Programa Conte Sua História
Depoimento de Cíntia Torres
Entrevistada por Carolina Margiotte e Denise Cooke
Araçatuba, 03 de julho de 2018
Entrevista nº PCSH_HV655
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Obrigada, Cíntia. Cíntia, boa tarde.
R - Boa tarde.
P/1 - Obrigada por receber a gente aqui hoje na sua casa.
R - Eu que agradeço.
P/1 - E para começar, o seu nome completo?
R - Cíntia Helena Batista Torres.
P/1 - Local e data de nascimento?
R - Araçatuba, 21 de março de 1974.
P/1 - E você sabe porque seus pais te batizaram de Cíntia Helena?
R - Bom, meu pai sempre gostou de Helena, sempre gostava desse nome, e meu pai se chamava Aracinto, mas ele tinha o apelido de Cíntio, e veio a Cíntia.
P/1 - E seus pais contam ou contavam alguma história do dia do seu nascimento, como foi?
R - Meu pai estava viajando, minha morava em um bairro aqui de Araçatuba, mas naquela época era bem assim, ela não tinha carro próprio, e ela passou mal, meu avô que levou, e já chamou, foi de taxi, porque morava em um bairro mais distante, não era uma cidade igual é hoje. Mas foi tranquilo.
P/1 - E falando nos seus pais, qual o nome deles?
R - Minha mãe é Márcia Pedrina Batista, e meu pai é falecido, Jacinto Arias Torres.
P/1 - Conta um pouco sobre eles.
R - Eu tenho o privilégio de contar que eu tive dois pais, eles foram maravilhosos, a minha mãe sempre muito amiga, muito companheira, ela era assim, a parte mais centrada, mais assim, que chamava mais na educação, era mais ela. Meu pai era mais o cúmplice. Mas eu tenho o privilégio de falar que eu tive assim, infelizmente ele faleceu, eu tinha 18 anos, mas tenho ela até hoje, eu não imagino a minha vida sem ela.
P/1 - Qual profissão deles, Cíntia?
R - Meu pai na época era fazendeiro, e minha mãe é do lar, sempre cuidando da casa e da família, como é até hoje.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Bom, a minha mãe era muito menina, e ela foi trabalhar na casa do meu pai, na época, e ele era recém-divorciado, ele tinha três filhos, e se apaixonaram. Só que meus irmãos foram criados pela minha avó paterna, e meu pai acaba se dividindo entre duas casas, porque ele tinha os três filhos lá, que são bem mais velhos que eu, e minha mãe na época tinha 16 anos, eles foram viver juntos. Na época não pode se casar, porque a lei não permitia, ele era desquitado, eu acho. E quando ela tinha 21 anos, veio eu na vida deles.
P/1 - E além de você eles tiveram outros filhos?
R - Não, não, só a Cíntia.
P/1 - E você teve relacionamento com os seus irmãos mais velhos para o lado de pai?
R - Sim, com as minhas irmãs muito pouco, mas com meu irmão a gente sempre teve um relacionamento de amizade. Com o falecimento do meu pai, que causou uma certa distância, não sei o que aconteceu, que se perdeu no caminho, que agora faz uns seis meses que meu irmão voltou a falar comigo, nesse período todo da morte do meu pai, a gente se viu muito pouco, não teve alguns encontros muito agradável, eu acho que mais por causa de parte financeira. E com as minhas irmãs, nunca mais, elas moram fora, não tivemos contato.
P/1 - Se você se sente à vontade, você pode compartilhar com a gente como é que foi o falecimento do seu pai?
R - A gente estava em casa, eu, minha mãe, meu pai, meu irmão, inclusive, e ele saiu, que ele tinha uma fazenda arrendada no Mato Grosso, e ele saiu para ir para lá, e estava um pouco resfriado. E meu irmão foi para Birigui, que meu irmão na época morava em Birigui, um saiu para um lado, e o outro para o outro na rua, e ele foi viajar. Na volta, era meia noite, mais ou menos, ele ligou para o meu irmão, que a intenção dele era ficar lá em Águas Claras, na cidade que ele tinha ido, ou Três Lagoas, e pousar lá. Aí ele resolveu vir embora, na volta ele sofreu um acidente aqui na entrada de Lavínia, onde o carro dele bateu no pilar do meio da ponte, ele morreu na hora. Mas ele corria muito, se tivesse como prevê uma morte, a gente já saberia que seria dessa forma, ele sempre andou em alta velocidade. E foi isso, infelizmente foi isso, porque eu tive um pai raríssimo, muito raro, muito amigo, de cantar, de viajar, de passear, nossa, era superpai.
P/1 - E quando você nasceu, seu pai continuou se dividindo, indo às casas?
R - Sim, porque de certa forma ele tinha eu e minha mãe, que era a família que ele estava casado com a minha mãe, mas ele tinha os três filhos que ele nunca deixou de forma alguma, sempre foi muito paizão para eles também.
P/1 - E como é que era essa relação com o seu pai, de ele sair de casa, ir para outra casa?
R - É que assim, ele viajava muito também. Então, era uma rotina que não mudava muito, ele dava conta de tudo, e o pouco que eu falava era, se fosse cinco minutos com ele era como se fosse horas, ele fazia valer a pena.
P/1 - E Cíntia, você teve contato com seus avós?
R - Não, meu avô quando eu nasci ele já era falecido, por parte de pai. Por parte de mãe eu vi minha avó também poucas vezes, depois ela também veio a falecer. Agora, os meus avós da parte da minha mãe, até hoje, graças a Deus eu tenho eles comigo, eu tenho a honra e o privilégio, com 44 anos, minha vozinha ligar para saber como eu estou. Ela é uma graça. Meu avô hoje tem Alzheimer, mas ele não esquece de mim de forma alguma, a diferença é que hoje ele me trata, ele liga para mim e conversa comigo como se eu tivesse cinco anos de idade, ele dá Conselhos, que é para eu estudar, que não é para eu casar cedo, como se eu fosse ainda uma criança.
P/1 - Qual o nome deles?
R - Dona Tereza e senhor Herculano.
P/1 - Aonde eles moram, Cíntia?
R - Em Coroados, uma cidade aqui pertinho.
P/1 - E na sua infância, em que momento que você ia para a casa deles?
R - Sim, aos domingos, geralmente finais de ano, que nem Natal, sempre junto. Eu nunca fiquei sem a minha mãe, eu não vivia sem minha mãe, nunca fiquei separada dela nem um minuto. Mas toda vez que ela ia, a gente estava junto, a maior parte dos domingos era com eles. Eu sou a neta mais velha, paparicada por todos os tios, tem o hábito de pedir bênção até hoje, muito bom.
P/1 - E onde foi a casa da sua infância, Cíntia?
R - Em um bairro aqui de Araçatuba, ali na época, um bairro chamado Jussara, que nasci e cresci lá, morei lá até os meus 18 anos. O colégio foi ficando mais apertado porque eu estudava muito, aí a gente se mudou para o centro da cidade, mas eu criei em um bairro aqui que era muito gostoso, tem meus amigos de infância até hoje, são amizades bem fundadas mesmo.
P/1 - E ainda falando da sua infância lá em Jussara, no bairro Jussara, como é que era a casa, você consegue descrever para mim desde a entrada?
R - Na infância era uma casa bem simples, era uma casa pequena, era toda murada, tinha um portãozão de madeira, era uma criança magrelinha, muito magrelinha, sempre com cachorro, sempre gostei muito de cachorro e de gato. E estudava na escola do bairro, meu pai apesar de ter recurso financeiro, minha mãe sempre quis que eu me relacionasse com os jovens, as crianças do bairro onde eu morava. Então, eu estudava na escola do bairro, só que quando eu fui ficando maior, que eu fui para um colégio melhor. E eu brincava na rua, tinha uma estrada de terra, perto de uma rua de terra, a gente brincava na rua, fazia estradinha, brincava de bete, pique-bandeira, eu tive uma infância perfeita, perfeita mesmo, andava de bicicleta, ralava o joelho, muito bom.
P/1 - Teve algum cachorro ou gato que tenha sido memorável, que foi mesmo seu companheiro?
R - Tantos, eu tive a Bolinha, a Bolinha viveu praticamente a minha infância toda. Meu primeiro gato foi o Êche.
P/1 - Êche?
R - Êche, ele chama Êche, não sei o porquê, mas era o Êche, ele era um gato bem grande, eu não sei se ele era muito grande ou se eu era muito pequenininha, e eu tinha aquelas bicicletinhas que era um triciclo e eu carregava ele na bicicletinha. Depois já maiorzinha eu tive a Bolinha, que era uma cachorra vira-lata, muito brava, mas foi minha parceira. E depois eu tive a Molly, que viveu muitos anos comigo e era minha filha quando eu casei, quando eu fui conviver com o pai do meu filho, ficou muitos anos, daí ela ficou doente e veio a falecer.
