P/1 – Flávio, você pode falar o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Posso.
P/1 – Por favor.
R – O meu nome completo é Flávio Rocha Silva, eu sou pernambucano, me criei em Tuparetama, sou tuparetamense, porém eu nasci em Paulo Afonso, na Bahia, na construção da usin...Continuar leitura
P/1 – Flávio, você pode falar o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Posso.
P/1 – Por favor.
R – O meu nome completo é Flávio Rocha Silva, eu sou pernambucano, me criei em Tuparetama, sou tuparetamense, porém eu nasci em Paulo Afonso, na Bahia, na construção da usina! O meu pai tinha uma olaria, ele era sócio com os meus tios e eles foram vender tijolos e telhas lá na usina, na construção da usina que tinha que construir as vilas, aquilo tudo e o meu pai foi pra lá, então, a minha mãe foi grávida, lá eu nasci, mas o negócio não deu muito certo lá, seis meses depois o meu pai voltou e eu vim para Tuparetama, então, eu sou tuparetamense.
P/1 – Os seus pais são de Tuparetama?
R – São do município, que na verdade a minha família morava na zona rural, a minha mãe morava no município de São José do Egito que é do lado, o terreno dos meus avós, sítio dos meus avós, pais da minha mãe e o meu pai morava pertinho no município de Tuparetama. Então, eles são de lá, são do Sertão do Pajeú.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Olha, o meu pai e a minha mãe se conheceram no forró , o meu pai era meio namorador, tinha outras namoradas e tal e aí conheceu a minha mãe, se apaixonou por ela, os dois se apaixonaram e tal, o meu pai tinha 24 anos e a minha mãe tinha 19 anos e eu nasci de quatro meses, quer dizer , eu descobri essa história e fui perguntar para a minha mãe: “O mãe, mas espera aí, se o seu casamento de aniversário é no dia 19 de julho e eu nasci no dia 21 de outubro como é que pode esse negócio?” aí depois eu vi que a barriguinha dela estava, ela não casou de véu e grinalda, casou de vestidinho curto, aquele negócio que tem, aquela tradição, se ela não é mais virgem não usa véu, então, ela não casou com véu e grinalda e eu sei que eu fui feito em uma dessas festas, uma dessas escapadas de cerca, eles deram uma fugida do forró e lá eu acho que aconteceu o negócio e aí eu fui nascer em Paulo Afonso na Bahia, na construção da usina.
P/1 – E os seus avós são de lá também, dessa mesma região?
R– São, assim, São João é um pouco comprida, mas visto que a gente tem um pouquinho de tempo, então, eu vou tentar contar. A história é o seguinte, eu sou filho de uma comunidade de uma espécie de um clã do interior de Pernambuco, lá tinha um campo de futebol, tinha uma pista de vaquejada e a minha família morava toda próxima, o meu pai e os meus três tios, da família do meu pai; a minha família paterna morava perto de Caruaru, já mais no agreste de Pernambuco, eram sete irmãos na família do meu avô, esses sete irmãos, o meu avô tinha terra, muita terra, era dono de umas terras lá, não era terra muito boa, mas era muita terra e eles brigavam com os cangaceiros, eles resistiam, era o Antônio Silvino que brigava por lá, então eles resistiam a presença dos cangaceiros na terra deles, com o gado deles, com aquela coisa toda, os caras queriam dinheiro às vezes e nessas brigas alguns tios-avós meus morreram, um ou dois e o meu avô quis se afastar disso, o pai do meu pai, ele quis se afastar da violência, queria ser um homem mais pacífico e tal, era vaqueiro, era domador de cavalos e cuidava do gado e ele me contava muitas histórias dele pegando boi no mato e ele me contou essa história que ele se mudou lá de Caruaru, lá de cima, de perto do litoral, lá pro município de Tuparetama pra fugir dessa briga, inclusive o sobrenome dele era outro, ele criou novos documentos, o sobrenome dele era Gajão, ele era família Gajão essa família ainda existe, depois que eu cresci eu fui lá conhecer, era um povo muito, digamos assim, valente e o meu avô quando casou começou a ter os filhos e ele começou a perceber que se ele ficasse ali os filhos dele poderiam tomar um rumo, teriam um destino de violência, eles estariam muito próximo da violência porque tinha esse atrito direto com os cangaceiros e tal, aí ele então pegou tudo, a família dele, o meu pai veio pequeninho e saiu lá do agreste, lá de cima, vendeu a terra dele lá e veio embora pro sertão de Pernambuco, ali pra dentro, para o Sertão de Pajeú, onde é a terra dos repentistas Louro de Pajéu, Pinto do Monteiro, os grandes repentistas, os avós do repente e criou os filhos todos juntos, no mesmo terreno, tinha o meu pai, o meu tio Edson, meu tio Helinho, só a minha tia que morava um pouco afastada, o resto estava tudo junto, então, eles eram sócios em tudo, no gado, na cerâmica que tinha nessa olaria que fabricava tijolos e na oficina que eles tinham instrumentos pra arrumar as máquinas, pra consertar as máquina, então, tinha máquina de solda, tinha torno mecânico e tinha um campo de futebol, todo domingo era uma festa, a gente jogava futebol toda quinta, todo sábado.
P/1 –
Então, você morou no meio desse clã?
R – Eu morei nesse clã até os meus 17 anos quando eu saí pra ir embora estudar em Recife.
P/1 – Em quantos irmãos vocês são?
R – Na minha casa somos cinco.
P/1 – Você é qual?
R – Eu sou o primeiro.
P/1 – Você é o mais velho?
R – Eu sou o mais velho, eu sou o que foi feito na cerca, que nasceu de quatro meses , depois de mim veio a Flávia, depois veio o Fabiano, depois o Fábio, depois a Faustenice, é tudo no f,
somos em cinco.
P/1 – Flávio qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R– O nome completo do meu pai é Eduardo Lucas Silva, não pegou o Gajão porque depois que o meu avô se mudou ele tirou o nome de todo mundo, ele tirou o sobrenome Gajão de todo mundo pra evitar o conflito; o nome da minha mãe é Cícera Rocha Silva que é filha de Antônio Vicente da Conceição e de Inácia Bernardo Rocha que são os meus avós maternos, esses já moravam lá na região mesmo, o meu avô era um homem alto, tinha quase dois metros de altura, calado, não falava quase, a minha avó era baixinha, de descendência direta de índio e lá eles se conheceram, se casaram, veio a minha mãe, a minha mãe tem seis irmãos, tio Celso, tio Francisco, tio Batista, tia Carmelita e a minha mãe que é Cícera, são cinco e uma que morreu, eram seis.
P/1 – E moravam todos na região também?
R – Todos do lado, era o sítio do lado, quer dizer, ficava a seis quilômetros o sítio onde o meu pai morava com a minha mãe que era na comunidade do meu avô paterno, a seis quilômetros do sítio dos meus avós maternos.
P/1 – E moravam outras tias da sua mãe lá no sítio?
R – Não, lá não porque os irmãos da minha mãe quiseram vir muito cedo pra São Paulo, na década de 60 eles vieram pra São Paulo pra trabalhar porque era pouca terra, o meu avô, os dois, nenhum era rico, era remediado como diria no sertão, não é rico e não é pobre, é remediado, não é nem classe média, era uma coisa diferente, eu não consegui até agora encontrar uma localização; a minha mãe é professora primária, eu tive uma boa educação, é o que me salva e a minha avó Antônia Vicente da Conceição era uma mulher muito forte, ela que deu a linha da educação moral da família, ela tinha fama de ser uma mulher, como diz lá no sertão, honesta e positiva, se ela não gostasse de você ela te falava logo, ela não ficava com hipocrisia, ela falava: “Eu não quero ficar com você porque eu não gosto muito de você, então você ficava pra lá e eu fico pra cá”. Então, a minha avó materna Antônia Vicente da Conceição, morava sim, mas os meus tios vieram pra São Paulo, começaram a vir muito cedo, o Francisco e o Batista vieram antes, depois veio o Celso que era o mais novo dos homens, eu acho que mais novo até dos filhos também e tinha essa parte da família que mora em São Paulo até hoje, eu os via menos, bem menos porque eles vinham de dois em dois anos.
P/1 – Vocês iam pra lá?
R – A primeira vez que eu fui a São Paulo eu tinha 16 anos, foi em 1987, eu me apaixonei por São Paulo e me apaixonei pelo mundo cosmopolita digamos assim, eu comecei a perceber que eu era um moleque do sítio e eu comecei a sonhar em deixar de ser do sítio, embora o sítio nunca saiu de mim, mas eu comecei a sonhar em ter uma vida, digamos assim, urbana, eu não sabia exatamente o que eu queria porque eu tinha 16 anos, mas eu me apaixonei por São Paulo porque as minhas primas me levaram pra ver São Paulo, me levaram pra ver o MASP, fui para o cinema pela primeira vez, passei em frente ao Teatro Municipal, andei de metrô , essas coisas, eu tinha 16 anos quando eu vim visitar os meus tios, inclusive vim com a minha vó e com a minha irmã, a Flávia.
P/1 – Vamos voltar lá pra olaria e como é que era essa vida lá, era dividida do trabalho, dinheiro? Como é que funcionava?
R – Era, tudo. O meu tio mais velho, o José Elias ele era, ele era não, ele é porque ele está vivo, hoje mora em Petrolina, ele mudou-se de lá porque aconteceu uma tragédia, um cara matou o meu primo e a família se mudou de lá, só o meu pai ficou lá, mas depois se for preciso a gente fala disso; essa comunidade se desfez por causa disso. Era assim, quando eu comecei a me entender por gente, tinha a olaria, fabricava-se tijolos, esse tijolos baianos de oito furos sabe? Vendia pra Campina Grande que estava crescendo muito, vendia pra Patos na Paraíba, vendia pra Arco Verde, vendia pra região, pra São José do Egito, fazia pequenas vendas para o pessoal da região. Nesse terreno onde o meu avô se fixou tinha uma terra muito boa, barro bom, esse meu tio ele era muito inteligente apesar de ter feito escola só até o primário, dado um momento aconteceu o seguinte, a família do meu avô entrou em dificuldade e o meu avô colocou a escritura da terra na mão de um chefe político da região lá pra esse chefe político dar o dinheiro da terra pra ele conseguir sobreviver, então, ele fez uma hipoteca, só que não era pra um banco...
P/1 – Mas isso ele fez da cabeça dele ou combinou?
R– Os filhos eram muito novos, 18 anos, ele combinou, ele conversou com os meus tios, o meu pai era moleque ainda, muito pequeno, eu acho que o meu pai tinha dez anos quando isso aconteceu e todo mundo aceitou e aí o que acontece, pra retomar a escritura da terra os mais velhos começaram a trabalhar, então, o meu tio foi trabalhar de caminhoneiro, esse José Elias, a gente chama ele de Seu Lia e andando pelo Brasil, na fase do Juscelino, construção de estradas, ele foi trabalhar nas construções de estrada, carregar material pra construir as rodovias, do progresso, aquele negócio e ele viu cerâmicas, aí ele teve a idéia de fazer uma, ele mesmo fabricou uma, ele voltou e falou: “Não, nós não vamos mais trabalhar pra ninguém” com o caminhão conseguiram pagar a dívida, retomaram a estrutura da terra, apesar de muitos vizinhos terem tentado comprar direto do cara a terra e ficarem com a terra, teve uns problemas inclusive por isso, mas o cara foi muito fiel ao meu avô, era o seu João Mariano Dantas, se eu não estou enganado, líder político de São José do Egito, porque era a mesma comarca, depois é que dividiu. E aí eles retomaram a escritura da terra e fizeram essa primeira cerâmica que era no baixio, aí veio a enchente e levou tudo , acabou com tudo, eles construíram de novo, dessa vez em um lugar mais alto e aí funcionava assim, o meu tio era o cabeça, era o líder; então, o meu pai e o meu tio Edson eram juntos na sociedade, o meu tio Helinho, José Hélio, não gostava muito de ser sócio, mas morava no mesmo lugar, e tomava conta da parte agrícola, cuidava do gado, cuidava da plantação e da cerâmica cuidava o meu pai, o meu tio e os meus dois tios. E aí de moleque eu já fui começando a ir pra essa cerâmica, tinha essa máquina que eles fizeram lá que ela traçava o barro, saía o negócio lá, cortava, tinha muita gente que trabalhava lá, dava emprego pra muita gente, às vezes tinha 30, 40 pessoas trabalhando lá porque ia desde o corte da lenha, pra cozinhar o tijolo, a tirar o barro do chão. E aí a coisa foi crescendo um pouco, eles conseguiram uns empréstimos no banco com os programas que tinha; aí compraram um caminhão, compraram uma caçamba, conseguiram por água encanada nas nossas casas, era um luxo lá na região porque água encanada quase ninguém tinha.
