R1 – Bom dia! Eu que agradeço. É uma honra participar com vocês. Meu nome é Rafael José Rovielo Camarinho, nasci em 3 de fevereiro de 1984, na cidade de Limeira, São Paulo.
P1 – Rafael, seus pais são de Limeira?
R1 – Minha mãe é de Limeira, a família da minha mãe toda é de lá e ...Continuar leitura
R1 – Bom dia! Eu que agradeço. É uma honra participar com vocês. Meu nome é Rafael José Rovielo Camarinho, nasci em 3 de fevereiro de 1984, na cidade de Limeira, São Paulo.
P1 – Rafael, seus pais são de Limeira?
R1 – Minha mãe é de Limeira, a família da minha mãe toda é de lá e a família do meu pai é de São Carlos.
P1 – Como que é o nome dos seus pais?
R1 – Meu pai é José Aparecido Camarinho e minha mãe Suzete Coimbra Camarinho.
P1 – Vamos falar um pouco da família de cada um. Seu pai, a família dele toda é daquela região?
R1 – Isso. Meus avós paternos são imigrantes portugueses, meu pai tem onze irmãos, todos de São Carlos, criados lá e estão todos lá até hoje. Então, é uma cidade que eu visito bastante.
P1 – Os onze vivos?
R1 – Sim.
P1 – E seus avós vieram de Portugal, você sabe quando e por quê?
R1 – Não sei. Eu estou pesquisando agora. Até um primo meu está querendo receber cidadania e então eu estou começando a pesquisar com ele, mas eu não tenho essas informações.
P1 – Mas quando você soube, você sabe que eles eram de Portugal e foram pra São Carlos?
R1 – Isso.
P1 – E você sabe por que chegaram em São Carlos, por que escolheram São Carlos?
R1 – Meu avô era ligado a ferrovia, manutenção e construção, então acredito que ele tenha pegado o boom do crescimento ferroviário no Brasil, a antiga Fepasa, a Companhia Paulista de Trens, então eu acho que acabou, como no interior de São Paulo tinha grandes oficinas, Rio Claro também tem, então acredito que foi mais nesse sentido, mesmo.
P1 – E você sabe, seu pai conta como que foi a criação dele, com onze irmãos?
R1 – Sim. Meu pai teve uma vida muito dura, chegaram a morar quase todos numa casa de um cômodo, meu pai tem a típica história do trabalhador cedo, tem acho que a carteira registrada com sete anos, numa fábrica de vassoura. Então, teve que começar muito cedo, tinha que se esforçar muito pra conseguir estudar à noite. Então, ele teve uma história não vou dizer sofrida, mas de muita luta e batalha.
P1 – Ele conta como era a vivência? Como era na casa? Eles moravam num cômodo só?
R1 - Moravam num cômodo só, todos os irmãos, era muito difícil. A casa dos meus avós foram os filhos que compraram. Então, era bem complexo e muita dificuldade. Então, era tudo com muito esforço, assim. Então, ele conseguiu estudar andando de bicicleta, quilômetros, à noite, pra conseguir fazer ensino médio, depois superior. Foi tudo muito...
P1 – Ele se formou?
R1 – Se formou, começou a trabalhar no Banco Real como office boy, depois foi subindo lá dentro, caixa e no final se aposentou como gerente, 2010, 2011.
P1 – E ele se formou em quê?
R1 – Administração.
P1 – E você chegou a conhecer seus avós?
R1 – Conheci, tive a sorte, meus avós paternos morreram quando eu era muito cedo... muito jovem, desculpa, não consegui usufruir tanto quanto gostaria, mas tive oportunidade de passar bons momentos com eles.
P1 – Seu pai conta como eram as características do seu avô e da sua avó?
R1 – Eu não cheguei a conviver bastante com eles, mas eles eram muito duros de criação, de educação, de rigidez disciplinar mesmo e meu pai trouxe muito isso pra mim também. Até por conta de ter uma situação difícil em casa, então todos eram, de certa forma, compelidos a trabalhar e ajudar nas contas, então eles eram bem rígidos, mas por outro lado, viveram juntos os dois, faleceram muito próximos. Meu vô faleceu e minha vó, dois, três meses depois faleceu dormindo, assim. Então, viveram quase 80 anos juntos, então, meus avós paternos tiveram uma história bonita juntos, assim. Uma recordação, pra mim, é sempre a cozinha. Tanto meu vô, quanto minha vó adoravam cozinhar, acordavam cinco da manhã, pra fazer pão, comida e eu acordava e ficava lá olhando, adorava vê-los cozinharem. E um arrependimento meu até hoje é não ter roubado o livro de receitas do meu vô, porque (risos) eu queria muito aprender a fazer os pães, principalmente, que ele fazia.
P1 – E a família da sua mãe, de Rio Claro?
R1 – Família da minha mãe é de Limeira.
P1 – Limeira, desculpa.
R1 – Isso. Meu avô materno faleceu quatro anos antes de eu nascer, eu não tive oportunidade de conhecê-lo, mas a minha vó esteve com a gente até 2016, dezembro e meu avô de aluguel, que era o Álvaro, que passou a conviver com ela a partir dos anos 90, que também se tornou meu avô, muito querido, também faleceu pouquíssimo tempo depois que ela. Tive oportunidade de conviver bastante com os dois.
P1 – O que sua avó fazia?
R1 – A minha vó sempre foi educadora, dava aula desde catecismo na igreja, então sempre foi uma professorona pra mim, assim. Foi a primeira pessoa que me deu um livro, um gibi, uma revista, que me incentivava a escrever, desenhar e era uma delícia ficar lá na casa dela.
P1 – E você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R1 – Se conheceram no Banco Real, em Limeira. Minha mãe começou a trabalhar no Banco Real, meu pai foi transferido de São Carlos pra lá, ele já era... estava começando a trabalhar na gerência e, naquela época, de quatro em quatro anos, mudava-se as gerências regionais e foi lá em Limeira que ele se conheceram e se casaram, ficaram juntos e, no final, minha mãe acabou saindo do Banco, porque na época tinha muito esse lance, de duas pessoas na mesma instituição, não poderiam se relacionar, então minha mãe acabou saindo e foi lá que eles se conheceram.
P1 – E aí você acabou nascendo lá? Vocês são em quantos irmãos?
R1 – Eu e um irmão mais novo, que nasceu em Limeira também, em 1986.
P1 – Você ficou em Limeira até quanto tempo?
R1 – Fiquei até 1990, mais ou menos.
P1 – E você lembra onde era sua casa de infância?
R1 – Lembro da casa. Era perto da casa da minha avó. Lembro muita coisa até a década de 90, assim, tem algumas coisas marcantes, tinha um cachorro lindo, era uma delícia. Foi uma das últimas casas que nós moramos. Depois dali, em Piracicaba, a gente ainda morou um pouco numa casa, mas depois foram só prédios. Praticamente a minha adolescência inteira.
P1 – Como era sua casa de infância?
R1 – Era uma casa grande, típica do interior, interior é uma delícia, com sala grande pra todo mundo, nunca vou esquecer que eram aqueles sofás de concreto, sabe, que são embutidos na parede, com almofadas em cima. Tinha um quintal gigante, que tinha piscina, tinha um cachorro, tinha um jardim na frente da casa. Típica casa do interior, bem arejada, com quintal, cômodos grandes.
P1 – E a cidade, como era naquele momento?
R1 – Eu tinha pouca relação, assim. Eu lembro muito de brincar na rua. Como a família toda da minha mãe era de lá, então eu convivia muito com os meus primos. Então, eu tenho essas lembranças de infância, de Natais juntos, de brincar, mas a cidade, em si, mesmo, a dinâmica, eu só fui conhecer mais pra frente, em 2002, que eu fui estudar na Unicamp, lá em Limeira e passei a conhecer um pouco mais essa dinâmica social da cidade.
P1 – Como era a convivência na sua casa? Quem exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?
R1 – Os dois, assim. Na nossa educação era mais minha mãe, que passava mais tempo com a gente e meu pai era aquela vida de trabalhar o dia todo e chegar à noite cansado, né? Mas, normalmente, em viagens, essas coisas, era sempre minha mãe que organizava e às vezes, algumas decisões de dinheiro, ele tomava, mas pra nossa infância era minha mãe que era a chefe da família.
P1 – E como é que ele era? Ele era mais reservado, carinhoso...
R1 – Meu pai era sempre mais reservado. Acho que pela própria criação dele, então ele foi mais reservado, que é bem o oposto da minha mãe, que era totalmente carinhosa.
P1 – E comemorava-se aniversário, Natal? Que festas que vocês tinham em casa?
R1 – Muito. Todo aniversário, Natal. Como tinha muito primo, quase todo mês tinha uma festinha. Tem meus tios, Paulo e minha tia Bete, que tinham uma casa grande e quintal, todo aniversário de primo era lá. Minha tia Vera e meu tio Pedro também com casa, que eram meus primos, Marcelo, passei a infância toda com ele. Então, sempre tinha festa, encontro de família.
P1 – Tem alguma festa que tenha te marcado?
R1 – Tem várias. Mas tem um Natal que meu tio Sidnei, que é irmão da minha mãe, ajudou a organizar e ajudou minha mãe a escolher vários brinquedos do Comandos em Ação, que na época eu adorava. Eu nunca vou esquecer a árvore de Natal montada, com um monte de caixa gigante, pra mim e pros meus primos. E foi na casa da minha avó esse Natal. Então, tem várias, mas essa é uma das que eu mais me recordo, assim. Meu tio trabalhava no Correio, então os embrulhos ele usava uma fita que era típica do Correio na época, que ele pegava de sobra, que eu nunca vou esquecer de mim soltando essas fitas.
P1 – E a sua irmã é mais nova, né?
R1 – Irmão. É mais novo.
P1 – Quanto tempo?
R1 – Dois anos mais novo.
P1 – E vocês brincavam juntos?
R1 – Muito. Passamos a infância toda juntos, brincamos, dois anos de diferença só, então a gente, praticamente, cresceu junto, né?
P1 – Quais eram as suas brincadeiras de infância?
R1 – A gente gostava de tudo: futebol principalmente, basquete, a gente lutava judô, então tinha várias lutinhas. E sempre gostei de desmontar as coisas, então a gente quebrava bastante coisa junto. Típico de criança no interior, né? Brincava na rua, mãe da rua, todas essas brincadeiras que hoje tem pouco, na verdade, aqui na capital, mas no interior acho que ainda está viva essa cultura.
P1 – Mas você brincava com outras crianças, da vizinhança?
R1 – Brincava. Tinha a vizinhança em todos os lugares que a gente morou, principalmente em Limeira e em São Carlos, que eram as nossas bases de viagem da família, então chegava na cidade, já tinha a turminha lá na rua, todo mundo se via.
P1 – Porque daí você ia viajar também pra ver os outros avós, é isso?
R1 – Isso. A gente sempre, meu pai sempre viajou bastante. Depois que eu morei... que eu nasci em Limeira, eu fui pra Piracicaba, depois fui pra Botucatu, depois pra Rio Claro e, no final, quando meu pai foi transferir de Rio Claro, a gente decidiu se estabelecer lá como família. Então, desde criança, é muita viagem, né? Então, vai pra Limeira um final de semana, pra São Carlos no outro final de semana, pra ver a família.
