Projeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Depoimento de Paulo Nogueira Neto
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
São Paulo, 13/03/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BIO_TM002
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Então, Seu Paulo, pra começar queria que o senhor falasse de novo aqui pra gente o seu nome completo, local e data de nascimento.
R- Bom, eu sou Paulo Nogueira Neto e nasci dezoito de abril de 1922.
P/1- Eu queria saber por que o senhor escolheu estudar História Natural?
R - Bom, eu primeiro me formei em Direito na USP porque os meus amigos do Ginásio de São Bento, os meus colegas, um grupo lá muito amigo e alguns estão vivos até hoje graças a Deus, a gente se encontra - continua se encontrando - decidiram ir pra Direito. E eu tenho na minha família uma certa tradição de cursos de Direito porque o meu avô materno foi professor da Faculdade de Direito, os meus bisavós também foram professores lá, e meu avô e o meu pai são formados em Direito no São Francisco. Então havia uma certa tradição. É uma coisa interessante, acho que Direito é uma coisa muito geral porque estuda basicamente a relação entre as pessoas e como ordenar essas relações, então é uma coisa que pra mim foi muito útil. Porque quando eu fui tratar da legislação ambiental os meus princípios básicos de Direito me serviram bastante. Mas ao mesmo tempo eu tinha também uma vocação biológica muito grande e quando eu era estudante de Direito já publicava artigos sobre abelhas indígenas sem ferrão, que é um grupo de abelhas do mundo tropical. E já publicava artigos e era sócio já de sociedades científicas que tratavam do assunto, aliás uma delas, a Associação Brasileira de Etimologia e chegou num ponto em que o meu amigo Paulo Vanzolini disse que eu não podia mais continuar como amador na parte de Ciências Naturais e a minha mulher também achava que eu...
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Depoimento de Paulo Nogueira Neto
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
São Paulo, 13/03/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: BIO_TM002
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Então, Seu Paulo, pra começar queria que o senhor falasse de novo aqui pra gente o seu nome completo, local e data de nascimento.
R- Bom, eu sou Paulo Nogueira Neto e nasci dezoito de abril de 1922.
P/1- Eu queria saber por que o senhor escolheu estudar História Natural?
R - Bom, eu primeiro me formei em Direito na USP porque os meus amigos do Ginásio de São Bento, os meus colegas, um grupo lá muito amigo e alguns estão vivos até hoje graças a Deus, a gente se encontra - continua se encontrando - decidiram ir pra Direito. E eu tenho na minha família uma certa tradição de cursos de Direito porque o meu avô materno foi professor da Faculdade de Direito, os meus bisavós também foram professores lá, e meu avô e o meu pai são formados em Direito no São Francisco. Então havia uma certa tradição. É uma coisa interessante, acho que Direito é uma coisa muito geral porque estuda basicamente a relação entre as pessoas e como ordenar essas relações, então é uma coisa que pra mim foi muito útil. Porque quando eu fui tratar da legislação ambiental os meus princípios básicos de Direito me serviram bastante. Mas ao mesmo tempo eu tinha também uma vocação biológica muito grande e quando eu era estudante de Direito já publicava artigos sobre abelhas indígenas sem ferrão, que é um grupo de abelhas do mundo tropical. E já publicava artigos e era sócio já de sociedades científicas que tratavam do assunto, aliás uma delas, a Associação Brasileira de Etimologia e chegou num ponto em que o meu amigo Paulo Vanzolini disse que eu não podia mais continuar como amador na parte de Ciências Naturais e a minha mulher também achava que eu precisa me aprofundar mais nisso. Então oito anos depois de formado em Direito eu fiz exame de vestibular como qualquer aluno, com um medo danado de levar bomba (risos), porque eu tava competindo com gente recém-formada em Física, Química, coisas assim, mas fui bem, graças a Deus fui bem e lá fiz o curso noturno aí na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, naquele tempo, hoje é Instituto de Biociências. E o professor Marcos, que era o professor de Zoologia, me convidou pra ser assistente dele, e o professor Marcos é um professor alemão, que veio da Alemanha no tempo da... Logo antes da Guerra e ele foi um dos professores fundadores da Universidade de São Paulo. Então eu fiz, enfim, desempenhei as minhas atividades de assistente até que depois fui convidado pra ser Secretário Especial do Meio Ambiente. Aí me mudei pra Brasília, fiquei doze anos e meio lá em Brasília, aliás nesse cargo mais uns dois anos no Distrito Federal organizando o meio ambiente no Distrito Federal. Então eu vivi quinze anos em Brasília e pra mim foi muito bom, eu realmente tive a oportunidade de poder fazer alguma coisa, porque eu fui pra ficar dois meses e acabei ficando todo esse tempo grande, extenso, então deu tempo de fazer muita coisa.
P/1- Voltando um pouquinho a esse momento que o senhor foi estudar História Natural. O senhor era estudante num momento em que o Brasil tava em pleno desenvolvimento econômico, né? Como foi dentro desse período estudar, dentro dessa época do desenvolvimentismo que o Brasil se encontrava?
R- Olha, na realidade o Brasil estava num período de desenvolvimento, mas cheio de contradições e com forte envolvimento de esquerda que já vinha de mais tempo atrás e se desenvolveu muito nessa época, e que depois provocou, houve uma reação contrária, então iniciou-se o chamado Regime Militar. E na realidade foi uma aliança dos políticos conservadores com os militares, né? A gente atribui tudo aos militares, mas na verdade houve um forte apoio da direita a esse Regime. E eu fiz questão no meio desse turbilhão todo de não me envolver em política, absolutamente fiquei vivendo as coisas absolutamente técnicas. E curiosamente, durante esse tempo, muitas vezes as pessoas dizem: "puxa, você deve ter sofrido muito, deve ter sido muito difícil", realmente não era fácil, mas também não era, assim, difícil. Acho que até pude fazer bastante coisa pelo tempo que eu fiquei lá e também porque além de ser do governo eu era amigo pessoal dos líderes da oposição também, minha mulher, por exemplo, era muito amiga da mulher do Ulisses Guimarães, então eu frequentava a casa do Ulisses Guimarães e era amigo pessoal do governador de São Paulo, foi depois governador de São Paulo, o Montoro, naquele tempo ele era do Senado e era o líder da oposição legal, porque havia dois tipos de oposição: havia uma oposição guerrilheira, com que era uma luta, assim, muito dura, armada, e havia uma oposição legal que disputava eleições e cada eleição que havia foi ganhando espaço até que depois mudou o regime e eu saí na metade do Sarney. Então eu sobrevivi, passei de um regime pra outro (risos) e sem mudanças, porque eu já era amigo do pessoal da oposição e eu sempre coloquei o meio ambiente acima das lutas políticas. Eu acho que o meio ambiente deve ser preocupação de todas as entidades políticas que sejam de direita, ou da esquerda, ou do centro.