P/1 – E todos tinham filhos?
R – Todos tinham filhos.
P/1 – Ao todo quantos moravam lá?
R – Meu pai tinha cinco, minha tia Sueli tinha duas, meu tio Jailson tinha o Jailson, Jailma, Jileia e Jefferson, tinha quatro e o meu tio Helinho tinha mais cinco, tinha Edgar, Neide, Evani e Edimilson; Edimilson foi assassinado e desfez tudo lá.
P/1 – Quinze filhos?
R – Então era esse monte de gente. E tinha também a circunvizinhança assim era muito habitada; quer dizer,
muito habitada
pra uma zona rural, tinha gente.
P/1 – Mas aí tinha um terreno comum?
R – Tinha, tinha o campo de futebol com trave de ferro, com redes. O meu pai e os meus tios tinham time e adoravam futebol. E tinha essas duas vertentes assim, era o futebol e a vaquejada e tinha padrão de camisas. Aí treinávamos toda quinta-feira e todo sábado e jogávamos todo domingo; treinávamos quinta-feira, sábado e jogávamos domingo futebol. E eu ia pro campo de pequenininho, já jogava no meio dos grandes e tal, não sei o que, até que chegou uma
hora que eu fiz um time de pequenos. Meu pai pegava o caminhão e levava a gente pra jogar nas comunidades circunvizinhas, às vezes em algumas cidades, quando tinha jogo do time grande, que era o primeiro como a gente chamava; tem o primeiro, tem o segundo e tinha o terceiro que era o time dos moleques. Então a gente ia pra lá e começava a jogar meio-dia; meio-dia estava a gente jogando, ta, ta, os moleques suando naquele sol. Aí acabava e começava o segundinho, aí acabava o segundo, jogava o primeiro. Aí eu fui evoluindo , do terceiro eu fui pro segundo, do segundo eu fui pro primeiro, então tinha essa atividade, a gente brincava muito. Tinha muita fruteira, o terreno do meu avô tinha muito pé de goiaba, manga, então a minha brincadeira assim foi um tempo quase mítico, hoje as pessoas não sabem nem muito, não sabem o que é isso, uma criança que é criada dessa maneira assim; quer dizer, nós, urbanos.
P/1 – As refeições faziam junto?
R– Não, cada um tinha a sua casa. a minha família fez refeição junto no ano de 1979 que a seca foi muito grande, ninguém tinha o que comer. Então tinha um feijão que o Governo mandava que durava uma semana, cozinhava e era pouco. Então juntava todo mundo pra comer num lugar só, era feijão com rapadura e ovo e preá . Alguém sabe o que é preá aqui? Então, preá é aquele bicho que parece um rato, mas não é um rato.
P/1 – É preá?
R – Ele é um roedor da Índia.
P/1 – Ele é um porquinho?
R – Ele é um porquinho da Índia sertanejo.
P/1 – Então comia preá?
R – Comia preá, minha mãe preparava um preá que era uma delicia.
P/1 – Como é que era o preá que ela preparava?
R – A gente fazia o fojo, sabe o quê que é o fojo?
P/1 – Não.
R– Então, o fojo é a armadilha pra pegar o preá , vocês estão me fazendo lembrar de coisas que fazia anos que eu não lembrava disso. Era assim: você desce, tinha um cachorro que farejava o Lobinho, era o Lobo que tinha lá em casa. E a gente trabalhava, lá em casa você trabalha, não tem isso; não era trabalho pesado, mas todo dia acordava às seis da manhã pra levar o gado no cercado. Aí meu pai e meu avô já tinham tirado leite, a gente levava o gado, trancava, às vezes tinha que pastorar o gado, pastorear a gente chama pastorar que era, por exemplo, às vezes tinha uma cerca dum vizinho aberta, a gente ficava ali pra não deixar o gado entrar pro vizinho. E ali a gente brincava de passe de baleadeira, sabe assim de peteca? De peteca, não, de baleadeira.
P/1 – Estilingue?
R – Estilingue, matava passarinho, caçava preá e tinha o cachorro que ajudava a caçar os preás. E aí o fojo é assim, você descobre o preá ele faz sempre o mesmo caminho – tch tch tch – tem o caminho certo dele, ele nunca vai por um outro caminho, ele sempre por aquele, a não ser em questão de pânico, de emergência ele corre pra outro lugar,
mas senão ele corre pelo mesmo lugar. Aí você cava um buraco no caminho dele e põe uma tábua com um pinozinho assim; aí ele vem correndo a tábua faz flup tcha, é uma armadilha, aí ele fica preso aqui dentro. Aí às vezes você ia tinha cinco, seis preás, os bichos grandes. Aí na seca de 1979 nós comíamos juntos e comíamos o preá, inclusive porque não tinha carne, porque não tinha gado pra abater, pra matar, não tinha.
P/1 – E o gosto era, como é que era o gosto?
R – Do preá? É uma delicia, se for bem feito, é uma delicia, é um. Coelho, já comeu coelho? Mesma coisa de coelho, um pouquinho mais dura a carne; mas aí você pega o preá, mata o bichinho. Aí tira o pelo dele todinho, limpa ele, tira o pelo porque ele tem pelos, parece um porquinho da Índia mesmo; tira o pelo dele, abre ele, limpa as coisas todas. Aí minha mãe fazia a, tostava ele no fogo assim pra queimar tudo mesmo e daí dava uma cozinhada nele, cozinhava bem ele e depois punha no forno. Aí assava ele ou então fritava no óleo. E era a carne que tinha, o preá, pra comer em 1979 . Eu lembro disso, foi um ano difícil das nossas vidas, pra mim foi o primeiro ano trágico assim porque no final de 1978 eu perdi o meu tio, foi a primeira experiência com a morte que eu tive, o irmão da minha mãe, que morava com a minha avó e tomava conta da casa, era o filho que ficou lá porque tinha o tio
José na família da minha mãe. E ele morreu num acidente em 1978, eu tinha 17 anos, foi o meu primeiro. Em 1979 já veio uma seca terrível; então foram dois anos muito que a gente teve que compartilhar tudo muito mais.
P/1 – Quem que exercia autoridade na sua casa, seu pai ou sua mãe?
R –
Olha, os dois, era meio partilhado. Minha mãe era uma mulher muito forte, muito forte. Eu acho que se não fosse a minha mãe meu pai tinha feito algumas besteiras em alguns determinados momentos da vida. Minha mãe é uma mulher muito forte, meu pai também, meu pai é um cara que parece uma ave assim, meu pai deixou, me incentivou a ir pro mundo; era compartilhado, meio a meio. Eu lembro que uma vez meu pai ficou muito bravo comigo porque ele estava nesse forno queimando tijolos e tinha as pessoas de fora e ele -
homem sabe como é que é, né: “Ah, porque lá em casa quem manda sou eu, tarara, não sei o que, e pá e isso aquilo” e eu estava junto, e eu era desse tamanhinho. E criança e eu falei: “Ai, ai, ai, você já está é mentindo porque quem
manda é mainha mesmo, quando ela quer o senhor faz o que ela quer quando ela fica brava”. Nossa, ele ficou bravo comigo, me puxou pela orelha, me pôs pra casa e tal, não sei o que; cheguei em casa chorando e minha mãe: “Que foi?” Eu falei: “É papai, ele estava mentindo na cerâmica dizendo que mandava aqui em casa e eu disse que quem mandava era a senhora, ele brigou comigo e me mandou pra casa” . Ela: “Está bom, depois eu vou conversar com ele”.
Mas minha mãe é uma mulher muito forte, igual à minha avó.
P/1 – Você teve algum tipo de formação religiosa?
R– Tive, fui obrigado, na verdade porque a minha mãe, eu tinha nove anos, oito pra nove anos, a minha mãe me pôs pra fazer primeira comunhão. Eu fui batizado, católico, a minha mãe ia na igreja – o meu pai, não, os homens não vão muito na
igreja no sertão, quando eles vão eles ficam do lado de fora, conversando, na última porta, lá do lado de fora da igreja. O padre lá e eles não gostam de padre, falam que padre é vagabundo, vai só porque. Aí quando morre um vão na igreja e tal, tem uma missa de um amigo que morreu, vai na igreja, mas não vai por uma devoção. As mulheres, não, as mulheres vão mais pra rezar. A minha mãe me pôs pra fazer a primeira comunhão e eu fui fazer a primeira comunhão; mas eu não sabia de nada e foi chegando o dia e você vai ter que contar os seus pecados pro padre e eu não sabia nem o que era pecado. Aí eu: “Puts, o que que é pecado?”, aí os amigos falavam: “Não bater nos animais, responder à mãe, responder ao pai”. Eu fiz uma listinha dos pecados e fui lá, falei pro padre ele mandou rezar uns pai nosso, umas ave Maria e tal. Foi essa a minha formação básica religiosa. Depois, veio o negocio de crisma, eu nunca fiz crisma, não me crismei, nada. E comecei a estudar, comecei a ler, e comecei a ler um pouco do Marx, comecei a entender um pouco pelo viés filosófico, aí chutei esse negócio de religião mesmo. Depois a mística retornou pra mim de outra maneira por causa da arte etc., mas é uma história muito comprida. Eu tive uma formação, eu não sou um religioso praticante.
P/1 – E escola, como é que foi, você entrou com quantos anos?
R – Olha eu entrei na escola muito cedo que minha mãe era Professora primária na região. E era uma mulher muito forte, muito firme, ela educava a molecada, mais do que ensinar, ela botava ordem mesmo, deixava o cara educadinho assim. E, como era uma vida difícil, ela não podia me deixar em casa; então eu acho que com quatro anos, três anos eu já comecei a freqüentar escola, mas não sério assim. Eu ia, ela me deixava num cantinho eu ficava lá, às vezes dormia ali no cantinho da escola e ela dava aula pra aquela turma lá, era primeira, segunda, terceira e quarta série, aquele negócio de seriado que ela dava pra todas as turmas. E eu ficava lá, com quatro anos eu já comecei a assistir a aulinha dela e tudo, ela já me pôs pra, eu fui alfabetizado muito cedo por isso. Tanto que eu terminei o segundo grau com, não tinha nem 17 anos, porque eu entrei, a primeira série eu fiz, oficialmente, com cinco anos de idade. Seis, sete, oito, nove, dez eu estava na quinta; aí foi onde eu saí do sítio e me mudei pra cidade, mas eu fui educado muito cedo pela minha mãe. Com cinco anos eu fiz a primeira série, com dez anos eu estava na quinta série, com 14 anos eu terminei o primeiro grau, oitava série. Quinze, dezesseis, dezessete, antes de completar 17 direito eu me formei no segundo grau e foi aí onde eu dei uma manobra, uma história e fui pra Recife estudar e entrei na faculdade.
P/1 – Mas, e assim, alguma professora da infância desse período que você lembra?