P/1 - E ainda na infância, nessa casa da infância, vocês tinham divisão de tarefa em casa?
R - Eu fui uma filha muito paparicada, muito paparicada, meus pais sempre cobraram de mim estudo, eu tinha que estudar. Então, a minha mãe, como ela é até hoje, ela não deixa ninguém fazer nada, ela protege, ela quem faz tudo. Aprendi a fazer algumas coisas, mas o fundamental era o estudo, eu tinha que estudar, em casa ela era quem cuidava de tudo.
P/1 - E qual a sua primeira lembrança de escola?
R - Bom, eu fui uma criança muito chorona, dei muito trabalho porque eu não queria ir para a escola porque eu não queria ficar sem a minha mãe. O primeiro ano meu de escola eu não fiz pré, nada disso, eu não aceitava, eu não ia. E quando fui obrigatório, que eu tinha que ir para o primeiro ano, durante o primeiro ano todinho, a minha mãe ficou sentada pelo lado de fora da escola, do lado de fora da escola não, da sala de aula, ela colocava uma cadeira na porta pelo lado de fora e ficou lá sentada, senão eu não ficava, eu chorava o tempo todo até passar mal.
P/1 - Mas você ia conferir se sua mãe estava lá?
R - Sim, eu tinha que estar vendo ela, se ela levantasse para ir ao banheiro eu levantava e ia atrás, sério. Aí nesse período eu fiz muita amizade com a Professora, dona Iracema. Aí no segundo ano foi a dona Iracema de novo aí eu aceitei ficar sem a minha mãe. Isso que eram os amigos de infância, toda a turma da minha idade, estavam ali todo mundo junto, mas mesmo assim. Bom, até adulto a minha mãe me levava na escola e me buscava.
P/1 - Caramba. Qual o nome dessa escola?
R - Porcina Eliza de Almeida.
P/1 - Porcina?
R - Eliza de Almeida. Depois eu fui para o Salesiano e Toledo.
P/1 - E o que a menina Cíntia queria ser quando crescesse?
R - Médica, queria ser Médica ou Veterinária, era a minha paixão. Eu até cheguei a visitar, que eu queria ser Médica pela Marinha, eu até cheguei a visitar a Escola Naval do Rio de Janeiro, tudo, mas eu não ficava sem minha mãe, e nem ela, ela ficou muito deprimida quando eu tomei essa decisão, e aí eu acabei desistindo e tomamos outro rumo.
P/1 - E falando na sua adolescência, como foi entrar nesse período, você tem lembrança de transformações no seu corpo?
R - Sim, eu era uma criança muito magrinha, e eu tinha vergonha de ser magrinha, minha mãe que confeccionava a roupa, minha mãe era uma costureira e tanto, e ela fazia, ela fazia roupas largas para esconder meus ossinhos, porque tinha pavor de ser magra. E quando eu comecei, eu sempre fui alta, pela idade, e comecei a criar corpo, aquilo para mim era tudo, porque eu não gostava de ser magra, e sempre fui uma menina bonitinha, eu fiquei uma moça muito bonita na época. E nunca tive um tipo de problema com isso, me tornei na época uma mulher muito bonita. Não era muito vaidosa, não tinha tempo, eu estudava muito, na minha adolescência era só estudo, principalmente na época do ensino médio, eu fazia uma escola que era uma faculdade, que implantou o ensino médio, fazia de manhã, no período da tarde eu comecei a fazer o ensino normal, o colegial normal, e já introduzindo iniciação à Contabilidade, e à noite eu fazia Técnico em Processamento de Dados. Então, eu tinha muito pouco tempo, aos sábados eu fazia estágio, aos domingos eu fazia curso. Então, a minha adolescência foi mais nessa parte.
P/1 - E você conversava com a sua mãe sobre essas transformações?
R - Sim.
P/1 - Como é que era esse diálogo?
R - Não, tudo que aconteceu, eu não sei se ser criada colégio, eu tinha que tomar banho no colégio, então o colégio não tem essas separações, é um banheiro onde um monte de gente toma banho junto. Então, nunca tive esses tabus, como não tenho até hoje com os meus filhos. Minha mãe, sempre, até hoje a gente conversa muito, qualquer problema que eu tenho é com ela que eu converso primeiro.
P/1 - E você lembra quando você ficou menstruada pela primeira vez?
R - Lembro. A casa que eu morava no Jussara, tinha 12 anos, eu estava com uma bermuda branca, e uma blusinha curta até, e tinha no fundo da casa dela tinha uma primeira bem grandona de granito, eu adorava sentar lá em cima. Meu pai estava chupando laranja, uma amiga sentada na mesa, e minha mãe, com a gente conversando, e meu pai achou que eu estava com problema de rim, que eu estava sentindo umas dores estranhas nas costas, que vinha para a barriga, ele falou: “Nossa, essa menina está com algum problema nos rins”. E aí eu estava sentada com a perna para cima, minha amiga olhou e falou assim: “Dá uma olhada”. E aí eu fiquei menstruada pela primeira vez.
P/1 - E você sabia o que estava acontecendo com você?
R - Eu sabia, porque minha mãe sempre conversou muito, então eu sempre acompanhei isso nela, então a gente sempre falou muito, nunca...
P/1 - A estava falando então do seu período de adolescência, e o que você fazia para se divertir?
R - Bom, naquela época tinha muita brincadeira, que o pessoal falava. Então, a gente reunia na casa de uns amigos, toda aquela turminha de 12, 13 anos, ia sempre na casa de um, e cada um levava o refrigerante e ouvia música, dançava, ali eram as brincadeiras da época. E meus amigos, sempre os amigos de infância foram os amigos da adolescência, e todo mundo cresceu junto, estudou junto, e fazia. Os pais da casa ficavam responsáveis, e isso aqui na cidade tem uma festa tradicional, que é a exposição, na época meu pai era expositor, então, eu ia para exposição em dia de festa, a gente ia para shows, sempre gostei muito de música, e assim, saía muito em família, muito, viajava, ia para a praia. Então, esses eram os passeios.
P/1 - Você lembra da primeira vez que foi para a praia?
R - Acho que foi para Camboriú, bom, devo ter ido antes com os meus pais quando era pequenininha, mas que eu lembro mesmo, já maiorzinha, já foi para Camboriú.
P/1 - E como foi chegar?
R - Muito bom, gostoso, é muito diferente, ainda mais para o Sul, que é um lugar mais fresco, e muito bonito, e um pessoal muito acolhedor. Então, todo ano eu ia para lá.
P/1 - E ainda nessa juventude, Cíntia, teve as primeiras paqueras, você lembra de alguma paixão?
R - Eu tive o meu primeiro namorado com 12 anos, sim, e ele era bem mais velho que eu, mas é o que eu falo assim, era muito diferente da época de hoje, ele me pediu em namoro, em um sábado, no domingo ele foi para o Rio de Janeiro, que ele estava estudando lá e trabalhado lá. Então, a gente se via a cada seis meses, na presença do pai e da mãe, e o namoro era por carta, e isso durou cinco anos.
P/1 - Mas então ele já era um homem?
R - Já, eu 12, ele já estava com uns 19 anos, mais ou menos, já era bem mais velho que eu.
P/1 - Mas vocês tinham contato físico, quando vocês se encontravam?
R - Não, muito pouco, era um beijinho, alguma coisa, sempre meu pai e a mãe estavam sempre por perto, quando saía, era namoro infantil mesmo.
P/1 - E por que terminou?
R - Porque eu conheci o pai do meu filho, aí esse com seis meses eu namorei, noivei e casei.
P/1 - E qual é o nome dele?
R - Luiz Carlos.
P/1 - Como que você conheceu o Luiz Carlos?
R - Eu nessa época eu não tinha muito tempo para diversão, então eu só estudava, aí ia ter um baile no bairro lá, e os amigos meus todos riam, e eu não ia porque eu estava com a mesa cheia de livro estudando. Aí um amigo meu chegou, fechou o livro e falou: “Não, você vai, pode ir sim, você vai”. E eu fui nesse bendito desse baile. Aí a minha tia, tenho uma tia da minha idade, estava paquerando um rapazinho, que é esse que quis que eu fosse no baile, acho que ele queria que eu fosse por causa da tia, viu. E uma amiga minha, que é a Silvia, e o Laercio, começaram a namorar nesse dia, que estão casados até hoje, e esse rapaz, esse Laercio estava acompanhado do Luiz Carlos, e me apresentou, tudo, e o sete um dele foi bom. Acabamos se conhecendo, acabei terminando do outro, e acabamos ficando juntos.
P/1 - Como que você terminou com o outro?
R - Cheguei e falei que não dava mais, terminei.
P/2 - Mas nesse período dos 12 ao 17 você não ficou com nenhum outro menino porque você tinha esse namorado no Rio?