P1 – Ah, vocês mudavam de casa? Seu pai ia a trabalho e vocês encontravam com ele de fim de semana?
R1 – Não. Nós íamos com ele sempre. Eu mudei de escola várias vezes.
P1 – Ah, vocês iam mudando?
R1 – Ia mudando, é. Então, eu nasci em Limeira, estudei em Piracicaba acho que de 1988 a 1992; aí, 1992, de Piracicaba a gente foi pra Botucatu, que eu fiquei até 1996; aí, 1996, fui pra Rio Claro e aí, em Rio Claro, a gente acabou ficando como família; depois meu pai foi transferido ainda pra Piracicaba, mas a gente acabou se estabelecendo em Rio Claro, porque Piracicaba era muito perto, ele ia e voltava todo dia.
P1 – E como era pra você se acostumar com a escola e trocar?
R1 – No começo era duro, né? Piracicaba nem tanto, porque eu era muito criança. 1990 eu tinha seis anos. Mas eu lembro até hoje das pessoas, tem grupo no Facebook, do maternal, que fala. Botucatu foi mais duro, porque já tinha mais relacionamento com o pessoal que morava no prédio, tinha os amigos da escola. Eu senti mais a mudança de Botucatu pra Rio Claro, por conta até da idade, de já ir na casa dos outros brincar, as crianças irem em casa. Eu senti mais. Mas, em geral, a gente acostuma, né? Quando é criança, assim.
P1 – E quando você entrou no maternal e que lembranças você tem do primário?
R1 – Primário eu estudei até 1990 na Corujinha, em Piracicaba. Me lembro de muitas coisas: festa junina, tinha o dia de levar brinquedo. Então, eu lembro de bastante coisa, principalmente vendo algumas fotos, tenho muita recordação. Já do ensino fundamental, que fala, que é a próxima etapa, em Botucatu, eu tenho lembranças muito vivas, assim, porque eu estudei numa escola que chamava Salle, gigante, com igreja dentro, tudo. Tem pessoas que eu sou amigo até hoje, que eu fiz amizade nesse período. Tenho boas lembranças de lá.
P1 – Que lembranças, assim?
R1 – Era uma escola muito completa, então muita atividade de física, então as aulas de educação física de quinta-feira o dia todo era muito puxadas. Tinha uma rotina religiosa de igreja, que a gente via com sarcasmo, na época, a gente tirava muito sarro, mas são as lembranças que a gente tem, de todo um horário específico ir lá na igreja, fazer uma reza. Lembro dos intervalos, as brincadeiras. Lembro das histórias. Como era uma escola muito antiga, tinha dito os lugares mal assombrados, que a gente tentava entrar escondido. Já era um período que eu tinha coleções, seja de álbuns de figurinhas, bonecos, então tenho recordações de troca. Tinha videogame, eu sempre gostei muito de videogame, tenho até hoje, então tem essas recordações, de troca de jogos, né? Então, são lembranças bem vivas, assim.
P1 – E o que você mais gostava de estudar? Você era estudioso, mais bagunceiro?
R1 – Nunca fui estudioso. Sempre fui da turma da bagunça. Até o ensino médio eu nunca tive problema. No ensino médio eu comecei a ter problema, suspensão e tudo o mais. Sempre fui da turma da bagunça, sempre gostei de número, então nunca tive problema. Os professores ficavam putos, porque eu... palavreado chulo, desculpa... não ficavam contentes, porque eu era o bagunceiro, mas eu sempre gostei de número, então eu nunca reprovei e nunca fui de estudar, nunca fui de anotar nada. Era exatamente o oposto que eu sou hoje. (risos) Mas eu sempre fui da turma da bagunça, mas nunca fui bom aluno, óbvio, sempre fui o famoso medião, mas nunca estudei e sempre dei trabalho na escola.
P1 – Que tipo de trabalho? Que você aprontava?
R1 – Sempre fui da turma da bagunça. Se tinha alguma coisa nova pra causar problema na escola, sempre vinha de mim, seja um estilingue feito com caneta, seja uma zarabatana de papel molhado, seja aviãozinho de papel, tudo que era novidade eu, com meu grupinho, que levava e causava confusão na sala de aula. (risos) Desde as coisas mais simples, como avião de papel ou até jogos, revistas, álbuns, então era esse tipo de confusão.
P1 – E seus pais eram chamados na escola?
R1 – Sempre eram. Conheciam os diretores, conheciam todo mundo.
P1 – E o que acontecia com você?
R1 – Eu sempre fui muito criticado, mas como eu tinha boas notas, sempre conseguia bolsa, essas coisas... não boas notas, mas sempre... então, meus pais eram meio lights comigo, assim, sabe? Mas sempre tinha castigo. Botucatu é a época que eu mais fiquei de castigo na vida, assim. E a gente morava em prédio, eu ficava olhando da janela o pessoal brincando lá embaixo e eu de castigo. Mas era sempre instrutivo, assim.
P1 – Você teve formação religiosa?
R1 – Eu fiz batizado, crisma. Sim, tive. Casei na igreja, né?
P1 – E política, você discutia na sua casa?
R1 – Muito pouco, assim. Meus pais sempre usaram disso num tom de crítica, mesmo. Eles nunca apoiaram e nunca não apoiaram nenhum partido. Lembro da década de 90, acho que as primeiras eleições do Lula, meus pais discutindo. O meu pai trabalhava em Banco, então pra ele, ele via como uma solução o Partido dos Trabalhadores. Na época ele falava bem, assim. Mas nunca foram de participar de nenhum partido ou movimento organizado político, assim.
P1 – E o que mudou na sua vida, da passagem da infância, pra adolescência?
R1 – Quando eu mudei pra Botucatu, que eu comecei a estar um pouco mais velho, assim, eu já comecei a ser um pouco mais independente, ir pra escola sozinho, voltar, fazer minhas coisas, então foi nesse período que eu comecei a pensar mais o que era autonomia, então ter que sair de casa e lembrar o lugar de voltar, como volta, o caminho. Então, quando eu comecei a estudar em Botucatu, pra mim foi uma mudança muito grande, até porque, quando eu entrei no ensino fundamental lá, era quase que o fundamental inteiro, nos meus intervalos, eu comecei a conviver com os alunos mais velhos também, que eram diferentes do fundamental, então teve uma mudança muito grande, assim, de Piracicaba pra Botucatu. De Botucatu pra Rio Claro, que já era praticamente mais que adolescente, ali eu também senti algumas mudanças, mas a maioria já estava bem desenvolvida, essa parte de ter autonomia, ir pra escola sozinho, cuidar um pouco das minhas coisas, ter minha bicicleta. Acho que a maior mudança foi quando eu saí de Piracicaba, pra Botucatu, mesmo.
P1 – E você ia pra cinema, outros lugares da cidade? O que você fazia?
R1 – Sim. Botucatu tinha um cinema em frente de casa. Lembro, tenho recordações de infância, dos meus pais me levarem no cinema, pra ver um filme dos Trapalhões. Nunca vou esquecer. Talvez tenha sido a primeira vez que eu fui no cinema, na vida, mas eu ia bastante. Botucatu e Rio Claro também. Rio Claro ia bastante no cinema, como programa de adolescente, mesmo. Era muito comum.
P1 – E você tinha alguma intenção: “Quando eu crescer, quero ser tal coisa”? Você tinha desejos?
R1 – Tinha. Eu sempre quis trabalhar com... vou dizer assim, não vou dizer meio ambiente, mas com ciências naturais. Minha mãe sempre foi muito ligada ao meio ambiente. Então, desde muito pequeno a gente ia, duas, três vezes por ano acampar em Ubatuba e era um programa de família que praticamente esperava o mês inteiro, o semestre inteiro, às vezes o ano inteiro, pra fazer. Minha mãe e meu pai sempre gostaram desse tipo de programa: acampar, praia, de estar junto, de curtir um pouco a natureza, de não ficar em hotel. De levar a barraca e ficar em camping. Então, desde criança eu fui condicionado a isso. Aprendi a andar de bicicleta no Horto de Botucatu, tenho lembranças muito vivas. E um dos momentos mais chocantes, pra mim, foi numa dessas viagens programadas, que iam outros casais de amigos e que, na época, tinha havido um derramamento de petróleo em São Sebastião e a maioria das praias que a gente gostava de ir, praia da Cigarra, estavam todas impróprias e eu não entendia, pra mim foi um choque muito grande não poder entrar na praia. E, na época, eu fiquei muito triste e uns dois anos depois teve um desabamento na serra, que também impediu a gente de ir pra praia. Então, eu comecei a entender algumas coisas que estavam erradas. Que não era possível, primeiro olhando aquele mar lindo e não podia entrar, né? Porque não era uma questão que o petróleo estava na superfície, era questão que tinha uma substância que era nociva à pele, diluída na água, né? E eu era muito criança pra entender isso. Então, ficava olhando e não acreditava que não podia entrar, por que quem mandou não entrar, né? Eu não entendia que não é possível que existe uma lei que não permite entrar, por quê? Eu não conseguia entender que era uma ação do Homem. Então, foi mais ou menos nesse começo de infância, adolescência, que eu comecei a me relacionar e ter essa vontade de trabalhar com ciências naturais, digamos assim, mas o primeiro curso que eu queria fazer era Agronomia, Ciências Florestais. Nunca pensei que eu fosse chegar hoje num nível de trabalho dentro das ciências do Meio Ambiente, mas relacionado a um aspecto tão técnico e específico, que é a logística reversa de embalagens.
P1 – Quando chegou na hora de optar em fazer faculdade, você já tinha esse desejo e optou por fazer o quê?
R1 – Prestei todos os cursos relacionados a Meio Ambiente: Agronomia na Unesp; Engenharia Florestal, na Federal de Santa Catarina, não me lembro; prestei Saneamento Ambiental, na Unicamp; acho que Engenharia Ambiental, na Federal de Ouro Preto. Prestei todos os cursos relacionados a Meio Ambiente. O único que foi fora era Ciências da Computação, que eu adorava, sempre gostei de computador, de videogame, a minha infância inteira, então eu prestei Ciências da Computação, na UFScar e agradeço até hoje não ter passado.
P1 – Por que você agradece?
R1 – Porque acho que eu ia ter feito o curso e talvez não estaria aqui. (risos)
P1 – E você passou pra qual curso?
R1 – Passei pra Engenharia Florestal; passei pra Engenharia Ambiental fora do estado de São Paulo, não lembro se era Ouro Preto ou Santa Catarina, Florianópolis; passei na Unicamp, pra Saneamento e passei pra Agronomia, na Unesp Botucatu. Acho que foi isso. Ou fiquei na lista, não lembro. Mas eu optei por Saneamento Ambiental, na Unicamp.
P1 – Aí você mudou pra Campinas?
R1 – É. Era em Limeira, o curso. Os laboratórios eram em Campinas. Aí eu voltei, fui morar em Limeira, em 2002 e dois, três dias por semana ia pra Campinas, tinha ônibus intercampus lá.
P1 – Mas em Limeira sua família estava lá?
R1 – Não, estava em Rio Claro.
P1 – E você foi morar com quem?
R1 – Eu fui morar em república, porque o curso era noturno, mas eu já estava me agilizando pra fazer algum estágio, alguma coisa e a maioria dos laboratórios era de dia, optativo. Então, eu fui ficar em Limeira, que...