R – Primeiro que a minha mãe só me deu aula na primeira série, ela falou: “Não vou dar aula pra você, você vai folgar e eu não quero que você folgue. Você vai ter aula com outra que é pra você aprender e ser igual a todo mundo,
não tem privilégio, não”, a minha mãe era assim. Aí eu fui, eu ia de bicicleta cinco quilômetros pra um povoado que tinha que chama Bonfim, que é no município de São José do Egito, mas é pertinho porque eu morava no limite do município do Tuparetama. E o meu pai comprou uma monareta pra mim, sabe o que é monareta, aquela bicicletinha que faz. E eu ia: chai, chai, chai, chai, chai, então eu chegava lá; a aula começava às oito, terminava ao meio-dia, eu acordava às seis da manha, tomava café e tal, vestia a minha fardinha, a minha roupa, minha mãe amarrava os meus cadernos e o meu lanche, que eu tinha uma lancheirinha na bicicleta e eu tz tz tz tz tz.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Isso foi com seis, sete anos que eu comecei a ir sozinho pra escola. Sozinho, assim, ia junto com outra molecada porque ia uma turma, uns iam a pé, e era moleque que brigava no caminho, atirava pedra nos outros, roubava manga, não era fácil , dava de tudo.
P/1 – E aí, uma professora que tenha te marcado?
R – Professora a primeira foi dona Marinalva; me marcou porque eu era o menorzinho, sempre fui menorzinho na turma porque eu comecei, por ter começado cedo. Então me lembro que ela cuidava de mim, eu era o mascote da turma, ela cuidava muito de mim. Na terceira série eu fui estudar com dona Angélica; eu não sei o que aconteceu com dona Angélica que eu tive um recuo, a terceira série foi ruim, foi ruim. E a
minha quarta série foi maravilhosa porque foi dona Francisca; dona Francisca era uma professora muito respeitável e ela era realmente maravilhosa, você aprendia com ela, eu não sei o que que ela tinha. Ela era igual, como a minha mãe, você aprendia, lá eu aprendi tudo, tudo; escrever direito, até noção de acentuação, coisas já mais avançadas eu aprendi com ela na quarta série primária; dona Francisca foi a professora mais forte assim da minha infância.
P/1 – E o ginásio você fez nessa escola?
R– Não, aí o que aconteceu? Ali não tinha, aí eu tive que meio que me descolar da minha família, fui morar com uma comadre da minha mãe na cidade, em Tuparetama, na cidade mesmo porque até então isso era sítio. Eu fui morar na cidade pra fazer a quinta série e aí foi quando eu descolei da minha família mesmo, assim, a primeira vez. E aí eu ficava segunda, quarta, quinta e sexta e no sábado o meu pai ia nos buscar, ia me buscar – depois eu digo nos porque era eu e a minha irmã também e tal. Ia buscar e eu ficava o final de semana em casa. Então aí eu ficava o sábado e o domingo, aí jogava o futebol no sábado e no domingo e tal.
P/1 – E o ginásio, que lembranças você tem?
R – Muito boas, viu, eu tive um ginásio, eu tive muita sorte, muita sorte, eu tive sorte assim nessa questão de educação. Porque a diretora – eram mulheres você vê, começa a coisa das mulheres .A minha mãe era forte, estou quase pra dizer que era ela que mandava lá em casa. Dona Lurdinha Perazzo, era a Diretora da Escola Ernesto de Souza Leite, que foi a escola onde eu fui fazer a quinta série e fiz a quinta, sexta, sétima e oitava. Essa mulher ela era forte, ela botava ordem mesmo e eu tive professoras maravilhosas assim, eu até poderia citar o nome de algumas; a Professora de Ciências era a Gracinha, era a dona Gracinha, maravilhosa; a Professora de Português, dona Maria de Lourdes era maravilhosa; a Professora de História, dona Maria de Lourdes Filipe era maravilhosa; a Professora de Geografia, dona Maria José Perazzo, era maravilhosa, a gente tinha disciplina.
P/1 – Ela tinha o mesmo nome da Diretora?
R – Elas eram família porque os Perazzo eram a família mais rica lá da cidade, na época, era Perazzo, italiano Perazzo. E vieram pra lá na colonização da região, que é uma história muito bonita, inclusive, com os agricultores extensivo, grandes fazendeiros com muita terra, muito gado, aquela coisa toda e as meninas eram as que puderam sair naquela época pra estudar, então se formaram professoras e eram elas que dominavam, que trabalhavam. Mas elas tinham muita responsabilidade com e a gente se quisesse aprendia. Então tive grandes professoras, mas eu acho que a Professora Gracinha, a minha Professora de Ciências, era a professora que talvez por ser mais bonita, mais carismática , ela era linda, sabe, assim, eu adorava ela.
P/1 – Você tinha alguma paixão assim, fora por professora , alguma menina, um primeiro amor?
R– Tinha, nossa, ó, primeiro amor isso eu já não me lembro muito bem porque assim.
P/1 – Primeira namorada?
R – Sabe assim esse negócio de primeiro amor, primeira transa, essas coisas todas, eu não lembro muito. Ó, tinham umas meninas lindas na minha cidade que eu namorava de longe com elas, elas não sabiam, mas eu namorava com elas . E por causa delas eu comecei a deixar de brincar, deixar de certas brincadeiras de moleque assim, eu fui parando de brincar de moleque, eu fui andando assim com mais velhos e tal. Eu tinha esse comportamento de querer ser um pouco mais velho do que eu era, querer conquistar as coisas num tempo já que devia esperar um pouco, queria me comportar como mais maduro e tal. E tinha umas meninas lindas demais, nossa, e elas andavam com short muito miudinho porque lá é quente e tal , então eu ficava, aquele negócio. A minha primeira namoradinha que a gente ficava brincando de bater na mão um do outro assim, foi a Luciana, que depois ela foi cunhada do meu irmão; depois da Luciana aí fui namorando, namorando, namorando. A gente namorava muito lá na nossa cidade, namorava muito; ficava uma semana com uma, uma semana com outra, às vezes durava um pouco mais. Aí aquele namoro que durava três meses, quatro o cara já ia pro casamento, aquele negócio. Eu nunca entrei muito nesse negócio de ficar muito tempo, mas eu tive muitas paixões, paixões de chorar mesmo; quando a pessoa acabava, desespero, chorava que só, chorar. Eu sempre fui meio assim, tive um lado sentimental, emocional muito forte, eu, um temperamento um pouco forte e tal. Me lembro que eu chorei várias vezes, eu me apaixonei por uma amiga minha da escola, que era filha de uma das professoras que depois eu fiquei amigo deles assim e tal; me apaixonei por ela muito e eu me declarei pra ela e ela disse que não dava, que ela tinha um namorado, eu chorei que só, chorei. Aí depois arranjei outra; lá na frente a gente namorou uma época, aí ela ficou gostando de mim e eu não queria mais gostar dela, desencontrou desencontram as coisas. Tive várias namoradinhas, assim, vários amores.
P/1 – E tinha vocês se encontravam na adolescência, se reuniam, tinha festinhas, como é que era?
R – Tinha, na minha cidade tinha boate.
P/1 – Boate?
R – Boate escrito Boate Coração Alado, acho que foi por causa da novela novela chamada Coração Alado aí a gente ia pra boate dançar e namorar, naturalmente. E aí tinha aquele negócio de quem beijou mais, aquela coisa; tocava música, a gente podia ficar na boate até às dez horas, dez e meia e ia todo mundo, a galera ia toda pra boate, final de semana era forte. A sexta-feira de noite, assim, era muito forte; bebia, dançava, aí ficava dançando aquela música lenta lá com a menina, ti ti ti ti ti no ouvido dela e ia falando, não sei o que. Aí ficava e aí às vezes rolava uns beijos gostosos e tal; agora transar com uma namorada só depois que eu fui pra Recife; esse negócio de sexo com a namorada era proibido.
P/1 – Você tinha vontade de sair da cidade, com quantos anos você tinha essa vontade?
R – Tinha, ah não sei dizer isso, começou muito cedo assim, muito cedo. Acho que foi quando comecei a assistir televisão, a televisão foi minha janela pro mundo, assim. Em 1979, em 1979, não, em 1978, antes da seca chegou uma televisão Telefunken na minha casa, desse tamanho assim, e eu assistia muita televisão. Aí eu comecei a assistir ó: Sessão da Tarde, filme de faroeste, não era todo mundo que tinha televisão, hoje todo mundo tem televisão; na época
não era. Então juntava, ó, no sábado à tarde, na época que a seção western era à tarde, três horas da tarde, duas horas da tarde no sábado, a sala da minha casa ficava assim tipo 20 moleques assistindo. As meninas não gostavam do faroeste, elas não ficavam muito assistindo, elas gostavam da novela e a gente assistia ao bang-bang e depois filme de kung fu, karatê, Bruce Lee, Shao Lee, aquele negócio, aquelas coisas absurdas que eles faziam. Passava na madrugada e eu ficava assistindo televisão de madrugada, deixava o som bem baixinho assim, minha família estava dormindo e tal e eu ficava até uma, duas, três da manhã esperando, chamava Sessão Faixa Preta. E depois quando eu comecei a assistir novela, o Paiol, os Gigantes e tal, o Francisco Cuoco e eu comecei a me isolar, assim, eram dois mundos paralelos, tinha o meu mundo concreto que eu corria no carneiro, corrida de carneiro que a gente fazia, corrida de jumento, corrida de cavalo, eu fiz tudo isso, tomava queda, se arranhava, se quebrava, montava nos. Meu pai viajava assim pra fazer alguma coisa, deixava eu tomar conta do gado eu pegava os moleques menores assim, pegava os bezerros, punha uma corda assim a gente tinha que fazer campeonato de montar nos bezerros, aí eu botava a molecada. Teve um dia que o meu primo caiu com a costela em cima de uma pedra, quase morreu, aí a gente parou
com isso. Então eu tinha todo esse universo concreto e, de noite, eu tinha ali a televisão pra ir. E aquilo eu comecei a falar: “Eu quero ser isso, eu quero trabalhar, ir pro mundo”, aí eu comecei a ver o mundo assim e eu quis ir pra esse mundo; então isso começou cedo assim. Aí depois que eu vim pra São Paulo então com 16 anos, quando eu voltei eu já sabia, eu já sabia, eu tinha certeza.
P/1 – Você veio com 16 anos lá atrás pra visitar esses seus tios?
R – Meus tios, é.
P/1 – Que estão aqui e sua avó. Pra onde que foi, você lembra pra que lugar você foi de São Paulo?
R – Lembro, claro, eles moram lá até hoje.
P/1 – Onde que é?
R – Na zona leste, no Itaim Paulista, eles moram lá no quilômetro 28 na Avenida Marechal Tito. Motoristas, todos, motorista aposentado hoje, mas um aposentou, eles têm uma oficina, outro também se aposentou.
P/1 – Que motoristas eles são?
R– De ônibus coletivo. As histórias que eles contavam, as aventuras, incrível assim. E eu fui pra lá e esse meu tio comprou, inclusive, um terreno que era uma garagem antiga de ônibus; aí antes de construir a casa ele morava na garagem. E a gente ficou lá e tal.
P/1 – De que empresa?
R – Da Itapemirim, três dias comendo galinha.
P/1 – Quando vocês saíram de lá?
R – Comendo galinha com farinha dentro do ônibus. Isso faz me lembrar de coisas.
P/1 – E você nunca tinha saído de?
R – Tinha.
P/1 – Já tinha ido pra Recife?