R - Porque eu tinha namorado, mas é que ele vinha direto, era um namoro. Eu achava te que a gente ia realmente se casar e tudo. Mas não foi, não foi assim, aí apareceu o Carlinhos na minha vida, e foi bom, a gente logo em seguida, eu fiz 18 anos, a gente acabou aí ficando indo morar junto, ele ir morar na minha casa. Aí logo em seguida perdi meu pai, e ele acabou assumindo a casa, sendo o homem da casa, durou mais ou menos uns 12 anos.
P/1 - E você lembra da primeira vez que você apresentou o Carlinhos para os seus pais?
R - A minha mãe foi fácil, logo no dia ela já ficou conhecendo, que eu falei, eu e minha mãe não tinha segredo. Meu pai demorou um pouquinho mais. Mas foi no dia do meu aniversário de 18 anos, que meu pai conheceu ele.
P/1 - E como foi o preparativo para o casamento?
R - Eu não me casei, o caso levou a gente a morar junto, ele veio morar aqui dentro da minha casa.
P/1 - Como foi isso?
R - Meu pai faleceu, e estava só eu e minha mãe, e acabou indo, e ele acabou entrando e ficando em casa.
P/2 - Os 12 anos do relacionamento ele ficou morando com você e com a sua mãe?
R - Não, aí moramos juntos, fiquei uns três anos, mais ou menos, aí a minha mãe também tinha que seguir a vida dela, minha mãe ficou viúva muito jovem, muito linda, sempre dei o maior apoio para a minha mãe arrumar outra pessoa. E aí ela foi morar, a gente alugou uma casa e aí ela foi morar na casinha dela, depois ela acabou se casando, e aí nós dois vivemos a nossa vidinha.
P/1 - E Cíntia, ainda nesse começo desse relacionamento de vocês, como é que foi descobrir essa intimidade do casal?
R - Foi acontecendo. Eu até hoje falo para a minha filha, a gente tem que fazer tudo ser especial na vida da gente, não sei por modismo, porque os outros estão fazendo, e foi acontecendo tão natural, a gente foi se descobrindo e foi acontecendo bem natural, quando a gente foi ficar junto eu era virgem, não tinha tido nenhum homem na minha vida. E acabou indo, aos poucos foi se descobrindo, e acabou tendo esse relacionamento, foi muito especial. Hoje ele é meu amigo até hoje.
P/1 - E aí como que você descobriu que você ia ser mãe?
R - Eu não conseguia engravidar, nunca tomei remédio, o médico dizia que eu tinha útero infantil. E aí eu tive uma gestação, eu perdi uma primeira gestação de poucos dias, de gêmeos. E acho que não consegui segurar mesmo. E quando eu perdi essa gestação o médico falou para mim: “Olha não engravida agora em seguida, senão você já pode ter um novo aborto”. E seis meses depois eu estava grávida do meu filho. Chorei muito, mas não é que eu estava triste, eu tinha medo de perdê-lo, mas foi uma gravidez perfeita. Não tive nenhum problema, um parto perfeito, foi muito bom.
P/1 - Mas como você descobriu a gravidez do Luiz Gabriel, você lembra?
R - Eu comecei a ter uns enjoos e mal-estar, e fui fazer exame, fui no médico. Aí ele pediu um ultrassom, porque estava com umas dores abdominais estranhas, um desconforto. Ele falou: “Vamos fazer um ultrassom abdominal”. Aí o ultrassom deu neném, nem o médico achava que eu estava grávida, aí veio o neném.
P/1 - Você estava sozinha nesse dia?
R - Eu estava sozinha, meu marido viajava muito, ele era caminhoneiro, ele viajava, passava muito tempo sozinha.
P/1 - E aí, como foi passar essa notícia para as famílias?
R - Todo mundo ficou radiante, minha mãe ficou muito preocupada, porque não era o momento, mas foi excelente. Todo mundo ficou muito contente, porque isso já fazia mais de oito anos junto com ele, a gente não tinha tido filhos, ele ficou muito feliz e eu também.
P/2 - Nessa época você trabalhava?
R - Não, não trabalhava. O pai do Gabriel era muito ciumento, ele não deixava, não queria.
P/1 - E como que se deu a escolha do nome dele?
R - A gente tinha combinado que se fosse menina ele escolheria, seria Stefany, se fosse menino eu escolheria, eu queria Alefe Gabriel. Mas aí passou, só com oito meses que a gente conseguiu ver o sexo do Gabriel, aí na hora que ele viu que era menino aí ele voltou atrás, aí não era mais Stefany, aí ele ficou na minha cabeça: “Mas Alefe, Alefe não, vamos pôr Luiz Carlos”, que era o nome dele. Aí eu falei: “Não, Luiz Carlos não, que eu já tenho um na minha vida”. Aí concordei pôr Luiz Gabriel, e ficou Luiz Gabriel.
P/2 - E por que Alefe?
R - Eu achei na novela, eu não lembro o nome da novela, mas tinha uma novela e eu gostava muito do ator e do personagem que o ator fazia, sabe. Por isso que eu queria o Alefe.
P/1 - E como foi o dia do nascimento?
R - Olha, eu queria parto normal, de toda forma eu queria parto normal, eu engordei, eu tinha tido um problema de saúde antes, e já tinha engordado um pouco. E na gravidez dele o médico pediu para ter um controle, mas mesmo com esse controle eu tive asma gestacional, que eu tive asma na infância, depois da adolescência até adulto eu não tive nenhuma crise, mas tive asma gestacional, e eu tive que fazer uso de corticoide na gestação, e eu engordei, mesmo tendo todo acompanhamento eu engordei. E aí eu queria normal, de toda forma eu queria parto normal, e o médico falou, olha, você não vai ter parto normal. Mas eu queria. Aí eu lembro que no dia era para o Gabriel nascer mais ou menos no finalzinho de dezembro, e nada, nenhum sintoma, eu não sentia nada, o Gabriel acho que estava tão confortável aqui dentro que acho que não queria vir ao mundo de jeito nenhum. E eu lembro que eu fui no dia 05 de janeiro no médico, ele falou: “Cíntia, não dá mais para esperar, vamos marcar o parto, amanhã cedo você interna”. Falei: “Não, Doutor, então amanhã não, depois de amanhã”. E fui para a minha casa, eu fiz faxina, eu lavei o edredom, eu fiz de tudo para ver se eu começava a ter as dores do parcelamento para ter normal, não teve jeito, teve que fazer uma cesárea. Internei sem sentir nada, foi uma cesárea supertranquila, saí do hospital super bem. Eu tive um pouquinho de depressão pós-parto, ele chorava e eu chorava, eu não sabia lidar muito com a situação no começo, de ter um bebê. E eu fiquei um pouco perdida, o pai do Gabriel sempre viajando, e não conseguia aflorar para esperar o pai quando o neném nascia. E aí até a madrinha do meu filho, que o Gabriel acabou nascendo no dia do aniversário dela, e ela ficou em casa comigo, então ela me ajudou muito com ele no começo, porque ele foi um bebê que chorava muito, e eu não conseguia entender porque ele chorava, e eu chorava junto. Mas era um bebê lindo, teve alguns probleminhas de saúde no início, ele perdeu muito peso, dizendo que não existe leite fraco, mas o meu leite não sustentava. Aí eu tinha uma filha de uma ex-vizinha minha, que tinha tido bebê, e ela morava em um bairro bem longe do meu, e ela saiu da casa dela, e ia de bicicleta e dava mamar para o meu neném, para o Gabriel, ela fez isso alguns meses, até ele recuperar, o peso e tudo, para poder tomar um leite de lata, em pó. Aí durante um bom período ela ia lá amamentar ele para mim. Aí depois tirei de letra, depois você se encanta, você se apaixona, não tem como, filho é amor incondicional, não existe outro igual. Ele não tinha dois anos, acabei me separando, cada um foi viver sua vida, e eu e o Gabriel seguiu nossa vida só nós dois.
P/1 - Quando o Gabriel tinha dois anos?
R - Ele não tinha dois anos.
P/2 - Você quer contar para a gente porque se deu essa separação?
R - Não tem muito segredo, meu marido na época ele trabalhava muito, muito, ele viajava muito, ele ficava muito tempo fora de casa, e eu sempre fui muito ativa, muito falante, e de certa forma eu parei tudo por ele, sabe. E fazia tempo que eu já estava falando para ele, por favor, para um pouco, ele tinha condições financeiras suficiente para pôr um motorista na época, mas ele sempre gostou, e faz isso até hoje, e foi indo, foi indo, até que um dia ele chegou em casa, falei para ele tomar um banho que a gente vai conversar, e aí eu falei para ele, falei, a partir de hoje eu não quero mais. Aí ele se mudou para a casa da minha mãe, sim, ele foi para a casa da minha mãe, e eu fiquei na casa com o menino. Depois ele foi para a casa da mãe dele. Mas depois ele se casou novamente, hoje a gente tem bastante amizade, hoje ele é um grande amigo.