P1 – Como foi essa mudança: sair da casa dos pais e ir morar sozinho? Como foi esse processo de você sair de morar com seus pais e morar numa república?
R1 – Foi um pouco... muito novo, né, porque a gente está acostumado a toda uma rotina que é pré feita, né, para o nosso bem estar e quando você vai morar sozinho, você não tem essa rotina. Então, no começo é muito desorganizado e a autonomia pode ser usada das duas formas: de maneira organizada e desorganizada e eu experimentei das duas maneiras, então tinha semana que gastava todo dinheiro da semana fazendo churrasco de segunda-feira; tinha semana que não bebia, não fazia nada e economizava dinheiro. Então, foi um aprendizado importante demais, eu acho que faz parte do desenvolvimento. Eu morei com pessoas muito boas lá e então tive sorte também, nesse aspecto, de pessoas com bons hábitos. Mas é sempre uma experiência interessante, né?
P1 – O que vocês faziam na república? Em quantos vocês moravam?
R1 – Eu morei em dois, três lugares diferentes lá. A que fiquei mais tempo era com dois amigos, duas pessoas que são amigos até hoje: uma pessoa que era ligada à área de Tecnologia, chama Davi e uma que chama Eduardo, ligado à área de Construção Civil. E era super legal, porque era muito variável o assunto, o papo era muito diferente, todo dia a gente conversava, fazia jantar junto, então era uma parceria, mesmo. Eu me lembro de algumas festas que a gente fez. O Davi sempre inventava moda, tinha carrinho de controle remoto, aviãozinho, ele era o cara da tecnologia, mesmo, assim, pra tudo. Então, sempre inventava uma moda com alguma coisa, algum dispositivo. Então, a gente sempre tinha assunto pra conversar, lá.
P1 – E na faculdade, como é que foi essa vivência? O que você aprendeu? O que te despertou?
R1 – Os quatro anos que eu estudei na Unicamp foram bem corridos, assim, porque tinha toda uma carga de estudo ligado a uma base de Engenharia, como cálculo, estatística e álgebra e tinha toda uma parte ligada à técnica, mesmo, né? O curso de Saneamento Ambiental tem dois módulos. Os dois primeiros anos são padrões e depois você vai pruma área de controle ambiental e saneamento básico. A área que eu escolhi, de controle ambiental, é uma área muito técnica, de tratamento de fluentes, envolve muitas especificidades. Ao longo do curso eu fui me desmotivando demais, principalmente conversando com as pessoas que já estavam formadas nos anos seguintes. Tanto que, em 2006, eu fui pra Unesp, pra fazer Engenharia Ambiental. Eu saí da Unicamp e fui pra Unesp, pra ampliar...
P1 – Não chegou a concluir?
R1 – Não cheguei. Eu fiz os módulos, apresentei trabalho final, mas eu usei da transferência, pra entrar na Unesp. Então, não cheguei a concluir. E aí eu fui pra Engenharia Ambiental em Rio Claro, dentro do Instituto Geociências e aí que eu me reencontrei realmente, quando eu comecei a olhar pra Geociências como um todo: ciências do solo, da água, do ar e foi aí que eu comecei a me enxergar mais profissionalmente atuando na área. A Unicamp foi super importante. Me deu uma base fenomenal, era um curso noturno e muitas coisas que eu sei hoje eu aprendi nas matérias que eu estudei na Unicamp. Mas foi na Unesp mesmo que eu comecei a ter uma visão mais holística do que se trata o Meio Ambiente e as Ciências Ambientais e principalmente das interdependências entre todos os seus fatores.
P1 – Você pode falar um pouco dessa visão que você descobriu e começou a elaborar lá?
R1 – Sim. O curso, hoje, de Engenharia Ambiental, superior, varia muito de campus pra campus. Então, ele nasce da junção de diversas disciplinas. Então, o curso de Engenharia Ambiental da Unesp de Rio Claro é diferente da USP de São Carlos, que é diferente da Federal do Tocantins, que é diferente da Federal de Santa Catarina. Quando eu olho pra Unesp de Rio Claro, o berço dela foi o curso de Ecologia, de Ciências Naturais. Então, ela tem, no Instituto de Geociências e no Instituto de Ciências Biológicas, grandes disciplinas que formam hoje cursos, desde Ecologia, Biologia, Geografia e Geologia pra Engenharia Ambiental e Estatística, Matemática, Física, Ciências da Computação. Então, é muito diverso quando a gente olha pra Geociências. E, pra mim, foi um privilégio ter estudado lá porque, quem se forma em Engenharia Ambiental, na Unesp de Rio Claro, tem uma visão muito complexa de todo esse movimento das Geociências. Então, você não está preso a uma técnica específica, a uma situação específica, a um projeto específico. Você aprende a olhar todos os compartimentos que formam essa ciência gigantesca, que é a Ciência Ambiental. Então, é muito diferente. Tem pessoas que falam: “Não aprendi nada”, tem pessoas que falam: “Aprendi tudo”. Eu sou uma das pessoas que falam: “Eu aprendi tudo. Com a base do curso de Engenharia Ambiental eu consigo olhar pro todo e você consegue trabalhar em qualquer área, praticamente. É muito mais fácil você se tornar um especialista dentro de um desses compartimentos, quando você conhece o todo”.
P1 – E você começou a fazer estágio em que momento?
R1 – Sim. Eu comecei a fazer estágio na Unicamp mesmo. O primeiro estágio remunerado que eu fiz foi numa ONG que chama Sociedade Humana Despertar, eu era monitor ambiental, de educação ambiental e era um projeto que atendia crianças em situação de vulnerabilidade. Então, a gente tinha um viveiro de mudas, que era patrocinado pela prefeitura e durante três horas, duas vezes por semana, a gente tinha atividades com essas crianças, lá. E as outras três horas dos outros dias da semana era administrativo. Então, foi o primeiro contato, o primeiro relacionamento profissional dentro da área de Meio Ambiente, né? Antes disso eu já tinha trabalhado com outras coisas, pra poder ter um recurso extra. Mas esse estágio foi o primeiro contato que eu tive, profissional, dentro da área de Meio Ambiente, com uma coordenadora, uma diretora e então eu fiquei acho que dois anos, fazendo estágio lá.
P1 – E você tinha uma coisa assim: quando você acabasse o curso, em que você ia trabalhar? Traçava algum plano na sua cabeça?
R1 – Traçava. Quando eu entrei, comecei a estudar na Unesp de Rio Claro, em 2006, eu já era apaixonado por um programa da Agência Nacional do Petróleo, que chamava PRH 05, pra formação de recursos humanos pro setor de petróleo, gás e biocombustíveis. Eu tinha conhecido esse programa através de um projeto de mapeamento de sensibilidade costeira e derramamento de petróleo. E era algo que me trazia muito a minha infância e eu dizia: “É isso que eu quero trabalhar, pra nunca mais deixar acontecer nenhum tipo de catástrofe desse tipo”. Então, quando eu entrei na Unesp, em Rio Claro, as primeiras pessoas que eu fui procurar eram desse grupo de estudo e em 2006 eu já comecei a fazer um estágio voluntário dentro de um desses programas, que era exatamente o mapeamento da costa sul do estado de São Paulo, pegando Santos e Bertioga, principalmente. Nesse processo, quando abriu a vaga pras inscrições, não tinha mais essa linha específica de sensibilidade costeira, então eu acabei migrando pra área de dutovias terrestres. Então, entre 2007 inteiro e 2008 inteiro, eu trabalhei dentro do grupo de pesquisa do PRH 05 lá, como bolsista, em avaliação de impacto ambiental de projetos de dutos terrestres. No meu caso específico, eram gasodutos. Projetos de implantação. Então, eu estava muito conectado nessa área e durante, praticamente, esses três anos, lá da Unesp Rio Claro, 2006, 2007 e 2008, eu estava muito focado e predestinado a trabalhar, seja na área de consultoria, seja em algum concurso público da própria Petrobras, que estava tendo muito concurso público, alguns amigos meus passaram e estão até hoje lá, mas eu estava muito ligado a essa temática. No final, quando eu terminei meu projeto de pesquisa, não consegui... eu tinha ainda compromisso em Rio Claro, eu não podia ir pra outras cidades, pra trabalhar em consultoria e eu acabei não desanimando, mas procurando outras atividades. E foi aí que eu passei no concurso, pra fazer um estágio no Instituto Florestal e acabaram me deslocando pro Horto Florestal de Rio Claro, que também foi uma fase maravilhosa da minha vida, fiz o estágio lá de quase dois anos, no Instituto Florestal, depois fui trabalhar como assessor dentro do Departamento de Manejo Florestal, fiquei até 2012 praticamente, trabalhando no Horto Florestal de Rio Claro.
P1 – Que compromisso que você tinha em Rio Claro, que você não podia sair?
R1 – Eu reprovei quatro vezes seguidas em Cálculo III. (risos) Até hoje eu sonho que eu não me formei. (risos) E como eu tinha meus compromissos ao longo do dia, eu não conseguia mais fazer com Engenharia Ambiental. Então, a primeira vez que eu reprovei, eu entrei num vórtice de ter que fazer com Ciência da Computação ou Física, que era dez vezes mais difícil. E eu fiquei três semestres só com essa matéria de pendência. Passei no mestrado no ITA, não pude ir, porque não me formei e então eu fiquei três semestres com Cálculo III, sem conseguir me formar. Ótimo!
P1 – E aí, quando você se formou?
R1 – Quando eu me formei, eu dei graças a Deus que eu não tinha ido pro mestrado no ITA, porque seria uma outra vida também. Era uma baita oportunidade, processo seletivo dificílimo, eu fico até hoje pensando se eu não entrei nessa só pra provar que eu consegui, mas eu fiquei muito chateado quando eu não pude ir, muito chateado mesmo, mas depois que eu me formei, eu continuei no Horto Florestal de Rio Claro e já olhando pra Manejo Florestal, dentro da Geociências, mas numa área totalmente diferente da que eu estava antes, que era petróleo, gás e biocombustível.
P1 – Aí você fez esse estágio?
R1 – Eu fiz o estágio pelo Instituto Florestal, conheci muita gente lá, conheci um pesquisador do Instituto Florestal, que é o José Luiz Timoni, meu amigo até hoje. E depois, quando ele teve oportunidade de ser um diretor de Manejo, ele me chamou pra ser o assessor dele e continuar o trabalho. Assim que terminou o contrato de estágio, imediatamente fui contratado pra trabalhar no Departamento de Manejo Florestal da prefeitura de Rio Claro e começar a tirar do papel vários projetos que a gente desenhou enquanto era estagiário ainda. Então, foi quase que uma continuidade do trabalho, mas ali, como assessor eu já tinha uma equipe, um plano de trabalho bem consolidado e então foram quase três anos ali, de muito desenvolvimento.
P1 – Que projeto você lembra?