R – Não, Campina Grande, a primeira cidade grande que eu conheci foi Campina Grande; meu pai foi levar um caminhão de tijolo lá, ele ia sempre, nas férias ele resolveu me levar. Meu pai era maravilhoso, meu pai sempre me ensinou a dirigir, ele me punha no colo; eu tinha o quê? Oito anos, me punha no colo, dirigia aqui, aprumava a direção e ele: “Por ali”. Então meu pai sempre quis me dar, ele não esperava eu crescer pra me ensinar as coisas e ele me levou pra conhecer Campina Grande e eu era molequinho. A gente saiu três horas da manhã de casa com o caminhão carregado de tijolo, quando o dia foi amanhecendo a gente estava passando lá na São João do Rio Branco, tal, depois Campina Grande. Foi a primeira cidade que eu conheci, foi Campina
Grande, depois São Paulo; aí depois que eu fui pro Recife.
P/1 – Aí você veio de Itapemirim e ficou na casa do seu tio?
R– Viemos de Itapemirim, ficamos três dias rodando e aí eu fiquei na casa do meu tio, na casa de um, na casa de outro; eram três.
P/1 – Eles moravam todos na zona leste?
R – Todos na zona leste, ali no.
P/1 – Foi aí que te deu esse desejo de?
R – Foi aí que eu vi, quando eu cheguei na Marginal foi, imagina o choque a
maior cidade que eu tinha visto era Campina Grande. Quando eu cheguei na Marginal e o ônibus entrando na Marginal assim eu, ta, e me fascinou aquela arquitetura, sabe, eu comecei a ver aqueles trens, a linha do trem, aquele trem passou longe, aquela profundidade, cheia de ferros e eletricidade e coisa, eu fiquei apaixonado por aquilo. Eu falei: “Pô, eu gostei daquilo, achei bonito”. Aí fui ficando, as minhas primas foram me levando pra conhecer as coisas, me levaram pro museu, pro cinema, me levaram pra boate que eram as que elas iam, que era domingo à tarde.
P/1 – Domingueira?
R – É, e aí eu fui me apaixonando, eu voltei com isso na cabeça. Até tentei ficar, mas não deu porque não aceitaram minha transferência e tal. Foi certo eu não ter ficado; aí voltei, a minha avó voltou na frente.
P/1 – Ah, você tentou ficar em São Paulo?
R – Tentei, tentei, com 16 anos eu queria ficar, mas não deu certo. A minha mãe falou: “Puts, louco”, mas não achei escola, não achei vaga na escola. Aí voltei, fui terminar o segundo grau. Aí quando terminei o segundo grau, eu falei: “Agora vou embora”, só que eu não vou pra São Paulo porque eu não quero ser motorista de ônibus, era muito duro aquilo e eu quero ter conhecimento. Aí comecei a descobrir na Casa de Cultura da minha cidade que a minha missão não era ter grana, não era ter propriedade, a minha missão era ter saber, ter conhecimento e talvez poder ajudar alguém que, sei lá, um dia. E aí eu comecei a descobrir a Biblioteca; aí comecei a ler Machado de Assis, um livro de contos de Machado de Assis. E aí comecei a sonhar que eu queria ser escritor, que eu queria ser escritor; mas toda vez que eu punha a cabeça no travesseiro eu pensava também: “Se eu fosse ator eu ia ser feliz, se eu pudesse fazer aquilo que o pessoal faz ali na novela, no filme, tal, eu vou ser feliz”. E eu comecei a botar na cabeça de ir embora e eu andava de moto e andava devagarzinho, olhava aquela paisagem, aquela maravilha e pensando sempre: “To me despedindo, eu vou embora” e um dia eu fui. Quando eu terminei meu segundo grau eu conversei com meu pai, aconteceram umas coisas, eu queria ir pra Manaus, não sei o que, sofri um acidente sério de moto, quebrei umas costelas, uma clavícula. Aí dei aquela baixada e pensei: “Eu vou pra Recife”, mas meu pai não tinha como me manter em Recife. Aí ele vendeu uma vaca que não era minha, porque a minha valia menos, ele vendeu uma vaca do meu irmão, uma vaca que valia uma grana, tipo uns três mil reais hoje, se fosse, era uma vaca muito boa, uma vaca vermelha assim sem pontas, linda a vaca. E me deu o dinheiro e disse assim pra mim: “Você vai; se não der certo, quando o dinheiro acabar, você dá um jeito, liga lá pra Tupareta, deixa um recado, tal tal que eu
mando buscar você”. E eu fui pra casa de parentes, parentes distantes que me receberam.
P/1 – Em Recife?
R– Em Recife, fui de caminhão com um amigo meu que tinha caminhão e eu fui pra Recife pra tentar a vida lá, estudar, buscar conhecimento, sabedoria
P/1 –
R – Fiquei lá, em Recife.
P/1 – Em Recife, mas você prestou o que, faculdade?
R – Faculdade. Cheguei lá fui direto pra um curso de teatro. Meu pai não sabia o que eu queria, minha mãe não sabia o que eu queria, nem eu sabia exatamente o que eu queria.
P/1 – Mas eles tinham alguma influência, alguém tentava te convencer de alguma coisa, te influenciavam?
R – Olha, eu tive muita sorte; meus pais nunca chegaram pra mim e falaram: “Olha, faz isso que você vai se dar bem”. A minha mãe perguntou: “Meu filho, porque você não faz Direito?” Eu falei: “Ah, mãe, porque Direito eu não gosto”, entendeu, “eu quero ser escritor e ator”. Aí quando eu cheguei lá eu pensei: “Vou fazer Jornalismo”; mas isso foi depois porque na hora que eu cheguei tinha um curso lá na Fundação Joaquim Nabuco que era um curso de Formação de Ator de um ano e eu fui fazer o teste neste curso. Mas eu não sabia nada, nada, nada, nada, eu só sonhava com aquilo e eu fui reprovado no teste, eu não fui aceito na turma. Aí eu também não sofri muito com aquilo, eu fiquei assim: “Puts, não consegui ser ator. Então vou pra minha segunda opção, vou ser escritor. Eu vou estudar pra fazer vestibular e entrar na faculdade, então vou fazer Jornalismo que Jornalista sabe escrever” , ah, aprender a escrever .
P/1 – E você escrevia?
R – Sim, até hoje escrevo.
P/1 – Mas antes você escrevia já?
R– Redação eu era bonzinho, eu era bom aluno.
P/1 – Fazia poesia?
R – A minha convivência com a poesia que veio de lá foi muito forte, muito forte, essa coisa com a cultura, com o lúdico assim muito forte, a cantoria, o repente, o embolador, o teatro de boneco, o cara que fazia o ventríloquo. Eu me lembro que o primeiro choque que eu tive assim cultural – cultural, não, artístico – foi quando eu vi o cara fazendo ventríloquo com um macaquinho, com um bonequinho preto que conversava com ele; era ele que estava fazendo, mas eu acreditava piamente que o macaco, que o boneco falava, muito bem feito aquilo, isso depois fez me apaixonar. Aí eu vim pra Recife assim com esse objetivo de ser uma pessoa da arte, da cultura.
P/1 – E atuado, você já tinha?
R – Tinha, aí sim. Tinha feito um filme com.
P/1 – Na sua cidade?
R – Na minha cidade, eu tenho esse filme hoje, eu vou. Tipo, há três anos atrás, quando eu terminei a Pedra do Reino que eu fiz, foi em 2007, 2006, 2007, que eu voltei pra Tupareta pra descansar junto com a minha família, encontrei o Társio, que é um parceiro meu de lá, parceiro dessas aventuras artísticas assim. E aí o Társio falou: “Ó, ô bicho feio”, ele me chamava de bicho feio, “ô bicho feio eu tenho um negócio aqui pra te dar”; eu falei: “Que que é?” Ele falou: “Vê isso”, aí estava escrito lá: “Escarra nessa boca que te beija”, que foi um filme que a gente fez, um média.
P/1 – Chamava isso?
R – Chamava Escarra nessa boca que te beija que justamente era a minha história. Pegamos uns poemas de Augusto dos Anjos e era a história dum cara se despedindo duma mulher, deixando ela pra trás e saindo com a mala e indo embora, saía andando pelo rio; então saía andando pela areia branca, a gente fez na VHS e montamos na VHS com o vídeo assim e eu fui recitando os poemas e não podia errar e eu errei, tem o poema e ficou com erro no meio do filme. E depois eu vi que aquilo era um negócio muito assim, eu falei: “Po, como é que a gente fez isso?” O roteiro saiu da cabeça do Társio e eu atuei e com a minha amiga Lena e tal. E ele me deu isso, quando é, 1987, nem sei 14 anos depois, 15 sei lá. E eu olhei aquilo e falei: “Bicho, eu já estava com tudo aqui” estava tudo ali já e a gente fez esse trabalho.
P/1 – Isso foi antes de você ir pra Recife?
R– Antes de ir pra Recife, na fase que eu estava indo pra Recife. Eu lembro até que eu já estava em Recife e voltei pra lá e a gente fez isso assim em duas semanas, logo na minha primeira viagem pra Recife, que eu fui lá com o dinheiro da vaca.
P/1 –
Aí em Recife você prestou faculdade pra Jornalismo?
R – Foi, é; ó, se for contar detalhe por detalhe a minha história porque eu cheguei em Recife: “Pô, vou fazer esse negócio de ator”, aí fui, me reprovaram. Aí eu percebi que eu ia ter que trabalhar, se eu quisesse ficar lá.
P/1 – O dinheiro da vaca.
R – O dinheiro da vaca ia acabar e tal. Aí eu falei: “Meu Deus”, aí tentei um curso de informática, uma coisa rápida, digitação e tal pra tentar arranjar um emprego de recepcionista em loja, essas coisas assim. Aí fiz o curso, mas acabei arranjando esse emprego em teatro. Tinha um poeta que eu tinha conhecido lá numa Conferência de Poesia lá em São José do Egito e tal, um pessoal de poesia e de teatro que tinha ido pra São José do Egito, que é um município vizinho meu nessas semanas culturais que tem assim. E logo conheci pessoas, contatos, digamos assim; eu conheci o Rubem Rocha Filho que era teatrólogo, tinha morado na Inglaterra e estava morando na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife; eu conheci um pessoal da ABL, Associação Brasileira de Letras; eu conheci um pessoal e eu fiquei espantado com eles. Eu falei: “Eu estou indo pra Recife” e eles: “Ah, procura a gente”, não sei o que. Aí eu vim pra casa desses parentes e tal e através desses contatos eles me puseram pra trabalhar numa Companhia de Teatro que era do Jornalista Ronildo Maia Leite, que é um grande Jornalista lá de Pernambuco, um Jornalista dos antigões
mesmo, trabalhou no Última Hora, hoje é cronista e a mulher dele é Isa Fernandes e a Isa é atriz. Então eles estavam produzindo uma peça, era um texto do Flávio de Carvalho – é Flávio de Carvalho, como é que é o nome dele – chamava Fogos de Artifício. E aí me arranjaram emprego nessa Companhia pra me manter em Recife; foi com esse dinheiro que eu conseguia pagar o cursinho e me manter lá. E aí o diretor, eu gostava muito, era interessado, então eu ia pro ensaio e ficava acompanhando o ensaio e eles iam fazendo análise de texto e eu ia acompanhando aquilo, como é que eles faziam e tal e eu fiquei sabendo a peça inteira e aí ele arranjou uma cena pra mim . Eu era assistente de produção, veja bem, meu papel era ficar ali perto, anotar as coisas que eles iam precisar, no outro dia sair pra cidade pras, tipo as 25 de Março do Recife, ia pras ruas, lá pra Rua do Lima, ia pra aqueles lugares todos Guararapes ali, ia comprar as coisas necessárias e tal. Eles ensaiavam à noite, eu ensaiava até às dez, 11 horas da noite, chegava em casa eu estudava até cinco da manhã, sentado na mesinha ta, ta, ta, ta, ta, cinco da manhã eu dormia até às 11. Acordava e ia pro cursinho de tarde, do cursinho eu ia pra peça, da peça e assim vai, um dia eu dormia menos e ia comprar as coisas e foi assim. Aí eu entrei na Faculdade de Jornalismo, passei na Universidade Federal de Pernambuco; foi um milagre porque eu vim de escola pública e lá só entrava quem era, quem tinha estudado em Colégio Contato, Colégio Especial, tudo colégio particular. O único da turma que fez vestibular e que não era de escola particular, que era de escola pública, era eu. E eu era o mais velho, que eu já entrei com 21 na Faculdade; o pessoal era 17, 18; 19 e eu 21, 22, em busca do conhecimento.