P/1- E qual a importância… Como o senhor se sente trabalhando com o meio ambiente no Brasil?
R- Olha, eu me sinto muito bem. Eu acho que eu pude, digamos assim, dar uma contribuição boa numa época decisiva, numa época de mudanças profundas. Porque quando eu comecei em 1953, mais ou menos, fundei uma associação aqui em São Paulo: Associação de Defesa do Meio Ambiente, existe até hoje, hoje tá mais ligada à USP, mas também tem gente de fora da USP, e essa associação hoje é a mais antiga Associação Ambientalista em existência no Brasil, houve outras que desapareceram. Mas tudo isso mostrou, inicialmente, a nossa primeira grande luta foi pra defesa do Pontal do Paranapanema. O Pontal do Paranapanema era coberto por uma floresta de 150 mil hectares e só tinha floresta praticamente, não tinha fazenda não tinha nada. Inclusive eu sobrevoei a área e era realmente uma floresta que deveria ter sido preservada. Mas na realidade a nossa associação e mais uns jornais, os grandes jornais da época, a Folha da Manhã que deu origem depois a Folha de São Paulo e o Estadão, eles faziam campanha aberta em favor de constituir ali uma reserva florestal e o governador que era o Jânio Quadros também era a favor, mas apesar disso a Assembleia não aprovou, então não se conseguiu defender essa área, foi a primeira luta ambiental nossa, foi uma derrota, não foi assim uma derrota total porque o Secretário da Agricultura da época, o Renato Costa Lima, conseguiu impedir que se perdesse também o Pontal, aliás, uma área do Pontal chamado Morro do Diabo que hoje é um parque estadual de 34 mil hectares mais ou menos. Então essa área nós conseguimos salvar graças ao apoio do Renato, foi um apoio assim, muito duro porque havia uma conspiração para invadir e ocupar essa área, o pessoal se declarava dono, a Secretaria da Fazenda cobrava imposto, eles não pagavam o imposto e depois a área ia a leilão por não ter pago o imposto, tudo uma conspiração. E aí o pessoal comprava os títulos e ficava com o título legal. Mas o Renato, no dia que ele tava marcado pra entregar a posse a esses titulares falsos, o Renato pôs a polícia militar lá e não deixou entrar e até que deu tempo pra Justiça anular. Mas foi uma luta, assim, bastante dura e essa parte da luta foi vitoriosa.
P/1- Eu queria, andando aí um pouquinho nas décadas, adiantando um pouquinho, mais recente, propriamente em 1972, queria que o senhor falasse um pouquinho da Conferência de Estocolmo. O que ela significou para o senhor e qual foi a posição assumida pelo Brasil nessa Conferência?
R- Bom, a Conferência de Estocolmo... Eu não fui à Estocolmo. Mas foi uma Conferência fundamental porque foi a primeira grande conferência mundial sobre meio ambiente e naquele tempo só dezesseis países tinham órgãos centrais de meio ambiente, o Brasil não tinha. E o Brasil foi pra lá numa posição muito defensiva contra o meio ambiente, assim, dizendo que não era, em tese, não era contrário ao meio ambiente tanto que tava lá, mas que não queria tomar medidas, via com muita desconfiança as atitudes favoráveis ao meio ambiente tomada por outros países e achavam que... A mentalidade daquele tempo achava que o Brasil primeiro devia se desenvolver e depois cuidar do meio ambiente. E um jornal lá de Goiás publicou uma meia página o desenho de uma chaminé soltando fumaça dizendo simplesmente o seguinte: "traga para Goiás a sua poluição!" (risos) Quer dizer, era a mentalidade da época, realmente não era nenhum grupo do Itamaraty ou militar, era o geral, quer dizer, o establishment da época. Os industriais coisa e tal, achavam que o meio ambiente ia atrapalhar, ia aumentar os custos, que era uma invenção dos países desenvolvidos para subjugar os subdesenvolvidos impedindo que eles pudessem aplicar mais dinheiro no seu próprio desenvolvimento tomando medidas a favor do meio ambiente ao invés de gastar esse dinheiro no desenvolvimento, assim, mais direito. Então uma das primeiras coisas que eu lutei muito foi pra quebrar essa mentalidade e com o tempo eu fiz vários amigos no Itamaraty e as coisas foram mudando, o Itamaraty hoje já tem dezenas de pessoas trabalhando em assuntos ambientais, mas no começo a coisa não era assim muito bem vista. E aí havia uma pessoa que era muito a favor do meio ambiente e que era muito influente na parte ligada ao meio ambiente do governo na época que era o Henrique Brandão Cavalcanti, ele foi secretário da delegação brasileira. E lá a delegação brasileira e o Henrique ajudaram muito nisso. Ele verificou que a situação não era como eles pensavam, uma coisa assim, pra subjugar os outros países. Então a delegação brasileira mudou de opinião e assinou a Declaração de Estocolmo sem nenhuma restrição, mas quando foi pra lá o ambiente não era favorável não, mas o Henrique conseguiu essa mudança. E quando o Henrique voltou ele procurou fazer uma instituição federal que cuidasse do meio ambiente. E eu era uma das poucas pessoas, assim, eu tinha visto ele só uma vez antes, mas eu já tinha, assim, uma certa fama - digamos assim - de ambientalista. Então ele me convidou pra ir lá pra Brasília conversar com ele e ele me mostrou o decreto a que ele tinha conseguido estabelecer a Secretaria Especial do Meio Ambiente e quando eu li aquilo eu disse: "mas isso aqui é muito fraco, isso não vai adiantar muito", porque não tinha nenhum poder efetivo, ele não podia multar, por exemplo, podia apenas levantar o problema e sugerir soluções, mas não tinha nenhum poder de multar, poder maior não tinha mesmo. E quando eu acabei de lascar (risos) o projeto, ele virou assim pra mim e disse: "mas você aceitaria ser o Secretário?" (risos) Eu disse: "olha, se a minha mulher aceitar eu aceito também", e a razão era muito simples, porque ia mudar a minha vida e a vida dela, porque nós estávamos muito felizes aqui em São Paulo, uma família, os filhos já nas universidades, e enfim. Mas nós tínhamos que mudar pra lá e mudar afetivamente, porque acho que ninguém faz nada efetivo se não vestir a camisa mesmo e lutar pela causa, no caso a causa era ambiental. E quando eu aceitei eles me deram três salas e cinco pessoas pra cuidar do meio ambiente do Brasil todo (risos). E sem poderes efetivos, né? Mas foi a época mais feliz da minha vida e da vida dela porque aqui em São Paulo a minha família tinha uma certa tradição no Direito e na política, o meu pai foi Deputado Federal, o segundo mais votado, aí na última eleição que houve antes do Estado Novo, depois foi exilado político durante oito anos em Buenos Aires, no tempo de Getúlio junto com o Armando Salles de Oliveira, que era o fundador do USP e o Júlio de Mesquita, Plínio Sobrinho, tinha um grupo lá. Mas enfim, a minha família é uma família bastante conhecida aqui em São Paulo e lá eu era eu mesmo, então isso pra mim tinha uma atração muito grande, poder fazer uma coisa sozinho. E foi ótimo, eu acho que eu não podia ter sido melhor. Pra minha mulher também, ela fez boas amigas lá, inclusive a mulher do Ulisses que foi muito amiga dela, e outras, muitas outras também, enfim. Nós conseguimos nos tornar realmente cidadãos de Brasília, inclusive hoje eu tenho o título, foi dado pela Assembléia Legislativa lá, Distrital, eu tenho o título de cidadão emérito, aliás, cidadão honorário de Brasília.