R1 – O primeiro projeto acho que mais importante foi um contrato pra gestão conjunta da unidade de conservação. Então, o Horto Florestal de Rio Claro é uma unidade de conservação de uso sustentável, é hoje classificada como uma floresta estadual, o nome oficial dela é Feena, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade. É uma propriedade do estado, dentro do município de Rio Claro. Então, o primeiro projeto que a gente começou a desenhar enquanto eu era estagiário ainda era um convênio de gestão conjunta entre prefeitura e município. Que acabou dando certo, tanto que eu fui contratado depois pela prefeitura, pra trabalhar numa unidade de conservação estadual. Então, esse foi um projeto super legal, acabou servindo de modelo pra outros convênios, com outras unidades de conservação. Ali, dentro desse contexto, nós tínhamos como objetivo trazer a população de Rio Claro pra, de volta, visitar a floresta, é uma área de conservação com uma área de uso público enorme pra atividades recreativas. Então, a gente conseguiu trazer equipe de manutenção, de revitalização, eventos pra população em geral, Dia da Criança, até eventos técnicos, seminários específicos de melhoramento genético, até corridas de cross country. Então, foram três anos ali de muita movimentação, nessa parte de uso público. Quando eu olho pra Manejo Florestal, a gente desenhou vários planos de manejo, pra conseguir. A unidade de conservação de uso sustentável parte do pressuposto que ela vai se sustentar, gerando recursos próprios. Esse era um grande desafio da época, né? E da parte histórica, a gente conseguiu desenhar um projeto fantástico, pra transformar a unidade em um Jardim Botânico. Então, esse também foi um dos projetos mais legais. Eu tive a oportunidade de levar pra Associação Brasileira de Jardins Botânicos, aprovar o projeto e até hoje está em trâmite. Demora muito isso e a importância de se criar um Jardim Botânico dentro da unidade de conservação é você obter mais fontes de recursos, ter acesso a mais fontes de recursos, principalmente quando a gente olha pra patrimônio histórico, que é caríssimo fazer gestão de patrimônio histórico. Tem casarões centenários lá que precisa não só de manutenção constante, mas de investimento. Fora isso, inúmeras publicações, livros. Foram três anos muito produtivos, do ponto de vista de conteúdo. A gente produziu muito conteúdo lá.
P1 – E está em trâmite ainda, pra implementação?
R – Está em trâmite ainda.
P1 – Você acompanha?
R1 – Acompanho. Como tem nosso nome lá, sempre que tem movimentação, dá pra verificar. Mas está em trâmite ainda. Não sei se vai pra frente ou não, mas está lá, é um legado nosso, assim, como outros também, eu me sinto orgulhoso quando eu olho.
P1 – E depois, você ficou nesse trabalho quanto tempo?
R1 – Eu fiquei nesse trabalho até agosto de 2012. Nesse meio tempo, em 2007, eu comecei a namorar a Ana Luiza, que é a minha esposa hoje e a gente sempre conviveu juntos em Rio Claro, inclusive ela até fez estágio lá no Horto, na Floresta Estadual. E quando foi em 2011 ela entrou no programa de estágio do Itaú, aqui em São Paulo e veio sozinha pra cá. E começou a me pressionar, de certa forma, né? Então, ela veio pra cá, eu não lembro se foi na metade de 2011, começou a fazer estágio, se formou, aí ela estava na iminência de ser efetivada mesmo e aí eu comecei a me movimentar. Em maio de 2012 eu pedi demissão, falei: “Timoni, eu vou sair, vou pra São Paulo, procurar alguma coisa lá” e ele falou: “Não, calma, você já tem?” Eu falei: “Não, não tenho”. Ele falou: “Então tira suas férias, vai procurando, continua aqui, cumpre seu trabalho, quando você conseguir, eu te dispenso, claro” e comecei a fazer o processo e aí, em agosto de 2012 eu fui contratado pela Danone, pra ser engenheiro ambiental da Divisão de Águas, né? A Divisão de Águas no Brasil tinha o produto mais famoso, a Bonafont, a água. E aí foi que em 2012 eu saí do Horto, me desvinculei totalmente da área de florestas, digamos assim e vim pra São Paulo, pra assumir uma cadeira que, a princípio, seria engenheiro ambiental da fábrica de Jacutinga, de água mineral. Mas, entre agosto de 2012 e dezembro, eu já acabei assumindo as outras fábricas em nível nacional também. E aí mudei totalmente de vida, né? Imagina, trabalhava numa multinacional, nunca tinha trabalhado numa multinacional, com fábricas, com operação. Então, a minha atividade de engenheiro ambiental estava totalmente conectada à operação, eu tinha pisado poucas vezes numa fábrica. Então, pra mim, foi um grande salto de desenvolvimento, em 2012, quando eu comecei a trabalhar na Danone.
P1 – Qual foi esse salto? O que você desenvolveu lá?
R1 – Primeiro de vir pra cá, uma cidade grande. Eu já sabia como morar em república e tudo, mas vir pra cá sozinho, ter um escritório num ambiente corporativo, que é na Avenida Paulista, com quase 200 funcionários no mesmo ambiente, a parte de organização, de movimentação. Então, a minha responsabilidade era, inicialmente, com duas fábricas. Então, eu comecei a ter que ter uma rotina e ferramentas de trabalho diferentes das que eu usava. Eu comecei a ter uma rotina de muita viagem, pra estar nessas fábricas. Eu precisei entender que eu tinha que estar nas fábricas, não adianta eu tentar fazer a gestão à distância. Então, foi assim um momento de desenvolvimento pessoal e profissional muito grande, além de aprendizado técnico. Eu tive que aprender muita coisa técnica, como atuar no mercado de água mineral, como funciona a indústria, a extração, a produção, a embalagem, envasamento, a distribuição, os impactos ambientais. Então, foram meses de muito desenvolvimento.
P1 – Você participou de algum projeto específico?
R1 – Muitos. Eu fiquei quase oito anos na Danone.
P1 – Quais projetos você elencaria aqui?
R1 - Eu tive oportunidade de tirar duas fábricas do papel, praticamente. Quando eu entrei, estavam começando as obras na fábrica de Jundiaí. Então, essa é uma oportunidade muito rica. É muito difícil você chegar em um momento desse, em qualquer empresa. Então, em Jundiaí, em 2013, 2014, eu tive oportunidade de entrar no time de projeto, de participar, pedir todas as licenças ambientais iniciais, desde corte de árvores, terraplanagem, tratamento de água, esgoto, efluente, armazenamento de resíduos, produto químico. Um momento muito importante. São pouquíssimas pessoas que têm oportunidade de entrar num projeto de construção de uma fábrica enorme do zero, né? Então, eu tive essa oportunidade tanto em Jundiaí, que foi 2013 e 2014, quanto em Tinguá, no Rio de Janeiro, que seria comprado no ano seguinte, 2014. Então, esses foram dois grandes projetos que eu participei, de realmente desenhar a fábrica do zero, desenhar as estruturas, dimensionamento, montar equipe de gestão, montar processo. Esses são, assim, projetos que me marcam muito e me proporcionaram grandes momentos profissionais. Outros projetos acessórios são: Jacutinga é uma fazenda gigantesca. E em 2013 a gente montou um viveiro de mudas enorme pra reflorestar a fazenda. Então, o viveiro de mudas está lá até hoje e tem funcionário e esse é um legado que eu gosto de lembrar, sempre que eu converso com o pessoal de lá: “Como está o viveiro de mudas?” Então, esse tipo de projeto marca muito a gente, né?
P1 – E aí, quando você estava na Danone, você já estava com projetos interessantes, marcantes, você tinha alguma pretensão: “Quero mudar de cargo, quero seguir carreira”?
R1 – Sim.
P1 – O que você traçava pra você?
R1 – Eu vivi momentos muito diferentes na Danone. Quando eu entrei, em 2012, a empresa crescia quase 60% ao ano. Então, tinha uns cento e poucos funcionários, chegou a ter 700. Tinha um plano muito ousado de expansão. Tanto de aquisição de fábrica, quanto de (copeters? 45:06). E esse plano exigia a função de um gerente nacional de Meio Ambiente, que era o meu papel e essa função aumentaria de senioridade a partir do momento que você teria mais fábricas e equipes. Então, esse foi o plano até 2016. E foi seguido. Então, eu fui subindo de cargo. Comecei com Jacutinga, depois foi Itapecerica da Serra, Jundiaí e Tinguá. E esse plano estava sendo seguido e então, a minha pretensão profissional sempre foi ser um gerente nacional de Meio Ambiente que eu era e tendo, cada vez mais, times de gestão, né? Mantendo essa posição. Eu nunca me disponibilizei a mudar de cidade, nem de país. Em algum momento eu deixei isso em aberto dentro da empresa, até 2017, mas nunca foi meu forte, nunca fui atrás. Eu sou muito ligado à família, minha esposa também e minha esposa desenvolvendo uma carreira fantástica também no Itaú, nunca coloquei na mesa eu ter que pedir pra ela: “Larga teu emprego e vamos mudar de cidade ou país comigo”. Então, eu nunca fui atrás disso. Quando a gente veio pra São Paulo eu sempre achei que fosse aqui que a gente fosse ficar, mesmo, que era uma cidade com muita oportunidade. Em 2016, quando a gente começou a ter os primeiros sinais de crise, redução e a empresa, companhia, começou a mudar seu planejamento estratégico, foi quando eu comecei mudar um pouco a minha área lá dentro, fui pro time de projetos, comecei a treinar um coordenador meu de Meio Ambiente pra ser um gerente, em 2016 fui pra área de projetos, em 2017 eu comecei a tocar uma parte mais de sustentabilidade empresarial dentro da Danone Águas, fazendo um meio de campo entre a França e o Brasil. Então eu estava mais como responsável por garantir os padrões, standards de qualidade dos indicadores ambientais dentro do Brasil e garantir que o jeito Danone estava sendo feito da maneira correta. Eu fiquei nessa posição 2017 e 2018, mais na parte gerencial, daí, deixando, ainda viajando muito pras fábricas, mas mais organizando comitês de economia de água, energia, diminuição de desperdício e menos com a operação, em si, das áreas de meio ambiente. Em 2019 foi minha grande mudança dentro da Danone. No final de 2018 eu conversei muito com meu chefe na época e estava vindo um novo diretor de Pesquisa e Inovação e esse diretor queria alguém pra tocar, especificamente, temas de sustentabilidade ligados à economia circular. Então, planos de melhoria de produtos, plano de sustentabilidade, plano de logística reversa, acompanhamento de embalagens, quanto de embalagem que a gente coloca no mercado por dia, por semana, por mês. Estruturar todo esse departamento. E aí foi uma grande mudança pra mim dentro da Danone. Foi quando eu deixei de ser o corporativo de fábrica, pra vir pro escritório full time. Então, o ano passado que eu mudei mesmo de rotina dentro da Danone e praticamente fiquei 2019 inteiro trabalhando dentro do escritório na Paulista, pensando em estratégia. E foi aí que eu comecei a me aproximar mesmo do tema de circularidade, economia circular, dos preceitos que estão por trás disso, como as empresas estão se preparando ou deveriam se preparar prum momento de virada que a gente está presenciando agora e com certeza vai continuar, por uns bons anos ainda.
P1 – O que você começou a descobrir de estratégia e aprender dentro da economia...
EDIÇÃO
R1 – Eu saí em janeiro desse ano.
P1 – Mas você já tinha entrado aqui?
R1 - Não. Aí eu vim pra cá.
EDIÇÃO
P1 – Você entrou nesse universo da economia circular, dessas estratégias de logística reversa. Qual era a discussão que você estava entrando?