P/1 – E como é que foi essa Faculdade de Jornalismo?
R – Maravilhosa, maravilhosa; logo eu saquei que o Jornalismo não era pra mim porque eu fui fazer uma pesquisa na disciplina que chamava, como é que é, Metodologia de Pesquisa Científica. E a gente foi pesquisar a posição da imprensa, a posição dos jornais diante da questão das Ligas Camponesas com Francisco Julião, o revolucionário, comunista, o “comedor de crianças” não preciso dizer que era brincadeira, era como retratavam ele. Ele é um organizador daquilo, é um líder e eu comecei já a perceber que a imprensa ela era, defendia interesses, não existe, é um jogo de interesses. O Última Hora defendia, vamos dizer assim, defendia a esquerda, o Jango, aquele negócio e os outros jornais, o Jornal do Comércio, Jornal de Pernambuco e tal defendiam os conservadores, digamos assim, que estavam os militares, não sei que lá, o regime. E eu saquei, eu fui entrevistando os jornalistas que viram a época tal, tal, tal e eu percebi – foi o meu desencanto assim – os caras me diziam, os velhos já aposentados, me diziam: “Bicho, ó, eu vou te mandar fazer uma pauta, eu vou cobrir as Ligas Camponesas; se eu quiser dar um enfoque mais conservador, eu mando um repórter mais conservador; se eu quiser dar um enfoque mais progressista, eu vou mandar o repórter mais progressista. Então, eu manipulo a notícia, não existe isso, meu filho, põe na sua cabeça, não vá se iludir, não, é assim, ta?” Aí eu continuei, ah também nunca fui assim radical de um lado nem de outro, eu queria ser artístico; e continuei. E lá no Jornalismo aprendi a escrever, realmente, aprendi. Era o curso, como era universidade pública a gente tinha Filosofia, Sociologia, História da Arte; enfim, tinham disciplinas que abriam a minha cabeça no sentido de universo mesmo. Eu entendi o sentido de universidade realmente ali, que tinha disciplinas técnicas, aprendi Redação I, II, III, IV, tarara, tinha TV,
Rádio, tinha tudo isso, mas eram as disciplinas de cunho mais abrangente, literais assim.
P/1 – Mas você continuava trabalhando como você estava na Companhia de Teatro?
R – Sim, na Companhia de Teatro sempre; parei essa eu fui pra outra porque você sabe, é sempre um grupo assim, as pessoas se conhecem, então você vai nos mesmos lugares, você vai nas mesmas festas, nos mesmos bares. Então acabou essa do Ronildo, eu passei pra uma outra que chamava Grupo de Poesia Falada que era o poeta José Mário Rodrigues, o Professor e poeta também Roberto Pimentel, o violinista
músico maravilhoso que era – caramba, eu não podia ter esquecido o nome dele – era Gilvan alguma coisa, louco, louco, louco, maravilhoso, artista, mas louco, muito louco. Até um dia encontrei ele lá no Recife: “Como é que você está lá? Seja feliz, seja feliz”. “Está bom, eu sou feliz”. E aí a gente fazia, fui fazendo paralelo a Faculdade eu tinha esse trabalhozinho no teatro.
P/1 – E você morava com seus parentes ou ficou morando sozinho?
R– Quando chegou o Bernardo Pereira a minha irmã veio, as minhas primas vieram atrás de mim veio um trem, eu puxei muita gente pro mundo. E aí a gente morava em cinco num quitinete na Conde da Boa Vista.
P/1 – Quem morava?
R – Eu, a minha irmã, a Iracleide que é uma prima, a Núbia que é outra prima e o Irandivaldo que é irmão da Iracleide que é um primo também.
P/1 – Uma festa?
R – É, uma festa, sei lá o que era aquilo, um caos por que imagina, dormia dois num quarto, três na sala, às vezes um no banheiro que o banheiro era grande , no chão, os colchões no chão, mas a gente era muito feliz, ninguém reclamava de nada; estava a li a oportunidade de estudar, de morar no Recife na Conde da Boa Vista, no centro, tralálá, aquela coisa toda e tal.
P/1 – Ai você ficou esse período da faculdade morando nesse apartamento e você fazia teatro?
R – Já junto junto
P/1 – Mas você se apresentava?
R– Se apresentava, teve essas duas, assim, peca mesmo foi a peça do “Fogos de Artificio” e depois, a “Companhia de Poesia Falada”, que eu ajudava muito eles e em uma das montagens também eu fiz um papel bem legal, eu fiz o… porque era… chamava, esse que eu participei como ator, chamava “Bandeira, Estrela da Vida Inteira”, que era a encenação dos poemas do Manuel Bandeira lá na Rua da União, no Espaço Pasárgada, na Casa Museu do Manuel Bandeira, então a gente se apresentava lá. e eu tinha um papel, e era o papel do Malandro, eu tinha uma camisa do Fluminense, uma calca branca, uma sapato bicolor, sabe aquele? Marrom com branco, brilhava que era uma beleza, e eu entrava em cena, fazia… tinha um bigodinho, uma sobrancelha penteada, tal, um chapéu, então eu fazia o papel do malandrinho ali entrava e saia e tal, ia narrando e eu ia… e ai, me lembro, eu nunca encontrei, mas saiu matéria no “Diário de Pernambuco”, eu fiquei todo vaidoso assim na faculdade, o pessoal: “Olha o Flavio!”, uma materiazinha desse tamanho embaixo, falando da peça, e eu com a ligação desse negócio com a dramaturgia.
E eu queria ser escritor, eu queria, eu queria, eu ainda não desisti, tem umas peças lá em casa que eu escrevi de laboratório, assim, tem umas duas peças, uns três curtas-metragens que eu escrevi, até filmei uns, dirigi e tal, não sei o quê. Eu gosto também, eu sou um ator, mas eu também acho a dramaturgia como um todo, um instrumento muito rico, muito rico. Então, eu escrevo também e dirijo. Mas, por que eu comecei a falar isso? Foi você…?
P/1 – Ai você já tava atuando?
R – Tava atuando
P/1 – Tava naquele período da faculdade. Você tinha assim algum projeto pra sair de Recife, ou queria fazer outra coisa…?
R – Não, Recife tava bom pra mim. Eu amava aquela cidade, me acolheu, tinha acesso à biblioteca porque a biblioteca da Universidade Federal era maravilhosa, eu só não fiz uma barraca, mas eu ia todo dia, todo dia, todo dia, tudo que eu pude, sabe, eu aproveitei ao máximo o curso, mas eu era meio relapso no lado prático, assim, eu não gostava do Jornalismo em si, então não fiz muito estágio e tal, eu fui mais estudar as Humanas, e a técnica da redação, aquela coisa eu treinava e tal. E ai, quando eu terminei o curso…
P/1 – Você fez quatro anos?
R – Fiz quatro anos e meio, eram… eram, não, acho que ainda é o curso lá, 4 anos e meio, por causa dessa carga de disciplinas humanas, que é uma coisa que eu acho importantíssimo. Tinha Politica, a gente tinha… como é que é? Ciência Politica muito legal. E ai, eu fiquei… terminei a faculdade e fiz um concurso, dai eu estudei, eu gostava muito de estudar, eu gostava muito das teorias da imagem, de cinema, junto da parte de atuar, eu gostava muito de cinema, muito. Me apaixonei, fui monitor da disciplina Cinema Brasileiro que a gente tinha também lá, com o professor Paulo Cunha, que era um senhor que tinha feito Doutorado na Sorbonne, lá na França, “Le Dieu negre et le diable blanc”, ou seja Deus negro e o diabo branco, essa coisa que ele… e ele trouxe essa coisa muito forte do cinema e eu me apaixonei, fiquei junto dele, quando eu via que o cara sabia de alguma coisa que eu gostava, eu já ficava junto, já queria ficar amigo. Eu fiquei amigo de… hoje, os amigos que eu visito quando eu vou pra lá são os caras que foram os meus professores na faculdade, alguns outros também da turma, mas tens uns que a gente se fala sempre e tal. Então, estudei cinema brasileiro, me apaixonei por aquilo, estudei muito a teoria da imagem, muito, do Daguerre até o digital, passando pelo analógico. E eu fiz um concurso na Escola Técnica Federal de Pernambuco e fui professor aprovado em primeiro lugar, tive nove ponto não sei o quê, na prática eu não era muito bom não, mas na teoria eu era fera. Ai eu passei, mas ai eu tava lá e não era aquilo, eu tinha um salariozinho, bom, básico, tal, ajudava os meus irmãos, não sei o quê, a gente já tinha comprado um apartamentozinho lá, eu e a minha irmã, com esse emprego a gente entrou na Caixa econômica, foi um trabalho danado, mas a minha irmã era uma guerreira, era não, é, a gente conseguiu entrar num apartamento nosso, imagina o tamanho dessa vitória pra nós que não tínhamos absolutamente nada!
P/1 – Vocês cinco foram morar nesse apartamento?
R – Não, dai separou, dai separou. Ai fomos eu, minha irmã, meu outro irmão, minha outra irmã que já tinha vindo também. Ai ficamos lá nós quatro. Ai eu tava lá nesse emprego, tava pra completar um ano, eu falei: “Não é isso que eu quero na minha vida, não vim aqui pra isso, tô triste, tô infeliz”. Ai, aconteceu uma coisa, teve um festival de teatro lá em Recife, veja as coisas
como são, um desses meus professores de Imagem, que ele me deu Jornalismo fotográfico? Não, não era, era Foto Reportagem, o José Afonso, que hoje é meu amigo, falou assim: “Flavio, é o seguinte, tá tendo o festival de teatro aqui em setembro…”, eu já estava na escola técnica, saindo da faculdade, tinha acabado de sair da faculdade, tava na escola técnica, “… e vai ter uma apresentação hoje à noite da Companhia de Teatro Uzyna Uzona lá no Teatro Apolo e eles vão apresentar uma peça que chama ‘Para Dar Um Fim no Juízo de Deus’ do Artaud, uma montagem do José Celso Martinez Corrêa, vamos assistir porque além de ver a peça, eu quero entregar para o Zé Celso uma fita cassete de um vídeo que eu fiz com ele há 15 anos atrás, quando ele esteve aqui em Recife com uma peça, eu gravei esse vídeo com ele, eu quero dar essa fita para ele, que eu nunca tive oportunidade e agora nós vamos lá”, ai eu falei: “Não, me mostra essa fita antes?”, ai ele me mostrou, eu fiquei chapado com aquele cara, quando eu vi o Zé Celso, porque o Recife antigo tava abandonado, e era uma entrevista com o Zé Celso, era patético, Zé Celso andando e falando e eles gravando e ele ia fazendo uma crônica poética do que tava ao lado dele naquela hora, então eram as prostitutas, aquelas casas detonadas, ele vendo o valor daquilo, ele vendo: “Olha o Brasil tá aqui, a força tá aqui, não tá lá no cartão de crédito dentro de Boa Viagem, sabe? Quanta matéria humana, quanta riqueza, inteligência se perde nessas pessoas jogadas fora?” E pá, pá, pá e eu fui… e ele cantava, improvisava, aparecia um repentista lá da minha terra, aquele negocio foi, eu falei: “Muito doido esse cara, eu quero ser como ele”. Eis que fomos levar a bendita fita no teatro, quando cheguei lá, a peça era “Para Dar Um Fim no Juízo de Deus”, você já viu essa montagem?