P1- Ganhou a chave da cidade, inclusive?
R- (risos) Não chegava-se a isso, que seria um exagero, mas eu organizei o meio ambiente em Brasília, depois de ter trabalhado na área federal eu fui Secretário, primeiro Secretário do Meio Ambiente também do Distrito Federal, e Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia. Então eu organizei, fiquei dois anos lá organizando isso. Pra mim tudo isso foi uma coisa nova, eu acho formidável a gente ter essa oportunidade única de fazer alguma coisa nova, abrir um caminho e procurar o apoio de todos. E a legislação ambiental, devido ao meu bom relacionamento com a oposição - em parte, é claro que dependia de outras coisas também - mas contribuiu bastante para que essa legislação fosse aprovada unanimemente, aliás, pra não dizer que foi totalmente unânime, dois deputados votaram contra (risos). Mas a Comissão que tratou do assunto, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que a lei até hoje tá em vigor, sofreu algumas pequenas modificações, que toda lei que evolui... Mas basicamente é a mesma lei. E os deputados da oposição e do governo trabalharam, assim, fortaleceram o projeto, o projeto foi pra lá meio tímido, porque nós achávamos que era difícil passar e tal, e com surpresa pra nós o pessoal realmente melhorou, fortaleceu o projeto e com isso ele acabou sendo amplamente aprovado. E aí eu vi o quanto o meio ambiente pode unir as pessoas das mais diversas origens.
P/1- Queria que o senhor falasse um pouquinho da sua participação como membro da Comissão de Brundtland.
R- Bom, a Comissão de Brundtland pra mim foi um aprendizado fantástico porque eu fui escolhido o Secretário Federal do Meio Ambiente. O Brasil tendo no mundo uma posição sempre importante pelo seu território, recursos naturais. Então eles me convidaram pra ser membro da Comissão, eram 23 membros e tinha três representantes da América Latina, depois tinha um mexicano que depois se afastou - aliás foi o único membro que se afastou - ele queria que o México tivesse mais... Uma sede no México e tal e não foi possível fazer isso, bom, enfim ele se afastou. Mas eu aprendi muita coisa porque foi uma Comissão que tinha bastantes recursos e ela foi criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas e o objetivo dela era estudar a interface: Economia e Meio Ambiente. E eu era da bancada, aliás a bancada, assim, biológica. Era uma colega Margarida de Botero da Colômbia, eu e o professor Sokolov da União Soviética, nós éramos os biólogos e os outros eram mais economistas, administradores. Mas a Comissão se reunia a cada três meses num país diferente, fazia uma conferência lá com os países vizinhos e cada um contava os seus problemas e como tava resolvendo esses problemas. E o principal problema que nós víamos e o que mais nos preocupava era o problema demográfico. Porque a população estava crescendo a mais de dois por cento ao ano, e a mais de dois por cento ao ano dobra em 36 anos. 36 anos em termos biológicos não é nada, né, e naquela época o mundo já tinha quatro bilhões, hoje já tá com seis bilhões, e depois essa porcentagem decresceu, mas ainda é bastante elevada. E isso pra nós era o problema mais importante porque o mundo é finito, o planeta é finito, nós não temos capacidade infinita de aumentar os recursos do planeta, então se não houver um equilíbrio demográfico nós estaremos partindo para uma situação de miséria total, total é modo de dizer, mas quase total, e um desespero mesmo, fomes das mais agudas e tudo isso. Então nós nos concentrávamos um pouco nesse problema e nós contratávamos demógrafos e professores, pessoas que entendiam bastante do assunto e eles nos disseram o seguinte: "olha, a população explode principalmente nos lugares onde há miséria, porque quando há a miséria, o pessoal, cada membro da família procura de algum jeito, algum recurso pra sobreviver ou recursos... Destruindo recursos naturais, ou partindo para a ilegalidade, de alguma maneira procuram sobreviver". Então defesa das famílias, embora erroneamente, era voltada pra ter famílias grandes, então a primeira coisa que eles achavam é que para poder equilibrar o mundo era preciso erradicar a miséria, que é um imperativo ético também, né, todas as pessoas bem informadas querem que a miséria acabe, porque a miséria é fonte de "n" problemas e é uma agressão pessoal a dignidade das pessoas, né? Então nós nos concentrávamos nisso e numa dessas discussões alguém falou lá, eu já não lembro mais quem foi, alguém falou lá que era preciso ter algum tipo de "desenvolvimento sustentado", que depois nós mudamos a palavra para "sustentável", porque "sustentado" parece que alguém de fora tá sustentando, e "sustentável" é o planeta mesmo que tem que se sustentar (risos). Então daí surgiu essa expressão das conversas, assim, informais. Hoje no mundo todo fala em desenvolvimento sustentável por causa dessa Comissão Brundtland. Então nós definimos isso de uma maneira muito ampla dizendo que o desenvolvimento sustentável era o desenvolvimento que não prejudicaria as gerações futuras nem a geração atual, quer dizer, é um desenvolvimento não predatório. Muita gente diz que é muito vago, mas é propositadamente vago porque pra aplicar em qualquer situação, pra uns países o desenvolvimento sustentável pode ser feito de uma maneira, outro país pode ter de outra maneira, não é? O pessoal de esquerda, direita, de centro, cada um tem lá as suas sugestões, mas o importante é a busca e a implantação do desenvolvimento sustentável. E isso foi para mim extremamente importante, inclusive importante por vários aspectos. E eu ficava, eu nunca tirei férias, porque... Eu não tirei férias por duas razões: uma é que eu estava fazendo o que eu mais gostava, então quem faz o que mais gosta vai tirar férias pra quê, né? (risos) E em segundo porque aproveitava alguns dias depois dessas conferências pra viajar com a minha mulher nesses países vizinhos e verificar algumas coisas, por exemplo, fui junto com o Sokolov da União Soviética conhecer as grandes planícies da Hungria. Tem grandes planícies lá que os húngaros primitivos, mais antigos, eram cavaleiros que vieram da Ásia, e também era uma coisa extremamente interessa pra mim e pro Sokolov também, e os húngaros eles têm, assim, uma peculiaridade muito marcante, que eles são muito independentes, sempre foram, então na reunião que houve em Moscou para os países da União Soviética eles foram o único país que desancou o seu próprio governo (risos), o único. E dizia que na Hungria a situação ambiental tava péssima, que precisava melhorar aquilo, fazer isso, fazer aquilo, eles foram, assim, de uma franqueza única. E quando nós fomos, tivemos uma sub-reunião na Hungria a qual eu fui também, ele no aeroporto, o nosso colega húngaro, ele disse: "olha, se estiver faltando alguma coisa no passaporte vocês, vão comigo lá na sala aí do aeroporto que a gente arruma na hora" (risos). Imagina se alguém vai pra um país da antiga, ligado a antiga União Soviética sem passaporte (risos) e que esteja estritamente em ordem, né?