R1 – Primeiro a gente buscou entender o que a companhia, como um todo, tinha de expectativa, pras unidades de negócio. Então, meu primeiro trabalho foi de benchmarking, mesmo, de olhar as principais unidades de negócio de águas no mundo: a China, a Indonésia, México, o que eles estavam fazendo pra se movimentar, ao encontro de uma economia circular, né? Posto isso, a gente entendeu alguns pilares básicos, né? Seja na parte de melhoria de produtos, seja na parte de substituição de matérias-primas utilizadas no nosso processo e seja na parte, mesmo, até de modelo de negócios, né? Água mineral pode ser comercializada em pequenos volumes, que vão até quatro, cinco litros ou em grandes volumes, que são os galões de dez e vinte litros. E os galões, hoje, são os modelos mais sustentáveis de venda de água mineral, porque eles são retornáveis, podem rodar até 36 vezes o mesmo galão, em até três anos, né? Então, a gente começou a colocar tudo isso no papel, olhando sempre pra nossa estratégia de negócios. A Danone, além da água, tinha algumas bebidas, algumas delas em lata ou em tetrapak e foi aí que a gente começou a desenhar uma estratégia, pra ser 100% circular. E a estratégia envolvia desde a melhoria dos produtos, como inserção de matéria-prima de origem reciclada, eliminação de matéria-prima que não possui reciclabilidade no Brasil, elaboração de black lists, desde ingredientes, corantes, qualquer tipo de substância de tinta que possa ir no rótulo, que possa prejudicar uma logística reversa depois, desse material. Então, a gente fez essa base técnica de um lado, de um outro lado a gente começou a entender onde que estão nossas garrafas, de Bonafont, hoje. Então, a gente começou a mapear isso, com base num raio X de todas as embalagens que eram produzidas, cruzando com todos os canais de venda, pra entender onde estavam indo nossas embalagens e qual era o volume de embalagens que a gente estava colocando no mercado. É uma tonelada, é dez, mil? Do quê? De plástico pet, plástico hdpe, ldpe, bopp? Então, a gente traçou todo esse plano de logística reversa olhando pro produto, pra benchmarking e olhando pras nossas embalagens. E, num segundo passo, a gente começou a olhar pro mercado. Então, a gente fez um trabalho muito extenso de ver quais eram as soluções que tinha no Brasil, quais estavam funcionando, quais soluções poderiam dar certo e quais dariam errado. E, nesse mapeamento, a gente chegou em quase 15 empresas diferentes, que ofereciam soluções de logística reversa e que ajudaram a completar o nosso plano de logística reversa pra Danone. Foi aí que eu conhecei a Triciclo. O ano passado, nesse processo, eu e o Emiliano, que é meu diretor, conversou com o Felipe e a gente resolveu contratar uma máquina Retorna Machine, pra colocar no prédio da Danone e fazer um endomarketing. Então, a gente colocou o equipamento lá por quase um ano e o resultado foi fantástico, de engajamento, de uso das pessoas. No final, quando a gente olha pra esse plano hoje, ele é um plano que a maioria das empresas estão seguindo. Que é, basicamente, você ter a melhoria dos seus produtos com materiais de origem reciclada...
P1 – Quando você fala do produto, é da embalagem?
R1 – Da embalagem, exato. Você se desvincular ao máximo de matérias-primas que, comprovadamente, não têm reciclabilidade no Brasil e você olhar pra modelos de negócios que são, na sua essência, circulares como, por exemplo, sejam garrafas de refrigerante retornáveis, garrafas de bebida ou, pra água mineral, os galões de dez e vinte livros, que a gente vê bastante por aí.
P1 – Deixa eu fazer uma pergunta: a Danone, por exemplo, produz o produto, tem um produto e a embalagem é feita pela própria Danone ou é associada a alguma, pra poder fazer? Como é que essas coisas são casadas? A embalagem e o produto.
R1 – Não vou falar pela Danone, mas a maioria das empresas que trabalham com envase de bebidas compram a embalagem de uma indústria de resina.
P1 – Mas na Danone isso acontecia?
R1 – Acontecia. Então, você compra a embalagem pronta.
P1 – Você era responsável, na Danone, por essa embalagem do produto?
R1 – Eu olhava pra isso. Tinha um time específico de desenvolvimento de embalagem, mas eu olhava pra isso. Quando você compra, a garrafa não vem desse tamanho, ela vem numa pré-forma, que a gente fala, né? Isso pra qualquer bebida, não é só água mineral. E essa pré-forma é soprada dentro da fábrica de água mineral. O mesmo equipamento que sopra, limpa e envasa a bebida. Quase que 100% das operações de envase de bebida hoje são assim. Então, você compra a pré-forma, a tampa, o rótulo, a caixa de embarque, tudo de fornecedores diferentes, de materiais diferentes. E, dentro da sua fábrica, é onde você junta tudo isso: o equipamento que sopra a garrafa, limpa, coloca o líquido e já coloca a tampa. Próxima etapa: o rótulo. Próxima etapa: a caixa de embarque, que pode ser seis, doze ou dezoito garrafas e depois vira um pallet, que é enviado ao mercado. Muito dificilmente a gente vai ter uma indústria de bebida de pet diferente desse processo. A maioria é assim que funciona. Lata é um pouco diferente, que ela vem em chapa, né, mas normalmente é assim: indústria de bebida, tirando vidro, que é um pouquinho diferente, você precisa de uma etapa de limpeza, mas a maioria das bebidas são dessa maneira que é feita.
P1 – E aí, como é que foi essa iniciativa de se aproximar da Triciclo? Como vocês se conheceram?
R1 – Eu e o Emiliano, que era meu diretor na época, a gente tinha uma visão muito clara de que uma solução de logística reversa nunca poderia ser 100% pautada em um único modelo. A gente sempre pautou o nosso estudo em descentralização dos modelos, porque a gente sempre acreditou que a gente não ia conseguir resolver o problema só com cooperativa. A gente sempre acreditou que o problema nunca seria resolvido só com compra de certificado ambiental. A gente sempre teve certeza que a gente nunca conseguiria resolver todo o problema da Bonafont só com máquinas de venda reversa ou só com compra de materiais de interceptadores. Enfim, a gente sempre teve a clareza de que essa solução teria que ser completa e abranger todos os eixos. Seja um eixo de coleta direta, como é o caso da Retorna Machine; seja um eixo de compensação ambiental, que é onde você compra certificados de recicladoras; seja um eixo de melhoria de produto, que é você comprar resina reciclada, pra colocar na matéria-prima; ou seja um eixo de circularidade completa, que é o caso dos galões retornáveis. Então, essa visão sempre foi muito clara e, nesse contexto, o melhor modelo de coleta direta de embalagens que a gente encontrou foi a Retorna Machine, porque é um modelo que conversa direto com o consumidor final, você está falando com o cara que está comprando a sua garrafa de água, ele te proporciona as embalagens mais limpas do mercado. Então, quando a gente fala de qualidade da embalagem, principalmente pra pet, se eu quero que essa garrafa vire novamente uma outra garrafa, eu não posso misturá-la com nenhum produto que tenha qualquer coisa diferente disso. Eu não posso colocá-la junto com pet óleo, por exemplo. Eu não posso colocá-la com, de repente, um pet que use lubrificante. Quanto mais eu misturar, pior é a qualidade. E mais difícil. Então, esse modelo de coleta direta, proporciona o que a gente fala do pet de altíssima qualidade. Então, a gente olhava prum modelo de coleta direta que fala ao consumidor, que tem pet de melhor qualidade do mercado, que tem um CRM por trás, que vai me dar informação sobre a pessoa que está consumindo meu produto, que vai me permitir fazer enquete com essas pessoas. O cara coloca Bonafont e eu posso: “Com que frequência você compra Bonafont? Você experimentou o novo sabor? Você gostou?”. Então, a gente entendia como, dentro das opções de coleta direta, a Retorna Machine era a mais completa e com melhor custo que tinha no mercado. Por isso que, na nossa avaliação de viabilidade, ela entrou como modelo de coleta direta que a gente iria usar e o nosso plano era colocar pelo menos 20 máquinas na rua, como um protótipo, né? Pra gente começar a coletar as garrafas de Bonafont.
P1 – Qual que é a origem dessa Retorna Machine? De onde... ela é uma criação nacional, foi inspirada onde?
R1 – Agora, falando aqui como Triciclo?
P1 – Não. Quando você estava lá. Vocês entraram em contato quando você estava lá, né?
R1 – Sim.
P1 – Quando você estava lá, quando você entrou em contato com isso, essa pesquisa, como é que você...
R1 – Como é que a gente chegou?
P1 – Estava fazendo um benchmarking, pra depois virar um endomarketing?
R1 – Exato.
P1 – E aí, como era essa tecnologia? Você foi pesquisar de onde era?
R1 – Fui pesquisar, a gente encontrou a Triciclo através das redes sociais. Pra nós, enquanto Danone, ali, era algo que totalmente vinha de encontro com a nossa expectativa. Quando nós começamos a conversar com a Triciclo e a gente descobriu que ela é totalmente fabricada no Brasil, tem alguns dispositivos importados, o que traz valor. Então, o embarcado dela tem um valor agregado muito alto. Embora toda essa parte estrutural seja brasileira, ela tem uma tecnologia que vem de fora e que ninguém está desenvolvendo no Brasil ainda. E mais do que isso, mais que o hardware, tem o software, que está pronto pra uso, né? Então, esses foram os fatores que mais chamaram a nossa atenção. Não sei se eu te respondi.
P1 – Respondeu. E como é que foi, como que deu essa passagem, da saída da Danone, pra você virar Triciclo?
R1 – Eu saí da Danone... durante esse processo, trabalhando na Danone, no ano passado, eu comecei a atuar... eu sempre fui representante da Danone, em diversos fóruns e comitês. Então, quando eu estava na área técnica, eu participava dos comitês de bacia hidrográfica, comitês diretivos de unidade de conservação que faziam divisas com nossas fábricas e eu sempre gostei de fazer isso, sempre fui o cara da Danone que se relacionava com os órgãos municipais, estaduais, federais. Em função disso, quando eu fui trabalhar na área de Pesquisa e Inovação, em 2019, eu comecei a assumir algumas cadeiras, seja por exemplo na Abiplast, que é a Associação das Indústrias de Plástico, alguns outros fóruns e um desses fóruns, é o Hub Incríveis, que é um hub de inovação criativa em embalagem. É um hub que é cocriado por cinco organizações e empresas que querem participar, pagam uma taxa de patrocínio. Na época a Danone era uma delas. E o Emiliano, que era o meu antigo chefe, me colocou pra assumir essa cadeira, falou: “Você agora é o representante da Danone no Hub Incríveis”. E desde julho eu comecei a frequentar o Hub, tinha reuniões mensais e algumas tarefas semanais. Eu comecei a me relacionar muito bem com o André Menezes, que é idealizador do Hub, através da (Banco? 01:01:32) e em janeiro eu saí e fui trabalhar com ele no Hub. Então, eu fiz essa ponte da Danone pro Hub Incríveis, que era um hub patrocinado. O Hub começou o ano com três grandes patrocínios: da Heineken, da Klabin e da Ambev e o André me convidou, falou: “Você não quer vir trabalhar comigo no Hub e tocar toda essa parte de projetos no Hub Incríveis?” E foi aí que eu fiz esse salto, saindo realmente... já estava em 2019 flertando muito com a área de embalagem e economia circular, mas foi em janeiro desse ano que eu dei esse passo pra, realmente, me dedicar à inovação criativa de embalagens, mesmo, né? Então, em fevereiro, quando eu comecei a trabalhar no Hub, minha vida também mudou totalmente, parece que eu tirei um tapa-olhos da minha face. Por mais que a Danone me desse todo o espaço pra trabalhar o criativo e recursos, era tudo muito restrito ainda. Quando eu entrei no Hub, me abriu um universo de possibilidades de projetos e estudos, com recurso, com dinheiro na mão e com vontade de fazer, então foram meses assim de muito desenvolvimento, muito aprendizado também, porque era um modo diferente de trabalhar, né? Quando eu comecei a trabalhar no Hub era... comecei a ter contato com as ferramentas ágeis de Gestão, fazendo scrum diário, trabalhando em sprints, mas foi onde eu comecei realmente a entrar de cabeça no universo de embalagem e economia circular e é onde eu não pretendo mais sair, de verdade.