P/1 – Não.
R – Vou te fazer um resumo rápido, Artaud. Então… e Zé Celso montando Artaud, eu tinha visto muito cinema brasileiro, eu tinha visto e o Glauber rocha tinha me marcado muito naquela fase, coisa mítica e eu sertanejo, Glauber Rocha sertanejo, demonstrando aquilo tudo que tava no meu inconsciente aquela coisa toda, aquela simbologia toda, aquela coisa mística, a cruz, a espada, a faca, o sacrifício, o sangue, tudo aquilo, quando eu cheguei que eu vi o teatro do Zé Celso, assim, eu fiquei vendo aquela peça, aquele texto sendo dito, ai tinha uma hora que o cara enfiava a agulha mesmo no braço do outro assim, tirava sangue. Tinha uma hora que o cara… tinha um biombo, o cara ficava atrás de um biombo, se masturbando e a câmara transmitindo aquilo no detalhe assim, pro paredão assim, no coiso e o cara ejaculava dentro de um copinho, ai vinha o Pascoal da Conceição assim, lá no alto do palco,
subia na cadeira assim, pup, soltava um cocozinho, cagava mesmo, na hora certa, na deixa certa, falei: “Porra, o cara tira sangue, o cara facada, o cara goza, tudo na deixa, como é que é isso? Que teatro é esse? Que negócio é esse?”, e aquela coisa, fui ficando fascinado, bom, quando terminou, fomos entregar a fita , ai eu falei: “Porra cara, você conheceu Glauber Rocha, você conheceu não sei quem? Você conhece o Cacá Diegues, você conhece esse cara? Que teatro maravilhoso, parece cultura mexicana”, e parecia mesmo, aquele… aquelas coisas assim, uma coisa imensa que entrava, aquela coisa, parecia o Eisnstein, sabe? Aquele filme “Que Viva México”, eu tava com aquilo tudo na cabeça, tendo uma identificação assim, ai
o Afonso falou: “Zé, eu vim te trazer uma fita e queria fazer a segunda parte da entrevista”, ai falou: “Não, meus queridos, vocês… infelizmente eu tô muito cansado, a gente fez uma viagem estressante, foi difícil a montagem, a gente ficou até tarde montando, foi dormir bem tarde ensaiando, tal, não sei o quê, a vida do teatro, você sabe como é, eu recebo vocês amanha no hotel. Você me dá a fita hoje, levo a fita, amanhã eu recebo vocês para dar a entrevista”, no outro dia nós fomos para fazer a entrevista, ai eu fiquei assim, olhando pra ele, fascinado com aquele poder humano, aquela força, aquela capacidade de improviso, aquela inspiração, aquela coisa que eu trazia lá do sertão, “Os Repentistas” e tal, mil cantorias, “Pé de Parede”, essa coisa toda, mil versos decorados que eu sabia, que eu recitava, “Portas da Minha Terra”, eu vi aquilo ali, juntou com aquele cara erudito, tinha tudo isso do repentista, do improvisador, tudo com uma cultura grega, uma cultura indiana, com o teatro mundial, universal, aquela coisa toda, e eu fiquei assim, olha, pra ele, posso dizer que foi uma coisa de amor que eu tive por ele, amor de arte, sabe assim? Ai ele me perguntou: “O quê que você quer ser?” “Nossa, agora nem sei, eu sou professor ali, acabei de passar num concurso e tal”, ai eu falei: “Mas eu tenho que ir pra São Paulo daqui uns dias”, ai ele falou: “Vai conhecer o Teatro Oficina”
P/1 – Você tinha que ir?
R – É, eu tinha que ir pela escola fazer uma pesquisa, um negocio que na época do Governo Fernando Henrique, as escolas estavam passando por uma reforma, eu fui escolhido pra estudar o quê que era as necessidades de conteúdo pra um tecnólogo em imagem, formar um generalista e técnico da imagem. Ai, eu fui ver como é que era a necessidade dentro de uma agência de publicidade, dentro de uma produtora, dentro de uma televisão, toda escala assim, tinha que ver pra…
ai, eu tinha que ir, fui, fiz esse trabalho, finalmente entreguei, fiz relatório, tudo direitinho e pedi demissão , porque quando eu fui pra São Paulo, justamente nesse entrevista com o Zé, a gente conversando, ele falou: “Cara você tem talento. Você faz teatro?”, eu contei as coisinhas que eu tinha feito, mas eu tinha até vergonha de dizer o que eu tinha feito, porque eu tava diante de um totem. Ai ele falou: “Faz essa cena comigo”, ao eu improvisei uma cena com ele, com meus amigos assim, perto, tal, e eu fui, entrei naquilo, ele falou: “Puts, você é ator, vai conhecer o Teatro Oficina”. Ai eu fui fazer esse trabalho pela escola técnica e fui, num dia de folga, conhecer o Teatro Oficina e no Teatro Oficina, eu vi que eles, no Teatro Oficina, recebiam nordestinos desde a década de 60. Ai tinha passado por lá o Surubim, que é o Feliciano da Paixão, o Edgard Ferreira, que é um compositor, O Surubim também era compositor, pintor, o Edgard Ferreira, que tinha uma musica maravilhosa, que inclusive ainda hoje é a musica que me inspira, que me lembra… eu vi o Zé fazer aquilo e tal, no vídeo, no primeiro vídeo, que eu acho que é assim, olha (cantando): “É a voz que determina, sou povo, venho de baixo pra cima, quem não reconheceu o meu valor, sou filho deste poder criador, trabalhei e consegui mudar,
vence a maldade como um caracol, para ver a luz do sol, para ver a luz do sol”, “puxa, esse cara da minha terra fez isso e veio pra cá? Eu tô aqui, vou ficar’ , fique ai, ai fiquei. Voltei, falei pra minha família: “Mãe, vou embora” “Mas meu filho, você vai deixar um emprego certo”, minha irmã: “Flavio, vá meu irmão, porque se você não for, você não vai ser feliz”. Ai eu pedi demissão e fui pra São Paulo e ai começa uma outra etapa. São Paulo.
P/1 – Ai quando você chegou em São Paulo, você foi morar aonde?
R – Eu fui dividir com um monte de gente que trabalhava no Teatro Oficina morei um tempo na casa do Zé, morei um tempo na casa da Camila, morei um tempo na casa da Natalie, morei um tempo na casa do… fui morando, fui morando, ai virei mambembe total, voltei a ser mambembe como antes.
P/1 – Mas você ganhava… você entrou pra Oficina?
R – Entrei, ganhava.
P/1 – Você ganhava dinheiro?
R – Ganhava. Ganhava, a gente… quando eu fui, eles estavam pra montar “Cacilda”, inclusive foi a minha estreia em São Paulo, no teatro, “Cacilda”, historia de Cacilda Becker, eu conhecia pouco, tinha escutado falar, mas… dai, fui pesquisar, o Zé me deu um monte de livro: “Vai estudar”, estudava e ensaiava, me internei, fiquei numa espécie de internato, ai estudava muito, muito, muito, muito, a historia de Cacilda toda, a montagem da peça. Nós ensaiamos maio, abril, maio, até outubro ficamos ensaiando, eu, a Bete Coelho que fazia a Cacilda. E a gente ganhava um dinheirinho, todo mundo ganhava e ai eu pude dividir… começou tudo de novo. Ai depois disso, veio a bilheteria, porque a peça tinha, acho que na época, cem mil reais, de um premio que eles tinham ganhado, então dava um apoio pra quem tava trabalhando e depois veio a bilheteria, ai depois não parou mais de entrar um dinheirinho pra mim com o teatro. Veja o teatro como foi na minha vida. Me salvou varias vezes, cheguei no recife, me salvou, ai vim mais uma vez também me salvou, deu certo. Tem gente que tem dificuldade, pra mim não foi muito assim, eu tive sorte, o teatro me… eu devo muito pro teatro, devo tudo praticamente, pro teatro e pros amigos, que me deram força, que me receberam, que me apoiaram.
P/1 – Ai depois de Cacilda?
R – Depois de Cacilda, eu fiz “Boca de Ouro”, depois do “Boca de Ouro”, eu briguei
lá no teatro
P/1 – Brigou com o pessoal?
R
– É, não briguei, mas me desentendi.
P/1 – Mas com o Zé também?
R – Um pouco. A história de Cacilda… hoje, nós somos grandes… nós continuamos nos amando, superamos aquilo, foi de momento. Porque eu sou um cara assim,
chegou uma hora que eu comecei a achar… isso eu queria que tivesse mais pesquisa e não tem tempo, é feito tudo muito na correria, “Não quero isso não, Zé, não vou fazer assim não, vou procurar outra coisa”, dai sai, o Zé ficou triste e tal, aquela coisa. Eu fui trabalhar no Raul Cortez, ele tava montando “Relia”, fizemos o “Relia”, depois terminou o “Relia”, tal, veio o festival… entre o “Relia” e o Festival de Teatro Oficina, que foi um apoio da Petrobrás, teve uma montagem do Luiz Fernando Godo aqui no Rio, que o Zé dirigiu o Selton Mello e o Otavio… como que era o nome? Puts, cabeça péssima! Mas era uma montagem do Banco do Brasil, com a produção da Monique Gardenberg, então vim com o Zé, como assistente de direção. Quando voltamos, fomos fazer o Festival de Teatro Oficina, que era remontar para gravar em DVD, e produzir os DVDs de “Cacilda”, “Bacantes”, que eu não havia feito na versão original, “Boca de Ouro”, do Nelson Rodrigues, na primeira fase foram essas três peças, ai fizemos, passamos um ano fazendo, uma montagem, outra montagem, tal, “Hamlet”, ai eu pude fazer “Hamlet”, “Bacantes”, “Cacilda”, que eu já tinha feito e “Boca de Ouro” eu não fiz, porque quando sai na briga com o cara, me substituíram , ai não acharam justo tirar o cara e me pôr de volta, tal, ai o cara que fez o “Boca de Ouro” no DVD.
P/1 – Dessas, qual foi a mais impactante pra você?
R – Dessa?
P/1 – Dessas que você…
R – Sem sombra de dúvidas, foi “Bacantes”, eu fiz um papel maravilhoso, que era o papel de um boiadeiro, mensageiro, que faz praticamente o segundo ato inteiro assim, narra o segundo ato inteiro e aquilo. Foi “Bacantes”, porque aquele… como que a gente pode dizer? Aquele universo da essência do trabalho do ator, do dramaturgo, do diretor, do teatro, que é Dionísio é uma experiência para um ator, digamos assim, fundamental assim, ela é embasadora, ela abre coisas que você não imagina e feito pelo Zé Celso, ela é mais profunda ainda, ela mexe mesmo em você. Então aquela montagem, ela me libertou como ator, ela me libertou pra muita coisa, inclusive foi vendo essa cena de Bacantes que a produção da “Pedra do Reino” resolveu me chamar para fazer um teste, vendo essa cena de “Bacantes”, lá em 2005, 2006 e
eu fui fazer o teste e entrei na “Pedra do Reino”, que foi também… foi quando eu conheci o Luiz, que ai é outro monstro é outro titã assim.
P/1 – Como foi, te chamaram pra fazer um teste pro “Pedra do Reino”?
R – Foi. Foi assim, a “Pedra do Reino” foi uma produção…
P/1 – Que bacana, foi o pessoal da produção que estava assistindo? Eu assisti “Bacantes” duas vezes, é maravilhoso!
R – Nossa, aquilo foi uma maravilha!
P/1 – Eu assisti a primeira e a segunda
R – Ai, eu senti o quê que era se soltar
P/1 – Então agora eu já sei que eu te vi.
