A MARIA FUMAÇA E O BICHO-PREGUIÇA
Nasci na metade do século passado, em 1951. Não sei se foi uma boa ideia, mas enfim nasci nesse ano. Quando criança, meu pai me levava até seu serviço, pegávamos o trem na estação da Moóca e íamos até a estação da Luz. Achava simplesmente incrível ...Continuar leitura
A MARIA FUMAÇA E O BICHO-PREGUIÇA
Nasci na metade do século passado, em 1951. Não sei se foi uma boa ideia, mas enfim nasci nesse ano. Quando criança, meu pai me levava até seu serviço, pegávamos o trem na estação da Moóca e íamos até a estação da Luz. Achava simplesmente incrível andar de trem, ai para chegar ate o escritório onde ele trabalhava, tínhamos que atravessar o Jardim da Luz, e meu pai me mostrou e me ensinou a gostar do bicho-preguiça que tinha lá. Fiquei maravilhado por ele, aquela calma toda, aquele jeito meigo que, apesar de devagar, subia as árvores com muita desenvoltura e elegância. Acho até hoje que o nome dele está errado, ele devia ser chamado de bicho-da-meiguice, com aquela tranquilidade toda, que inclusive leva a cria nas costas até desmamar, para que depois a cria siga nos caminhos de outras árvores. Ah, se toda cria fosse assim, igual à cria do bicho-preguiça ou “da meiguice”, como gostaria que ele se chamasse.
Também lembro que, ainda quando criança, o pessoal da rua em que morava se reunia e, nos fins de semana, ia de trem para o Horto Florestal. Era o trem das onze do Adoniran, que a gente pegava, muito legal. A gente brincava de Tarzan, se esbaldando num monte de cipós que tinha lá, depois fazia um lanche. Essas coisas legais da nossa infância que não se esquece. Mas, infelizmente, o trem do Adoniran foi enterrado pelo Metrô. Acabaram com ele e hoje o governo quer fazer um trem para o aeroporto de Guarulhos. Imbecis, já tava pronto, era o Trem das Onze, era o trem do Adoniran, que não volta mais.
Bom, meu pai tinha um colega que era da cidade de Olímpia e, pela amizade deles, fui várias vezes para Olímpia. Claro, íamos de trem. A gente saía da estação da Luz e ia até Bebedouro de trem movido a eletricidades. Lá chegando fazia-se a baldeação (eita palavrinha feia essa) e pegava a Maria Fumaça. Aí mudava tudo, incrível como uma maquina tão cheia de ferro, tão grande, pode, pelo menos para mim, ser algo tão romântico, bucólico e prazeroso, aquele balanço, o cheiro da fumaça, algumas fagulhas, tudo isso que a Maria Fumaça faz. Ia admirando aquelas plantações de café a se perder no horizonte, misturadas com matas, muitas pontes sobre rios de várias formas, rios que naquela época eram límpidos e tinham muitos peixes. Nessas pontes sempre tinha pescadores curtindo a vida simples do interior. Bons tempos esses e tudo isso era coberto por crepúsculos admiráveis. Mais uma lição, aprender a amar a natureza da janela de trem puxado por uma Maria Fumaça. Para mim não tinha coisa melhor, andar de Maria Fumaça. Mas que hoje já não tem mais, agora só tem cana-de-açúcar e rios poluídos, coisa mais horrível.
Depois andei de trem nos anos 70, quando namorava uma pessoa muito incrível que morava em Londrina. Duas vezes fui para lá, uma demorou 18 horas e outra, 22 horas. Não chegava nunca, mas também foi legal, apesar de não ser a Maria Fumaça. Se fosse teria sido bem mais legal. Quanto ao namoro, não deu certo, essas coisas que acontecem: era jovem, imaturo, vai saber por quê. Mas de certa forma somos amigos até hoje, o que aliás é muito bom, não ficaram ressentimentos, cada um seguiu seu destino, é a vida com seus mistérios. Sempre é bom andar de trem, mas no Brasil, a ditadura acabou com tudo isso, e agora só tem trem de carga, o que o poder não faz para nos atrapalhar com seus interesses escusos. Quanto à ultima vez que andei de trem? Bom, vou tentar explicar: eu estava com uma fada, era muita conversa, muito carinho, que até uma senhora que estava no trem nos observou. Pelo nosso jeito de ser um com outro, foi muito gratificante, tudo aquilo, mas agora eu estou na dúvida se aquela viagem, foi real ou foi um sonho. Acho que foi um sonho bom, sonho esse que acabou. Maria Fumaça, bicho-preguiça, meu pai que me ensinou, a amizade que ficou e o sonho que marcou, são as boas lembranças que, para mim, a Maria Fumaça não levou. M.A.TISI ( 18/03/2012)Recolher