P/1 - E como foi sozinha com o Gabriel, esses primeiros dias da semana?
R - Foi complicado, porque daí eu já estava com uns 29 anos, mais ou menos, eu estava beirando os 30 anos, eu acredito, não, acho que menos. E eu precisava trabalhar, eu tinha que trabalhar, e você passa muito tempo parada, você não exerce a profissão, porque eu fiz o Técnico em Contabilidade e fiz Processamento de Dados, não fiz uma faculdade porque optei por me casar. E para você voltar ao mercado de trabalho do dia para noite, não volta. E aí eu estava um dia na casa de uma amiga minha, e ela falou, aí ela falou: “Eu preciso de uma pessoa de confiança para trabalhar na minha casa”. Eu falei para ela, eu. “Você é louca, a gente estudou junto, não tem como, você, foi tão paparicada, criada com tanto mimo, dondoca”. Eu falei assim: “Mas olha, duas situações, eu preciso de trabalho e você precisa de funcionário. Eu prefiro trabalhar com você, porque se eu fizer alguma coisa errada você vai chamar minha atenção, mas você vai saber falar comigo. Eu estou em uma fase complicada, qualquer coisinha eu posso desabar, e você vai saber falar comigo, outra pessoa estranha não sabe a minha história, não vai ser e eu vou desabar”. Aí comecei a trabalhar para ela, fazendo faxina. Aí eu fiz faxina para ela, depois eu fui fazer para a sogra dela, fui fazer para a cunhada dela, e assim foi. Trabalhei bastante tempo como faxina. Mas mesmo na época, o meu ex-marido na época ganhava muito melhor que eu, eu pagava aluguel, e daí acabei saindo da casa, e para pagar o aluguel, eu tinha que manter ele, eu tinha que provar para um Juiz que eu tinha condições para manter essa criança. E eu cheguei a um ponto, eu tinha um tio que trabalhava no lixão, aonde a cidade de Birigui, levava o lixo da cidade para esse lugar. E um dia, volta e meia a gente ia lá, esse meu tio ele trabalhava com material reciclável, e tudo que ele conseguiu na vida dele, na época ele tinha não sei quantas casas de aluguel na cidade dele, tudo que ele conseguiu dava uma vida com muito conforto para a família, foi trabalhando com reciclável desse lixão. E um dia nós fomos lá à toa, e eu falei para ele que eu ia trabalhar lá, e todo mundo riu, “imagina, você lá?”. Eu falei assim, “eu vou. Então, segunda-feira eu vou trabalhar no lixão”. E assim eu fiz. Minha mãe: “Você é louca, como que você vai?”. Eu falei: “Eu vou de carona”, porque isso era indo depois de Birigui, em uma cidade chamada Brejo Alegre, antes de Brejo Alegre. Ela falou: “Como que você vai?”. “Eu vou de carona”. “Você é doida?”. “Eu sou doida, eu vou”. Eu sempre fui uma pessoa de muita fé, eu sempre coloquei Deus em primeiro lugar em tudo na minha vida, e antes de sair eu orava, eu morava com a minha mãe na época, eu sei que eu pegava meu filho, deixava na casa da minha mãe, e ia lá em frente à Nestlé, e pegava carona e ia trabalhar no lixão.
P/2 - E o que você fazia no lixão?
R - Separava material reciclável. Aí na época o meu tio tinha me colocado para mexer com a parte do lixo que era de indústria, então, você não pegava assim, não tinha cheiro, tinha cheiro de produto químico só, mas não tinha bigato, nada disso, não tinha resto de alimento. Só que um dia eu caí e me machuquei, porque eu ficava sozinha. Aí ele falou: “Não, sozinha assim não dá para você ficar”. É muito bruto, porque era fardo muito pesado. “Se você quiser trabalhar com as outras pessoas lá você vai, senão não, senão você não vai ficar aqui”. Aí eu fui. E naquela época eu era uma monera muito bonita, pesava 60 quilos, cabelão na cintura, e aí eu me vestia, e morria de medo de subir bicho em mim, colocava uma roupa muito justa, colocava um monte de roupa, uma bota, meia de futebol, para me proteger, porque eu tinha medo de algum bicho em cima de mim. Amarrava um isopor na cintura, porque às vezes, eu cansava, eu sentava em cima do isopor. E a gente subia naqueles fardos de lixo lá, e separava todo o material reciclável. Foi acho que a maior lição de vida para qualquer ser humano, porque eu estava ali trabalhando, mas eu via gente que ia lá para busca alimento, e vi como que a gente é rico, a gente é tão rico e joga tanta coisa fora. Eu fiz tanta coisa boa no lixo, eu vesti tanta criança, porque você encontra coisas em condições de uso, sabe. Brinquedos, nossa, o Gabriel teve os melhores Power Rangers do lixo. E eu ganhava muito bem, além de tudo eu tinha um ótimo salário.
P/1 - Teve alguma coisa muito inusitada que você encontrou no lixo?
R - Inusitada? Bom, lá você encontra de tudo, não sei, bom, não me lembro de algo tão extraordinário. Eu lembro que eu acabei encontrando uma vez, que foi uma coisa que me marcou muito, que eu tenho até hoje guardado, eu gosto muito de desenhar, e eu achei uns moldes de desenho, lindo, era somente de letras, e eu achei aquilo e estava em uma malinha separada, e eu peguei, tirei aquilo para ver depois, e na hora que eu fui ver, era que tinha sido de alguém da família do meu pai, de uma tia minha. Ninguém sabe, é a primeira vez que eu estou contando, tinha sido de uma tia minha, estava assinado por ela, os hologramas. Aí eu acabei trazendo e guardando. Agora, brinquedo, eu morava em frente à uma Igreja Católica na época, e eles precisavam fazer um bazar para melhoria da igreja, o que trazia de roupa. Porque tinha muito fazendeiro ao redor, então eles levavam as coisas, que a gente morava muitos anos, levava, não jogava no lixo, levava separado. Então, o que eu trouxe de roupa, brinquedo, nossa, o enxoval da minha filha a maior parte foi os vestidos lindos que ela usava era do lixo, eu tirava muita coisa boa. Eletrônico.
P/1 - E como que era o relacionamento de quem também trabalhava ali?
R - Então, meu tio que cuidava mais. Então, um ótimo relacionamento com ele, um grande amigo meu, eu tinha mais dois primos trabalhando lá, uma outra tia foi também. Então, nunca tive problema, eu cantava o dia todo, ficava louvando, tinha até um louvor que eu cantava, falava no louvor, “Jesus está aqui”, e os motoristas de caminhão, todos eles sabiam da história da minha família, da história do meu pai, de ser um homem com muito dinheiro. E eles não se conformavam, eles contavam a minha história para as esposas, todo sábado as esposas me mandavam doce, pão caseiro, iogurte, e tudo eu trazia para o meu menino, sonho, aquelas fatias húngaras, todo sábado eu vinha cheia de coisa para casa, que elas mandavam. Então, eu nunca tive problema, e eu ia de carona, de ir para a pista, pedir carona para vocês estranhas, e em momento algum eu tive problema, de algum homem mexer comigo, alguma coisa, nada. Depois de um período eu comprei um carrinho, que era um Corcelzinho, daqueles Corcel 1 bem velhinho, eu ia com ele. Aí eu voltava com o porta-malas cheio de coisa. Eu montei uma casa, eu troquei toda a decoração da minha casa, fiz com todas as coisas do lixo.
P/1 - Aí nessa época você morava aonde?
R - Eu morava próximo a esse bairro Jussara, que era na Morada dos Nobres. Montei toda a minha casa, o Gabriel tinha uma estrutura, ele estudava, nunca dei faltar nada para o Gabriel. Eu tinha um amigo que era Oficial de Justiça, e ele falava: “Cíntia, não existe no mundo um Juiz que tira a guarda desse menino, você não deixa faltar nada para ele”. E a gente tinha uma vida muito tranquila.
P/1 - Onde é que você deixava o Gabriel enquanto você ia trabalhar?
R - Com a minha mãe, ela morava bem próximo, eram poucas ruas de diferença. Eu deixava com ela, à tarde eu vinha, e eu fiquei um bom tempo da minha vida.
P/2 - E o pai dele já tinha mudado de cidade?
R - Sim, o pai dele sempre no mundo, sempre viajando, nessa fase ele já estava já com outra pessoa já, que a gente é amigo até hoje, essa moça. E a gente acabou se tornando amiga, no começo tudo muito sempre tumultuado, ele ficou muito magoado comigo, na época que a gente se separou, ele não queria separar, e ele ficou muito magoado. Aí ela no começo também a gente não se relacionava muito bem. Depois não, eu gosto dela até hoje, ela mora na Bahia, eles moraram muitos anos aqui em Araçatuba, ele sempre viajando, quando eles resolveram ir embora para Tocantins, aí ela veio conversar comigo. E eu falei para ela: “Se você não fizer isso vai acontecer com você o que aconteceu comigo”. Aí eles foram, eles vinham. Depois a gente passou um tempo meio tumultuado, mas tudo que é o bendito dinheiro, bendito financeiro acaba atrapalhando um pouco. Nunca fui de pedir pensão, nada disso, aí quando eu comecei a precisar disso a gente começou a ter alguns problemas. E também eles recentemente se separaram, e ele se aproximou de novo do filho, hoje é um grande amigo de a gente conversa, de eu desabafar, grande amigo.