R – Ai, eu senti o quê que era se soltar, se entregar para uma coisa, inteiramente, inteiramente, eu fiquei num estado criança assim, eu atuei sem nenhum… porque o Zé era assim, ele falava pra mim: “Flavio, você tem talento, cara, assume a tua loucura, você tá controlando muito, você controla, não controla”, eu tinha medo de me descontrolar e de me perder. Entendeu?
P/1 – E lá…?
R – Foi o motivo que eu dei a primeira saída de lá, que eu fui buscar técnica e tal. E foi bom, eu estudei muito, Stanislavski, Grotowski, não sei o quê.
P/1 – Você saiu de lá pra ter mais técnica?
R – Supostamente, o que é uma bobagem depois, porque a técnica o Zé dava toda
P/1 – Você foi fazer um curso preparador?
R – Não, dai eu fui trabalhar, por exemplo, um especialista em Shakespeare e Stanislavski, fiquei num processo de três meses, o papo deles ensinando as coisas para atores mais novos como eu… ai depois, eu voltei pra lá. Mas o Zé tinha razão, eu reconheço hoje, o Zé tinha razão e em “Bacantes” eu pude perceber um pouco isso, se soltar, o quê que é um ator? Aquele que se solta numa ação tem um caminho, mas você se solta e você não faz as emoções, elas acontecem, os sentimentos, as… eles acontecem, você vai naquele caminho e as coisas acontecem, você não tem que fazer, quando você faz, fica falso, é o que a gente chama de representação, fica duro, tal. Mas eu não acredita lá atrás e ali, eu pude ver então… e aquele ritual, aquela coisa maravilhosa, tal, então “Bacantes” foi… gravou, a “Pedra do Reino” foi uma… não sei se foi uma coprodução, não sei como dizer assim, mas foi uma produção partilhada, digamos assim, com a Academia de Filmes, que é a… lá de São Paulo Tadeu Jango, enfim… como é o nome dele? Eu até conheço… maresia me deixa esquecer o nome das pessoas. E ai, a gente continuou lá no Teatro Oficina, trabalhando, essas coisas, até teve um pequeno intervalo, eu trabalhei com a Cibele Forjaz também, na morte de Danton que é “Arena Contra Danton” e durante esse período, a “Bacantes” estava sendo montada, feita a montagem na própria Academia de Filmes, que tinha feita a captação, toda parte de logística, tinha sido parceiro no Teatro Oficina na captação. Na ilha, montando, a Maria Clara Fernandes, que era a produtora do negócio dentro da Academia de Filmes, me viu, viu a cena de “Bacantes”, falou pro Fabio: “Fabio, esse cara precisa fazer “A Pedra do Reino”, pergunta pra ele se ele não quer fazer um teste, se pode mostrar o material pro Luiz”, ai me ligaram e eu falei: “Se pode! Manda logo”, fui lá fazer um teste…
P/1 – Você já tinha feito TV antes?
R – Não.
P/1 – Nunca tinha feito?
R – Tinha feito uma coisinha pequena na TV Cultura, uma coisinha assim pra ilustrar um programa anexo, tinha feito um cursinho, assim, tal, mas nem era o que o Luiz queria o Luiz queria outra coisa
P/1 – Ai você mandou o material…
R – Ai, eles viram essa cena e falaram: “Chama esse cara para fazer um teste”, ai eu fui. Chegou lá, a Maria Clara tava com o roteiro que ele queria, tal, eu fui fazer uma cena que era gigante, um monologo grande, assim, imenso,
dava uns três, quatro minutos assim, Guimarães Rosa, porque eles não me deram o texto do Ariano, eles me deram uma coisa de um universo semelhante assim.
Eu fui, eu escolhi aquele momento que o…
P/1 – Você veio pro Rio pra fazer?
R –
Não, fiz lá em São Paulo mesmo o teste. E ai, dois dias depois, ela me ligou dizendo que o Luiz disse que eu tava no elenco. Nossa! Foi uma… foi um outro momento muito forte assim, conhecer o Luiz. Primeiro, eu tinha visto o Zé, esse cara… fui ver o Luiz na TV, que é a mesma linha assim, engraçado, talvez eles não achem um do outro, mas eu sinto muita coisa incomum, lidar com o inconsciente, saber fazer a desconstrução da forma e fazer surgir a energia mais vibrante de cada artista no espaço da corda bamba, depois de treinar muito, subir mais uma vez na corda bamba e aquilo trazer com frescor, é a mesma coisa, o Luiz… ai foi isso, fui para “A Pedra do Reino”. “A Pedra do Reino” foi uma experiência, ai, eu vou te falar, foi uma experiência assim… você imagina, ficar dois meses ensaiando, mais um mês gravando, filmando, porque lá foi tudo…
P/1 – Foi na Paraíba.
R – Foi lá em Itaperoá, na cidade de Ariano Suassuna, é pertinho da minha casa, a minha mãe foi lá me visitar, meu pai foi lá, meus irmãos… aquela coisa. E uma coisa que tinha tudo a ver comigo, assim porque olha, vou voltar mais uma vez às minhas origens, repente, coco de embolada , teatro popular, ventriloco, tudo isso tá no Ariano, tudo isso tá na “A Pedra do Reino”, tudo, tudo isso. E o Luiz me deu um papel de um repentista, que era o Lino Pedra Verde e ai veio aquele trabalho maravilhoso de pesquisa, de estudo, completamente diferente do de hoje, o oposto de certa maneira, que era um trabalho que tinha um aspecto muito forte e o de hoje, “Suburbia” é completamente desnudado, mas ali nós fizemos um mergulho profundo, nós fomos a regiões assim, que só o Luiz me daria essa oportunidade, naquele momento e naquela hora, ninguém mais de chegar a coisas soterradas no inconsciente e a coisas… vibrações de loucura, a loucura poética, que nem um outro diretor me levou até hoje. “A Pedra do reino” foi iniciação a um universo magico que eu trazia dentro de mim e que tava também ao redor de mim.
P/1 – Teve alguma cena, algum dia que te marcou, alguma…?
R – Todos os dias dali foi…
P/1 – Alguma coisa, algum “causo”?
R – Tudo, tudo ali foi… teve um dia… olha, a cena mais forte… que para o Luiz, as coisas são sempre fortes mas teve um dia que foi forte do forte mesmo na “A Pedra do Reino”, que foi um dia que tinha uma roda de fogo e eu tava no meio, assim, tem um momento que na hora que eu via… porque o meu personagem, o Lino Pedra Verde, ele era poeta, repentista, enfim, um coquetel de coisas ele via, tinha visões assim, tem uma hora que ele vê o apocalipse ali, o cavaleiro do apocalipse soltando raio e tava no meio de uma roda de fogo, aquela coisa, e eu tava lá e a roda de fogo tava também , foi tão maravilhoso, porque ele me deu… ele apostou e deu certo. Esse momento da roda de fogo foi extraordinário assim, mas todos os outros momentos… eu sou capaz de contar cena por cena do que aconteceu ali, porque eu tava imbuído do repente, da loucura poética, da ironia, do sarcasmo e da dor também, então isso tudo se misturou numa coisa que eu não achava que fosse possível assim. Até quando terminou, eu falei: “Luiz, obrigado por ter me dado a chance de fazer essas loucuras que eu não imaginava que fossem possíveis”, A Pedra foi marcante e determinante na minha vida, “A Pedra do Reino”, foi incrível.
P/1 – Saiu outro?
R – Foi, foi uma coisa incrível. Foi tanto, que depois que aquilo acabou, eu fiquei num vazio, foi tão doloroso assim, ficar naquele vazio, eu até enchi um pouco o saco do Luiz assim, liguei pra ele: “Luiz, o quê que eu faço?” “Calma”, fiquei… teve um dia que ele ligou pra mim, ele mesmo ligou pra mim, ele sentiu que eu tava perdido assim, ele ligou pra mim e falou comigo acho que o tempo de um tempo de futebol assim, um tempo, uns 45 minutos ele falou comigo no telefone, tal, tal, ai eu entendi tudo e dali as coisas começaram a andar de novo. Foi tão forte, tão absorvente, foi tão absurdo, eu falei com os meus mortos, com todos os meus mortos, eu falei com as árvores, eu falei com as pedras, eu falei com tudo, foi tão sendo mesmo, que depois foi… eu fiquei perdido quando acabou. Sabe quando a criança… tira o brinquedo da criança…
P/1 – Mas ai você não engatou outro trabalho, deu um tempo?
R – Ai voltei para o teatro, voltei pro teatro
P/1 – Pro Zé?
R – Voltei pro Zé, fazendo “Sertões”, tal, eu fiz a primeira parte de “Sertões” com o Zé. Ai, depois veio o “Besouro”, que foi um longa-metragem que eu fiz com o João Daniel Tikhomiroff, foi outra experiência também maravilhosa, que era outra chave de interpretação, outra… não era um poeta, o personagem era um tirano, coronel, preparação da Fatima Toledo, que é outra doida também, né , maravilhosa também. E foi outro mergulho de uma maneira completamente diferente assim, mas foi também outro mergulho radical, assim, ai vieram as coisas da… veio a violência coisa… eu tive… essa coisa que veio do meu avô de ter fugido da lá, meu primo foi assassinado lá o cara deu três tiros nele…
P/1 – Foi nessa época?
R – Não, meu primo foi assassinado antes, antes. Meu primo foi assassinado…
P/1 – Isso que eu ia perguntar, a gente ficou de retomar essa história, que foi quando desmanchou um pouco o negócio da olaria, não foi?
R – Foi, desmanchou aquela comunidade, ficou só o meu pai, meu pai não quis sair, meu pai permaneceu por causa da minha mãe, minha mãe falou: “Daqui eu não saio, eu não matei ninguém, eu não pretendo matar ninguém, eu não devo nada pra ninguém, eu não vou sair do lugar onde eu tenho a minha casa, minhas coisas pra sair para um mundo em aventura, eu não tenho idade para isso, eu vou ficar aqui”
P/1 – E ai ele ficou tocando a olaria?
R – Parou a olaria, parou tudo. Meu pai comprou um ônibus e transporta os alunos da escola publica do município e doma cavalos, que sempre foi uma coisa que…
P/1 – Até hoje?
R – Até hoje, doma cavalos pra Vaquejada. Eu corria Vaquejada, a gente ganhava prêmios, profissional mesmo, um universo que eu conheço bem assim, de braço você ter que amarrar o rabo do boi, derrubar o boi, catar o cavalo, treinar o cavalo… é engraçado que às vezes, eu vou fazer filme: “Você sabe andar a cavalo?” “Fui criado num carneiro”, o primeiro treino era num carneiro, prende, prende, prende, prende, depois você dá o… “Segura moleque, segura moleque”, puff, caia, se arranhava, levantava, pegava outro cavalo, não sei o quê. Ai veio, tinha essa vida maravilhosa, mítica, livre, cheia de oxigênio limpo, aventuras, de sexo com animais, essas coisas malucas assim, que só tem no sertão e tal…
P/1 – Tinha sexo com animais?
R – Tinha, o que menina? As meninas não transavam, poxa, elas eram… só podia casar virgem, moralismo forte do sertão e tal…
P/1 – Ah, mas você pegou isso também?
R – Peguei. Tinha aquelas que transavam mas que ninguém namorava justamente porque elas transavam e ninguém queria nada serio com elas. É um negocio muito louco, porque… inclusive, sei lá… as meninas mais pobres eram as que transavam, as outras não. As outras até transavam escondido, mas era uma coisa que quando acontecia, tinha que casar, não sei o quê pra manter a honra. E a gente vivia nesse mundo místico e foi crescendo e a puberdade vai chegando e ou você vai num puteiro, mas eu fui num puteiro uma vez e foi muito complicado, porque eu fui com os amigos, eles me levaram, eu era moleque, eu sempre próximo dos mais velhos os mais velhos me levaram, eu tava numa cadeira, não sei o quê, tinha uma janela assim, a prostituta mais bêbada, vomitada, feia, desculpa, ninguém é feio e ninguém é bonito, mas ela era feia , o meu amigo virou pra ela e falou assim: “Ó, te dou 20 reais pra você dar um beijo nesse moleque e levar ele lá no quartinho”, e ela: “Rrrr”, e eu corri, corri , pulei a janela, fugi e eles ficaram lá rindo da minha cara, falaram que eu não era homem, que isso, que aquilo, coisa e tal, passou. E ai você começa aquele negocio, masturbação e tárárá, enfim, ai… e a menina nada, e nada, e nada, e nada, ai eram as cabrinhas filha , a jumenta, a égua, lembro de várias experiências, não posso ficar entrando em detalhes assim.
