudou ela, eu lembro que a Cida tinha passado umas dificuldades também, minha mãe foi lá dar apoio pra ela e esse tempo no Bonfiglioli, o pouco que eu lembro foi bem marcante, que eu lembro que naquela época passava o Jaspion, Jiban, eu lembro até um aniversário meu que a minha madrinha foi lá em casa e levou o boneco do Jaspion pra mim. Hoje, eu fico pensando: ‘nossa, se eu tivesse aqueles bonecos!’(risos), e foi marcante assim, a infância foi legal, foi bacana ter tido contato aí…
P/1 – E você no Butantã, como é que você fazia para se divertir nessa época de infância, você brincava na rua ou você assistia mais TV, o quê que você fazia para se divertir nessa época?
R – Uma fase que eu lembro muito, a do Bonfiglioli, tinha um vizinho nosso também, que eu brincava com os filhos dele, mas assim, foi uma fase muito rápida do Bonfiglioli, que eu era muito novo, ainda. Mas da Vila Gomes, era soltar pipa, pião, apertar a campainha na casa dos outros e sair correndo, coisa de moleque, mas era divertido, assim, nós tínhamos aquela inocência, brincava com as meninas também, às vezes (risos), de amarelinha, de esconde-esconde. Eu lembro que nós pegávamos aquelas flores vermelhas e chupávamos o mel da… bom, nunca aconteceu nada (risos). Tinha um campinho ali, tinha uma pracinha muito bacana ali e tinha Festa Junina, também, da comunidade. Eu ia com a minha família, sempre participava de algumas coisas ali, era bacana.
P/1 – Você morou na Vila Gomes de quando até quando?
R – Noventa e três a 98, inicio de 99.
P/1 – Foi o lugar que você mais ficou nessa casa, então?
R – Que eu me lembre, assim, que marcou mais porque eu já tava numa fase mais adulta da infância, né? Até então, no Maria Luísa, e no Bonfiglioli, eu era muito novo, ainda, então são poucas lembranças assim.
P/1 – E como é que era o bairro da Vila Gomes, então, nessa época?
R – Tinham seus problemas como tem as outras regiões, mas você ia se adaptando, você, como era muito criança ainda, eu fui me adaptando, assim, mas vou confessar, não foi um bairro assim, que marcou muito. O que marcou muito assim, mesmo, é o bairro onde eu moro, Morro do Querosene, né? Vila Gomes, acredito que tenha sido uma passagem na minha vida. Foi ali que eu aprendi a andar de bicicleta, foi ali que eu tive o meu primeiro videogame, tinha o laser, história do laser… (risos).
P/1 – Que história é essa?
R – Eu e o meu pai, naquela época, o laser tava na moda e eu tinha pedido pro meu pai pra ele me dar um laser e um vez, nós pegamos o laser… da janela, deva pra ver bem a rua, que ficava na descidona, nossa casa ficava no alto e de lá, via toda… tinha um morro, uma subidona imensa. E eu e o meu pai, pegamos à noite lá, apagamos as luzes e ficamos brincando assim com o laser lá na rua de baixo e acho que não gostaram muito (risos), depois, acabaram e entraram em casa pra pegar o laser.
P/1 – Ah é?
R – É.
P/1 – Mas era o quê? Um laser pequeno, assim ou era…?
R – Era aquele laser que você fica… sabe? Era dourado assim, parecia uma caneta e você ficava apertando assim, então acho que o pessoal não gostou muito, não.
P/1 – Levaram o laser da sua casa! (risos) E o que mais você fazia? Você falou que ganhou um videogame? Você gostava de TV? De jogar?
R – Eu lembro que eu tive Atari e na época do Atari assim, se eu não me engano, é da década de 70 ou 80, não é isso, mais ou menos?
P/1 – É.
R – E o Super Nintendo tava em alta, Nintendo 64, era o Mega Drive também e eu era louco para ter o Super Nintendo. Eu falava pro meu pai: “Me dá um Super Nintendo?”, só que era difícil, porque esses videogames na época eram os videogames populares, hoje o Playstation que a gente vê aí, naquela época eram os populares, então tinha muita dificuldade, realmente, até porque o meu pai tinha comprado um apartamento, ele entrou numa promoção pra comprar um apartamento que era estilo Cohab mais ou menos, só que não era Cohab, era desse mesmo processo, você comprava, passava por um sorteio e meu pai arriscou tudo, falou para minha mãe: “Vamos arriscar pra nós termos a nossa casa própria”, então lá na região de Osasco, comprou, então tinha que pagar o aluguel e a prestação da casa, só que até então, você tinha que esperar ser sorteado pra poder ir morar, então tinham duas prestações para pagar, então a dificuldade cada vez mais aumentava.
P/1 – Ele trabalhava com o quê?
R – No Instituto Butantan.
P/1 – Entendi.
R – Público, como a minha mãe também, minha mãe trabalha na USP. Então, tinha essas dificuldades e a situação financeira tava muito apertada pra gente e eu queria, só que não dava. Criança, você não tem essa… hoje, você consegue ter essa noção, assim: é difícil, as coisas são caras. E nós passamos apertos, passamos muito aperto, então eu jogava com o Atari, mesmo e lembro que tinha um vizinho nosso que tinha Super Nintendo e, às vezes, ia lá jogar e falava: “Quero, quero”, falava pra minha mãe: “Quero o Super Nintendo”, e jogava na casa desse amigo, ficava um pouco lá e sempre querendo. Depois, acabei ganhando o Mega Drive, né, meu pai acabou conseguindo comprar. Lembro que acabei trocando por uma bicicleta, depois, com o meu primo, nossa, eu lembro que eu fazia uns rolos, assim… eu acabei perdendo assim, um pouco, mas até então, não tinha essa malicia, sabe? Como eram caras as coisas, e não dava talvez, tanto valor assim, porque você não tem essa maturidade pra poder fazer o certo, vamos dizer assim.
P/1 – Mas você se lembra de algum jogo que você gostava mais nessa época?
R – Mortal Kombat. Adorava. Eu lembro da época do Super Nintendo que tinha o Ronaldinho 98, adorava aquele jogo, ficava horas ali. Inclusive, tinha um amigo meu também que morava aqui no Instituto Butantan, que tem umas casas ali para alguns funcionários, uma espécie de cooperativa e, às vezes, ia lá na casa dele também jogar. Adorava Ronaldinho, Mortal Kombat. E eu lembro uma vez que o meu pai chegou com uma fita… na época, eu ganhei o Mega Drive, ele chegou com uma fita do Mortal Kombat e era um dos mais modernos, se eu não me engano, porque tinham várias fases do jogo, ele chegou com um pra mim, comprou um pra mim e eu acabei, depois, trocando por um jogo dos Simpsons. Nossa, maior burrada: “Por que você trocou?”, depois, eu me arrependi, era louco para ter aquele jogo dos Simpsons também… hoje, você começa a analisar, você volta assim, no tempo, pensa: ‘nossa, não faria isso hoje’, não faria mesmo!
P/1 – E TV? Você assistia muito também? Você se lembra de acompanhar alguma coisa?
R – Na época, assistia “A Viagem” na TV Globo, adorava novela, lembro até no último capitulo, olha como… tem umas coisas que marcam, né? A minha tia tinha ido lá em casa e era o último capitulo da novela “A Viagem”. Daí, nesse dia, eu não sei o que aconteceu, que a minha mãe me levou pro quarto e me bateu com o fio de ferro (risos), eu tinha aprontado alguma. Daí, eu lembro que era o último capitulo da “A Viagem”, eu tava lá apanhei de fio de ferro nesse dia.
P/1 – Que mais que você assistia? Você se lembra de alguma coisa que você gostava? Um desenho?
R – “Glub Glub”, da TV Cultura, “Mundo da Lua”, “Castelo Ra Tim Bum”, “Cocoricó”, “Pica Pau”, “Manda Chuva”, “Tom e Jerry”, são os desenhos da época. Não tinha TV a cabo naquela época, hoje tá mais acessível, né? Só que mudaram todos os desenhos, não é mais como aqueles desenhos que tinham antigamente. Era louco pra assistir desenho, final de semana, não passava desenho, domingo não passava de jeito nenhum, eu queria assistir. Daí, tinha que assistir o que tinha na televisão, né? Eu lembro que naquela época, década de 90, bem no comecinho, era aquela televisão que você apertava ali, era uma quadradona preto e cinza, você não tinha controle de nada, você ia apertando ali e antena parabólica também era raridade, que você via imagem límpida… lembro uma vez que o meu pai chegou com uma televisão da Mitsubishi, aquela televisão caixona mesmo, manja? E era uma festa, assim, lembro que naquela época, era uma festa, vídeo cassete também, lembro que o meu pai chegou com vídeo cassete. Lembro que o primeiro filme que eu assisti no vídeo cassete foi “Beethoven”…
P/1 – Do cachorro.
R – Do cachorro. Era um filme que eu gostava muito, o “Beethoven”, tinha “Beethoven 1”, “Beethoven 2”… era o que eu mais assistia, perdi até as contas quantas vezes eu assisti aqueles filmes.
P/1 – Você tava falando da sua mãe, que te bateu. Estava pensando como é que eram sua mãe e seu pai em casa? Eles eram bravos, eram tranquilos?
R – Eles eram rígidos comigo.
P/1 – Com sua irmã também?
R – Mais ou menos, acho que passaram um pouco mais a mão na cabeça dela.
P/1 – Mas como é que eles eram, então?
R – Comigo, eram mais rígidos. Questão de companhia, com quem eu ia andar, os lugares que eu ia, sempre me cobrando e quando eu aprontava, fazia alguma coisa errada, eles iam lá e cobravam. Hoje, agradeço isso pra eles, agradeço, porque se não fosse… nessa fase, quando nós somos crianças, adolescentes, a gente quer descobrir o mundo, entendeu e você vai e faz as coisas mesmo, mas é sem pensar. Meus pais sempre foram rígidos comigo nessa questão. Eu apanhei, viu?
P/1 – Você aprontava muito?
R – Era e não era bagunceiro, né? Apanhava mais quando aprontava alguma coisa assim, que eles não gostavam, mesmo. Mas minha mãe disse que eu era obediente, assim, que não dava muito trabalho pra ela. Inclusive, até eu tive que operar a garganta, eu tive problema, também meu nariz. Escorria muito. Nossa, eu lembro que na época da creche mesmo, que eu fiquei na creche da USP, fiquei até os meus seis anos de idade, antes de ir para a escola, meu nariz sempre escorria, minha mãe me levou para o médico para saber o que fazer: “As outras crianças não querem ficar perto dele”, então, o médico decidiu que tinha que operar. Eu operei as amidalas e o nariz, então foi um dos momentos que passou muita dificuldade também comigo, mas depois que eu me recuperei, quase meio tenso assim, mas… época da creche, eu me lembro muito, porque inocência de criança… na creche, eram três módulos: modulo I, II, e III, que o primeiro modulo era o das crianças de um a dois anos, segundo módulo, de três a quatro e o terceiro, de cinco a seis. Quando eu fui para o terceiro modulo, tinha uma professora lá que eu era apaixonado por ela (risos), coisa de criança, né? E eu lembro que eu ia sempre lá no portão pra ver ela (risos).
P/1 – E por que que você se apaixonou por ela?