P1 – Mas aí você estava no Incríveis, no Hub?
R1 – Isso, no Hub Incríveis.
P1 – E pra chegar aqui?
R1 – Hub Incríveis pra Triciclo?
P1 – É, mas fala mais um pouco do Hub Incríveis. Você continua lá?
R1 – Não. Saí e vim pra Triciclo.
P1 – Quando você diz assim: “Aí que eu entrei em contato, eu tirei parece que uma viseira, um tampão” que você tinha, o que você também avançou mais na economia circular e na logística reversa?
R1 – Um dos primeiros projetos que eu toquei junto ao Hub Incríveis foi um sprint de inovação com a Heineken, que era uma das patrocinadoras e a Forglass, que é uma empresa startup de venda reversa de vidros, que eles têm também uma machine reverse em vendas. Uma máquina de venda reversa. Esse projeto foi super legal. A gente, enquanto hub, tinha um papel de facilitar um sprint de inovação aberta envolvendo a Heineken, Forglass e quaisquer outras pessoas que a gente quisesse convidar, com um único objetivo: de impulsionar o modelo de negócios da Forglass. Então, eu organizei todo esse sprint, toda essa metodologia, a gente convidou diversas empresas, parceiros, pessoas pra participar desse projeto de inovação aberta, fizemos quatro sessões em três semanas e foi fantástico. Nesse processo, eu comecei a ter um novo viés, um novo olhar e comecei a entender muito mais dos desafios na ponta, pra logística reversa. Enquanto na Danone a gente olhava como brand owner, como muitas coisas já estavam supostamente resolvidas. Quando eu comecei a olhar do ponto de vista do empreendedor, que era a Forglass e da Heineken, que era patrocinadora, eu entendi que tinha diversos nós que ainda não estavam desfeitos. E que muita coisa precisava ser melhorada. Não só do ponto de vista das próprias empresas, mas enquanto clima institucional pra implantação de projetos. Esse projeto foi um dos mais legais, depois disso eu desenvolvi um protótipo de estudo de cadeia de materiais, junto com a FGV, com a Cristina, professora super legal, também amiga pra vida e eu posso te dizer que esses dois projetos acabaram se complementando, né? Estudo de cadeia de materiais e o sprint. E eu acho que um terceiro projeto que me ampliou demais foi o Challenger. O Hub Incríveis possui cinco cocriadores: a (Banco? 01:05:54), que é uma empresa aceleradora de negócios de impacto; a Vina, que é uma organização não governamental, que cuida de cooperativas; a Tátil, que é uma agência de design e criação, do Fred Gelli; a Empathy, que é uma empresa de tecnologia personalizada; e a FGV, através do instituto de pesquisa de sustentabilidade, com a Cris. Então, o Hub foi cocriado pelas cinco empresas. A (Banco? 01:06:20), que era a empresa que eu mais estava ligado através do André, todo ano organiza um challenger, que é como se fosse um gamefication de startups que querem mostrar seu modelo de negócios. Então, é gratuito, as empresas se inscrevem voluntariamente e a (Banco? 01:06:35) proporciona uma banca de especialistas, que são investidores também. E ter participado do challenger de 2020, que foi totalmente on line, por causa do covid, aí já estava com o covid estourando, foi fantástico. A gente conseguiu ampliar pra nove países de língua portuguesa, a gente conseguiu transformar o que eram encontros presenciais limitados em oficinas ilimitadas e mentorias ilimitadas. Diversos mentores da nossa rede de investidores viraram conselheiros das empresas. E a gente teve mais de 500 inscrições em seis áreas diferentes e aí entra o Hub, porque um dos pilares era inovação em embalagem. Então, também, assim, foi fantástico ter ampliado desse jeito e participado. Nesse meio tempo eu estava conversando com o Felipe já, o Felipe me chamou e falou: “Rafa, nós terminamos o desenvolvimento dos nossos produtos. Agora está na hora da gente escalar a Triciclo. Quer vir comigo? Vamos escalar? Preciso de alguém com a sua experiência, pra organizar processo, garantir execução, pra colocar as máquinas na rua, pra fazer relacionamento institucional e você é o cara que conhece, às vezes, até mais do que os meus próprios funcionários, a Retorna Machine. Quer vir?” E foi nessa que eu comecei a conversar com o André e falei: “André, eu vou assumir esse desafio. Você me libera?” Ele: “Claro, Rafa, vai!” E aí, foi nessa que eu fiz essa passagem pra Triciclo. No fim, desde o ano passado, sempre conversei com o Felipe, porque enquanto o equipamento estava na Danone, eu virei o cara da máquina da Danone. Todo mundo vinha falar comigo. Qualquer problema, elogio, crítica. Então, eu comecei a ter uma experiência na jornada do usuário, que talvez nem o Felipe tivesse, nem as pessoas daqui. De entender as telas, os movimentos. E essa troca foi constante. Então, quando ele me chamou, eu fiquei muito contente, é uma realização mesmo de um sonho, ter essa oportunidade de vir, pra escalar um negócio tão redondo, tão completo e foi mais ou menos essa história dessa passagem, de quando eu saí do Hub e vim pra Triciclo.
P1 – E aí você chegou aqui nesse desafio de escalabilidade e quais são os desafios hoje, como está? Quer dizer: de quando você chegou também. Você chegou só esse ano?
R1 – Cheguei esse ano, setembro.
P1 – Mas que desafios que estavam postos pra você e pra Triciclo?
R1 – A Triciclo hoje é uma empresa que tem uma missão muito clara: ela se propõe a fazer parte da vida das pessoas. Os nossos equipamentos são mobiliários urbanos. A gente quer fazer parte da rotina. A gente quer que a pessoa escolha cinco minutos do dia dela pra vir reciclar na nossa máquina. A gente acredita que, se todo mundo reciclar pelo menos dez embalagens por dia, a gente vai ter um mundo melhor, uma redução gigantesca no número de lixões que tem no nosso país, nós vamos ter uma redução gigantesca no número de embalagens plásticas que vão pros oceanos e a gente vai ter um aumento significativo na melhoria de qualidade de vida das pessoas. Que, a partir do momento que as pessoas começam a se interessar pela reciclagem, sejam dez embalagens por dia, que não toma mais de um minuto na vida das pessoas, elas vão começar a se importar com outros aspectos que passam despercebidos. Desde coisas fúteis como jogar um lixo pela janela do carro, até questões básicas de cidadania, seja você separar o seu lixo em casa, no condomínio. Então, quando a gente olha pra esse viés, de que essa é a nossa missão, quando eu falo em escalabilidade, eu tenho que olhar pra onde que eu quero estar. Eu quero estar em locais que as pessoas frequentem massivamente. Eu quero estar no metrô, em locais públicos, em shoppings. Por outro lado, eu tenho que ser acessível pra empresas que querem ter o equipamento pra fazer seu engajamento interno, que é ultra importante. Hoje a gente tem, no Banco Original, um instrumento importante de engajamento interno: são líderes que estão na sede. Esses líderes cascateiam. Então, é parte da nossa missão também formar, conscientizar líderes. E tudo isso, quando eu olhei pra esse desafio e falei: “A gente tem tudo na mão: a gente tem uma solução, que é um sistema seguro de monetização da logística reversa. A gente tem um modelo de negócios de um ecoponto digital, que é autônomo, que é totalmente escalável nosso sistema. A gente tem, de um lado, empresas preocupadas com a sustentabilidade dos seus produtos. A gente tem, do outro lado, prefeituras e organizações públicas que estão quebradas financeiramente, com um custo excessivo de coleta seletiva, coleta seletiva ineficiente. A gente tem, do outro lado, empresas participando de PPPs milionárias, pra resolver questões de saneamento. Então, quando a gente olha pra todo esse universo, a gente realmente tem um produto que consegue fazer uma coleta seletiva com eficiência; consegue ter rastreabilidade e garantia de destino final; consegue engajar o consumidor, não só pelos pontos, mas pela rotina de criar; consegue ter um sistema que consegue desonerar o erário público de custos com coleta seletiva, a gente consegue complementar isso”. Então, quando eu olho pra tudo isso, pra mim é muito claro que escalar um negócio hoje é quase que uma necessidade no Brasil. A gente ter um produto que consegue resolver problemas e trazer economia para os diversos agentes que vão se relacionar com eles, seja o poder público, seja empresas, seja patrocinadores, sejam varejistas, enfim, então eu acredito que o meu trabalho é muito mais de estar preparado pras demandas que vão vir, do que realmente prospectar demanda. Então, esse é o meu ponto de vista, mais ou menos.
P1 – Você pode explicar como é que funciona a machine? Quer dizer: a gente deposita... aí você estava explicando como é o funcionamento da máquina.
R1 – Isso. A Retorna Machine é, hoje, uma moderna ferramenta de logística reversa. Ela faz parte de um ecossistema. Todos os nossos produtos estão na nuvem hoje, por isso que eu digo ecossistema. Então, cada máquina nova que a gente monta e liga, automaticamente se conecta à nossa rede e começa a conversar com nosso sistema central. Hoje eu posso dizer que é um dos mais modernos sistemas de venda reversa de embalagens. Ela consegue trazer pra mim o que está sendo vendido, por quem, em qual momento do dia. Então, através do programa de fidelidade, qualquer pessoa pode se cadastrar e, rapidamente, ter uma conta. Ela vai precisar de um e-mail, número do CPF e uma senha. Ela está dentro do nosso sistema. A partir do momento que ela se cadastra, toda embalagem que ela deposita na nossa máquina, automaticamente é lido o código de barras, identificada a embalagem e, através dessa identificação, automaticamente é atribuído os pontos à essa pessoa. Então, tem uma variação: plástico tem uma pontuação, alumínio outra, aço outra e tetrapak e longa vida outra. Automaticamente o ponto cai na conta da pessoa e, no mesmo momento, ela já pode trocar esses pontos da maneira que ela quiser. Seja pra um desconto na conta de energia elétrica da Enel; seja em desconto nas faturas de celular: Vivo, Tim, Oi e Claro; seja por pontos na Saraiva; seja até por recursos reais, através de uma conta digital na PagBank. Então, você pode vincular sua conta PagBank no programa de fidelidade Triciclo, através do aplicativo e transferir o recurso. Então, pro consumidor, hoje, a gente oferece essa solução de venda reversa, de até dez embalagens por dia, bonificáveis. A partir da décima primeira embalagem, é automaticamente doado os pontos. O consumidor pode escolher uma das instituições filantrópicas que estão no nosso banco de dados. Por que isso? Porque a gente quer, realmente, que seja uma rotina. A gente quer que as pessoas usem democraticamente o equipamento e a gente quer que elas criem o hábito de separar, seja diariamente, de dois em dois dias, de três em três dias. Então, se a gente não coloca limite, a pessoa pode juntar um monte de embalagem de uma vez. E não é nosso objetivo. Nosso objetivo é conscientização, engajamento. A gente quer que isso faça parte da rotina da pessoa. Então, é por isso que a gente coloca esse limite de dez embalagens bonificáveis e, se a pessoa quiser levar 15, 12, 13, a partir da décima, esses pontos vão pra doação. Pro consumidor é um hub de soluções, porque ele pode fazer isso no nosso equipamento, inclusive a conta, tudo e, além disso, ele pode usar o convênio aqui na cidade de São Paulo, com o bilhete único e o Bom, pra fazer recarga direto no cartão dele. Então, nossos equipamentos são equipados com tele device, que permite esse uso. Então, é uma solução também que a gente oferece.