P/1 - Cíntia, nessa época, com o Luiz Gabriel, você trabalhando, você tinha algum plano para o futuro, o que você pensava?
R - Eu só pensava em cuidar dele, eu não pensava em ter ninguém, eu fiquei um bom tempo sozinha. E acabei me envolvendo em um outro relacionamento com um amigo, porque todo mundo ficava brincando comigo falando que na época que meu ex-marido foi se casar com essa moça ela era muito jovem. Então, falavam assim: “O Carlinhos vai casar com uma menina e você está aí, só trabalha, só trabalha”. Aí eu arrumei esse namorado, que era um amigo, eu queria um namorado lindo, que eu pudesse desfilar, mas eu não queria compromisso. A minha vida era muito tranquila com meu filho. Mas aí eu não contava que aos 30 anos, mais ou menos, eu ia ficar grávida, aí eu fiquei grávida da Daphne. Mas ele era mais jovem, eu sempre fui muito centrada, muito pé no chão, e ele era mais sonhador. Então, não daria certo a gente ficar junto, ele até quis, tudo, mas na época eu não quis. Aí eu fiquei grávida da menina, e passei uma gestação muito difícil, muito difícil mesmo, que eu precisei parar de trabalhar lá no lixão, na época. Eu tive vários problemas de saúde na gestação da minha filha, e acabei tendo asma gestacional novamente, aí eu engordei. Inclusive descobri que eu estava grávida porque eu comecei a engordar e ter falta de ar, aí foi aonde eu desconfiei que alguma coisa estava acontecendo comigo, foi onde eu descobri que estava grávida, já com 30 dias de gravidez eu comecei a engordar. Aí eu fiz o acompanhamento com nutricionista e tudo, mas ainda assim eu engordei 49 quilos na gestação dela. Eu tive Dengue, nossa, eu tive na gestação dela, tudo que você imaginar. Eu precisei parar de trabalhar, voltar para dentro da casa da minha mãe, apesar de a minha mãe ser uma bênção, meu padrasto também, uma pessoa maravilhosa na minha vida, mas não é a mesma coisa, você voltar. Aí voltei para a casa deles, e tive uma gestação muito tumultuada, ela nasceu, já tinha passado da época de ela nascer, quase morremos as duas. Aí ela nasceu já com problema de saúde, que ela tinha (inint) [00:43:14], ela tinha um refluxo e intolerância à lactose e por causa do refluxo ela passou muito mal, ela teve um início de vida muito complicado. E eu também, porque logo após o parto eu tinha que voltar a trabalhar, eu tinha que amamentar, a alimentação dela era bem mais cara, e eu voltei a trabalhar, fazendo faxina, fazer faxina em uma igreja, e na casa de um fazendeiro, era uma bênção aquilo na minha vida, eles, porque sempre que podia sempre me ajudaram, tudo que eu precisava. Depois eu fui fazer faxina também na casa de um amigo, um casal de amigos, cuidei da filinha deles, e também me ajudava muito. E assim eu fui tocando, fui levando, comecei a bordar, eu lembro que uma época a faxina estava meio escassa, e aí eu estava sentada no portão da minha casa, eu lembro que estava faltando algumas coisas até para o Gabriel. E meu vizinho sentou do meu lado no chão, na calçada, e falou: “O que você tem, que você está triste?”. Falei: “Poxa, preciso até comprar leite para o Gabriel e eu não tenho como, eu preciso arrumar um outro emprego”. Aí ele falou: “Por que você não borda?”. “Filho, me dá uma enxada, mas não me dá uma agulha, eu não sei mexer com agulha”. Falou: “Cíntia, mas uma pessoa que nem você, sempre aprendeu, você se adaptou tanto a sua vida inteira, se adaptou às coisas, você vai conseguir. A minha mulher borda, e ele não precisa, ela trabalha bordando porque ela gosta”. Falei: “Quer saber, está bom, vou tentar”. E realmente, bordado me ajudou muito. Aí eu bordava blusa, cinto, vestido, bordei durante muito tempo, aí depois eu comecei a bordar com sapato, as fábricas mandavam e a gente bordava sapato. Aí foi quase a época de vir para cá, que meu menino já estava maiorzinho, a menina com problemas de saúde, ela vomitava muito, nada parava, o médico achava, ela não absorvia nenhum tipo de vitamina, ela muito miudinha, eles achavam que ela não ia conseguir viver muito tempo, e aí apareceu essa oportunidade da reforma agrária no assentamento, que foi por um acaso, foi para ajudar uma outra pessoa, que a gente veio trazer ela para o acampamento, e acabou, sei que no final da história acabamos vindo nós para o assentamento.
P/1 - Como?
R - A gente estava com um problema na época, a minha mãe morava em uma casa (inint) [00:46:56] e a prestação era muito cara, e eu sem trabalho, o que eu fazia era para alimentar principalmente a menina. E o meu padrasto ficou doente. Então, a gente corria o risco de perder a casa. E meu tio sempre foi envolvido nessa história de acampamento, de MST, e ele estava com um acampamento para entrar nessa fazenda onde a gente mora hoje, e ele precisava de umas famílias. Tem uma senhora que ela não é minha tia de sangue, mas eu sempre falo para todos que é a tia que eu mais gosto, e ela estava com problema de moradia, mas ela tinha muita coisa, ela mexia com costura, ela tem um monte de coisa dela, e a casa da minha mãe não dava, aí esse meu tio sugeriu a gente levar ela para esse acampamento. Aí a gente foi, ela topou, era um barraco, tudo, meu padrasto fez um barraco de lona muito bem feito para ela. E ela veio, para esse acampamento. E com o pretexto que a gente tinha que vim ver ela, trazer as coisas para ela, para não deixar ela sozinha, a gente começou a vir todo fim de semana, e nisso eu trabalhava com bordado e ainda trabalhava na casa desse amigo fazendo faxina e cuidava da filha desse amigo, inclusive trazia ela para o acampamento junto, a filha do patrão trazia para o acampamento. E a gente vinha e eu fui me interessando, querendo e me aprofundando, que até então eu tinha àquela visão de reforma agrária, que era um bando de vagabundo desocupado, que não queria saber de nada e roubava a terra dos outros. E não é, a realidade é totalmente diferente, eu comecei a pesquisar, a me inteirar mais, a me informar, e participar. Aí com isso meu padrasto, era o sonho dele de ter uma terrinha, aí ele já fez um barraquinho para ele, aí foi indo, aí foi ficando, e o tempo foi passando, até que saiu a fazenda.
P/1 - Antes de sair, consegue contar para a gente como é que era a convivência de todo mundo?
R - No acampamento? Bom, para nós não foi difícil, que metade do acampamento era parente, tinham uns três, quatro tios. Inclusive o tio que morava no lixão, ele abandonou o lixão na época, e veio para cá, veio para o acampamento. Então, veio ele com a família, uma outra tia. Então, muita gente, tinha tantos parentes da minha mãe quanto parentes do meu padrasto. E por ser um acampamento muito pequeno, então, não tinha tanto problema, tinha uma família que era um Coordenador meio revoltado que causava problema para todo mundo, mas o resto era tranquilo. E a gente acabou vindo e acabou ficando. Eu não tinha a intenção de vir morar, devido à problema de saúde da menina eu não queria vir morar, achava que era muito longe, se ela tivesse uma crise respiratória eu realmente não teria como cuidar. Eu sei que em um dos atendimentos dela, um médico, que veio dos Estados Unidos palestrar para os médicos daqueles home care, que atendia ela. Ele falou que eu devia tirar ela da cidade, dar leite de cabra e parar com a medicação que ela tomava, que aquilo que estava matando ela. Ela tinha crise de desmaio, tinha crise respiratórias. Mas na época eu falei assim: “Esse médico é louco, ele vai matar meu neném”, e ela era tão linda. Aí eu não acreditei na época. Nisso o Gabriel na escola jogando bola quebrou o braço, e ficou de licença da escola, e eu bordava, passei na mão de tudo, falei, vou lá para o assentamento ficar lá. Passei no mercado, comprei o leite de cabra e vim, nunca mais fui embora. Me apaixonei, porque daí em 15 dias a minha filha largou toda aquela medicação que ela tomava, que causava os desmaios, se alimentava de tudo, nunca mais ficou doente e eu acabei ficando.
P/1 - Tem um nome, o acampamento?
R - Na época era Acampamento Boa Esperança.