R – Porque ela era muito bonita e eu fiquei assim, deslumbrado, nossa, meu Deus, e ficava pensando assim… é uma das coisas também que eu lembro da infância que me marcou muito. Eu me lembro até uma vez que eu tinha machucado o pé, nossa, comecei a chorar muito ali, meu pé tava com bolha, minha mãe foi lá me pegar, me levou pra casa. Sempre a gente passa por algumas coisas, né? E eu lembro até da… não sei se é por isso que eu tenho medo de água, né, de nadar, que uma vez, nós havíamos isso na… eu estava para despedir da creche, eles fazem uma viagem com as crianças, nós havíamos ido para o interior de São Paulo, numa fazenda ali em Itu e nessa fazenda, tinha piscina, tinha bosque, foi a primeira vez que eu andei a cavalo, conheci lá umas aldeias indígenas, também, tinham umas aldeias ali, próximas, né, foi a primeira vez que eu tive assim, contato com a cultura indígena, foi marcante isso também, porque que nem hoje, eu e a minha namorada frequentamos alguns eventos indígenas pelo fato dela conhecer uma pessoa que trabalha com ela que era ativista indígena, mas contato assim, com aldeias indígenas foi quando eu era criança, mesmo, nessa época. E nessa mesma viagem, eu lembro que eu fui nadar lá na piscina, uma piscina grandona lá no sitio, fui nadar e acabei me afogando, aí a tutora foi lá e me salvou. Lembro desse dia como se fosse hoje, nossa! Eu me afogando ali, Marcia foi e me ajudou e isso acho que me ajudou muito a ter medo de nadar, hoje eu não arrisco muito, não. Tenho medo.
P/1 – E a Marcia era quem? Era professora?
R – Professora. Eu lembro que até depois que havíamos voltado de Itu, os indígenas foram lá fazer uma apresentação pra gente na creche.
P/1 – E você gostou?
R – Gostei. Muito legal.
P/1 – Você gostava da USP? Você frequentava muito?
R – Frequentava, eu gostava. Uma das fases mais marcantes, assim. Da infância, foi a melhor. A escola não me marcou muito não, vou confessar, mas a creche marcou. Fiz amizades ali.
P/1 – Já que você falou da escola, então, você saiu da creche, né? Você frequentava a USP como um todo, como é perto do Butantã, né?
R – Frequentava, como minha mãe trabalha lá e o meu pai trabalhava próximo, ali, no Instituto Butantan, aí eu frequentava.
P/1 – Você gostava de fazer alguma coisa lá, especifico?
R – Ia no CPUSP para praticar esporte. Lembro que na época, eu tava querendo fazer judô, mas não cheguei a fazer judô na USP, eu ia mais pra praticar um esporte, mesmo, pra me divertir e frequentar o espaço mesmo. Era um espaço de entretenimento pra mim.
P/1 – Sei. Você gostava de algum esporte? Você gosta?
R – Gosto de futebol e engraçado até você perguntar isso, porque eu tinha um sonho de ser jogador de basquete, tinha o grande sonho, baixinho, mas tudo bem (risos). Mas eu corria bem, até, mesmo sendo baixo e estava mais magro naquela época também (risos), mas faz dez anos já. Eu passei uns problemas de obesidade e paciência. E gostava muito de jogar basquete. No futebol, eu era pena de pau da turma. Agora, basquete, até que tive uns momentos bacanas, bem legais no basquete. Jiu Jitsu eu cheguei a fazer também. Sobre time, eu torço pro Santos, sofredor, mesmo (risos). Santos é um time, assim, que tá numa inconstância assim, tremenda, porque uma hora ganha, uma hora não ganha e vai revelando bons jogadores, depois para. Tem esse problema de torcer para o Santos, né?
P/1 – E no basquete, você tinha algum ídolo ou time, assim, que…?
R – Michael Jordan assistia, às vezes, NBA quando dava, mas assim, um time específico, gostava de Chicago Bulls, Lakers, na época do Shaquille O’Neal, o Iverson também, alguns jogadores aí que hoje é quem? Lebron James, Kobe Bryant, naquela época tinha o Shaquille O’Neal, o Jordan também. Assim, time especifico de basquete, não tinha.
P/1 – E quando você sai da creche, você foi estudar onde?
R – Fui estudar na escola Keizo Ishihara, que fica aqui no Butantã, fiquei da primeira a quarta série lá.
P/1 – E qual que é a sua primeira lembrança de lá?
R – Primeira lembrança? Quando eu tava na primeira série, eu sai da escola e o meu pai tava com um amigo dele do trabalho, do Instituto Butantan e eu ganhei um boneco do Rambo (risos).
P/1 – De presente?
R – É. Esse amigo do meu pai me deu um boneco do Rambo. Uma lembrança que eu tenho. Se eu não me engano, eu repeti a terceira ou a quarta série, que eu gostava de brincar, nunca fui aquele aluno assíduo, um admirador nato da escola, sabe? Nunca tive muitos amigos na escola, diferente da creche, a escola assim, não me marcou muito…
P/1 – Essa escola, você diz? Ou em geral?
R – Geral. Em geral, escola não…
P/1 – Mas como é que era essa escola?
R – Vou confessar, eu sofria muito bullying, viu? Naquela época, não era bullying, naquela época, você apanhava na escola e se falasse em casa que apanhou, apanhava em casa também. E a minha mãe me cobrava muito, de eu não reagir. Eu lembro até que eu falei pra ela: “não, mãe. Eu não acho legal brigar”, não é uma coisa que eu gosto muito. Eu acredito que o ser humano é muito moldado na fase da infância, né, a infância vai revelar muito a fase adulta, inclusive até a psicologia já estuda muito isso, que você pega na infância, na fase adulta, vai revelar e vai moldar o seu caráter e o ser humano que você vai ser, não que você não possa mudar, dependendo de certas situações, você pode mudar, mas eu sempre optava pela não violência, era um pouco Gandhi, já, desde infância acredita nesse conceito. Acredito que serviu muito. Hoje, vendo algumas crianças aí que sofre o bullying, tem livros, tem pesquisas de dados sobre o bullying, naquela época não tinha.
P/1 – Não era tanto problema, assim.
R – Tinha, só que não era especificado como bullying, você sofria e tinha que tentar resolver da melhor maneira possível, ali.
P/1 – E teve algum professor que te marcou nessa escola?
R – Engraçado, não digo que tenha me marcado, assim, mas foi uma professora de Português da quarta série que inclusive, quando eu ministrei um sarau no ano de 2010, foi na Keizo, foi numa escola ali que era o CEFAM, que ali era curso para Magistério e agora hoje, é o EJA – Educação para Jovens e Adultos, eu fui lá no ano de 2010 no antigo CEFAM e daí, por coincidência, essa professora tá lá, Professora Paula de Português e acabei ministrando, apresentei a proposta para a direção da escola e nesse ano, eu tava lançando o meu segundo livro “Poesias da Verdade” e apresentei a proposta de divulgar os livros lá, só que essa proposta de divulgar livros acabou na ideia do sarau e a professora se interessou pela ideia, essa professora Paula, que foi minha professora de Português na quarta série e foi bacana, assim, foi um projeto legal. Foi uma das primeiras manifestações sociais que eu comecei a me inserir, uma das primeiras, assim, então, acabou me marcando. E a professora de Ciências também me marcou.
P/1 – E depois, na quinta série, você foi pra onde?
R – Fui para o Alberto Torres, que é também no Butantã.
P/1 – Onde especificamente era?
R – Fica ali próximo a Vital Brasil, no final da Vital Brasil, na entrada do Instituto Butantan.
P/1 – E como é que era lá?
R – Ah, não tive muitas boas lembranças, também, não.
P/1 – Sofria bullying também?
R – Sofri muito bullying também. Era um pouco desorganizada.
P/1 – Você estudou da quinta até quando?
R – Quinta a sétima série. Quinta série eu estudei de manhã e a sexta série, eu fui para o período da tarde, só que não gostava de jeito nenhum de estudar à tarde e não queria estudar à tarde de jeito nenhum, fiquei sexta série à tarde, começo da sétima série à tarde, até que eu consegui que minha mãe me transferisse pra outra escola, aí no Kyrillos, que fica ali também no Butantã, que fica próxima a Raposo Tavares, ali, comecinho da Raposo e daí, eu comecei a estudar de manhã lá no Kyrillos e eu lembro até uma vez uma situação muito constrangedora no Alberto Torres, que pegaram uma espiral de caderno e jogaram na professora de Português, a professora era meio bruxa (risos), e por coincidência, a espiral do caderno era parecida com a do meu caderno, era um caderno de 400 páginas e coincidiu que nós ficamos sem recreio nesse dia e a professora jurava que tinha sido eu: “Foi você que jogou a espiral”, daí chamou meus pais lá na escola e acabou que ela falou muito mal de mim, falou mal pros meus pais: “Seu filho não é isso que vocês estão pensando, ele é bagunceiro, não se comporta”, foi assim, aí eu já comecei a pegar mais raiva da escola, ainda.
P/1 – E por que que você não gostava de estudar à tarde?
R – Eu queria ter à tarde livre pra poder me divertir, só de manhã passava muito rápido as horas e você já perdia, né? Agora, à tarde, você tinha tempo livre pra curtir, vamos dizer. Quando eu fui estudar de manhã no Kyrillos, na época do skate, eu queria andar de skate à tarde, tinha mais tempo livre.
P/1 – E como é que você descobriu o skate?
R – O skate eu conheci na época de 2000, essa década de 2000 pra frente, quando saímos do Taboão da Serra no final de 99 pra finalmente, morarmos lá em Osasco, no apartamento que os meus pais haviam comprado e pessoal ali sempre… os meninos ali andavam de skate e eu comecei a gostar. Me lembro até que o meu pai me deu um tubarão, aquele skate grande, assim, roda de plástico, aquele truck pesado, o shape grande e ali comecei a andar com aquele skate, depois, eu comecei a fazer uns bicos aí pra comprar o meu skate.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época? Treze?
R – 12,13 anos.
P/1 – E que mais você fazia? Você lia muito nessa época, já?
R – Meu pai sempre me incentivou a ler, assim. Gostava muito de gibi, adorava, devorava os gibis da Turma da Mônica, tinha bolos, assim. Lembro até que o meu pai comprava uns em sebo e em feiras de livro também, e também literatura infanto-juvenil, tinha aquela coleção Vagalume, nossa, adorava aqueles livros, então já tinha esse movimento pra leitura. E eu lembro que eu lia e adorava todas essas histórias fantasiosas e já tava me envolvendo bastante assim, me inserindo com a questão da leitura. Engraçado que me ajudou bastante assim, para ter um pensamento um pouco fora do padrão, porque aquelas crianças já tinham aquele pensamento muito padronizado e acredito que na escola, eu tenha sofrido bullying por causa disso também, porque não tinha aquele pensamento formalizado. Não era o garoto popular da escola, eu tinha a minha própria visão de mundo, entendeu, até mesmo, por exemplo, eu lembro que na aula de Artes, me marcou muito uma vez que a professora me falou: “Quando tá sol e você olha assim, você vê uns pontinhos pretos assim no ar?”, falei: “Às vezes, vejo professora, mas por quê?” “Talvez você precise usar óculos”, e eu lembro que me marcou muito assim essa lembrança, porque essa professora me inspirou muito, ela pegava os meus desenhos e falava: “Vai em frente, acredita, tá legal”, e eu pensava: ‘não desenho nada e a professora tá me incentivando! Eu sei que eu não desenho nada’. Essa professora me marcou, agora recapitulando até, você havia me perguntado de professores que me marcaram, essa professora, ela me incentivava e era muito bacana, inclusive foi até a época dos grafites, comecei a fazer uns grafites também…
P/1 – Com quantos anos, mais ou menos?
R – Foi na época de 2000.