P1 – Como são feitas as parcerias? Por exemplo, você diz: “Ganha bônus no bilhete único, na Saraiva”. Como é que se cria essa rede de parceria? Quem faz? Qual é a estratégia?
R1 – Essa categoria a gente chama de parceiros de benefícios, né? Então, qualquer empresa que tem interesse pode procurar a gente e, através de um desenvolvimento, um API, a gente consegue vincular no nosso programa a troca de pontos, por qualquer item relacionado a esses benefícios. Hoje a gente tem esses cinco fixos, que estão em todas as máquinas aqui no estado de São Paulo.
P1 – Desculpe, eu perdi um pedaço: como é que, por exemplo, chega na Saraiva?
R1 – A gente fez algumas pesquisas de intencionalidade. Então, o nosso equipamento permite a gente fazer enquete. Esse é um dos produtos de prateleira que a gente oferece pra patrocinadores. Então, a gente chegou a fazer algumas pesquisas. O cara ia lá, colocava uma embalagem e a gente perguntava: “Cara”... desculpa, vou falar de novo: o consumidor ia lá e colocava uma embalagem e aí a gente criou algumas enquetes: “O que você gostaria de ter, pra trocar seus pontos?” Obviamente conta de energia elétrica e telefone celular foram as primeiras, depois que a gente desenvolveu aqui pra cidade de São Paulo, o bilhete único e o Bom também entrou e a parte de experiência foi muito citada. Então, o que a gente bem? A gente tem o bilhete Bom e o único, são serviços. A conta de energia e telefone celular é, de certa forma, serviço também. Você tem desconto. Mas as pessoas estavam pedindo experiências. E aí, quando as pessoas pediram experiências, a gente começou a entender e falar: “Meu, que tipo de experiência é palpável pra gente colocar aqui?”, porque também não dá pra trazer nada muito absurdo, que a pessoa nunca consiga usar os pontos. E foi aí que a gente aprofundou um pouco mais a pesquisa e chegou no Saraiva Plus, como algo que as pessoas gostariam de ter. Talvez pela localização das máquinas públicas mais utilizadas aqui na cidade de São Paulo, que hoje são a do metrô República, Drogaria São Paulo e Tenda Guarapiranga, seja pela facilidade. Não sei, as pessoas, quando a gente colocou as opções de experiência, a parte de livraria foi a mais citada. E a Saraiva Plus, aqui na cidade de São Paulo. Então, foi aí que a gente procurou e ofereceu esse serviço pra Saraiva Plus. Então, a gente ofereceu e falou: “Vocês querem ser nosso parceiro de benefícios?” É mais ou menos assim que a gente...
P1 – Aí, quando ele aceita ser um parceiro de benefício, ele fala: “Então, eu topo”, porque você mostrou que você teve essa pesquisa, aí ele topa e o que cabe a ele fazer?
R1 – É um serviço pago, né? Eles pagam pra gente. Então, a gente oferece, de certa forma e, se houver interesse, existe uma proposta comercial e isso é em aberto. Então, por exemplo, na cidade de São Paulo...
P1 – Por que daí vale a pena ele ter um ponto perto dele lá?
R1 – É. Exato. Mas não necessariamente porque, você trocando os seus pontos, por exemplo, Saraiva Plus, você não precisa levar nada na Saraiva. E é muito regional também. Então, por exemplo, em Curitiba, se a gente for fazer isso, vão ter novos resultados, novos parceiros.
P1 – E aí você procura lá? Você entra no Marketing lá da Saraiva, com esse...é automatizado isso? Como é que é?
R1 – Não. Isso é um trabalho de prospecção, mesmo.
P1 – E como é que foi a relação com a Colgate?
R1 – Antes de falar da Colgate, você falou de parceiros de benefícios. Esse é um modelo de parceiros de benefícios: você trocar os pontos. Porém, a gente tem outros tipos de parceiros de benefícios. Por exemplo: a gente tem praticamente seis tipos de produtos dentro da Retorna, que são interativos com o consumidor. Isso, de certa forma, também é um parceiro de benefícios. Então, por exemplo: nós estamos agora rodando uma campanha que chama Triciclo Vai Até Você. Então, nós estamos em dois condomínios em Guarulhos. Essa campanha tem diversos patrocinadores. Entre os patrocinadores eu posso citar um deles, a Unilever. A Unilever está patrocinando essa campanha como uma maneira de veicular o produto Beauty and Planet. Esse produto é novo, da Unilever e é vendido em diversas drogarias. Qual é a relação do parceiro de benefícios? A pessoa que levar um produto Beauty and Planet numa dessas máquinas dos dois condomínios, automaticamente vai ter um voucher de 50% de desconto pra comprar o próximo. Então, esse é um tipo de parceiro de benefícios muito comum também. Ou, por exemplo, na loja da Drogaria São Paulo da Avenida Paulista, qualquer produto que você colocar lá, uma vez por dia você emite um voucher de 50% de desconto nos seus produtos Unilever. Então, esse também é um outro modelo. Ali é qualquer produto. Um outro exemplo: produto Sanofi também. Alguns produtos Sanofi, você reciclando qualquer produto, automaticamente, na Drogaria São Paulo, você recebe um voucher de desconto também e esse voucher pode ser físico, depois eu mostro pra vocês, como pode ser eletrônico. Então, esses são parceiros de benefícios também. Ou, de outra forma, um vídeo associado a um SKU específico. Então, por exemplo, a gente fala o seguinte: todo mundo que colocar uma garrafa de água mineral na Retorna Machine, vai aparecer um videozinho pra visitar o site do Museu da Pessoa. A gente pode fazer isso. Esse seria um parceiro de benefícios também. Ou todo mundo que colocar uma latinha de Coca cola na Retorna Machine, pode aparecer uma enquete perguntando: “Você já conhece o Museu da Pessoa? Você já visitou o site?”
P1 – Tem uma coleção de reciclagens?
R1 – Exato. Então, a gente consegue fazer esse tipo de parceria de benefícios também.
P1 – Nossa, muito bom. E como é que chegou na Colgate? A Colgate chegou em vocês ou vocês chegaram na Colgate?
R1 – A gente começou a dialogar com a Colgate através da equipe do Tenda Atacado Guarapiranga, nós temos um ótimo relacionamento lá, temos uma Retorna Machine lá, que é muito utilizada, já está há um bom tempo lá e a gente começou a conversar, no sentido de fazer um projeto inovador pra coleta: como a gente consegue inovar na coleta de tubo de creme dental? A gente já sabe que já foram feitos outros projetos, outros cases. Mas o que a gente pode fazer de diferente agora? E foi aí que entrou a Retorna Machine porque, em nenhum momento, tinha sido feito um projeto de coleta de tubo de creme dental, através de um ecoponto digital. Então, esse que foi o grande lance dessa promoção: a gente adaptar um projeto de engenharia, então a Retorna Machine não é projetada pra coletar o tubo de creme dental. Não são todas as Retornas Machines que recebem tubo de creme dental. Essa Retorna Machine que recebe esse tubo tem um tratamento específico das embalagens que estão ali. Então, a gente adaptou o equipamento, isso foi possível, plausível financeiramente e a gente apresentou como um projeto de inovação: primeiro projeto de coleta de tubo de creme dental por um ecoponto digital. E foi aí que a gente ganhou, de já ter o equipamento lá no Tenda Guarapiranga, ele já estava instalado lá; a gente já tem um bom fluxo, eu não vou saber de cabeça te dizer, mas hoje a gente tem uma base de 130 mil usuários e o Tenda Guarapiranga tem um movimento enorme, então, ao pé da letra, eu consigo te passar qual é o nosso banco de usuários no Tenda e quanto que gera, por mês, de embalagens ali, mas o fato de já tê-la instalada ali; ter um fluxo, um equipamento de rotina. Se eu instalar amanhã na Avenida Paulista, eu vou precisar de uns dois, três meses pra saber, realmente, quantas pessoas vão estar utilizando na rotina delas. Não é do dia pra noite que todo mundo se cadastra. Então, o fato de já ter o equipamento instalado ali, ter uma rotina, ter o engajamento, principalmente do gerente da loja e dos funcionários, quando a gente apresentou esse projeto, com essa inovação de ser um ecoponto autônomo, com essa gama de possibilidades, foi aí que a parceria se fechou pra desenhar esse protótipo. Então, hoje a gente tem um protótipo lá no Tenda, máquina linda, maravilhosa, com a arte que a Colgate mandou, os adesivos, tanto frontal, quanto os painéis luminosos laterais, lindos, chama tenção. No geral a gente sente impacto na utilização do equipamento. Ele foi inaugurado dia 15 de outubro, com essa nova cara da Colgate. A gente teve aumento de quase 30% no uso do equipamento, porque está com uma cara nova, está novo, tem engajamento. A gente colocou uma promotora lá quatro dias, pra explicar pras pessoas como é que funcionava, mas ele impacta todo o entorno, né? Então, uma ação dessas, é importante ver a marca da Colgate e as pessoas se mobilizando, mas ela impacta todo o ecossistema de reciclagem. E eu estava comentando outro dia com o Roberto, que é o gerente do Tenda, ele falou: “Eu tenho certeza que aumentou o número de embalagens recicláveis, na ilha de recicláveis que a gente tem fora da loja”. Fora da loja tem uma ilha de cestos de reciclagem. Então, até nisso impactou. Então, às vezes, as pessoas, além de colocar na máquina, estão fazendo coleta seletiva em casa e entregando nos outros locais também. Então, é muito gratificante ver esse tipo de coisa acontecendo.
P1 – E quais são os desafios, hoje, da Triciclo?
R1 – No âmbito do projeto da Colgate?
P1 – No âmbito da Triciclo.