P/1- E isso foi no período que o senhor fazia parte da Comissão?
R- É, então, é só pra contar, assim, alguns aspectos, tem muitos aspectos interessantes dessa minha viagem, pra mim foi um aprendizado fantástico.
P/1- O senhor pode conhecer o mundo e ver novos problemas mesmo?
R- Inclusive no Quênia eu tive uma experiência, assim, sui generis, porque aqui no Brasil a gente fala, falava antigamente, hoje não se fala mais tanto isso, mas falava dos países desenvolvidos: países imperialistas, né? E fiz uma palestra lá sobre o problema demográfico lhes explicando que o mundo precisava erradicar a miséria e tal pra controlar a população, uma coisa que fosse aceita por todos, assim, erradicar a miséria é uma coisa que todo mundo aceita. E eu sei que quando eu acabei de falar uma pessoa lá do Quênia disse: "o senhor é um imperialista! A nossa riqueza maior são os nossos filhos!" (risos) Bom, eu não sou contra ter filhos, eu tenho três filhos e hoje tenho até três bisnetos já e acho que a família é a base mesmo da sociedade, mas é preciso haver um planejamento familiar em benefício do próprio planeta e das pessoas, né? Mas eu fui acusado de ser imperialista (risos).
P/1- Doutor Paulo, no depoimento que a gente fez com o embaixador Everton Vargas, a gente gravou...
R- Sei.
P1- ...já um depoimento que nem estamos gravando com o senhor, não é? Ele citou o senhor ao falar sobre a articulação da Eco-92, sobre as articulações pra acontecerem no Brasil, no Rio de Janeiro. Eu queria que o senhor comentasse um pouquinho sobre essa, como foi essa decisão e quais são as suas impressões sobre esse evento que foi tão importante, né?
R- Bom, da Eco-92 eu participei mas já não era mais, a Comissão Brundtland já não existia mais, já tinha encerrado as suas atividades e eu não pertencia mais ao governo, então eu participei como ambientalista. É claro que ela foi presidida pelo Morris Strong, que foi meu colega na Comissão Brundtland. Então eu tinha, assim, uns tatos especiais que pra mim foi interessante, pude acompanhar mais de perto. Mas a reunião, eu acho que teve aspectos muito positivos e teve também alguns aspectos que não foram tão positivos, na minha opinião. O aspecto mais positivo foi que o mundo, inclusive os Estados Unidos no começo refugou depois acabou aceitando, dando prioridade aos problemas do aquecimento climático e o problema da defesa da biodiversidade que agora estão mais, vão ser tratados agora em Curitiba. Enfim, os principais problemas, os três ou quatro maiores problemas ambientais foram tratados lá, isso foi muito bom muito interessante. Mas o que não foi tão bom foi que a parte não governamental não foi bem organizada, então houve dias lá que faltou dinheiro, faltou recursos, só que o pessoal que tava lá acampado no Flamengo, na praia, enfim, no Aterro do Flamengo, nos jardins lá, do Burle Marx precisava comer, precisava… Veio gente do Brasil todo, e muitos sem recursos, então essa parte houve dias de crise aguda, que enfim, tiveram que apelar pro governo de Brasília pra mandar recursos extras, falou que faltava dinheiro até pra alimentar pessoas que estavam lá sem recursos. Essa parte da organização eu acho que foi falha, ela acabou a Conferência se encerrando sem, assim, vítimas, digamos. Mas vendo de longe e vendo de perto, naquela ocasião realmente poderia ter tido uma organização melhor, eu acho que houve falhas na organização, mas isso é uma coisa secundária que a gente esquece, porque os benefícios foram tão grandes, as vantagens foram tão grandes. Mas depois da Conferência houve uma queda de interesse em relação ao meio ambiente, aí foi feita uma nova Conferência no Rio de Janeiro: 92+5, e essa nova Conferência que foi feita no Rio de Janeiro ela também teve problemas de organização e na última reunião que era pra dar, digamos assim, fazer um documento final. As discussões foram tantas que não se chegou a assinar documento nenhum. Mas foi boa porque permitiu a troca de opiniões e foram muitos depoimentos interessantes, mas infelizmente não se conseguiu, assim, uma unanimidade a ponto de não haver o documento, mas foi um marco importante sem dúvida nenhuma. E agora nós temos vários tratados internacionais, o mais exitoso deles, que teve mais êxito, mais sucesso, foi o que se refere ao controle do buraco de ozônio, porque está sendo destruído pelos gases produzidos por certos produtos químicos: clorofluorcarbono que são muito usados nas geladeiras, nas indústrias de refrigeração e que estavam destruindo. Então pela primeira vez os países todos, essa foi uma coisa unânime, se reuniram e começaram a tratar seriamente do assunto e hoje já tem vários compostos químicos novos que estão sendo desenvolvidos, e é um assunto que tá, assim, mais relativamente sobre controle no sentido de que a gente está trabalhando já há alguns anos pra que produtos – o clorofluorcarbono – possam ser substituídos por outros compostos químicos que não causem dano, ou pelo menos não causem tanto dano na atmosfera terrestre e a proteção da atmosfera por causa da camada de ozônio.