P/1 – Então, nessa época, você já andava de skate, fazia grafite…
R – Acho que foi bem no começo só século XXI, chegando, foi o começo dos anos 2000 que marcou assim o meu futuro, porque foi o skate, a leitura, a arte também, o grafite, então eu acreditava, vinha na construção já, essa minha construção artística e emocional, também, porque parece que na infância, algumas coisas ficam ali, guardadas e você acaba que deixa de lado, mas na fase da adolescência, também você passa por algumas etapas que acredito que seja para o seu crescimento, pelo menos, para mim ajudou muito para o meu crescimento, porque por mais que eu tivesse passando por algumas coisas que me constrangiam, eu procurava sempre me desenvolver. Então, no grafite mesmo, minha mãe adorava os grafites, ela falava: “Vai, os grafites são bonitos, você tem que ir em frente, mesmo” “mãe, para com isso, como que você gosta desses grafites?”, engraçado, minha mãe desde cedo, me incentivou muito. Meu pai já ficava um pouco mais resguardado, minha mãe: “Vai, vai em frente”. E eu lembro até que uma vez teve uma exposição de artes no Museu Histórico do Instituto Butantan. Se eu não me engano, foi no ano de 2001, e engraçado que eu fazia o grafite e me mostraram uma técnica que você joga o óleo por cima da folha sulfite e fica meio que papel vegetal. Eu queria fazer aquilo para poder fazer o desenho por cima, depois. E eu falei: “Deixa eu ver como funciona”, lambuzei todas as folhas sulfites e por influencia da minha mãe, incentivo dela, falei: “Vou arriscar participar dessa exposição”, lá na semana de artes do Instituto Butantan, ia ser lá no Museu Histórico e fiz uns grafites, fiz uma pastinha e inclusive, depois, acabei jogando fora e a minha mãe: “Não, por quê que você jogou fora?”. Engraçado, no ano passado, estávamos eu, ela e a minha namorada na casa dela, ela mora no bairro São Domingos, que é uma região ali do Butantã também, é próximo dali onde eu moro, no Morro do Querosene e eu fiz um grafite, ela falou: “Nossa, legal”, e eu tava já com a ideia de voltar a estudar, estava com essa intensão e minha mãe falou pra minha namorada: “Tá vendo? Ele tem que investir nisso, eu acredito nele, que ele vai se dar bem nessa carreira de dar aulas de artes”, eu: “mãe, calma” ”Por que ele foi jogar fora os desenhos?”, e a minha mãe sempre me incentivava, eu tava arriscando fazer, sabe, e tinha um pessoal ali, uma outra turma que fazia uns grafites, na escola mesmo, que até me ajudou ali a conhecer o grafite na escola foi na sétima, oitava série, que eu vi o pessoal fazendo, só que os traços, eu via que eram bem modelados, sabe, tinha… porque arte tem aquela técnica todo da fazer, e eu não tinha, eu criava do meu jeito, assim, sabe? Eu queria aperfeiçoar, só que eu sabia que eu tava ali no meio do aperfeiçoamento e a minha mãe, mesmo assim, ela incentivava, mesmo assim, ela queria que eu fosse atrás e acabei desistindo do grafite, fui tocar violão, incentivo do meu primo. Engraçado assim, você vai resgatando algumas lembranças de coisas que ficam assim, na nossa história. Acredito que isso que faz o caráter do ser humano. Daí dessas lembranças, no começo assim, dos anos 2000 também, eu ia falar do que marcou muito, meu primo me incentivou a tocar violão, o grafite meio que tinha ficado ali, guardado, falei: “Não, deixa, não dá”, e na época que eu conheci os grafites, eu tava conhecendo o movimento hip hop também e naquela época era muito descriminado, hoje a gente vê grandes cantores aí, grandes “midas”, expondo seus trabalhos, era uma cultura marginalizada, hoje tá ganhando mais espaço, mas naquela época, o grafite, o rap, o break, era uma cultura meio marginalizada e comecei a conhecer alguns grupos de rap e eu queria denunciar os problemas sociais, a exploração da sociedade carente, a questão do saneamento básico, dos baixos salários, da baixa estrutura que a população mais carente sofria, eu encontrei na voz do rap. Então, eu queria me libertar de uma certa forma e o rap me ajudou, esse estilo musical estava conversando com o meu cotidiano, então foi que eu comecei a compor algumas letras de rapper nessa época, no período dos anos 2000, também, bem no comecinho. E engraçado que foi juntando tudo, o skate, o rap, o grafite e ajudou a minha formação critica, porque era uma linguagem que estava inserida no meu cotidiano e eu parei um tempo com o grafite e com as letras de rap, através da influência do meu primo, eu comecei a tocar violão e nós já havíamos vindo morar aqui no Morro Querosene. Foi no ano de 2002, parece que tava no sangue essa coisa do Butantã, tanto que o desejo da minha mãe, que quando ela desencarnar, partir daqui pra outra, é que eu jogue as cinzas dela ali no Instituto Butantan e talvez, pode ser que eu queira isso também, que eu deixe as minhas cinzas aí, porque é um lugar que não adianta, tá no coração, né? Daí, o meu primo me incentivou a tocar violão, estávamos morando aqui no Morro do Querosene, até então, bairro artístico, grande miscigenação assim, de arte, de cultura no estado de São Paulo. Eu tinha meus 15, 16 anos, e ainda não tinha noção dessas manifestações artísticas, ainda estava me descobrindo, estava querendo me encontrar, então por incentivo do meu primo, comecei a tocar violão e na época, tocava músicas de artistas já conhecidos, consagrados, só que assim, tive sempre problema com o ritmo, as notas eram fáceis de fazer, no começo, claro, fui sozinho, através de algumas pessoas me orientando como fazer as notas, mas a questão do ritmo e harmonia, pelo amor de Deus, não dava! Não conseguia encaixar, só que eu ficava insistindo ali, ficava insistindo em tocar músicas desses artistas já conhecidos, até que teve uma época que eu falei: ‘não dá, vou tentar uma coisa minha, eu crio um ritmo, preciso de uma letra, algum coisa para ver se dá, se encaixa” e eu já tinha contato com a leitura, ainda lia literatura infanto-juvenil e foi aí que eu voltei a compor, mas não eram mais letras de rap, reggae, rock, MPB, porque aí eu já tinha aquele encontro mais eclético de outros gêneros musicais.
P/1 – Mas só queria voltar um pouquinho, você lembra a primeira vez que você ouviu rap, que você falou: “Não, é isso que eu precisava ouvir”?
R – Os primeiros, assim, que você diz?
P/1 – É.
R – Foi Ndee Naldinho… inclusive, foi até uma situação que eu me arrependo assim, de ter brigado com a minha mãe, foi na época do Natal, foi 99, que eu fui comprar o CD do… nós estávamos no Taboão e nós tínhamos ido lá no Extra do Taboão, tinha um CD do Rappin Hood, e eu queria porque queria o CD, minha mãe não deu, eu xinguei ela. Eu fiquei mal depois, né? Nossa! Depois eu fiquei pensando que era um rap que eu ouvia nas rádios, o Rappin Hood, incentivo também de amigos, algumas pessoas lá da região de Osasco, porque em Osasco, nós morávamos num condomínio que era fechado e lá para fora, meio que não podia, sabe, era perigoso lá, a região era perigosa fora do condomínio, então nós tínhamos que ficar lá, presos e foi por isso que nós nos mudamos, porque não conseguíamos ficar, nós queríamos conhecer outros lugares, conhecer outras coisas, então foi que tendo ali o contato, pelo fato da situação em si, da região, tudo, ter esse contato com o rap. Então, foi onde eu ouvi Ndee Naldinho, Facção Central, 509-E, fui tendo contato com esses artistas e comecei a me identificar muito com os guetos, claro que os meus pais não gostavam que eu fosse. Teve uma vez que eu e um colega meu, que ele também morava ali no condomínio, ele gostava muito de Ndee Naldinho, daí ele sempre me chamava pra ir na casa dele, lá, nós ficávamos ouvindo rap e tentando cantar, né, uma vez, nós gravamos em fita K7, eu peguei aquela época da fita K7, e nós gravávamos ali, começamos gravar, só cantando, meio que só a voz, só que eu vi que não tinha ritmo pra cantar, né? Mas engraçado que o rap, ele não forcava tanto a voz, era questão da melodia e pra poder cantar em si, assim, era um pouco mais fácil, coisa que eu não conseguia, não havia encontrado no violão, questão da harmonia, do ritmo, da melodia, não consegui encontrar, no rap, eu já consegui, que você expunha muito seus sentimentos, o seu protesto, ali em si, então eu já consegui me identificar mais com esse processo. Agora, no MPB, tentei, tentei, mas acabou não saindo.
P/1 – E no ensino médio, você tava estudando onde?
R – O ensino médio eu estudei no Virgília, no período noturno. Ali também foi uma fase que eu praticamente arrumei emprego, ali, né? Foi uma fase que… não digo que tenha marcado, mas foi uma fase de grande aprendizado, também, porque lá eu participei do processo seletivo, que era o Jovem Cidadão, não sei se ainda tem o Jovem Cidadão, mas você fazia o estágio na empresa, você ia lá, preenchia uma ficha e foi bacana isso porque eu fiz um estágio aqui no HSBC, aqui na região da Vila Leopoldina, eu fiquei seis meses lá e confesso que me arrependo até hoje deles não terem me contratado. Eles iam pagar a faculdade lá. Mas às vezes, quando não acontece alguma coisa na sua vida, que você espera e você começa a se perguntar: “Por que não tá acontecendo? Por que no deu certo?”, meus pais sempre falavam pra mim: “Não deu certo porque não era para ter dado certo”, e essa fase, que infelizmente não deu certo ter continuado no HSBC, talvez tenha me servido muito, assim. O legal foi que eu conheci o meu grande amigo, David, nós somos praticamente irmãos e foi através do banco, foi no ano de 2005. E eu lembro que o ensino médio foi legal também porque a escola em si, o pessoal era… acho que um pessoal um pouco mais camarada, a turma do ensino médio, achei que era mais unida, assim.
P/1 – E era noturno porque vocês trabalhavam, é isso?
R – Algumas pessoas, sim. Eu trabalhei e em 2005, eu já estava para terminar os estudos, então, porque também a escola que eu estava, o Kyrillos era até oitava série, não me lembro se era até a oitava ou até o primeiro, mas eu sei que não deu mais… se eu não me engano, era até o primeiro ano, porque como não tinha mais, no segundo já tive que ir para o Virgília por conta disso, que não tinha mais os outros períodos, então acabei indo para o Virgília. Engraçado que nesse período já de passagem do ensino fundamental para o ensino médio foi que eu comecei a fazer os meus bicos, podemos dizer, pra comprar o meu skate, para comprar as minhas roupas, então juntava latinha, vendia garrafa PET, trabalhava com o meu tio de eletricista, então nessa fase assim, foi uma fase que eu já fui crescendo, que eu já fui vendo essa questão de trabalho. Já tinha que trabalhar. Foi a época que eu fui vendo que era aguerrido mesmo e eu acredito que aí que tenha nascido o guerreiro, nas dificuldades, porque eu sempre fui atrás das coisas que eu queria, sempre fui, batalhei muito e busquei, assim, mesmo nas maiores dificuldades. Paulo Coelho dizia que: “Os sonhos estão nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e correr o risco de viver os seus sonhos”, eu sempre fui um aventureiro querendo correr esse risco, se não desse certo, pelo menos, eu tentei.
P/1 – E depois, que você saiu da escola, você foi fazer o quê?
R – Depois que eu saí da escola, eu fui trabalhar como vendedor numa loja de sapatos. Eu lembro que eu peguei a época de final de ano, aqui em Pinheiros. Era a antiga Shoebiz, não sei se ainda tem a Shoebiz, mas eu peguei a época do final de ano, foi corrido, entrava às vezes, às oito horas da manhã e saía à meia-noite. Aquela coisa da exploração mercantilista que a gente vive nesse país, não adianta, né?
P/1 – E você tinha o quê? Dezoito anos, por aí?
R – 18, 19 anos.
P/1 – E como é que você já estava articulando essa questão da arte nessa época?
R – É que a arte, assim, ela foi muito por etapas, porque eu costumo dizer assim, em alguns encontros que eu vou, culturais, que eu conheci a arte aos treze anos de idade, mas assim, em si mesmo, que eu comecei a me identificar com a questão da escrita foi em 2009, porque foi quando eu me aproximei mais daquela questão de me dedicar mesmo, escrever, produzir, participar dos saraus, bibliotecas, nos espaços artísticos, então foi em 2009, foi quando eu fiquei mais voltado mesmo para a questão da escrita, mas a questão da arte foi aos 13 anos de idade, no ano 2000, porque teve tempos que eu parava e aí, resolvia uma outra coisa, então foi muito por etapas, assim.
P/1 – Mas em 2009 o quê que aconteceu que você decidiu se dedicar a isso?
