Eu nunca pensei que pudesse sair de casa. Até que chegou a hora do vôo, naquela quinta-feira, 28 de março de 2001. Meu pai, sempre apressado, quis ir para o aeroporto com umas três horas de antecedência, o que aumentava ainda mais a minha angústia. Lembro que eu e minha mãe ensaiamos a partid...Continuar leitura
Eu nunca pensei que pudesse sair de casa. Até que chegou a hora do vôo, naquela quinta-feira, 28 de março de 2001. Meu pai, sempre apressado, quis ir para o aeroporto com umas três horas de antecedência, o que aumentava ainda mais a minha angústia. Lembro que eu e minha mãe ensaiamos a partida centenas de vezes. Todos os dias era um arrumar de mala, entre choros compartilhados e escondidos, por causa do meu pai. E nos fizemos a falsa promessa de que não seria tão difícil assim ficar longe. Só que naquela madrugada, a poucas horas da mudança pra Campinas, eu tomava meu café com um gosto amargo na boca. E tinha que segurar as lágrimas, porque meu pai dizia que eu faria mal pra minha mãe se chorasse. Sentia um saudosismo sem ter partido. Olhava como se fosse pela última vez cada parte da casa e tentava guardar comigo todos os cheiros possíveis. Quando abracei a minha mãe pra dizer adeus, era como se fosse partir sem volta. E vê-la, com seu roupão, na porta da área de serviço, parada, com a mão na boca segurando o choro, sem coragem para ir comigo até o aeroporto, me fez doer, de uma dor tão profunda, que o corpo inteiro se abala. Eu só fazia soluçar e nem queria mais ir. Foi uma sensação de morte, como se a minha mãe fosse deixar de existir. Essa partida me encheu de culpa, porque ela, sem nunca me cobrar de nada, longe disso, representava o que é perder o objeto da sua vida. A minha mãe viveu a minha vida e a do meu irmão. A nós dedicou todos os seus dias e tinha que assistir, sem contestar, a menina dela partir. Eu penso nesse momento até hoje e precisei trabalhar muito em mim essa idéia de que a minha mãe também é capaz de ter vida própria, ter seus próprios interesses, que eu não era culpada de nada. A minha partida fez duas vítimas da saudade. Nós adoecemos e crescemos. Só que o engraçado é que hoje, passados seis anos, mesmo com muitas conversas, diárias para não perder a intimidade, eu ainda sinto uma falta imensa dela. Pensei que o tempo me ensinaria a ficar longe, sem precisar desse contato de todo o dia. Mas eu não aprendi. E sempre que tenho que voltar de Floripa meu pai briga comigo, porque é só ver a minha mãe acenando de longe, e eu partindo de carro, que meu coração fica apertadinho, me dá um nó na garganta e eu soluço até metade do caminho. Nunca dirigo na volta pra casa.Recolher