P/2 - E como era a sua rotina no acampamento?
R - No início, lá, era muito diferente, porque a minha vida deu um giro de 360 graus, de uma infância rica, uma infância que eu tive de tudo, tudo que eu imaginava em ter na minha vida meu pai me dava, eu viajava, estudei em ótimos colégios, com 15 anos eu tinha tudo, tudo, eu pensava em fazer alguma coisa ou ter alguma coisa, meu pai me dava. Então, minha mãe também, sempre. Eu fui uma menina que tive de tudo, tudo que uma criança deseja ter, uma adolescente deseja ter eu tive, desde uma família estruturada quanto à parte financeira, nunca soube o que era passar por dificuldades. Sempre meu pai me ensinou os valores, que tudo a gente tinha que valorizar, ele sempre falava para mim: “Que podia ser uma agulha, se alguém te der uma agulha você guarda, porque o importante é que ela lembrou de você”. Então, eu sempre tive muitos valores, nunca fui ligada a coisas materiais, mas eu tive muito conforto, com adolescência eu participava em eventos solidários, eu arrumava cesta básica para os outros, mas no fundo no fundo eu não sabia o valor daquilo, que aquilo tinha, até eu precisar, a partir do momento que eu passei a precisar, que eu precisei muito, eu vi o quanto aquilo era importante. Mas foi bom, eu aprendi muita coisa, não me arrependo. E vir para o assentamento foi outro aprendizado, porque quando eu cheguei aqui era uma vida totalmente diferente, garota da cidade, morava na cidade, sempre aquela vida agitada, que trabalhava, lutava, corria trás, eu nunca me deixei abater por momentos tristes, às vezes, eu sempre brinco, eu falo assim: “Eu não tenho tempo para a depressão”. E aquela vida toda agitada, de repente a gente veio para cá e eu não tinha trabalho, não tinha no que trabalhar, eu não tinha o que fazer, a gente tinha que viver com aquele pouco que a gente tinha, e no começo não foi fácil. Quando a gente estava no pré-assentamento, que todos os acampados moram em volta da sede, tem a posse, mas não pode ir para os seus lotes porque não cortou os lotes. Foi a época que eu vim definitivo para cá, foi nessa época. E ali ainda estava todo mundo junto, foi uma época mais fácil, porque está ali todo mundo junto, sempre está fazendo alguma coisa, tinham muitas reuniões com o INCRA. Então, foi mais fácil, eu sempre muito fuçada, sempre gostava de me inteirar, eles vinham e falavam um assunto, eu ia pesquisar, eu queria saber, eu fazia pergunta o tempo todo, e acabei me envolvendo muito com esses jovens do INCRA, por perguntar demais, sempre queria saber. Aí quando foi para vir para os lotes mesmo, a gente não tinha energia, a gente não tinha água, eram todos os terrenos lotados de cana, e simplesmente, vocês têm 30 dias para entrar dentro do seu lote, senão vocês vão perder, sem casa, sem nada. Aí eu lembro que na época, foi até uma tia minha que faleceu, um tio que faleceu na parte do meu pai que não tinha herdeiros, e nessa época eles foram obrigados a me achar, porque como meu pai já era falecido, a parte do que era do meu pai, que divide, veio para os quatro irmãos, e acabou caindo uma parte para mim, na época eu lembro que eram 6 mil e 500 reais, que eu fiz o posto, cacimba, para a gente ter água, e construí um barracão no fundo que seria a nossa moradia. E a gente veio para o lote com a cara e com a coragem, ainda sem ter nada. E no começo eu fiquei um pouco deprimida, porque eu estava ociosa, eu ajudava meu padrasto plantar uma mandioca, fazer alguma coisa, isso e aquilo, mas não tinha como investir, não tinha o que fazer. E eu lembro que um primo do meu padrasto tinha uma motinha lá abandonada lá sem documento, sem nada, me deixou aqui no sítio, eu não estava nessa motinha, eu ia nos lotes de cada um, todo dia. Saía andando pelos lotes. E comecei a ver que todo mundo estava naquela mesma situação que eu, todos vieram de uma estrutura, estava aqui, não tinha muito o que fazer, e se alguém não assumisse de correr atrás, de fazer alguma coisa, não ia dar em nada, e comecei a me envolver. Na época tinha uma coordenação o assentamento, o pessoal estava descontente. Aí o pessoal se mobilizou, tirou essa coordenação, quem assumiu a coordenação foi meu padrasto e um outro companheiro, e eu sempre por trás, o pessoal queria que eu assumisse um cargo, essas coisas, mas eu não quis, porque eu sempre quis estar do lado oposto, eu sempre falto que se eu entrar para o meio eu não vou ter como cobrar de mim mesmo, então eu tenho que estar por fora para eu cobrar. Mas eu sempre corri muito atrás de tudo, de toda a estrutura que podia correr, até hoje o que eu posso fazer. E isso foi me tirando aquela coisa daquela tristeza que eu estava de estar ociosa. Então, foi muito bom, hoje eu considero da porteira para dentro, eles são a minha família, o Assentamento (Herédia) [00:55:50] é a minha família, são 60 famílias que moram aqui dentro, mas para mim, todos eles fazem parte da minha família. Tem uns que já foram embora, alguns faleceram, o meu tio do lixão faleceu, e mais os que estão chegando, todas as crianças eu vi nascer, a gente correu atrás para ter uma escola, a gente pintou a escola para ter aula, a gente foi de porta em porta, eu com o menino do INCRA, para fazer matrícula para essas crianças, e não tinha aluno. E estamos aqui até hoje, eu fui funcionária depois da descola, mas acabou não dando certo, porque tinham alguns problemas que eu não aceitava, eu dei baixa na minha carteira. Na época os professores que vinham, assim, de certa forma tinham alguma diferença, e às vezes, abusava do horário, as crianças demoravam para ir para sala de aula, e acabou tendo vários problemas. Tinha que cuidar da escola, e tinha as regras, que como funcionária eu não podia fazer, que nem, uma criança se machucava, nós tínhamos aula aqui no sábado, e o outro assentamento que é mais longe as crianças de lá vinham estudar aqui, e às vezes, uma criança machucava o pé no sábado, a Diretora não trabalhava no sábado, a Prefeitura não trabalhava no sábado, o único órgão que tinha funcionando era os nossos. E eu simplesmente achava um companheiro meio maluco, colocava a criança em uma caminhonete e levava para o pronto socorro. Aí eles: “Não, você não pode fazer isso”. Aí eu sempre brigava falando: “Não posso nem comprar lá nas Casas Bahia, porque eu não sei se no outro mês eu tenho emprego”. Como que eu vou deixar uma criança machucada? Queriam que eu fosse atrás dos pais, não pegava um telefone, voltasse 60 quilômetros para trás para buscar um pai de uma criança que estava sangrando, a criança ia morrer, então eu ia acudir a criança. “Você não pode fazer isso”. E eu fazia. Aí não deu certo, eu dei baixa na carteira e fiquei sem emprego de novo. Aí eu comecei a ser voluntária da saúde, porque não tinha Agente de Saúde, só tínhamos o posto do bairro mais próximo, que era Engenheiro Taveira, um Posto de Saúde pequeno. E a gente tinha muita parceria com a Enfermeira de lá, que é Enfermeira até hoje, que é a Sônia. E a gente tinha muitas reuniões, que mudou a política, e o pessoal que entrou era muito meu amigo, muito parceiro, aí eles conseguiram um ônibus para buscar os assentados para levar no médico. Mas não adiantava só o ônibus, vai buscar quem, pegar quem? Então, tinha que ter alguém responsável para ver quem ia para o médico para agendar, para selecionar. E eu, aqui nesse assentamento, uma moça chamada Kayte do outro assentamento, e um senhor chamado Leal no Araçá, nós marcamos essas consultas, a gente fez uma triagem para saber quem era hipertenso, quem era diabético. E marcava a consulta, e essa van vinha, uma vez por semana, pegava esses pacientes, levava no médico, depois devolvia. Mas nisso, quem estava fazendo isso com eles era a Enfermeira, e acabou ela teve problema porque ela tinha que ficar na unidade de saúde, como que a Enfermeira deixa a unidade de saúde? E os motoristas não tinham como saber. Aí eu assumi, e eu fiquei nessa vida quatro anos e meio fazendo como voluntária, toda semana o motorista chegava na minha casa, durante a semana a gente marcava as consultas, eu e esses dos companheiros, aí o motorista vinha e chegava em casa às 03h00, me pagava, a gente ia para o Assentamento Chico Mendes, percorria o assentamento, pegava todos os pacientes, voltava aqui no meu, pegava aqui, e ia para o Assentamento Araçá, pegava no Araçá e levava no médico. Aí levava no médico, como o ônibus ia para a Secretaria de Saúde, deixa os que iam fazer exame laboratoriais no laboratório, aí depois do almoço o ônibus voltava, pegava todo mundo e a gente saía entregando, e às vezes, no final da tarde, às vezes, quando o ônibus quebrava à noite, e ficamos quatro anos e meio.