R – A questão da escrita em 2009 porque foi quando eu participei da minha primeira antologia literária, eu e os outros autores do Brasil de diversas regiões do país, inclusive, tinham autores de Moçambique e de Portugal, também, na antologia que eu participei que foi a Antologia da Câmara Brasileira dos Jovens Escritores, 55ª edição, se eu não me engano, 54ª. Então, até então, eu participei dessa antologia, falei: “Nossa…”, mas eu nunca tinha publicado nada na minha vida, então, “… vamos arriscar agora”, então foi aí que fui por esse caminho mesmo.
P/1 – E o quê que você escreveu nessa antologia? Foi poesia?
R – Foi poesia.
P/1 – E qual poesia foi?
R – Chama “O que sou?”, é filosófica, questionando a existência do homem, o que o homem é, para onde o homem vai…
P/1 – Você se lembra dela?
R – Lembro. É assim:
“sou anarquista
sou esportista
sou trabalhador.
sou ateu
sou desbravador
sou aprendiz.
sou vibrante
sou protestante
sou brasileiro.
sou de varias origens
sou um pouco do bem
um pouco do mal.
sou o ódio
sou o amor
sou de tudo um pouco.
mas principalmente,
daquela que me originou:
o centro do meu próprio universo.”
Engraçado que essa poesia era para eu ter publicado ela no meu primeiro livro, hoje eu fico pensando: ‘nossa, podia ter publicado no meu livro’, porque é uma poesia que foi a minha entrada para esse caminho da literatura de publicar livros, eu declamo ela em alguns saraus, porque por mais que as minhas poesias tenham contexto social, eu sou um apaixonado por filosofia também. Algumas pessoas até me perguntam: “por que você não foi fazer filosofia? Eu acho que é mais a sua cara”. Como esse universo artístico, ele é muito amplo, a arte passeia por várias vertentes, vários caminhos, e esse amigo meu, David já tava fazendo, já estava cursando esse curso de Artes Visuais na FMU, ele falou: “Vai fazer Artes, você vai se identificar mais, eu acredito que seja mais a sua praia porque ela abrange muitas coisas”, eu falei para ele: “David, mas eu não sou um artista, eu gosto de escrever” “Não, você tem que ir, você tem que ir. Você vai gostar, você vai se identificar” “Tudo bem, vamos arriscar. Tem desenho?”, ele falou: “Tem”, eu falei: “Meu Deus, o que eu faço? Não sou desenhista” “Vai lá” “Tem pintura?” “Tem” “Pintura eu gosto um pouco mais, vai”. E engraçado que por mais que eu não tenha essa facilidade com desenho… até na aula de ontem foi engraçado, o professor falando pra mim, ontem foi aula de meios de impressão, que mexe com gravuras, xilogravuras, e você faz o desenho ali na madeira, você começa a talhar ali a madeira, sai o esboço do desenho, você vai, passa a tinta e você vai imprimir no papel ali. Geralmente, a xilogravura é muito usada para cordel. O professor falando: “Legal, o seu desenho é meio primitivo, mas é uma coisa sua, muitos artistas passaram por isso também, por esse processo, é legal, você vai amadurecendo a sua ideia e percorre por esse caminho. Eu achei interessante, você tá se encontrando aí”. E tá legal, tá sendo uma experiência, assim, nova, que nem nanquim, eu gosto de pintar com nanquim e isso que é legal nesse curso de Artes, você vai se descobrindo, tinta a óleo eu não gosto de tinta a óleo, acrílico eu já me identifiquei mais, nanquim também é uma coisa bacana e você vai por esses… se descobrindo aí, né?
P/1 – E como é que você conheceu o circulo de saraus? Qual foi o primeiro que você frequentou?
R – Primeiro? Bom, o primeiro foi assim (risos), ai meu Deus, foi através da minha ex-mulher (risos). Ela já conhecia um pouco os saraus e ela era escritora, ela era não, ela é escritora. Bom, não adianta, tem que… foi uma… não sei se foi o acaso, mas foi, aconteceu, né? Eu sei que hoje muita coisa mudou, mas ela me incentivou a conhecer os espaços de saraus e naquela época, eu fui… no ano de 2007 pra 2008, eu participei dos meus primeiros saraus, tocando violão, só que não tava dando certo, não tava conseguindo me identificar com a música, não levo jeito pro negócio. Então ela falou: “Você não gosta de escrever? Vai e declama, pega suas poesias e declama lá e vê o que você acha”. E como eu vi que tinha uma democratização da arte ali, por exemplo, você não precisa ser um exímio declamador, cantor, sempre foi muito aberto assim, o espaço de sarau sempre muito aberto para qualquer tipo de manifestação artística. Claro, tem uns que são mais voltados para poesia, outros mais musicais, outros são mais para o teatro ou dança, mas realmente, a maioria tem essa democratização artística. Então, foi que eu fui começando a gostar e comecei a participar declamando poesias. Mas os primeiros, eu comecei tocando violão e eles montaram, inclusive, até em 2006, foi o primeiro sarau que eu tive contato em si, que até então, eu não sabia o que era sarau, lá no Morro do Querosene, eles haviam aberto uma ONG cultural com diversas manifestações artísticas de cultura regional, tinha capoeira, tinha samba de roda, orquestra de berimbaus, tinha percussão e daí, teve o primeiro sarau em 2006, eu fui, participei lá do primeiro sarau como expectador, falei: “Nossa, que legal, não sabia que posso chegar num espaço público ou privado e poder falar alguma coisa relacionado a arte. Então, eu posso me expressar aqui? Eu tenho essa liberdade? Então foi que começou a fluir essa vontade de ir para os saraus. E minha ex-mulher conheci no final de 2006 e então, foi juntando, foi casando uma coisa com a outra.
P/1 – E você pode falar o nome da sua ex-mulher? Quer falar?
R – Marah Mends, ela atua em alguns saraus aí. Ela tem um projeto também que é o Poesia da Hora, inclusive eu participei também como um dos percussores do projeto, hoje ela tá tocando aí em ONGs para moradores de rua.
P/1 – E você se lembra da primeira poesia que você declamou em sarau?
R – A primeira em sarau não vou lembrar porque são algumas que eu havia escrito ali no momento e confesso, não guardo muito, assim. Mas tem alguns rascunhos lá em casa, de algumas poesias que eu não cheguei a publicar, mas rascunho é difícil. Eu lembro que Renato Russo guardava muito rascunho, né? Mas eu não consigo, tem artista que consegue guardar, mas eu não… e foram poesias que eu escrevi no momento e o mais interessante é que essa minha ex-namorada é da região de Arujá, do Alto Tietê, ali, aqui em São Paulo, fica próximo a Guarulhos e tinha ido num sarau com ela e havia um amigo dela que ele é angolano e ele falou assim pra mim, que eu cheguei, foi bem na comunidade ali de Arujá, Parque Rodrigo Barreto, que é bem conhecido ali, é o bairro mais conhecido de Arujá e falou: “Fui no sarau, fiquei lá assistindo algumas pessoas se apresentar…”, falei: “não, não, não, fala baixo, eu só sou um expectador, não vou fazer nada não, vou ficar aqui tranquilo na minha e vou ver você se apresentar”, ele falou assim pra mim: “Você tem que decidir uma coisa na sua vida: ou você vai ser um figurante ou um protagonista”, depois que ele falou aquilo, acendeu em mim uma… assim, uma luz. Falei: “nossa”. Mas eu fui ensinado, a minha sociedade me ensinou a ser um figurante, minha família, conhecidos, pessoas ao meu redor me ensinaram a ser um figurante, porque eu não posso ser um protagonista do meu destino. E ele falou pra mim: “Você pode ser o protagonista da sua vida, então seja, ou você vai ser um figurante", expectador, só vai assistir as coisas lá de camarote, sentado. Ou você vai pra frente, pra cima, enfrenta a situação, se torna o protagonista da sua história, ou você vai comandado e subordinado o resto da sua vida. Na verdade, não foi nem assim que ele disse pra mim, mas veio isso, sabe? Veio essa conversa com os meus pensamentos: ou você vai ser um protagonista ou um figurante. Você pode ser um protagonista. Então, depois que ele disse isso pra mim, eu comecei a me questionar: “Eu tenho que arriscar”. E esse que tinha sido lá no bairro Rodrigo Barreto, eu lembro que eu levei o violão, daí tinha um menino lá que ele fazia um rap, ele falou: “você me acompanha aí no violão? Pode ser?”, falei: ‘olha, eu não quero estragar o ritmo da sua música, não. Você quer arriscar mesmo?”, ele falou: “Vai, vai, tudo bem, sem problemas, vamos ver o quê que vai dar”, peguei e comecei a acompanhar ele com o violão, acabou dando certo. Di, acabou tendo um outro sarau, só que era no centro de Arujá, que era o Empório do Major, um bairro famosíssimo ali na região, daí eu tinha composto duas músicas antes de apresentar esse sarau e troquei o meu violão (risos). Eu vim aqui na Rua Butantã, tinha uma loja de CDs aqui que eu sempre comprava CDs dele aqui, do pessoal da loja, minha mãe também gostava muito de lá, aí eu levei meu violão velhinho, falei: "Você toparia trocar?”, tinha tirado os adesivos, tinha limpado tudo: “Tá bom, vai”, trocou o violão comigo, era um pouco melhor, era Alpes, se eu não me engano, eu me lembro que eu queria um daquele violão mais acústico, o meu era um violão iniciante, Tonante, todo preto, eu lembro que eu era louco para ter um violão preto e acabei levando, troquei o violão e eu tinha composto essas duas músicas, só que eu tava terminando ainda no Tonante: “Vou arriscar, vamos ver o quê que vai dar, não sei se vai sair”, e engraçado que também teve um sarau aqui no Morro do Querosene, que era o Sarau do Querô e falei: “Eu vou ver o quê que dá, vou tentar tocar essa música aqui”, daí eu toquei a música e quando fui para Arujá, eu ia estrear aquele violão: “Nossa, como que eu vou fazer? Estrear esse violão no sarau, aqui?” e até você se adaptar, o braço era um pouco duro, ali, as cordas, mas acabou que deu certo e foi uma apresentação bacana, tocaram até a música do Raul Seixas S.O.S. tinha um rapaz lá que tava cantando, só que eu não toquei, né? E era uma das músicas que eu gosto muito do Raul Seixas, por incentivo de um amigo meu, que inclusive, hoje, ele tem umas casas lá na região do Butantã e eu moro numa das casas que ele aluga, é o Rubão, nós sempre íamos tocar violão no parque do Ibirapuera e ele me incentivou a gostar muito do Raul Seixas, porque ele conheceu o Raul Seixas, que era aqui da região. Daí nesse sarau, o rapaz começou a tocar essa música S.O.S, e ele não lembrava a letra, ele pedia para o pessoal cantar, aí eu falei: “Tudo bem, vou ver se eu consigo te acompanhar”, e eu por incentivo do Rubão, ficava sempre ouvindo S.O.S, falei: ”Vamos lá que eu tentar te acompanhar”, acabou que deu certo assim, foi legal.
P/1 – E depois, você continuou indo em sarau, foi evoluindo, como que foi?
R – Continuei indo. Eu não me lembro se foi 2007 ou 2008 esse sarau que eu fui lá do Empório do Major, porque em 2008, eu acho que estava parando com o violão, tava me despedindo dele, inclusive tá lá com uma cordinha quebrada, acho que no ano passado, eu compus uma música pra minha namorada, ela gostou, eu falei: “Nossa, meu Deus! Você gostou mesmo?” “Gostei”. Eu meio que ia para aquilo que o Renato Russo falava: “Nossa músicas são poucos acordes, um acorde bem simples”, se os caras falavam que dava para fazer, eu resolvia arriscar, de repente… tocar músicas com poucos acordes, vamos ver o quê que sai.
P/1 – E que saraus existiam essa época em que você começou, que eram os maiores, como é que era essa cena?
R – Mas você diz na época em que eu tocava violão ou depois que eu fui para a escrita?