P/1- Eu queria que o senhor, mudando um pouquinho de assunto, eu queria que o senhor dissesse quais foram, para o senhor, os principais avanços alcançados a partir da Convenção da Diversidade Biológica.
R- Bom, aí primeiro eu quero salientar um outro aspecto que foi a Conferência de Kyoto, e que os desdobramentos agora estão começando a surgir mais efeitos. Também foi uma tentativa para, a exemplo dessa Convenção de Montreal sobre os clorofluorocarbonos, a camada de ozônio, foi feita então uma outra Convenção para o controle do aquecimento climático que é um problema ambiental, na minha opinião o mais grave que precisa ser resolvido ainda, o problema geral mais grave. E eu acho que demorou muito tempo, muito mais do que seria necessário para que a Rússia e a Polônia finalmente assinassem e pudesse entrar em vigor porque os Estados Unidos tomou uma atitude muito contrária, Estados Unidos, Austrália e alguns países, mas a grande maioria dos países estava a favor. Inclusive eu estive em uma conferência que foi feita em Johannesburgo e participei dessa conferência. E agora nós estamos aqui vendo a COP-VIII que vai estudar a maneira de implementar na prática, porque nós já sabemos, em relação a Kyoto, que o Protocolo de Kyoto não é suficiente para ele sozinho resolver o problema do aquecimento climático, que tá ligado às emissões de carbono na atmosfera, quantidade de carbono na atmosfera, de compostos de carbono na atmosfera. Nós agora é que começamos a implementar e a Conferência de Curitiba que vai ser muito importante nisso porque não basta dizer: "vamos fazer mecanismos de desenvolvimento limpo", tudo isso é muito bonito, mas quais as vantagens práticas, quais os pontos práticos a serem feitos, o que deve ser tomado em consideração, tudo isso agora é que começa realmente a ser debatido. Pro Brasil isso é extremamente importante, porque nós somos os poucos países que ainda pode reflorestar em larga escala. Destruímos muito as nossas florestas, mas nós temos território muito grande e só há uma maneira prática, não existem duas ainda, de retirar carbono da atmosfera, é plantando árvores. Por quê? Porque qualquer madeira ou chão aqui de madeira, qualquer madeira, metade de madeira é carbono, então quando isso queima, esse carbono vai pra atmosfera, então tudo que queima aumenta o carbono na atmosfera. Nós retiramos os combustíveis fósseis, o petróleo das profundezas, e o carvão também. E o carvão é muito pior que o petróleo de um modo geral, em matéria de poluição. Mas ao queimar esses produtos nós estamos jogando mais carbono, compostos de carbono na atmosfera, e as árvores quando crescem elas precisam do carbono, porque metade da matéria orgânica delas é carbono, então elas retiram carbono da atmosfera enquanto estão crescendo. Então a maneira prática que se tem é fazendo grandes florestas e o Brasil é o país ideal pra isso, né? Agora é preciso que essas florestas depois permaneçam, porque se não o carbono volta pra atmosfera, né? Se, por exemplo, o papel, o papel que também é produzido em reflorestamentos, mas o carbono que tá no papel em grande parte volta pra atmosfera, porque é queimado ou vira lixo e se decompõe e o carbono volta pra atmosfera. Então nós temos que ver o que fazer nesse mecanismo de desenvolvimento limpo pra fazer com que haja realmente uma substituição dos combustíveis fósseis de um lado, e o Brasil pode através do programa do álcool, programa de energia hidroelétrica, etc., pode ajudar muitíssimo nesse programa mundial de retirar carbono, pode ganhar muito com isso. Então pra nós é reunir o útil ao agradável e isso é uma coisa muito importante.
Agora, por outro lado, a questão da biodiversidade, que você me perguntou, é realmente uma coisa muito importante. Inclusive, eu atualmente estou exercendo a Presidência da Câmara Técnica do CONAMA que trata da biodiversidade, a presidente que é uma amiga minha, professora Isabel Hofling está na França e eu sou o vice e estou assumindo lá. Então nós temos que defender também a biodiversidade e a maior ameaça a biodiversidade é o problema do aquecimento climático, por quê? Porque os ecossistemas – eu dava curso na USP sobre isso – os ecossistemas a gente pensa que, tem a tendência de pensar ou a tentação de pensar que corresponde a parte verde, quer dizer, a parte viva, a flora e a fauna, isso constitui o ecossistema. Verdade, são partes extremamente importantes do ecossistemas, mas o ecossistema também tem uma parte física que a gente não vê, assim, muito facilmente que é extremamente importante porque a vida da parte verde depende da parte física. Então o clima. O clima, por exemplo, é uma questão física, temperatura, chuva etc., é que constitui o clima e se muda o clima, se o clima se desloca a parte verde se desloca junto porque ela não vive sem a sua parte física, e essa, digamos, migração dos ecossistemas a gente não liga pra isso, não vê. Agora, o professor Enéas Salati que foi diretor do INPA e que é também um dos diretores de uma associação de desenvolvimento sustentável com sede lá no Rio de Janeiro, ele é estudioso de questões climáticas e ele verificou o seguinte: que se o clima aquecer apenas em média três graus Celsius no mundo inteiro esse aquecimento não vai ser igual, a área mais próxima do Equador vai ser muito pequena, talvez um grau e na parte de climas temperados o aquecimento será de seis graus, cinco graus, a média que dá três graus. A vegetação que está no Rio de Janeiro, São Paulo teria que se deslocar para a região de Buenos Aires, que está a cerca de uns dois mil quilômetros, não sei o número exato, mas... E tá a grande distância ao sul. Então isso em termos geológicos já aconteceu várias vezes na história da Terra, teve período glaciais, interglaciais há dez mil anos atrás, por exemplo, o gelo permanente ocupava Nova Iorque no inverno e verão, a Escandinávia inteira estava sob gelo permanente inverno e verão, há dez mil anos atrás, que é muito pouco tempo, havia um período glacial, nós estamos num período interglacial. Mas então, o clima depende muito de fatores que estão ligados ao aquecimento climático, ao excesso de carbono na atmosfera e não há tempo físico suficiente em quarenta, cinquenta anos que se prevê pra essas mudanças para as plantas, florestas, naturalmente migrarem. As florestas que estão na base das montanhas estão numa situação privilegiada porque eles, quando muda o clima, tem a possibilidade de... Quando aquece o clima subir a montanha pra manter o mesmo clima. Mas na maior parte das superfícies terrestres essa possibilidade não existe, então... Nós controlamos o clima ou então vai ter uma perda da biodiversidade terrível, tremenda. E eu também estudei a questão climática ligada aos ecossistemas no curso que eu dava lá na USP e verifiquei o seguinte, estudando principalmente os climas da África, porque nós temos muito poucos dados sobre o passado, as floras do passado aqui no Brasil, porque isso requer perfurar poços, principalmente em lugares mais úmidos e retirar amostras dos pólens das plantas que viveram há cinco mil anos, dez mil anos, vinte mil anos pra saber qual era o clima do passado, e através do tipo de planta que tava ali, mas havia tempo pra fazer essas migrações pra baixo e pra cima, agora, porque levavam milhares de anos, agora é cinquenta anos, cem anos, estão previstas, isso é uma catástrofe pra biodiversidade que não tem tamanho muito maior do que a destruição feita pelo homem.