P/1 - E Cíntia, você lembra da primeira noite que vocês passaram aqui?
R - Aqui no lote, foi no dia 28 de maio de 2008, dia 28 de maio de 2018. Para mim eu estava muito ocupada, porque além de a gente estar fazendo a mudança, eu tinha uma gata que tinha dado cria, estava mais preocupada com a gata voltar para a sede, levando os filhotes na boca, do que comigo mesma. Então, eu fiquei mais cuidando da gata, porque o gato volta, e era perto. Mas foi um pouco estranho, porque a gente não tinha energia, e era muita cana, a cana muito alta, só limpamos o lugar onde ia ser a casinha, o barraco, e tinha que ficar ali. Então, tinha receio de ter bicho, no começo aparecia rato, da cana. E cobra, o pessoal tinha muito medo de cobra. Mas já estava no prego, então, já estava meio acostumada. E outra, era uma conquista, você ir para o que é teu, vai recomeçar com toda dificuldade, mas é seu, fazer a sua casa, era uma casa de madeira e tudo, mas era minha casa. E a gente na época conseguiu um gerador, quando alguém da cidade vinha passear aqui, eram três coisas que minha pedia, a pessoa perguntava se queria alguma coisa, primeira coisa, era Coca-Cola gelada, primeiro que não tinha energia, um pãozinho da padaria fresquinho, e gasolina, queria dar um presente para qualquer um aqui dentro era um litro de gasolina, que aí conseguia ligar o gerador e assistir um pouquinho de televisão.
P/1 - Como foi viver esse tempo todo sem energia? Porque é muito mais do que você ascender a luz, é você ter contato com o mundo por televisão?
R - Você aprende a ver, que nem, eu sempre fui muito organizada, eu sempre falava para os meus filhos assim, principalmente o guarda-roupas, você tem que abrir o guarda-roupas de olhos fechados e pegar o que você quer de olhos fechados, e antes de qualquer forma, antes dessa situação, eu não precisava nem estar de olho fechado, porque eu não enxergava nada. Então, você tinha que manter tudo muito organizado, tudo muito limpo, porque você não tinha visão à noite para ter as coisas. E o contato, realmente, eu tive uma oportunidade na época da escola, eles queriam que eu fizesse Pedagogia, para ser Professora na escola do assentamento, e eu fui prestar um vestibular, e durante o vestibular eu tive uma crise de riso, porque as perguntas de conhecimentos gerais eu não sabia praticamente nada, fazia três anos que a gente morava aqui sem energia. Então, você não tinha uma leitura, você não assistia um jornal, você não sabia o que estava acontecendo no mundo lá fora, o nosso mundo era aqui dentro.
P/2 - E como é que isso mudou a rotina familiar, por exemplo, à noite, o que vocês faziam no fim do dia sem energia?
R - Bom, o banho tinha que ser bem mais cedo, porque era um banho, a gente tinha não água quente, então teria que esquentar, eu tive um acidente, eu me queimei, sabe, eu tive uma infecção, queimadura depois, fiquei alguns meses bem ruim. E a rotina você muda, porque tudo você tem que fazer mais cedo, tanto você acorda mais cedo, quanto você dorme mais cedo, na cidade você dorme muito tarde. Então, quando veio para cá a rotina mudou muito, você não tinha uma televisão. Então, o que vai fazer com as crianças? Vamos ler, vamos brincar. Ler à luz de vê-la, mas você tinha que imaginar as histórias. Eu gostava muito de ir para o rio, a gente sempre gostou de ir para o rio, antes do meu menino ter o problema de saúde, eu tinha uma moto aqui, aí no final da tarde, que o sol estava fresco, a gente corria no lote que a minha tia mora, entrava no rio, a água ficava na beiradinha, uma deitada na beira da água e ficava brincando com o formato das nuvens. Aí dava umas 18:00, 18:30 da tarde, nós montávamos nessa moto e vinha embora para casa para tomar banho. Então, as diversões eram outras, você ia brincar de bola, a gente tinha uns cabritinhos que brincava de esconde-esconde, dava mamar para o cabrito, passa a ter uma infância gostosa, de brincadeiras, de mais contato, que hoje o mundo virtual não oferece para as crianças de hoje, os meus ainda teve o privilégio de pagar uma infância de brincadeira mesmo, de mais contato. E era assim, aí jantava e ficava conversando até adormecer.
P/2 - À luz de vê-la?
R - À luz de vê-la, e de vez enquanto tinha uma gasolina, colocava o gerador, aí que ficava mais fácil, colocava um DVD, porque a gente sempre priorizou as crianças, aí colocava um DVD para as crianças assistir um filme. Então, por isso que a gente ficava com pouca informação mesmo.
P/1 - E o que transformou quando chegou a energia?
R - Não, é como se você voltasse a enxergar, porque era tudo muito difícil, porque para ter água a gente precisava da energia, porque senão ficar puxando a água naqueles postos cacimba, ninguém aguentava. Os animais estavam morrendo, foi uma luta muito grande. Quando chegou a energia foi assim um presente mesmo.
P/1 - Você acompanhou a vinda de energia para cá?
R - Acompanhei, sim. A gente queria muito o Programa Luz para Todos, mas na nossa região não existia ainda, nunca tinha sido implantado. E foi assim, teve algumas discórdias, alguns grupos queriam um outro tipo de processo de energia, mas onde traria dívidas, e ninguém tinha recurso para dívida. Eu acabei tendo alguns problemas, algumas discórdias com algumas pessoas, e nisso eu sempre buscava o programa, tive até um desentendimento com o pessoal do INCRA, porque eles afirmavam que não vinham, tem algumas regras um pouco mais rígidas, que é a Eletro, que é a Andradina, e programa que para cá não viria. E acabou um dia nós estávamos em casa, e no meio da tarde parou um carrão, perdido ali, e o senhor pegou e falou que estava perdido e que ele estava procurando um outro assentamento, mas que era lá para o lado de Pereira Barreto, brinquei com ele e falei: “Nossa, você está realmente muito perdido”. Aí ele pediu água, pediu água, sentou lá, a gente estava almoçando, e acabou ele almoçando com a gente ali, uma comidinha bem simples, e ficamos à tarde toda conversando. Eu imaginava que seria alguém do INCRA ele, por estar em assentamento. E começando a contar história e conversar, nem fiquei sabendo quem ele era durante a conversa, no final da tarde eu pedi para a minha filha fazer a tarefa, porque ia ficar escuro, era o primeiro aninho dela, e falei para ela fazer a tarefa, que senão depois ia ficar escuro e ela não ia conseguir fazer. Aí que ele percebeu que não tinha energia. Aí ele falou para mim, porque não tinha energia. Aí contei para ele que estava tendo problemas, que a CPFL ela tinha umas regras mais complicadas, e a gente não estava conseguindo, e eu já estava cansada, que é a minha função, pedir a Deus, levar meu filho todo dia para o ponto de escola, às 04:30 da manhã, voltava, sentava no quintal e ficava conversando com Deus. E sempre disse, que enquanto o homem diz não, Deus pode mudar a história. E eu estava esperando realmente um milagre, porque não tinha outra solução, porque todos os órgãos públicos eu procurava e falava que a gente não ia consegui o Programa Luz para Todos aqui. E eu lembro que nesse momento ele olhou, ele era bem branquinho, e ele deu risada e falou assim: “Você sabe quem eu sou? Eu sou de Furnas, eu trabalho com o Programa Luz para Todos, eu sou o responsável pelo Programa”. Sabe, aquilo foi maravilhoso. Aí ele falou: “Monta no meu carro porque a gente vai conhecer esse assentamento todo e eu vou te falar as regras, o que você tem que fazer para conseguir o programa”. E assim a gente fez, corremos atrás de tudo que ele deixou, dos contatos todos, fiz tudo que ele pediu, mesmo assim ele segurou, continuou insistindo contra, acabou na época tendo que vir até o Presidente do CPFL, porque o INCRA não tinha contrato. Mas foi mágico. Inclusive eu nunca tinha subido em um palanque, porque eu nunca gostei. As poucas coisas que eu podia fazer, eu não queria aparecer, eu nunca quis, e nesse dia eu falei para Deus, que na inauguração da energia realmente eu subiria no palanque, não pelo homem, mas porque realmente essa energia foi um presente de Deus, é lógico que ele capacitou as pessoas e deixou aí para a gente trazer esse programa, foram ungidas por Deus para realmente dar essa atenção toda, porque até o pessoal da CPFL, dessa turma, também foram muito parceiros. Então, no dia da inauguração teve uma festa imensa, e eu subi no palanque e agradeci a Deus, apesar de estarmos muito tristes, que a gente tinha perdido um primo que era assentado, por uma imprudência médica, no dia anterior à inauguração. Então, a gente estava muito triste, mas ele foi um dos que lutava muito pela energia junto comigo. E hoje a nossa escola leva o nome dele.