P/1 – Nessa transição, assim, que você começou a ir em sarau, 2008…
R – O primeiro sarau que teve, não sei se ainda tem, foi o Sarau do CCJ, foi um dos primeiros saraus que eu me apresentei oficialmente, um dos primeiros saraus, CCJ, é que agora, não me vem na memória assim, se foi em 2007 ou 2008. Mas foi um dos primeiros saraus, eu lembro que tinha o Sarau da Casa das Rosas, que eles chamavam dois poetas, convidavam dois poetas, entrevistavam dois poetas e depois, começava o sarau, né, com declamação de poesias. Tinha o Sarau também da Galeria Olido, tinha o Sarau da Biblioteca Mário de Andrade, na região da Barra Funda, Sarau de Arujá, que eu participei também, já tinha o sarau da Vila Madalena, tinham alguns saraus das periferias, tinha muita coisa acontecendo. Tem alguns saraus que não tem mais, né, que o pessoal começou e… mas eu frequentava muito essa região central, depois de um tempo que eu comecei a frequentar os saraus das periferias, depois de um tempo, eu estava me inserindo na região central e depois, eu fui conhecendo esses espaços da periferia.
P/1 – Aí, qual foi a primeira vez que você se apresentou oficialmente?
R – Você diz na periferia?
P/1 – Não, no sarau em geral.
R – No sarau em geral foi no CCJ – Centro Cultural da Juventude, fica ali na região da Vila Nova Cachoeirinha, um dos primeiros que eu me apresentei, foi tocando violão também. Eu lembro que eu toquei Grafiteiro e uma outra música, eu acho que era Serena da Terra.
P/1 – Como é que são essas letras?
R – Eu sempre fui uma… não sei se eu posso dizer... Um eclético cultural, vai. Eu sempre gostei de vários tipos de linguagem, românticas, criticas filosóficas, históricas e no começo, começava a escrever poesias românticas. Aquela fase que eu já tava saindo da adolescência e já tinha aquele idealismo todo que o romantismo prega, sabe? Aquela coisa sonhadora, patriótica e eu comecei a escrever algumas poesias românticas, porque até então, eu não sabia que tinha essa poesia mais voltada para uma critica social, mais politizada. Porque a gente vai se moldando muito, nem, através das suas vivências, experiências, você vai se moldando muito. Então, quando eu comecei a ter esse contato com essa poesia mais à margem, mais voltada para uma critica social, eu comecei a mudar um pouco o meu estilo de escrita, mas antes eram poesias mais líricas, mais romantizadas…
P/1 – Mas eu digo, essas duas letras que você falou que você se apresentou no CCJ, você se lembra delas? Como elas são?
R – Serena da Terra eu não me lembro muito, mas “Grafiteiro” é uma poesia hoje, né? Ela é assim, eu sempre apresento ela em alguns saraus, inclusive, até nos shows em que me apresentei com a Banda Sandália de Prata, Wilson Simoninha, Fabiana Cozza, eu declamei ela que é a minha poesia… meu grito de guerra. Ela chama-se “Grafiteiro”:
“Ouvi uma velha história de um homem
Que se achava o dono da verdade
Ele se achava o dono de tudo
Ele se achava o dono do mundo
Mal sabia o que dizia
Mal sabia o que fazia
Ele não aceitava
Tudo que acontecia ao seu redor
Violência predominante
Medo constante
Coisas tão horripilantes
Da vida
De uma vida inteira
De vidas antepassadas
Ele só queria
Uma solução
Um dia ele viu
Uma arte esculpida no muro
Ele não entendia
Ele não sabia o que significava
Parecia um grupo de horror
De calamidade
Da sociedade
Procurando uma solução
A arte naquele momento
Estava em sua mente presente
Ele sabia que podia
Dominar, bastava ele querer
E saberia o que se tornar
E se tornou
Um verdadeiro grafiteiro
Um grafiteiro
Essa é a história de um homem
Que podia fazer o que quisesse de sua vida
Bastava ele querer
Ele se tornou
Um verdadeiro grafiteiro
Um grafiteiro”.
Foi a primeira composição da minha vida foi “Grafiteiro”. Eu mudei muita coisa, mas é de música e eu fui… ela passou por diversos estágios de processo, até se tornar uma poesia. Antes, tocava no violão, lembro que eram em três acordes que eu tocava essa música. Eu fiz meio que um reggae com ska, falei: “Vou tentar, vamos ver se eu consigo declamar, vamos arriscar”, e fazer essa transição da música para a poesia… agora, Serena da Terra eu não me lembro muito bem, mas Grafiteiro… tem umas de reggae também, só que teve umas que eu tentei passar e acabei não conseguindo, mas tem uma que era uma letra de música e transformei em poesia também.
P/1 – Qual que é?
R – Chama-se “Pouco Tempo”, ela é assim:
“Passa o tempo
Nada muda, nada vem
Nada vai
Continuamos as mesmas coisas
Mas não temos a certeza de onde vai dar
Só temos pouco tempo!
O que significa nossas vidas
De ante de tudo
Que se criou
Só temos pouco tempo!
Sigo a estrada
Ando a fora
Procuro sempre
Me encontrar
Nada acho
Nada vejo
Antes de mim
Nem sei onde vai dar
Só temos pouco tempo!”
Essa poesia que também é uma letra de música, justamente trabalhei com a ideia do refrão, ela também, se eu não me engano três acordes, sempre trabalhei com essa proposta de poucos acordes, é um ritmo… é um rock pop e por incentivo das músicas que eu ouvia na época, né? Ira, legião Urbana, Paralamas do Sucesso, tinha aquela fase que eu adorava rock, depois a fase do reggae, do rap, depois aquela fase MPB, então, eu coloquei muito as minhas vivências, assim, foram muitos experimentos, né, até você chegar naquela fase daquilo que você busca, daquilo de você querer, às vezes, falar uma coisa e às vezes, você não encontra esse caminho. E quando eu tentava puxar isso, os primeiros espirros que eu encontrava foi procurando essas experiências que eu obtive, nesse processo de conhecer e descobrir, porque eu sempre fui um apaixonado por música, teatro, costumo dizer que o teatro é recentemente, eu gosto muito do teatro hoje, também sou um fã de teatro, mas as músicas me ajudaram muito e os filmes também, os filmes que eu via. Eu sempre tentava pegar alguma mensagem, assim, sabe? E inclui isso na minha vida, não sei se todas as pessoas que estão nesse meio artístico, mas eu acredito que cada artista tem a sua visão e o seu olhar sobre a vida, mas eu sempre tentei pegar alguma mensagem do filme, ou uma frase, ou o que a pessoa disse pra mim: isso é produtivo para mim e eu posso usar, para escrever, para apresentar, eu posso usar isso ao meu favor e você vai modelando assim, vai procurando amadurecer aquela ideia e formalizar toda uma construção de um processo artístico. Então, isso sempre me ajudou muito nessa minha formação artística, sempre me ajudou.
P/1 – E qual que foi o seu primeiro livro? Você tem um monte aqui em cima da mesa.
R – Dos que eu li ou…?
P/1 – Não, primeiro que você lançou.
R – Foi o “Minhas Eternas Poesias”, é um livro ainda… vamos dizer, é um experimento, porque eu peguei algumas letras de músicas também e tiveram outras poesias que eu estavam ali também, as primeiras composições e que eu juntei tudo num livro só, aí veio toda aquela ansiedade para lançar, primeiro livro… hoje, a gente vê que tem todo um tramite, um tempo pra você elaborar a ideia. Naquela época, eu queria porque queria lançar um livro, né? Aqui tem “Grafiteiro”, tem também a “Pouco Tempo”…
P/1 – Qual outra que você acha especial que você queria falar pra gente?
R – Você diz desse livro, de outro livro?
P/1 – Desse, especifico. Vou tentar passar por todos, né?
R – Teve a que eu fiz em homenagem a África, que eu sempre fui um imenso admirador da cultura afro, acho maravilhosa, grandiosa demais, assim, uma cultura que inclusive, até falo para algumas pessoas que se eu pudesse, pegava uma estante assim, se a minha casa fosse maior, enchia de artesanato afro chama-se “Poema Africano”:
“Sou nascido em Angola
Minha avó é negra de raiz
Minha mãe é mulata da terra
Ouço o som dos atabaques
Vejo a dança da glória
A negritude contagiante
Guerreiros de fé e esperança
Aqui é África
Posso ver o novo caminho
Oxalá
Duas rainhas desse continente
Mandela
Escaldante e reluzente
Do Candomblé, o louvor
Do berimbau, a capoeira
És divina como teu povo
Angola, Senegal, Congo
Aqui é África
Entraste para a história
A ti, dedico este poema.”
Sabe o que eu acho mais engraçado? Porque quando eu fiz esse livro e o meu segundo, que vou falar dele também, “Poesias da Verdade”, tem algumas poesias que eu me identifico mais, essas que eu acabei de falar, essas três, tirando “O que sou”, foi a “Pouco Tempo” e “Grafiteiro” e essa agora, o “Poema Africano”, hoje eu faria um livro só, porque eu acredito que sejam as melhores poesias, são poesias que eu declamo nos saraus, só que como não tinha maturidade suficiente naquela época para poder fazer um livro com as minhas melhores poesias, é um livro que é minha entrada nesse meio literário, eu queria poder fazer esse livro só, é um projeto futuro, é um projeto que eu penso. Mais pra frente, vamos ver se sai. Essas três poesias foram as que marcaram mais esse livro, né? Que é um livro que tá ainda em experimento. Mas é o começo, então, que nem a primeira antologia lá em 2009, que eu assinava como Hugo Rodrigues da Paz, então isso é só a entrada, isso são experiências, isso é a sua história, a sua história tá escrita aí, não tem como você fugir disso.
P/1 – E esse livro é de que ano?
R – 2010.
P/1 – E depois, você lançou outro quando?
R – 2010 também, o “Poesias da Verdade”, o que eu achei legal do “Poesias da Verdade” ele marca muito, porque através dele, eu estive numa participação da Bienal do Livro, foi a 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo e eu participei, eu lancei ele nessa época e ele marcou muito porque eu acredito que ele tá um pouco mais maduro que o primeiro e também tem poesias que eu declamo em saraus e inclusive, até uma poesia dele que eu participei de um audiobook, eu e diversos poetas da região de São Paulo, participamos desse projeto, foi em 2012, um CD com poesias musicadas, então marcou também. E também tem uma poesia desse livro, inclusive uma poesia que a minha mãe adora que ela participou da inauguração do Sesc Santo Amaro no ano de 2011, teve uma exposição que o poeta Sergio Vaz fez a curadoria, a exposição Vem Poeta que foi na inauguração desse Sesc Santo Amaro e essa poesia participou, que ela chama-se “Pensares”. E o legal também foi quando eu elaborei ela, que eu tava vindo embora do serviço, eu trabalhava aqui no Hospital das Clinicas e eu sempre ia embora a pé algumas vezes e dá uma hora, mais ou menos de caminhada, eu gosto de andar bastante e eu lembro que eu tava ali na ponte de Pinheiros e essa poesia começou a vir na minha mente e eu não tinha papel, não tinha nada pra anotar, o celular tinha acabado a bateria nesse dia, eu falei: “Como que eu vou fazer agora?”, e eu lembro que eu cheguei em casa… da ponte de Pinheiros até a minha casa dá uns 25 minutos, mais ou menos, e eu fiquei com essa coisa na minha cabeça, fiquei falando, cheguei em casa, arrumei papel e anotei ela e ela é assim, é “Pensares”, o nome dela:
“Na ponta do lápis rabisco “pensares”
Imagino olhares:
Que nunca me viram.”
E é um poema curto, meio que um haikai e a minha mãe gosta muito dessa poesia também e ela me marcou muito por isso, pela construção dela. E eu acho legal isso, às vezes, nós não temos tempo assim, para poder contar como nasce, sabe, como nasce uma pintura, ou uma poesia, uma música e eu acho legal isso, você poder falar dessa construção, entendeu? Isso que é legal, você poder memorizar isso e refletir: ‘nossa, mas como eu consegui fazer? Não tinha papel, tinha pouco tempo pra poder passar isso pra frente’, sabe, isso é interessante. É uma coisa assim, que eu gosto muito, quando vejo um cantor, ou um ator, ou um escritor mesmo, contar assim essa construção, esse processo. Eu acho muito interessante.