P/1- E o senhor acha que o Protocolo de Cartagena...
R- Feito pelo homem diretamente.
P/1- Sim, sim.
R- Porque essa também é feita pelo homem indiretamente.
P/1- E nesse caso o Protocolo de Cartagena é suficiente pra regulamentar um mínimo de possibilidades de controle, enfim, de se evitar que determinadas espécies desaparecem?
R- Olha, eu não conheço a fundo o Protocolo de Cartagena, mas uma das preocupações de Cartagena foi em relação a questão genética, os organismos geneticamente modificados, inclusive é uma das discussões que vai surgir agora na COP-VIII, a soja transgênica como é que deve ser rotulada? Então Cartagena estabeleceu os princípios, mas tem uma coisa que entre as grandes potências ambientais do planeta só o Brasil que assinou, os outros grandes não assinaram. Então nós estamos numa posição bastante complicada, mas na minha opinião essa discussão se... A discussão basicamente é a seguinte: a exportação da soja transgênica, em toda soja que exportar, o Brasil deve dizer que pode conter transgênicos – como manda a Convenção de Cartagena – ou dizer: "contém transgênicos" ou "não contém transgênicos", sim ou não. Agora, pra mim esse problema é um problema que deve ser resolvido de uma maneira bastante simples: é o país que vai importar, um país importador é que deve dizer se ele não... País importador não quer transgênico ou tem restrições sobre transgênicos, então deve dizer: "não, o Brasil tem...", o Brasil ou qualquer outro país terá que dizer se tem ou não tem transgênico. Agora, se o país não liga pro transgênico, como é uma tendência, mais ou menos generalizada ou pelo menos em vias de encaminhar pra esse lado de aceitação do transgênico em larga escala, aí se o país aceita pra que o Brasil vai gastar um dinheirão pra dizer se tem ou não tem transgênicos se o país aceita qualquer tipo de soja, não é? A China, por exemplo, pelo que eu sei, aceita transgênicos e não-transgênicos. Enfim, é uma discussão que, às vezes, se perde um pouco pelo formalismo e o que interessa mesmo é saber quais os transgênicos que não devem ser aceitos, quais os transgênicos que são realmente perigosos, esse que é fundo da questão. Agora, no caso da soja, eu acho que é um exemplo que não é muito feliz pra resolver o caso, porque a soja transgênica ela é plantada em larga escala. A Argentina planta soja transgênica em larga escala, se ela fosse um perigo para o país, para a população, alguém já teria descoberto lá na Argentina, já teria gritado, já teria feito alguma coisa, no Uruguai também. Então eu acho que esse caso da soja não é um caso muito bom pra gente definir as questões em referência ao transgênico. Mas é absolutamente necessário, na minha opinião, que a questão do transgênico seja rigorosamente estudada e os transgênicos que forem perigosos não devem ser aceitos.
Eu, por exemplo, um dos meus instrumentos de trabalho na ciência é o estudo das abelhas indígenas sem ferrão e tem até livros publicados sobre isso e tal, e vou publicar um novo livro daqui a alguns meses. Essas abelhas visitam as flores de algodão, agora se põe um transgênico no algodão que mate os insetos que visitam o algodão (risos) vão matar abelhas, se matar as abelhas vai atrapalhar a polinização das plantas silvestres, das plantas comerciais também que em grande parte precisam das abelhas. Então a questão dos transgênicos é uma questão muito séria, precisa ser estudada com muito cuidado, com muito rigor, como um remédio, eu sempre digo isso, ninguém toma um remédio que não seja aprovado pelas autoridades sanitárias, porque exige uma série de coisas, leva anos pra ver se o remédio faz mal ou não faz e às vezes eles até descobrem um remédio que pensavam que não fazia mal, descobre que faz mal. Então essas coisas têm que tomar muito cuidado e o transgênico também deve ser a sua formação, o que vai fazer com o transgênico, deve ser muito rigoroso o exame de aprovação ou não de transgênicos. Há um transgênico, por exemplo, que poderia ser formidável para o Brasil e pro mundo numa maneira geral, inclusive no seu aspecto nutricional é que o feijão é um alimento muito rico em aminoácidos que são os que constituem as proteínas que são indispensáveis pra nossa vida, pro nosso corpo, mas é muito falho em metionina, então o pessoal da Embrapa junto com outras universidades de outros países resolveram tirar um gene da maior árvore da Amazônia, que é a castanheira que corresponde, aliás, é parente do nosso jequitibá também, que é uma árvore aqui do sul, e pegar um gene que é responsável pela metionina e transferiram pro feijoeiro, quer dizer, se a coisa desse certo seria fantástico porque tornaria o feijão um alimento praticamente completo, mas acontece que quando a Embrapa começou a dar esse feijão, chegaram a fazer esse feijão, quando começou a dar pra pessoas verificou-se que dava muita alergia. Então o que fez a Embrapa? Parou, disse: "não vou distribuir isso daí porque vai causar um problema muito sério de alergia nas pessoas". Agora estão descobrindo uma nova fonte de metionina que não cause alergia, mas na hora que descobrirem e transferirem pro feijão, eu acho que será uma coisa positiva, porque vai tornar o feijão um alimento muito melhor do que ele é atualmente.
P/1- E falando sobre os aspectos no sentido dos principais desafios, pro senhor, tanto pra diversidade biológica quanto pra questão das mudanças climáticas. Quais, no futuro, até num futuro muito próximo como o senhor vem colocando, quais são, na sua opinião, os principais desafios que a humanidade ainda tá pra enfrentar?