R1 – Nós, hoje, temos um desafio de comunicação. Hoje a Triciclo dialoga, ao mesmo tempo, com praticamente quatro entidades diferentes. A gente dialoga com o consumidor, que são as pessoas que estão usando nosso equipamento; a gente está dialogando com as lojas do varejo que querem ter o nosso equipamento na loja deles; a gente conversa hoje com os donos de marca, os fabricantes, que têm interesse em patrocinar ações, impulsionar, alavancar; e a gente conversa também com o poder público, a partir do momento que a gente se mostra como uma solução viável, como um ecoponto digital. E hoje a gente tem esse desafio dessa interlocução, com esses quatro agentes diferentes. Às vezes as pessoas não entendem o que a gente entrega e principalmente porque, dentro desses quatro agentes, a gente conversa com times de Marketing, Comercial, Sustentabilidade e Trade Marketing. Então, esse canal de comunicação a gente tem trabalhado o máximo possível, pra ser cada vez mais claro e transparente. É um desafio que a gente está vencendo. E deixar isso claro, principalmente nos canais de mídia digital. Hoje a gente tem, além do SAC convencional, que é o 0800, que toda máquina tem e dos e-mails, a gente tem canais ativos diariamente, hora a hora, seja no Facebook, Instagram, LinkedIn. As pessoas...
P1 - __________ (01:29:19)?
R1 – Não vou saber de cabeça. Depois eu posso te passar.
P1 – Eu fiquei com uma dúvida: o modelo de negócio de vocês, onde que ganha o dinheiro?
R1 – A gente aluga equipamento.
P1 – Então, por exemplo, a Colgate paga esse aluguel, pra estar lá?
R1 – Quem está pagando o aluguel é o Tenda. A Colgate entra como uma campanha e aí a negociação é feita entre a Triciclo e o Tenda. Hoje a gente aluga o equipamento.
P1 – Qual que é o valor?
R1 – Depende. Entre três, cinco, sete mil reais. Depende do lugar, de quanto tempo for. Se for contrato de um ano, dois anos, mas entre cinco e sete mil reais. A gente não ganha nada com material. Todo material que é coletado, é usado pra pagar os nossos consumidores. O que a gente paga por embalagem acho que é 0,03 centavos, que é mais ou menos o que a gente consegue por unidade, uma média, por tipo de material e a gente consegue rentabilizar através de mídia: campanhas, promoções, botões promocionais, vouchers. Então, hoje é assim que a gente rentabiliza a Triciclo.
P1 – Maravilha! Tem alguma coisa que você acha importante - quer dizer, deve ter várias - deixar registrado? Ou da sua história de vida, desde quando você brincava, desde a sua república em Limeira...
R1 – Eu tinha feito umas anotações.
P1 – Não, mas a memória é seletiva. Você sabe que, se você contar daqui a 15 dias essa entrevista, você vai contar outras histórias.
R1 – Não sei. Ficou bom? Não ficou muito...
P1 – Ficou ótima!
R1 – É verdade? Fala sério!
P1 – Sim. Toda história é boa. Tem que ficar tranquilo. Se você contar essa história daqui a 15 dias, de verdade, vai trazer outras histórias.
P1 – Em 2005 eu fiz um estágio de vivência interdisciplinar em assentamentos rurais no estado de São Paulo. Eu passei um mês lá no MST, foi super legal.
P1 – É mesmo? Como é que foi?
R1 – Fantástico, nossa!
P1 – Conta.
R1 – Está gravando?
P1 – Está.
R1 – Espera aí. Bom, acho que um dos estágios mais marcantes pra mim, em 2005, eu tive oportunidade de fazer um estágio de vivência interdisciplinar em assentamentos rurais no estado de São Paulo. Foi através de um grupo de trabalho, Chico Mendes, da Unesp Botucatu. E era um grupo de trabalho que tinha, por objetivo, trazer vivências de disciplinas diferentes, pra estudantes ligados a áreas sociais e ambientais. E eu, como já estava na área, me interessei e fui. A gente ficou um mês num assentamento rural. Foi o primeiro assentamento rural do MST no Brasil, que foi fundado em 1984. E esse assentamento rural tem até hoje, claro, tem seis ecovilas e, desde a primeira ecovila mais avançada, com cooperativa e maquinário, até a sexta ecovila que era, na época, a com menos recursos, que não tinha energia elétrica e foi exatamente a ecovila que eu decidi ficar, pra entender como funcionava as coisas sem eletricidade. Foi uma experiência fantástica conhecer. Às vezes a gente vê muita notícia, a gente se informa de maneira errada e quando você está lá, você entende o que é uma rotina de um acampamento, de um assentamento rural, uma vida de agricultura, mesmo, de subsistência, de produção, de você consumir uma carne que você tem que abater hoje, você não pode consumir amanhã, porque você não tem energia elétrica. Então, eu aprendi muito essa parte de relacionamento homem-natureza, aprendi muito de organizações sociais. Eu fiz amizade com uma coordenadora da Via Campesina. Fantástica a visão de mundo dessas pessoas! E entender um pouco essa desvinculação política do movimento, que é tão importante, que é o Movimento Sem Terra e que, às vezes, alguns personagens usam de maneira errônea, seja pra atacar ou pra defender. Então, foi super importante, pra eu entender a desvinculação e como aquelas pessoas que estão lá, no dia a dia, batalhando pra sobreviver e que é um problema do século passado, que até hoje a gente não conseguiu resolver, que é a reforma agrária. Então, só me fez me dar mais clareza do rumo que eu estava seguindo na minha vida. De como que um país como o Brasil, que entra hoje, ainda, em tantas discussões inúteis, ainda tem problemas do século passado pra resolver! E diga-se: saneamento básico, reforma agrária, educação. Então, esse foi um marco na minha vida, ter feito esse estágio e me trouxe uma consciência muito maior, não só do que eu estava fazendo, mas do que eu realmente queria fazer e resolver, né?
P1 – Quais são seus desafios pessoais, hoje? Seus desafios pro futuro.
R1 – Eu tenho um sonho. Profissionalmente, aqui na Triciclo, pra mim é um desafio enorme fazer a empresa crescer. Eu tenho um propósito pessoal que se encaixa com o propósito da empresa. Então, quando você tem um propósito de resolver um problema estrutural de 200, 300 anos. Eu estou falando aqui de saneamento básico, de coleta de lixo, de resíduo, de lixão, né? A gente não vai resolver isso do dia pra noite. A gente precisa de inúmeras soluções. Não adianta ter uma lei dizendo que o lixão vai acabar amanhã. Se a gente não tiver iniciativas de empresas como a Triciclo, que estão inovando, querendo trazer soluções de baixo custo, a gente não vai resolver. Então, eu tenho um propósito pessoal, principalmente pra esse tipo de problema, saneamento básico; eu tenho um propósito profissional, que é realmente conseguir fazer uma empresa com uma solução que eu acredito, conseguir alavancar isso, conseguir escalar e eu tenho um propósito de missão, mesmo, de entregar isso. Então eu, pessoalmente, quando você junta isso: propósito pessoal, com uma missão clara da empresa e com um ambiente que te proporciona isso, isso é super importante. Se o CEO não me der a confiança que ele me está dando pra eu executar o meu trabalho, não adianta estar aqui. Então, quando junta esses três fatores, a gente tem tudo pra conseguir. É muito difícil separar, quando junta isso. Então, eu tenho esse propósito, eu quero um dia poder chegar e falar: “Olha, consegui extrair 50 mil toneladas de embalagem esse ano e evitar que usasse dez mil metros cúbicos de aterro. Consegui impactar cem mil pessoas. A gente, hoje, a nossa máquina na República, de dez horas que ela fica ligada, nove horas tem gente usando a máquina”. Então, são esses dados que eu quero, no final da minha jornada aqui, ter com clareza: quanto de resíduo que a gente tirou? Quanto que a gente evitou, de matéria-prima nova, ser usada? Quanto de carbono a gente deixou de emitir? Quantas pessoas a gente engajou? Quantas pessoas usam o nosso equipamento, aplicativo? Então, é isso que me motiva.
P1 – Bacana. Super obrigada, hein!
R1 – Que isso!
P1 – Massa. Entrevista maravilhosa!
R1 – É? Obrigado vocês! Já dei umas entrevistas por aqui, por ali. A hora que ele mandou as coisas, eu falei: “Meu Deus!”
P1 – A sua namorada que virou sua esposa. Como é o nome dela?
R1 – Ana Luiza. Nós nos conhecemos na faculdade, em 2007.
P1 – Você lembra como foi?
R1 – Lembro. Foi na Semana do Bicho, a gente foi dar trote nos bichos e, como manda a tradição, na primeira semana de março, a gente leva todos os bichos pra fazer pedágio na cidade e arrecadar dinheiro pra comprar bebida pras festas à noite, né? E foi nessa primeira semana que eu a conheci, bichete, toda pintada lá, de barro e a gente estava – nunca vou esquecer – na frente do Mercado Municipal de Rio Claro, eu estava com dois amigos e já tinha combinado um almoço em casa, na casa dos meus pais e aí eu a convidei pra ir: “Vamos almoçar lá em casa?” e ela, incrivelmente, topou e fomos, nós quatro, almoçar e de repente chega em casa a bichete toda pintada de barro, minha mãe: “Meu Deus, onde vocês arrumaram essa menina?”, mas estava aquele clima de calor e tudo o mais, foi aí que a gente se conheceu e começamos a sair juntos, começamos a namorar, em 2016 casamos em Mococa.
P1 – Como foi o casamento?
R1 – Ah, foi lindo, uma delícia. Nunca imaginei que fosse. Pra nós dois, né? A gente nunca foi ligado. A gente sempre gostou de festa, mas nunca pensamos: “Ah, vamos casar com festona”, mas foi super simples, a gente casou na igreja, em Mococa, numa sexta-feira e no sábado reunimos amigos num espaço aberto, com uma cerimônia também no mesmo local. Foi uma delícia, foi lá em Mococa, toda a família dela, a minha família de São Carlos, de Limeira, de Salvador, Americana e foi maravilhoso. Minha última vó, que estava viva e meu último vô, maternos, participaram e foi fantástico.
P1 – E aí vocês tiveram filho logo na sequência? Como é que foi?
R1 – Não. A gente, dois engenheiros, né, um casal de engenheiros, até pra filho a gente tem planilha de excel. Mas a gente se programou bastante, pra ter recurso guardado, ter um apartamento nosso. Então, foi só o ano passado que a gente decidiu ter nosso primeiro filho e esse ano o Francisco veio ao mundo, no dia 17 de maio. O evento mais maravilhoso. Nunca pude imaginar ser tão feliz! E ele vai completar agora seis meses esse mês, então foram os últimos seis meses mais felizes da nossa vida, com certeza.
P1 – O que mudou na sua vida de lá pra cá, a paternidade?
R1 – Bom, eu acho que todo pai e mãe mudam muito, né? Tanto no processo da gestação, que é uma fase e depois que o filho nasce, é outra fase. No nosso caso, ainda, num contexto de pandemia, onde praticamente desde março nós dois estávamos de home office e, com a vinda do Francisco em maio, minha vida mudou completamente, tanto em termos de prioridade, de sonhos, de tudo. No meio dessa pandemia, ainda, com o home office, parece que a cada dia a gente se sente mais próximo e o vínculo aumenta mais, né? Então, dentre tanta notícia triste, tanto evento que a gente não gostaria que acontecesse, se tem uma coisa boa que eu consigo tirar, foi que eu consegui estar com meu filho nesses primeiros seis meses dele, praticamente todos os dias. Eu acredito que poucos pais tiveram essa oportunidade. Então, eu me sinto muito... uma sorte muito grande ter tido essa oportunidade.
P1 – Obrigada! Quer deixar registrado mais alguma coisa?
R – Não. Acho que é isso. Obrigado! Nossa! Obrigado, gente! Nossa!Recolher