P/1 – Depois disso, você lançou qual livro?
R – Teve o “Rastros de Palavras”, que foi lançado no ano de 2011. É um livro mais assim, que eu coloquei algumas frases de contexto concreto, são aquelas poesias mais focadas para imagens, sabe? Que você brinca mesmo com as palavras e com a ideia. Você brinca com a ideia, com a palavra, os concretistas trabalham muito com essa questão da publicidade, né? E eu procurei trabalhar isso assim, nesse livro, apesar de ter um cunho politico e social bem forte, é diferente dos outros dois primeiros livros, que tem umas poesias líricas, algumas homenagens também, mais romantizadas, também tem algumas criticas politicas, mas não engloba tanto quanto esse que eu foquei na questão do meio ambiente, foquei nessa questão, da luta popular, das dificuldades, da desigualdade social, então eu foquei muito nesse livro. Costumo dizer que tá bem à margem comparado com os outros dois primeiros, tá um pouco mais a mais assim, é um livro que podemos dizer que é um tapa na cara da sociedade, para fazer a sociedade acordar, para… é um grito em busca de liberdade, em busca de justiça, então esse livro tá muito isso, ele passeia muito por isso. Resolvi brincar um pouco com as palavras e jogar um pouco para essa coisa mais concreta, apesar que o concretismo foca mais na questão da imagem, talvez não tão nessa questão da ideia. Então, falei: “Vou trabalhar um pouco a ideia e a imagem em si”.
P/1 – Tem alguma poesia daí que você gosta bastante, que você carrega consigo?
R – Tem “Surge uma Esperança”, ela é assim:
“Eu sou o fogo dos oprimidos
Eu sou a guerra por paz
Eu sou a tempestade que acalma
Eu sou o vento visível
Eu sou quem estraçalha a fera
Eu sou o hino que desespera
Eu sou melodia que grita
Eu sou a voz do poente
Eu sou o refém da batalha
Eu sou o prato que enfurece a miséria
Eu sou a ave que guia os passos
Eu sou a esperança que nasce.”
Essa poesia também surgiu também quando eu tava indo embora pra minha casa, só que eu tava passando um momento de muita dificuldade no trabalho e tava muito desesperançoso da vida nesse momento e eu procurava algo para poder me manifestar, eu queria explorar essa angustia que eu tava sentindo no momento, então foi que eu procurava, procurava ouvir uma música, ver algum filme ou trecho de entrevista ou uma poesia, estava procurando, procurando, até que nesse dia eu consegui encontrar e veio essa poesia que me ajudou nesse momento, tinha sido o meu grito de guerra ali.
P/1 – E como é que você vê a poesia assim, na sua identidade, assim? Você faz isso pensando no quê? Você já falou várias coisas, mas você acha que ela ajuda na sua vida a enfrentar algumas coisas, como é que você vê isso?
R – Eu acredito que ela me mantém vivo, aceso, porque eu vejo a poesia em muitas coisas e eu acredito que o ser humano, se conseguisse ver a poesia ao seu redor, seria muita coisa diferente, o mundo seria diferente, porque a poesia é uma manifestação do universo, ela se manifesta na conversa que nós estamos tendo, às vezes, quando vou na casa da minha mãe, daí tem os cachorros, eu gosto muito de animal, né, a cachorra vem ali com você e quer brincar com você, ou o olhar de uma criança que tá feliz, ou uma pessoa que ajude outra pessoa ali na rua, até mesmo a injustiça, sabem um protesto, uma passeata, tudo a poesia… quando você vai ver uma obra de arte, uma pintura ali, poesia tem tudo, que nem essa lua que teve, super lua que teve, porque acabou caindo uma chuva domingo, a lua toda avermelhada, aquilo lá é poesia e se as pessoas começarem a enxergar isso, a poesia da vida, elas vão se auto descobrir, se auto identificar com o mundo em que elas estão inseridas. É que infelizmente, o ser humano tá tão focado para o individualismo, para o materialismo, que perdeu um pouco. Eu vejo a poesia como a percussora da arte, a fotografia é uma poesia, tudo, porque quando você tem esse olhar poético das coisas, você consegue enxergar aquela beleza, você consegue enxergar aquela mensagem que aquilo quer passar para você e eu uso como uma ferramenta. Costumo dizer que… tem um amigo meu que a gente sempre conversa assim, antes eu falava assim: “É uma arma, poesia é minha arma de libertação para transformação”, aí depois, eu falei assim: “A arma destrói, a ferramenta ela arruma, a ferramenta pode construir”, então eu uso como uma ferramenta de transformação, de reflexão. A arma destrói. Então vamos usar como uma ferramenta e até nos encontros de bate-papo, palestras, no começo, eu falava: “É uma arma de transformação e inclusão”, não hoje eu vejo como uma ferramenta, que ela tem esse poder de transformar, de consertar. Claro que também assim, o ser humano tem o livre arbítrio, apesar que nós estamos numa sociedade que é totalmente, vamos dizer, manipulada ou cheio de hierarquias, mas o ser humano tem o controle sobre si mesmo, entendeu? Ele tem que achar esse caminho, não adianta eu chegar para uma pessoa, ler uma poesia, ler um livro se ela não quiser. Claro que se a pessoa tiver passando fome, não adianta dar o livro pra ela, se tiver passando necessidade, mas será que uma palavra não pode… por mais que a fome dela vai ser a comida, sim, concordo com isso, mas uma palavra pode também, transformar. Tem um trecho de uma poesia que é do filme “Invictus”, que ele conta mais ou menos a época do Apartheid, na África do Sul, quando o Mandela foi eleito presidente, lutou contra a segregação e ele tenta ajudar um time de rugby a superar, encontrar motivação parta poder disputar aquela copa de rugby ali no país, era um time que tava totalmente desmotivado com a segregação, as pessoas em conflito e tem uma poesia ali no filme que para mim foi histórico, me marcou muito, o trecho dela é assim:
“Eu agradeço aos deuses que existem a minha alma indomável
Eu sou o dono do meu destino
Eu sou o capitão de minha alma”
Depois que eu vi essa poesia no filme, eu falei: “Nossa!”, eu lembro que eu tava no cinema, assim, e tava com uma menina nesse dia e ela tinha dado umas cochiladas, né, eu tava ligado não filme ali, tem uma parte do filme que ele conta que o Mandela tava na prisão, daí mostra o Mandela na prisão e o capitão do time de rugby tá lá visitando a prisão com o time, com o grupo ali. Aí, mostra os trechos do Mandela ali narrando a poesia, mostra as imagens dele e a poesia sendo narrada ali no contexto da cena. E no final, mostra o time da África do Sul havia ganhado o campeonato, daí tá o Mandela no carro, assim, passando aquele transito, aí vem esse trecho da poesia, eu falei: “Nossa!”, fiquei assim… o filme era legendado, só que eu não tinha pego todo o trajeto da poesia, falei: “Nossa, incrível”. Em 2010, lá no meu serviço tinha Cine Pipoca lá para os funcionários e foi bem na época em que o Brasil perdeu aquela copa, tenho uma raiva, porque eu lembro que ia com o pessoal do serviço, fui até o Anhangabaú também, inclusive com o Rubão, esse amigo meu do morro e nós estávamos acreditando que o Brasil ia ganhar a Copa, o time não tava tão confiante como… não como 2014, mas tava um pouco melhor, pelo menos não tomou o chocolate que nem no ano passado, né, de sete a um, mas tem que esquecer. Mas falei: “Brasil vai ganhar!”, Brasil tinha perdido a copa e passou depois o “Invictus”, acho que passou uma semana depois, não me lembro quando, eu vi essa poesia só que o filme estava dublado, daí eu vi toda a poesia e entendi, falei: “Ah não, agora entendi qual é a mensagem”. Daí, tava com o pessoal lá do HCTV que era o antigo jornal lá do HC, perguntaram: “o quê que você achou do filme?”, falei: “Achei ótimo, só que se o Brasil tivesse esse mesmo conceito, essa mesma atitude que eles tiveram, acredito que iria ser bem diferente a copa. Não sei se o Brasil teria perdido assim tão facilmente”, daí ficou marcado, daí tinha introduzido mais pra mim aquela poesia, ainda.
P/1 – E qual que é o seu último livro que você tem? É o último que tá ali?
R – Tem o “Para Desenhar Outros Fatos”, esse livro aqui foi… posso dizer que ele foi épico pra mim, porque eu tava procurando assim, uma editora e essa editora que publicou ele, que é a Confraria do Vento é uma editora do Rio de Janeiro, daí eu tava meio que paquerando essa editora, mandei o projeto: ‘será que eles vão aceitar?’ “Não, tudo bem, vamos aceitar”, só que até então, eu pensei que era uma editora comercial, eles falaram: “Não, é uma editora pequena, só que nós vamos fazer o seguinte, você banca metade do livro e nós bancamos outra parte, mas nós vamos te dar um respaldo, nós vamos por seus livros em alguns sites, em algumas livrarias do país e a gente faz uma distribuição” “Tudo bem”, mas não chegou a ser por isso que foi marcante, porque eu consegui um prefacio de um grande critico de literatura, de politica que é o Renato Pompeu, que era da revista Caros Amigos e eu mandei a proposta pra ele, ele se interessou, falou: “Tudo bem, eu vou fazer o prefacio pra você”, se interessou pelo livro e também pelo fato da Heloisa Buarque de Holanda ter escrito a contracapa, é um dos grandes nomes aí da nossa literatura, ensaísta da família Buarque de Holanda, então, falei: “Nossa, meu Deus, a pessoa aceitar o projeto, gostar…”, e eu fiquei muito emocionado, então foi a primeira vez que o meu livro tentou ter um certo recurso e essa distribuição, tanto que algumas livrarias tem alguns exemplares dele, ele foi publicado em 2012 e foi um grande marco na carreira esse livro, até porque cada trabalho seu você vai encontrando esse amadurecimento, você vai se desenvolvendo mais, você vaia lendo mais, vai pesquisando mais e o processo se torna mais lento, o processo de medição, mas ele vem mais forte, vem mais maduro.
P/1 – Tem alguma poesia que você gostaria de falar pra gente desse livro?
R – Essa poesia, eu fiz às quatro horas da manhã indo para o banheiro (risos), e ela marcou muito por causa disso, porque até então, você não imagina, você tá dormindo lá e você levantar e vir… mas mesmo quando eu tava dormindo, eu já tava pensando na poesia, parece que eu levantei para ir ao banheiro só para escrever ela, né, ela é assim, ela não tem um titulo:
“Não deixe seus pés tocarem nesse chão tão triste
Deles, um banho de essência
Deixe-os beijarem o mar”
E foi engraçada também a construção dessa poesia, porque eu não imaginava que iria sair uma poesia às quatro horas da manhã, não imaginei indo para o banheiro, entendeu? Acho que devia estar animado, porque era de sábado para domingo, também (risos). Se fosse de domingo para segunda, eu não sei se…
P/1 – E tem alguma outra que você acha que marca desse livro?
R – Olha, sabe que é engraçado, tem uma que parece que foi uma profecia. A questão das manifestações que ocorreram em 2013 sobre o transporte público aí em São Paulo, o aumento das tarifas. Então, ela acabou marcando por causa disso, porque eu escrevi ela um ano antes e parece que depois, aconteceu, parece que eu adivinhei o negócio, assim, sabe? Vai ter uma manifestação, um protesto, o transporte público tá precário mesmo. E ela chama-se “Ônibus 171”, 171 na gíria é uma pessoa boa de papo, sabe, boa na conversa. E ela é assim:
“Pá pum, pá pum
Ônibus 171
Pá pum, pá pum
Última parada, para lugar nenhum”
E o interessante é que veio essa ideia, eu já tava querendo escrever alguma coisa sobre o transporte público, então por isso que ela também marcou muito.