R- Olha, tem desafio de todo lado, viu? Eu pessoalmente estou muito empenhado num desafio, que aliás vai ser tratado agora em Curitiba também das abelhas e dos insetos, e dos animais, de um modo geral, mas principalmente das abelhas que polinizam as plantas. Porque as plantas, na evolução das plantas, num período chamado Cetáceo, surgiram as plantas que dão flor e frutos, que produziam sementes já havia outras como araucárias, pinheiros e tal, mas as plantas que chamamos de plantas superiores angiospermas são plantas que produzem flores e essas flores precisam das abelhas, porque as abelhas trazem o pólen de outras plantas da mesma espécie pra polinizar essas flores e produzir as sementes e os frutos, e às vezes, na própria árvore quando pode ser polinizada pelo próprio pólen, algumas árvores e arbustos podem ser polinizados em outras plantas, podem ser polinizados pelo próprio pólen, a abelha também ela libera o pólen das antenas que produzem pólen nas flores e leva para a parte feminina da flor pra fazer a fecundação. Entã é uma coisa essencial pra agricultura e pra manutenção dos ecossistemas naturais que a gente verifique quais os polinizadores naturais. Pra vocês terem uma ideia, existe, talvez, não sabemos o número exato, mas cerca de dez mil espécies diferentes de abelhas, abelhas solitárias, sociais, abelhas de todo tipo diferente, não é só abelha que dá o mel que a gente come, mas tem outras que não são usadas pelo mel mas são essenciais para produzir, por exemplo: maracujá, maracujá se não é uma abelha grandona chamada xylocopa, a abelha tem uns dois ou três centímetros, uma mangaba grande, tem um ferrão, aliás muito forte, se ela não poliniza a flor do maracujá ela não produz o maracujá e pra fazer isso a mão é muito caro, contratar uma pessoa pra distribuir o pólen. Mas então, nós temos que proteger as populações naturais das abelhas e saber como criar essas populações pra aumentar o número delas pra aumentar a produção agrícola, e aumentar também a produção na natureza, pra que as árvores se mantenham, que as espécies de árvores e arbustos possam se manter as mesmas, porque se desaparece a abelha que é a principal polinizadora de uma dessas espécies, essa espécie de planta vai desaparecendo também e pode ser extinta. Então proteger a biodiversidade… Nós temos que proteger todo um todo de plantas e animais ligados a essas plantas e eu acho isso uma coisa belíssima, realmente. A gente tá descobrindo tanta coisa nova, eu digo sempre para os meus alunos de pós-graduação: "vocês vão estudar com o que vocês vão fazer, vamos marcar um programa de estudos pra fazer a tese de mestrado ou doutoramento, mas vocês estejam certos de uma coisa: o que vocês vão descobrir quando fizerem esses estudos vai ser muito mais interessante do que aquilo que vocês inicialmente pensam que vão fazer", porque surgem coisas novas. A gente descobre novas espécies, novas coisas surgem, muita coisa nova. A ciência tem esse poder que geralmente nos entusiasma por saber que a gente tá mexendo com a natureza, estudando a natureza, a gente tá sempre descobrindo coisas novas, como a natureza realmente funciona, o que é muito importante pra proteger a natureza e evitar a extinção de animais que estão ameaçados, e plantas também.
P/1- E o senhor acha que os países estão conseguindo, enfim, estão aplicando, estão vivendo o conceito de desenvolvimento sustentável? É uma realidade hoje?
R- Hoje é uma realidade no mundo inteiro, inclusive se um aluno chega para o pai e mostra um boletim - não sei se hoje existe mais boletim, no meu tempo todo mês as escolas mandavam para os pais um boletim com as notas, né? Então o pai, vendo a nota baixa do filho diz: "mas essa nota não é sustentável!" Hoje fala-se assim: "essa nota não é sustentável, desse jeito você vai ser reprovado" e tal (risos). Então os países também… Hoje nenhum país se arrisca a correr a fama que ele tá alguma coisa que não seja sustentável, se fizer vai ser muito criticado por isso. Não quer dizer que todo país só faça tudo certo, não pode errar. Pode errar de várias maneiras, mas aí recebe críticas, né, e o mundo científico é muito independente e acho muito importante isso, independente e democrático, porque… E transparente, inclusive para o controle de transgênicos, tudo isso é muito importante pra saber o que pode fazer e o que não pode fazer.
P/1- E pro senhor, na sua experiência durante a sua trajetória profissional, como o senhor vê a relação entre política e meio ambiente?
R- Olha, eu acho que eu tomei uma atitude de não me filiar nunca a nenhum partido e ter bons amigos em todos os partidos e isso eu acho que a legislação ambiental deu certo e assim que deve ser. Porque a gente, o cidadão no país, o exercício de cidadania pressupõe que as pessoas estejam basicamente de acordo com as coisas principais, é claro que o que tá certo e o que tá errado muitas vezes exige muito estudo, muito cuidado, muita discussão, mas a gente tem que partir do princípio que todos devem participar, todos devem decidir, e que, portanto, o regime deve ser democrático. Agora, o apego aos partidos políticos deve ser assim uma questão: "vou estar de acordo com a sua orientação, o que achar que é melhor para o país". Mas não deve nunca ser motivo de briga, eu acho que todo mundo tem o direito de ser bem tratado, portanto acho que as discussões políticas, às vezes, fogem desse acordo, de modo geral, e isso é muito ruim. No meio ambiente, como eu estava dizendo a vocês, na lei, aprovação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente havia uma compreensão total entre pessoas que eram radicalmente contra o governo e pessoas que eram filiados ao partido do governo, que haviam dois partidos naquela época. Então eu acho que as coisas devem ser discutidas amplamente.
E falando num assunto político, assim, mais recente muita gente acha que o certo é a verticalização, o assunto da verticalização tá sendo muito discutido, ou seja, que a pessoa deve votar em todos os níveis, federal, estadual, municipal, no mesmo partido ou com alianças do mesmo grupo de partidos, eu acho que não, eu acho que quando não há verticalização nos Estados as composições são diferentes, os partidos que se compõe são diferentes. Isso significa o quê? Que todo mundo tem que tratar bem o pessoal do outro partido, porque o Estado vai depender desse entendimento, no outro Estado vai se entender com outros partidos, mas não vai haver, assim, um racha de alto a baixo. Então eu sou contra à verticalização por causa disso, eu acho que vai ser um motivo bom pra unir as pessoas, não deixar que elas se tornem políticas ao ponto de romperem amizades com pessoas de outros partidos e coisas desse tipo. Eu acho que deve haver um esforço grande, a democracia pressupõe uma educação para o exercício da democracia respeitando profundamente o pensamento dos outros.
P/1- E falando em democracia, o senhor sente que o Brasil tem avançado na luta de preservação do meio ambiente? E qual é o seu prognóstico, em médio e longo prazo, em relação a essa questão no país?