P/1 – Vamos voltar, dai você voltou pro teatro, pro Zé Celso, depois de “A Pedra do Reino” e me fala um pouco…
R – Voltei, voltei, deixa eu ver… voltei pro Zé, tal, ai depois do Zé… a gente ficou trabalhando como sempre o Zé sempre faz muita peça, leituras dramáticas e tal, e peça e isso, aquilo, nunca para lá. O Teatro Oficina é incrível, é uma usina mesmo nunca para, tá o tempo inteiro produzindo, produzindo, produzindo e às vezes, eu cansava um pouco de atuar e trabalhava na assistência de direção, essas coisas. Ai, o Zé tava montando também… às vésperas de eu ir para o “Besouro”, o Zé tava montando o “Os Bandidos” e eu fui assistente dele, ai eu recebi o convite para ir fazer o “Besouro”, mas a peça já estava pra estrear ai eu fui fazer o “Besouro” na Bahia, mais quatro meses. Quando eu voltei novamente, voltei pro Teatro Oficina de novo, ai fomos fazer o “O Banquete”, de Platão, que eu fazia o Alcebíades. Ai depois, o ano passado eu fui fazer… eu fiz três filmes no ano passado, que estão pra estrear, um como protagonista e dois com participação.
P/1 – Quais?
R – Eu fiz o filme do Amilcar Claro, que chama “Tríade”, que é um triangulo amoroso, tá pra estrear agora, tá pra ser lançado, eu sou o protagonista do filme, faço o
personagem Lucas. Depois eu fiz uma participação no filme do Hermano Penna, que fiz o personagem Geraldo, que fiz uma pontinha assim, uma participação. Depois eu fiz mais uma participação no filme do Vicente Amorim, que é… tem dois Vicente Amorim que é o que tá… que fez “A Montanha”, o filme que é sobre os pracinhas na Itália, lá na Segunda Guerra Mundial, eu fiz a primeira… a abertura do filme, eu faço um soldado lá no filme.
P/1 – E como é que foi o convite para “Suburbia”, pra fazer o teste?
R –
Eu nem fiz teste na verdade. Eu tava em casa num domingo à tarde, estudando lá o Ibsen, que eu tava querendo, eu mesmo dirigir e produzir uma peça do Ibsen e dai toca o telefone, eu olhei, 21, ‘só pode ser uma amiga que eu tenho no Rio, a Clarisse’, “Alô”, ai não era, era uma voz de homem, “Quem é?” “Flavio, é o Nelsinho, sou produtor de elenco, tô produzindo aqui com o Luiz Fernando Carvalho a “Suburbia”, que é a nova minissérie que ele vai fazer agora e tem um papel que ele falou que é pra você fazer, se você tiver com condições, com tempo e tal”, dai eu falei: “Como é que é?”, maior alegria voltar a trabalhar com o Luiz de novo segunda vez, assim, ai eu falei: “Como é que é isso?”, isso era domingo à tarde, ele falou: “Tem que estar aqui terça-feira, se apresentar terça-feira”, dai eu falei: “Tá, me dá o endereço”, ai tomei o endereço, voei pra cá e ai comecei a ensaiar.
P/1 – Não fez nem teste? Você se apresentou, tal…
R – Não, não, não. Não fiz teste não, o Luiz me chamou direto, ele mandou o texto, eu li o texto
P/1 – Falava o papel, que era para ser o Tutuca
R – O Tutuca, já. Tinha me falado, ele falou: “Ó, você vai fazer o… seu personagem é o Tutuca, é um líder do tráfico, é um cara assim, assim, assim, você vem pra conversar com o Luiz e tal e se tudo der certo, a gente vai fechar, é você” “Tá bom, tô indo”, ai vim. Só que eu tava com as minhas coisas lá eu falei: “Eu preciso voltar pra fechar umas coisas lá, bater, fechar umas coisas certinhas, e ai a semana que vem eu venho”, ai eu trabalhei aqui, eu fiquei a terça, a quarta e a quinta…
P/1 – Já direto?
R – É, fiquei direto, sem roupa, sem nada, só com a roupa do corpo. Ai, voltei, ai fiz uma mala mesmo, conversei com as pessoas, tal, eu tava numa Pós-graduação, eu tava estudando Direção no Celia Helena, tive que trancar o curso, agora tô trancando, tal, juntei a mala e vim.
P/1 – Como que é o Tutuco?
R – O Tutuca… quando eu cheguei aqui… você sabe, existe na dramaturgia existe o personagem que é componente da trama, o meu personagem é um personagem componente da trama. No primeiro dia que eu cheguei, eu procurei falar com o Luiz: “Luiz, me dá umas dicas ai, quem que é o Tutuca, como que ele é”, eu já sabia que ele era um bandido ele falou: “Olha, década de 90, os caras morriam muito rápido nessa vida, tal. E o Tutuca, eu imagino que é um cara que é um ícone, é um ícone, é como se fosse um nordestino que fugiu lá do Canudos, do Antônio Conselheiros e veio morar no morro, no Rio de Janeiro e fundou a favela e entrou pro crime, porque não teve o acesso, por exemplo, que você teve, a estudar, a trabalhar, tal, tal, então, numa situação difícil, esse garoto, ele entra pro tráfico, começa a matar, tem o sonho de matar, tem capacidade de matar, não tem medo de morrer, carrega consigo coragem, dinheiro e bala e vem de lá pra cá. É esse cara que tá aqui na… tá no morro, no tráfico, foi empurrado pra isso, socialmente, digamos assim, foi empurrado pra isso”.
P/1 – Teve uma atividade, que Luiz falou que vocês fizeram dois desenhos, qual que você fez primeiro?
R – Esse.
P/1 – Você pode falar um pouco desse desenho?
R – Poxa vida, posso, ó, quando ele falou isso do Tutuca, o Luiz, você sabe, o Luiz é meio… é magico o Luiz é um magico, ele faz coisas que você não acredita. Uma das coisas que ele me falou nesse dia que eu fui falar com ele e ele me falou essas coisas, além disso, desse lado antropológico, histórico antropológico de uma suposta… de um suposto percurso do personagem, para em cima disso, eu criar uma gênese e etc., ele falou: “Ó, ele é um cara debochado, sarcástico…” e eu lembrei muito desse meu primo que foi morto, você vê como são as coisas, que ele era assim, “…ele é aquele bandido, mas não aquele bandido com a cara fechada, na hora de ser ruim, ele é ruim, mas na maioria do tempo, ele tira onda, ele zoa mesmo, ele é irônico, sarcástico”. Então, eu imaginei ele assim uma criatura que tem fogo, sabe, que é uma labareda, inclusive uma labareda de um… uma labareda gerada por uma, digamos assim, por um combustível muito fugaz, vem, queima e desaparece. Então, eu imaginei ele como uma labareda, você veja que isso aqui é meio labareda, meio sol esturricante e com essa boca meio assim, “rrrr” , mas também um ser humano que tem lágrimas carrega dinheiro, a gente foi pro lado lúdico assim, essas coisas a gente não pensa, a gente vai… na hora deixa vir do inconsciente, foi isso que veio. Ai veio assim essa coisa meio sem capricho essa coisa, como é que eu diria assim, um desenho mais caótico, mais naif, digamos assim, com menos…
P/1 – Ai você foi pra esse?
R – Ai eu fui pra esse, que foi esse processo, ele falou: “Agora elabora…
Então, isso aqui é a segunda etapa do Tutuca, assim, então foi uma coisa mais racionalizada, adorei fazer. Aqui estão os traços que você viu. Os traços mais soltos, assim. Aqui, eu procurei fazer uns traços mais, digamos assim, geométricos, mais geométricos, aqui aparece um coração partido, digamos assim, que é uma coisa que acontece com o bandido e aqui, aparece uns pés de dançarino assim que o Tutuca é todo malandro, todo cheio de coisa, fica brincando com a dança, com a malandragem, ele faz uma puta coisa ruim, depois, ele: “Hahaha”, faz umas brincadeiras assim e tal. E essa boca grande e as mesmas coisas, o dinheiro o estilo… o mesmo principio, só que com a geometria mais fechada assim, e com os pés mais de bailarino eu trouxe mais um pouco esse negócio. E essa boca grande assim com esse sotaque que o Luiz falou assim pra mim: “Ó, é aquele cara que vem, traz aquele sotaque, mas já tá meio ‘acariocado’, então mistura as duas coisas”, às vezes ele fala e dá o “xxx” do carioca e chama “Meu irrrmão”, “Rapaz” e tal, então essa coisa misturada, essa coisa como é na realidade. Depois eu fiquei ouvindo os garçons que me atendiam, os nordestinos que estão nos bares lá nos restaurantes onde eu ia comer, é exatamente isso, eu sinto aquele nordestino, mas com aquela coisa “acariocada” assim, como tem “apaulistada” em São Paulo também, aquela coisa e tal, e ai, o Tutuca é esse cara, tem isso de mim digamos assim, tem esse sotaque misturado, e do lado do temperamento, todos nós temos em nós esse lado da violência, eu passei muito por isso, isso é muito forte, muito marcante na minha vida, uma história que eu não conto.
P/1 – Deixa eu só perguntar aqui…
R – Capacidade de matar, assim, sabe?
P/1 – Quer dizer, essa vida que você teve na olaria e a “Suburbia”, que mostra muito uma coisa de comunidade, qual que é a relação disso, da trama em si com o tipo de vida que você teve?
R – É, a trama… assim, se você pegar a trama pelo núcleo da família, daquela
coisa ordenada, daquela paz, daquela coisa lúdica, daquela coisa poética, romântica, tem muito a ver com a minha família assim, a maneira como eu vivi e quando entra a minha presença enquanto Tutuca na história, tem a ver justamente com a fragmentação assim, sabe, com a quebra daquela paz, pela harmonia que tinha pela quebra da violência, pela morte só que aqui, eu tô no papel de algoz e lá, nós estivemos no papel de vitima, é exatamente a mesma coisa. Então isso, queira ou não, um ator que trabalha como eu, não sei se todo mundo trabalha assim, que procura em si aquilo que tem que dar não é memoria emocional, mas deixa vir do teu inconsciente, das coisas que te acontecem, de tudo que te moveu pro bem, pro mal, trazer isso pra cena e transformar isso em arte e depois se livrar disso.
P/1 – O quê que você achou de dar esse depoimento, contar a sua história para o Museu da Pessoa?
R –
Foi uma experiência assim muito forte, porque você vê, eu fui lembrando de coisas, você foi me fazendo lembrar de coisas e olhar pra coisas que fazia muito tempo que eu não olhava, que eu não via, que eu não lembrava, é como se eu tivesse remexido no baú das minhas memórias enterradas e soterradas, entendeu? E elas se sublevaram assim, parte delas grande parte delas, que são coisas que são a minha historia mesmo, que eu tinha esquecido e agora, pude lembrar. Uma oportunidade que a vida dá pra gente, que vocês estão me dando assim, a gente pode trocar essa experiência a partir da minha recordação.
P/1 – Agradeço você ter compartilhado a sua historia.
R – Obrigado, valeu!
P/1 – Obrigada você.Recolher