P/1 – E depois, você ainda fez mais um livro? É isso?
R – Daí, acabou vindo um outro livro “Retratos de Um Cotidiano Adormecido”, foi um marco também muito na carreira.
P/1 – Em que ano que foi?
R – 2014. Eu tenho seguido alguns nomes fortes da nossa arte, como Nelson Triunfo, um dos cabeças do hip hop aqui no Brasil, Fabiana Cozza também uma grande amiga, uma entidade viva de música popular regional, de música brasileira, o filho do Tim Maia, também, o Leo Maia fez uma dedicatória aqui e marcou muito pelo fato de ter encontrado um caminho, não que os outros não houvesse encontrado, mas parece que o que eu quis publicar no primeiro, eu consegui publicar nesse e aquilo que eu tava buscando na minha poesia, eu consegui encontrar, eu consegui, assim, botar para fora o que tava ali, sabe? Toda aquelas experiências, todo aquele percurso todo, eu acredito que eu tenha conseguido explorar isso mais dentro de mim, porque alguns textos filosóficos que eu li me ajudaram bastante pra fazer essa pesquisa sobre a natureza humana. Tem até uma poesia aqui que eu falo sobre dança, sabe? Sobre amizade, sobre a pessoa querer ser uma coisa e não é aquilo e ter que provar para as pessoas. Então, parece que isso passeia muito pelo o que eu tinha lido em alguns textos filosóficos, porque tem alguns textos filosóficos que a gente vê que estão voltados mais para essa questão politica, mas tem alguns que fazia muito o ser humano pensar, refletir. Então, essa busca pela essência humana. Então, tem até poesias que são… tem aquela coisa social, sobre a sinceridade também, sobre lutas populares, sobre medos…
P/1 – Fala uma pra gente que você esteja a fim.
R – Tem uma poesia aqui, deixa eu só olhar aqui em qual página que ela está… que essa poesia foi quando eu tava imobilizado, que eu tava com o pé quebrado, e eu escrevi ela nesse período, que ela chama-se “O Desafio”, tá na página 47, que ela é assim:
“Acorde e plante versos de garras
No quintal do seu companheiro
Doe boas palavras ao seu vizinho
Um homem de grandes recordações no chão de todas as criaturas
Cante, sorria, vibre
Não deixe que as vozes da tempestade
Gritem em seus ouvidos
Siga em frente
Vá a luta
Acredite no amanha
Que o futuro
Desenhará em suas páginas
Outros desafios
Que o levarão à construção
Da maturidade humana”.
Geralmente, alguns textos que eu procuro focar a questão do social, eu vou muito através desses embases históricos de dados históricos que nós temos sobre ditadura, sobre violência, desigualdade e nesse, eu procurei ir mais a fundo, mesmo, nas minhas dificuldades que eu tava passando no momento e que a solução tá dentro de mim, também. Tolstói que dizia que “Há dois tipos de dores, a dor física e a dor do remorso”, eu tava com a dor física, mas eu também tava com a dor do remorso após sofrer o acidente de moto que eu sofri. Mas a dor física, ela se cura, por mais que se tenha um período longo ou mais curto, ela se cura e a dor do remorso, será que às vezes, ela não fica ali, em nós? Tanto que até você voltando um pouco mais aí no começo da nossa entrevista, quando eu falei que o meu pai ficou internado no sanatório, que ele se encontrou através da religião, eu fiquei com muito medo, às vezes, algumas vezes na minha vida, de também passar por esse caminho, só que às vezes, você não conta, sabe? É difícil você se abrir para isso. Confesso, eu tinha muito medo e às vezes, quando você tá perdido, você precisa se encontrar, você precisa achar essa orientação e como o meu pai se encontrou no Budismo, é a grande bandeira da vida dele, que ele leva isso, eu levanto essa bandeira da arte, porque, claro, às vezes, você tem medo de passar por aquilo, você tem medo. Uma vez, perguntaram num bate-papo que eu fui lá numa biblioteca em São Caetano, se eu tinha medo de entrar em depressão. Confesso que eu tenho, às vezes, você quer ser forte, se cobra muito, o 2Pac mesmo dizia, que foi um rapper da década de 90 nos Estados Unidos, ele dizia: “Você vai ser feliz, mas antes ainda, vai te ensinar a ser forte”, você tem que aprender a ser forte, a vida vai te dar essa lição, entendeu? Talvez, vai ser o maior desafio, talvez o maior desafio você não vai encontrar no trabalho, na faculdade, no relacionamento, na família, talvez o maior desafio esteja em nós mesmos, entendeu? Então, pelo fato de ter tido esse medo, procurei ir por esse caminho aqui, então por isso que esse livro, eu procurei trabalhar mais essa questão da natureza humana. Apesar que tem alguns comentários que dizem que é literatura periférica, marginal, social e por mais que eu esteja nesse caminho do social, como muitos dizem, mas eu procuro também compreender a razão da existência humana, compreender o próximo, tentar desvendar esse grande mistério que é a vida, se eu não conseguir desvendar, não adianta eu tentar passear por esse caminho do social, porque os fatores históricos e linguísticos vão falar muito sobre aquele cotidiano e aquela população que você vai estar lá, vai trabalhar em cima um projeto, uma ideia.
P/1 – E você foi chamado para falar com o Abujamra, foi isso? No programa dele?
R – Fui.
P/1 – Como é que foi isso aí?
R – Bom, era um grande sonho, quando eu comecei a conhecer o trabalho do Abujamra, eu falei: “Nossa, eu nunca vi isso na minha vida, o quê que tá acontecendo? O cara provoca mesmo!”, umas perguntas que eu até nem tinha visto. Parece que esse sistema da televisão que nós vemos, eles têm uma ideia muito assim, formalizada sobre o que eles querem passar, não é? E lá, não o Abujamra provocava mesmo, fazia umas perguntas bem filosóficas, bem profundas. Falei: “Vou arriscar, vamos ver o quê que dá. Ele vai me detonar, eu sei que ele vai me detonar”, mas por mais que eu tivesse medo dele me detonar, aí que eu fui começar a conhecer o Hugo Paz guerreiro, porque até então, eu escrevia os livros, mas quando você descobre onde você quer chegar, você vai direcionando ali o seu trabalho e o seu desejo, falei: “Vou arriscar, vou arriscar”, em 2010 foi que eu fui começando a ter contato. Aí comecei… eu lembro uma vez que eu peguei umas poesias minhas, uma amiga minha falou lá do serviço: “Hugo, pega as suas poesias, escreve, põe lá o seu e-mail, seu telefone e vai em teatros, Centro Cultural e ver o quê que dá”, aí eu peguei uma vez e fui nos teatros aí de São Paulo, fui ali na região central, coloquei as poesias: “pode deixar umas poesias aí?” “Pode”, daí uma assessora de imprensa entrou em contato comigo, viu lá o meu site: “Que legal, o quê que você faz? Como que é? Você escreve?”, comecei a conversar com ela, falei: “Tô tentando”, e eu falei pra ela: “Eu queria ir lá na TV Cultura”, no “Provocações”, se é que é possível, ela falou: “vamos tentar, mas é meio difícil”, eu falei: “mas eu quero, quero arriscar, tem que tentar”, daí eu falei pra ela: “Você pode me ajudar? Tem alguma matéria, algum lugar que você pode divulgar o meu livro?”, ela tinha contato com o pessoal lá de Portugal, escrevia para um jornal de lá, na coluna literária de lá, e ela acabou escrevendo na coluna dela sobre o meu segundo livro “Poesias da Verdade” e escreveu uma matéria sobre mim, daí eu levei para a minha mãe, engraçado, minha mãe sempre me apoiou muito e aí, foi que eu fui arriscando, fui tentando juntar material para levar para ele, vamos ver se ele me vê. Como eu queria muito ir no “Provocações”, eu fui me inserindo mais no meio, fui mantendo contato com jornal, jornal de bairro, teve web, tudo que eu podia, eu metia as caras, mandava pra dez, conseguia uma, duas, tá bom, vamos tentar, vamos arriscar. Daí, em 2011 foi que eu lancei o “Rastros de Palavras”, né, e fui tentando de novo, fui mandando, fui mandando e se eu não me engano, foi em 2012 que eu encontrei ele no CEU do Aricanduva, que eu mostrei o meu livro par ele, começamos a conversar e daí, um amigo meu que é coordenador lá da biblioteca do CEU, inclusive ele até escreveu um texto na orelha do quarto livro, ele chegou para o Abujamra e falou: “Olha, tá vendo esse menino aqui? Ele tem um grande sonho que é ir no seu programa, para ser entrevistado por você”, daí o Abujamra falou assim: “Que sonho nada, para com isso”, já começou a desandar e daí, já tinha uma admiração, né, eu lembro que quando eu cheguei assim, eu falei: “meu Deus, o quê que eu vou fazer?”, vi a peça dela que era “A Voz do provocador”, nossa! A maneira que ele expunha assim, no palco, aquela presença toda, aquela poética de forca de questionamento, ah não, esse homem vai me detonar!
P/1 – Mas quando que ele te chamou?
R – Em 2013.
P/1 – E como é que foi receber essa mensagem?