R- Olha, eu acho que o Brasil tem avançado fantasticamente, porque eu sou do tempo em que todos os ambientalistas de São Paulo, do Estado de São Paulo por exemplo ou da cidade de São Paulo, caberiam dentro de uma Kombi, né? (risos) Ou seja, falando em termos mais modernos dentro de uma van. Todos eram o quê? Uns vinte, quinze, no Rio de Janeiro tinha outra van, Porto Alegre tinha outra, Pernambuco tinha meia van, Minas Gerais tinha uma van. Então começamos a mexer nisso, era um grupo muito pequeno e a gente se dava bem uns com os outros e até hoje a gente se dá bem. Mas eram grupos pequeníssimos, hoje são milhões de pessoas que dão palpites, qualquer coisa que desande no meio ambiente, qualquer desastre ambiental, um incêndio num parque nacional é motivo de notícia no Brasil todo, né? Os jornais dão páginas, o Estadão, por exemplo, dá uma página por dia, a Folha também tem uma página ou algo assim. Então isso mostra que a população está muito interessada e que a população percebeu uma coisa: que para ter um bom nível de vida precisa ter um meio ambiente de boa qualidade, isso é absolutamente fundamental. Porque São Paulo, quando não tinha leis ambientais ainda a gente tinha dias - isso nos anos quarenta, cinquenta - tinha dias que a gente ficava com os olhos lacrimejando sem estar triste, ou rouco sem ter feito discurso em comício (risos). Por quê? Porque havia muito enxofre na atmosfera, dióxido de enxofre que com a umidade dá origem ao ácido sulfúrico, naturalmente muito diluído, extremamente diluído, mas suficiente pra causar irritação nos olhos, na garganta e coisas desse tipo. Hoje isso não acontece mais, a Petrobrás agora não importa óleo de má qualidade (risos). Põe óleo aqui que queima, óleo de boa qualidade e também é possível retirar enxofre do óleo que vai ser usado. Enfim, mudou radicalmente, mas é incrível, hoje, como as pessoas se interessam pelo meio ambiente. Eu acho que houve um progresso fantástico. Às vezes as pessoas ficam desanimadas: "não, mas essa lei que vai sair agora, por exemplo, das áreas de proteção permanente, o que vai sair disso? O que vai acontecer? Vão permitir que continue favela?" Favela, sob o aspecto ambiental, é um desastre, mas ninguém vai pra uma favela por gosto, vai por necessidade econômica, então tem que mudar as causas, as raízes, tem que ter desenvolvimento econômico. Então umas das grandes dificuldades aparentes é o desenvolvimento sustentável, a aplicação dos princípios do desenvolvimento sustentável. Ter um desenvolvimento econômico é importante, o aspecto ambiental é muito importante, vou dar um exemplo dessa importância prática: eu tenho uma pequena fazenda lá perto de Ribeirão Preto, em São Simão, e tem duas serras da região que eu acompanho, serras de morro, não é montanha, serras de morro, a Serra de São Simão e a serra chamada de Serra do Céu Azul. Bom, hoje as florestas estão aumentando nessas serras e aumentando por quê? Porque não é mais econômico fazer agricultura em lugares muito inclinados onde não entra o trator, não é mais econômico, antigamente o pessoal plantava café de enxada, morro acima, morro abaixo. No Espírito Santo ainda fazem um pouco isso, mas basicamente não se faz mais. Então a economia... É um dos casos em que a economia tá favorecendo a ecologia. Inclusive, o governo do Estado de São Paulo deu um comunicado dizendo que nos últimos dois, três anos, uma coisa assim, aumentou o número de florestas de São Paulo, a área ocupada por florestas. No Rio Grande do Sul, a Universidade de Santa Maria fez um estudo desse tipo e verificou que nos últimos doze anos dobrou o número de florestas nativas e dobrou o número de florestas plantadas, por quê? Porque onde não entra o trator o pessoal deixa crescer a floresta. Então a econômica também pode trazer benefícios para a ecologia, agora, é claro que um produto químico que cause problema não deve ser usado.
P/1- Doutor Paulo, pra gente encerrar, eu queria que o senhor dissesse quais foram as principais lições que o senhor tirou da sua carreira dentro dessa área ambiental que o senhor vem atuando.
R- Olha, várias lições, uma delas é que é extremamente agradável lidar com o meio ambiente (risos). Quem lida com o meio ambiente pode se queixar de muita coisa, mas de uma coisa não pode se queixar: de monotonia (risos). Por que a medida que a ciência avança, a sociedade avança, as coisas vão se modificando, vão surgindo produtos novos, alguns deles não devem ser aceitos outros podem ser aceitos. Então a nossa luta pelo meio ambiente é uma luta permanente, mas é uma luta gostava, agradável, a gente tá trabalhando para ter uma sociedade melhor, um mundo melhor, não é? E isso eu acho extremamente útil, interessante, a natureza é linda, fantástica, e tem tanta coisa ainda que a gente precisa estudar e precisa descobrir na natureza, eu acho que é uma coisa que apaixona a gente defender o meio ambiente.
P/1- E o que o senhor acha de ter participado desse projeto de Memória da Convenção da Biodiversidade e da Mudança Climática?
R- Olha, eu fico muito contente pelo seguinte, quando nós tínhamos na SEMA três salas e cinco pessoas (risos) eu ficava pensando como fazer pra isso crescer. E verifiquei uma coisa que tinha que ir e pôr em contato com o público, com a mídia, então eu recebia jornalistas a qualquer hora do dia, da noite, qualquer hora, e fiz amigos com eles, até hoje tenho esses amigos. Porque nós precisamos transmitir esse prazer que a gente tem de defender a ecologia, por exemplo, os cuidados que a gente deve ter, enfim, toda essa luta, nós temos que transferir para as novas gerações e isso só pode ser feito em grande escala, através da mídia, através da divulgação. Eu acho que antigamente a ciência, inclusive a ciência biológica era muito assim enquistada no sentido de ter um castelo, digamos assim, e o pessoal reunido era o que tratava do ramo sem grandes manifestações pra fora, hoje é ao contrário, a gente tem que ser transparente, todo mundo tem que saber o que nós estamos pesquisando e saber o que deve ser feito, o que não deve ser feito, saber que nós estamos determinando se o mundo vai ter ou não boa qualidade de vida. Então são coisas que realmente eu dou os parabéns à vocês por divulgar isso, porque é através dessa divulgação que a gente realmente vai avançar em termos práticos.
P/1- Tá bom. Muito obrigada pelo seu depoimento.
R- De nada.
P1- E a gente termina aqui. Tá bom?
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