R – Eu fiquei muito em cima dele, e eu… a produtora tava de licença maternidade, já tava em contato, já conhecia, né, porque eu ia embaixo de chuva, de baixo de sol, em 20012, eu não me lembro se foi em 2012 ou em 2013 que eu fui… fui na época da Pascoa, teve amigo chocolate no serviço, eu tava com um material que eu ia mandar para uma produtora, agora não me lembro qual e acabou não dando para mandar esse material, eu tava com ele no dia, tava tudo embaladinho ali no envelope, certinho, eu falei: “quer saber? Vou tentar lá, vou até a TV Cultura e mando lá”, e eu tinha ganho um chocolate Diamante negro. E eu sei que eu cheguei na TV Cultura, tava um sol de rachar, derreteu tudo (risos), aí a menina que me deu o chocolate, depois falou: “Gostou do chocolate?”, falei: “vou confessar pra você: “Ele derreteu todo, acabei comprando outro porque eu fui na TV Cultura”, fui embaixo de muita chuva, sol, frio, eu ficava lá na porta da TV Cultura e até que no ano de 2013, havia ligado pra produção, falei: “E aí, tem como? Soube que você…”, parabenizei ela: “parabéns, né, mamãe, legal, agora um novo estágio na sua vida. Muitas boas vibrações. E aí, tem uma possibilidade de ir aí no programa? Com o tá aí o quadro, como tá os convidados?” “Tem gente que tem mais de uma no aqui tentando” “E essas pessoas, como que tá?”, e antes, eu lembro que essa assessora que colocou a minha matéria lá em Portugal, ela conseguiu levar um rapaz lá, não me lembro se era escritor, mas ela conseguiu levar. Ela falou pra mim: “Seguinte, ele foi, mas ele pagou pra mim, eu assessorei ele, eu consegui encaixar, colocar ele lá, mas não colocaram a entrevista dele lá”, eu: “Meu Deus, e agora?”, eu falei: “Não, tem que ir, tem que conseguir, tem que arriscar”, daí eu tinha falado com a Carol nesse dia que é a produtora, daí ela falou que tava tentando, que o pessoal tava tentando há um ano, eu falei: “Tô tentando mais de dois anos, dá essa chance, vai”, isso em 2013”, ela falou: “Pode deixar", desse ano não passa”, isso tinha sido em agosto”, agosto de 2013. Isso foi na segunda-feira, na quinta-feira, fui almoçar, parece que as coisas colidem pra dar certo, né, porque na hora que ela me ligou, eu tava entrando no banco, no banco no pode usar celular, ela me ligou, eu atendi: “É a Carol do programa Provocações. Então, teve uma pessoa que não pode vir, você quer participar da entrevista sábado agora?”, eu tinha evento para fazer no dia ainda, falei: “Tudo bem, pode deixar que eu vou”, sai mais cedo do serviço, pedi a folga na sexta-feira pra me preparar e lembro que tinha um lugar que eu ia muito, foi onde eu comecei a tocar violão, praticamente, que era uma região bem arborizada ali do Instituto Butantan, eu ficava ali tocando violão e as minha primeiras composições musicais foram lá e ali, parece que tem uma energia assim, forte, impactante e eu fui lá, comecei a fazer umas preces, sabe: “Faça que dê certo” e veio todo esse… me veio esse filme na cabeça na sexta-feira, né, pensava comigo mesmo: ‘faça que dê certo’, e acabou inclusive, até… o cabelo grande black power foi por causa disso. Eu prometi pra mim mesmo que se eu conseguisse deixar o cabelo crescer no último ano, que dá trabalho, cabelo encaracolado, tem que lavar, pentear e não sei o quê… eu já tive cabelo grande antes e sabia que era dificultoso, falei: “Se eu conseguir deixar um ano, eu entro lá”, só que nessa época, eu tinha essas rasteiras, né, falei: “não, vou entrar sem as rasteiras na entrevista”, daí acabou que… eu lembro que até no final de 2012, eu mandei uma carta para o Abujamra, eu fiz no Natal a carta. Eu sei que vai dar uma engrenada na minha carreira, eu sempre acreditei, sabe? Por mais que tivesse muita dificuldade, qualquer dia, eles vão dar uma oportunidade pra mim, eu acredito nisso. Na época mesmo que eu pegava latinha, era dificultoso, pô, pra montar o meu skate, às vezes, pra ajudar em casa, na época do lava rápido mesmo, era gordinho… inclusive, tem uma história, uma curta aí… foi em 2005, tava pesando 91quilos, até então, eu nunca tinha pesado isso, apesar de antes, ter passado assim por problemas de obesidade, mas era menor, então o seu organismo é diferente, meu primeiro problema com obesidade foi com sete, oito anos, depois eu consegui emagrecer, mas depois, eu engordei tudo de novo. Cheguei em 91 quilos em 2005, tava bem… sabe? E no lava rápido, eu sentia muita dificuldade para trabalhar e pessoa obesa, debaixo do sol quente, pessoal que trabalhava lá era magrinho, rápido ali, tinha que ter agilidade. Isso foi no começo de 2005, falei: “não, eu vou conseguir, vou emagrecer”, prometi para mim mesmo, minha mãe pegando no meu pé, meu pai falando pra mim: “Você tá acima do peso”, e depois que eu entrei no banco, tinha entrado em junho, no segundo semestre de 2005, falei: “Não, eu vou conseguir, eu vou me desafiar, eu vou emagrecer”, eu vinha do HSBC a pé, que era o banco que eu trabalhava, eu vinha a pé, comecei a cortar muita coisa, sabe, eu cheguei a perder de 2005 para 2007, 30 quilos. Fiquei um palito, assim. Foi se formando esse espirito guerreiro em mim, tanto que em 2013, mesmo antes da entrevista, quando eu quebrei o pé, eu fiquei imobilizado durante uns cinco, seis meses, e tinha um projeto que eu tinha que mandar para uma ONG aqui no Sumaré e eu tava com o pé enfaixado, fui com a muleta e tudo, peguei a Capote Valente que é uma subida imensa ali, que é uma travessa da Teodoro Sampaio e fui subindo embaixo de chuva, começou a cair um pé d’água daqueles, tinha uma mulher que tava numa casa e falou: “Menino, você não quer por uma capa?”, falei: “Não dá, se colocar a capa, eu não ando”, fui subindo embaixo de chuva, atravessei a Sumaré e quando eu atravessei a Sumaré, a ONG ficava bem em cima, bem no final da capote Valente, cheio de carro na rua, assim e cheio de buraco na rua, nas calcadas e cheio de buraco nas ruas, eu falei: “Eu vou subir, eu tenho que conseguir”, e então foi aí que eu determinei pra mim mesmo: eu não vou desistir, eu tio aqui, se eu conseguir, se der certo o projeto, ótimo, se não der, pelo menos, eu tentei. E também teve uma feira de livros no CCJ, não sei se foi pior, foi o mesmo grau, vai, de dificuldade, que eu peguei uma mochila cheia de livros, só que foi a primeira vez que eu subi no ônibus com a muleta, primeira vez que eu tinha ido na Capote Valente, meu pai tinha me ajudado a entrar no ônibus. Eu fui com aquelas mochilas e tudo, o ônibus cheio pra caramba, sol de rachar e cheguei lá no terminal Vila Nova Cachoeirinha, desci com aquela multa, com a sacola cheia de livros, no final, vendeu um livro só, mas a esperança estava ali e acessa dentro de mim, eu falei: ‘Eu vou ser recompensado, eu tenho que ser recompensado, a minha luta tem que servir para alguma coisa”. E o mais engraçado ou mais triste, não é bem engraçado, é quando você tá sozinho assim, consigo mesmo e às vezes, as pessoas não valorizam e você tem que acreditar, você tem que ir, você tem que lutar por aquilo, não adianta, é você e você mesmo. E foi o que eu comecei a trocar uma ideia com Deus, podemos dizer assim. Chegava, estava na minha mãe, ainda, vou ter que seguir em frente. E chegava, às vezes, quando estava sentado ali no computador, mandando e-mail para um, para outro para tentar contato com alguma coisa, chorava muito assim, me sentia culpado por ter sofrido aquele acidente de moto, procurava ouvir algumas músicas que me inspirassem, alguns trechos de filmes, alguma poesia e naquele ano de 2013 marcou muito. E foi depois que eu falei, depois que eu tinha conseguido ir na entrevista com o Abujamra, falei: “Nossa, então não adianta, da poesia nasceu um guerreiro”, parece que a minha história de vida é isso: da poesia nasce um guerreiro, até então, nesse mesmo ano, eu consegui participar do show da Banda Sandália de Prata e com a cantora Fabiana Cozza, também, subi no palco, aliás, ela é toda cheia de garra, magia, toda exuberante, eu falei: “Meu Deus”, mandei Grafiteiro nesse dia. E também consegui um matéria no jornal “Brasil de Fato”, também com a muleta (risos), desci na Angélica, nossa! O ruim é que você tem que atravessar as ruas, sabe, tá no ônibus e não adianta, você quer e você tem que ir atrás, sabe? Eu não espero que vai cair alguma coisa do céu, que vai chegar um anjo aqui salvador e “Toma aqui pra você”, entendeu? Eu acredito que você tem que ir atrás, sabe, tanto que até mesmo naquele momento, onde você pensa em desistir, você tem que olhar para si mesmo ao seu redor e buscar isso. O Abujamra sempre declama uma poesia no programa dele, no final do programa, nesse dia tava muito chuvoso, tava em casa, tava meio desgostoso, porque eu tinha brigado com uma pessoa que eu tava gostando, ela me deu um fora, vai… e eu pensei: ‘nossa, que decepção’, daí eu vi uma poesia do Abujamra que ele declamou, que é do Charles Baudelaire, ela é mais ou menos assim… deixa eu ver se eu lembro dela toda, chama-se “Por Não Ser”:
“É por não ser ambicioso que não tenho convicções
Como as entendem as pessoas ambiciosas
Não há em mim nenhuma base para uma convicção
Só os aventureiros têm convicções
De quê?
De que tem que vencer
E como as pessoas são covardes
Os que têm convicções, vencem”
Pra mim, aquilo foi um tapa na cara, porque eu tava meio sem convicção, confesso. Eu sabia que era um aventureiro, que me aventurava em tudo, assim, sabe? Nos meus desejos, eu me aventurava, mas eu tinha que ter convicção. Tava se apagando de mim, convicção tinha se apagado completamente dentro de mim. Eu conversei comigo mesmo: “Eu tenho que ter essa convicção, se eu não tiver essa convicção, não adianta, eu não vou conseguir”. E foi aí que foi um passo importante.
P/1 – Eu queria passar agora para as perguntas finais e a primeira é: quais são os seus sonhos agora, que a gente tá em 2015, né, você falou da sua trajetória, quais são os seus sonhos pessoais agora?
R – Você diz para esse ano?
P/1 – Para a sua vida, mesmo.
R – Olha Lucas, o meu grande sonho, assim, eu sei que eu voltei a estudar, eu acredito que há desejos, sonhos e vontades. Um desejo eu vejo como uma coisa assim, possível, eu quero algo, é um pouco mais fácil. O sonho, ele permeia pelo impossível, não seria um sonho. Você vai lá, atravessa a rua, vai e faz. Eu tenho um grande sonho de estar numa editora grande, todos os dias da minha vida, quando eu levanto, quando pego aquele ônibus cheio, quando saio daquela faculdade quase 11 horas da noite cansado, é que um dia, uma editora grande me dê uma chance, é que um dia eu esteja nos grandes eventos literários, ser conhecido assim, como escritor, sabe, que eles me chamem para poder falar do meu trabalho, para poder expressar o que eu tenho dentro de mim, que as pessoas conheçam o Hugo Paz, não só como Hugo Paz, o escritor, um militante da vida, mas o Hugo Paz que alcançou os seus objetivos e um dia, se eu entrar numa sala de aula como professor de artes, poder passar para aqueles alunos, aquelas crianças que os sonhos são possíveis, que nós temos capacidade de alcançarmos os nossos objetivos, que por mais que tenham dificuldades no caminho. Eu prometi para mim mesmo que o dia em que eu puder chegar assim, quero chegar um dia na casa da minha mãe, para os meus pais e falar: “Consegui, olha aqui. Uma grande editora. Esses dois livros aí, um romance e o meu livro de narrativas, tá aqui, entrei em duas grandes editoras. Foi difícil, mas eu consegui e tudo que eu passei na minha vida valeu a pena”. Trabalhar numa coisa que eu gosto também. Eu sou apaixonado por educação social, é uma das disciplinas que eu tô me identificando muito na faculdade, eu quero tentar permear por esse caminho. Eu acredito que dá para… como eu já participei de projetos em ONGs, instituições carentes e comunidades, eu acredito que eu tenha mais facilidade com isso. Conseguir esse grande espaço, assim. E os livros. Os livros… eu tô tentando escrever outras coisas, né, outros estilos de escrita, literatura, mas produção a gente faz. Minha mãe fala que eu tenho que continuar na poesia, eu tô escrevendo algumas poesias que eu tô publicando nos sites, mas claro, se uma editora grande falar que quer publicar um livro meu de poesias, eu vou, ótimo, maravilhoso, eu vou escrever um livro de poesias. Mas eu tô escrevendo outras coisas, mesmo, justamente pelo fato do mercado editorial não ter muitos olhos para a poesia. Falaram pra mim que é impossível eu entrar numa editora, mas eu acredito que dá. Vai ser uma batalha, mas acredito que dá.
P/1 – Como é que foi contar a sua história?
R – Foi bom. Foi muito prazeroso. Uma das primeiras vezes que eu consigo, assim, me expressar com tanta… falar coisas que estavam ali. Teve uma vez que eu participei de um evento lá em Suzano, mas não consegui assim, não saía o que eu queria dizer. Acho que eu demonstrei o meu lado fraco, tava lá meio inexperiente, ali, inclusive, naquele dia, eu pensei em desistir porque é difícil você falar certas coisas, mas eu pensei também que ia acontecer como aconteceu, sabe? De eu ter saído um pouco de mim, sabe, naquele dia. Eu me culpo muito, fiquei muito com isso na minha cabeça e sempre quando eu faço alguma coisa que eu fico constrangido comigo, eu procuro ir atrás e reverter a situação, é de mim mesmo, isso, sabe? Até alguma critica a algum trabalho meu ou com a minha pessoa mesmo, falo: “vou procurar dar o melhor de mim e vou procurar fazer o melhor e vou atrás disso, vou atrás desse caminho”. Então, acredito que foi bacana. É bom você falar, você ter esse contato, assim. Nos saraus não tem tanto espaço, né? Bate-papo, às vezes, eles focam na coisa, em um tema especifico, né?
P/1 – Tá certo então, obrigado Hugo, foi ótimo.
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