P/1 - E como seus filhos foram crescendo nesse meio?
R - Até hoje, a gente fala, às vezes, brinca, fala que eles vão crescer, ter a vida deles, vão embora, eles falam que embora não vão de jeito nenhum, não quer nem mesmo. É uma vida sadia, bem muito mais tranquila, antes a escola era longe, então era mais difícil, mas com a vinda da escola para cá, principalmente para a minha menina, que pegou a escola aqui, eles iam para a escola, acordava cedo, ia para a escola, uma infância normal, muito mais saudável do que as crianças da cidade. Meu menino desde cedo sempre trabalhou, sempre ajudou meu padrasto, tirava leite, ajudava perdendo o animal, entregando leite, desde criança sempre trabalhou, ajudava muito no serviço. Depois ele teve um problema de saúde, aí sim foi se tornando cada vez mais limitado.
P/1 - O que aconteceu com o Gabriel?
R - Ele apresentou uma alergia no corpo, nas juntas do braço. E na época já estava como voluntária na unidade de saúde, a Médica que atendia lá, ainda receitou uma pomadinha, e falou assim: “Nunca teve nada, vou encaminhar para um dermato”. Quando chegou no dermato já estava nas dobras do joelho, da perna, e ele tinha umas pintinhas no rosto, uns pontinhos no rosto que para mim achava que era da espinha, para mim aquilo lá seriam as espinhas, para quem tem 14 anos. E quando ele conseguiu essa consulta no dermato, o dermato falou assim: “Mãe, não é para mim, é para um alergologista, mas vou ficar com ele, o que você precisar eu vou atender, até a gente conseguir uma vaga para um alergolotista”, que era uma especialidade muito cara, e aqui na cidade tinha muito pouco. Demorou oito meses, quando ele conseguiu chegar no alergologista já estava no corpo todo, já tinha vários ferimentos, e foi só aumentando, foi se agravando, ele foi para um ano, para alergologista, dra. Arieme, era uma alergologista de Rio Preto que vinha atender ele, e ela tentou vários tratamentos, vários, até que ela entrou com um processo de imunossupressor, uma quantidade pouca, que era 50 miligramas por dia, e ela ficou com ele quase um ano. Aí quando ela chegou ao ponto de ele piorando, piorando, piorando, as lesões aumentando, ele tinha ferida pelo corpo todo, e foi se agravando, ele pegava vírus, bactéria, aí ela resolveu transferir, pediu a transferência para São Paulo. Foi quando ele chegou ao Hospital das Clínicas, que é outra vez ele é muito bem tratado. A dra. Arieme e a equipe dela sempre tratou ele muito bem, e a mim também. Ele tem toda assistência. Ele se tornou cada vez mais limitado, ele toma ainda imunossupressor, retomou o tratamento com imunossupressor, é uma dosagem bem alta, ele toma várias medicações. Mas ele é muito limitado, ele não pode com cheiro, ele não pode suar, ele não pode um monte de coisa, então ele não trabalhar mais. E assim, ele não tem uma vida social, o ensino médio ele terminou porque ele fazia os trabalhos em casa, porque ele sempre foi um excelente aluno, uma pessoa muito carismática. Então, os professores não deixaram ele parar no tempo, ele concluiu o ensino médio praticamente em casa. E ele acompanha até hoje, hoje ele passa em várias especialidades no Hospital das Clínicas. Mas eu agradeço a Deus, agradeço a Deus a todo instante por ter aquele hospital, pela dra. Arieme e a equipe dela, que, nossa, se desdobra não só com ele, mas a gente fala dele porque é o que a gente vive, mas eu vejo o cuidado que tem com os outros pacientes, aquele hospital é uma lição de vida, você passa a valorizar tudo que você tem. Para ele mesmo eu falo, você é limitado, mas você não é incapacitado. A gente vê tantas situações dentro daquele hospital, que você fala, tudo que ele passa eu ainda agradeço a Deus por ele ainda ter tudo que ele tem ainda. E a gente é muito bem acolhido, muito, nossa, a medicação, tudo, tudo, ele tanto passa no laboratório, quando ele passou também um tempo ali no Instituto da Criança, já reumato. Eu não tenho o que dizer. A Prefeitura também da minha cidade fornece o transporte, e a gente leva ele, a Prefeitura disponibilizou um carro para levar ele. Os motoristas são amigos, são parceiros, ri quando tem que ri, chora junto quando tem que chorar, a fase que a gente teve mais contato com os motoristas, que ele vivia mais na estrada do que com a minha própria família, que teve a época de ele ir três vezes por semana para São Paulo, e eu só vinha, trabalhava, voltava. E apesar de toda a limitação dele, ele é uma pessoa muito especial, uma pessoa maravilhosa, que serve de exemplo para muita gente.
P/1 - E Cíntia, você pode contar para a gente o passo-a-passo dessa viagem até São Paulo, desde o preparativo aqui na sua casa, o que vocês levam, quanto tempo até Araçatuba? Tudo, conta como é essa viagem, desde o preparativo até chegar.
R - Você me dá só uns minutinhos?
P/1 - Quantos você quiser. E aí, Cíntia, voltando, a gente estava falando dos preparativos e a viagem até São Paulo, se você puder detalhar cada etapa para a gente, de tempo, de tudo.
R - Primeiro passo, quando vem com agendamento a gente tem que levar no setor do transporte, para pedir o carro. A gente leva na parte da manhã na Prefeitura, lá no setor de transporte para eles fazerem o agendamento da viagem. Eu geralmente estou trabalhando, porque geralmente é durante a semana, então eu saio do bairro que eu trabalho, quase 18:00, o máximo que eu consigo sair é as 17:00, e aí eu venho até o assentamento para eu me arrumar para eu ir. Mas durante o dia, na parte da manhã, eu antes de ir, eu já deixo a minha malinha arrumada, porque como é muito longe, eu tenho que deixar as minhas coisas todas prontas, e lá não tem como você comprar. Porque no começo, as primeiras viagens, eu passei muito frio em São Paulo, porque totalmente desprevenida, e o clima muito diferente, é uma região muito quente, e chegava lá e acabava passando frio. Então, eu você completamente equipada, levo coberta, levo travesseiro, e sem contar que muitas das consultas ele chegava lá e ela resolvia internar, aí eu não tinha nada, não tenho ninguém lá, como é que eu ia fazer? Então, eu já vou com carrinho equipado. Então, na parte da manhã eu acordo, já deixo tudo arrumado, a minha mala, a dele, tudo pronto, aí eu vou trabalhar, e isso o período durante o dia, à tarde ele já vai tomando banho, se preparando, na hora que eu chego, só arrumo, tomo um banho, me apronto, aí meu padrasto leva a gente até à cidade, na casa de um amigo, que é aonde eu combinei com o carro da Prefeitura pegar, e de lá a gente parte. Às vezes, a gente come alguma coisa aqui em casa, e na ida daqui para lá tem um posto de gasolina que geralmente eles param em uma rede do GRAAU, mas uma vez a gente teve um problema com uma funcionária de um desses postos que ele prefere não descer, nesses postos de rede muito grande, que desce ônibus de excursão. Teve uma época, ele só usa roupa de malha, e tinha muito ferimento, e tinham dois ônibus de excursão chegando, e a gerente do posto pediu se eu podia ficar em um lugar mais afastado com ele, porque ele tinha muito ferimento, os turistas poderiam não gostar, se constranger, de ver ele naquela situação ali no balcão. E depois disso ele prefere não descer nesses lugares. E tem um posto um pouco mais para frente que é um posto para caminhoneiro, e onde o pessoal trata ele muito bem, ele desce, ele senta, ele come, e é ali que a gente para. Inclusive os motoristas já até sabem, a gente prefere parar lá, e para lá com a gente, senta ali. De lá a gente faz uma outra parada que é perto de Botucatu, e chega em São Paulo por média de 03:00, 04:00. A gente espera o hospital abrir e já sobe para aguardar a consulta, que quando é na imunologia é 01:00 da tarde. Aí a gente fica lá, pega a senha, desce lá no subsolo, ou almoça, e passa pela consulta, vai na farmácia, já vem ao motorista, e volta faz o retorno, chega aqui em média, antes da meia noite a gente dificuldade chega. Agora quando é exame, na parte da manhã a gente vem embora mais cedo, quando é alguma outra especialidade a consulta é de manhã, também vai mais cedo. Agora ele faz parte do grupo Seda, que é um grupo de apoio a dermatite. Então, geralmente ele passa na consulta, vai para o grupo, que para ele está sendo muito bom, para mim também, as poucas vezes que eu consegui ir, que nesse grupo, quem foi mais vezes foi a minha mãe, porque durante três anos foi eu, só eu que ia, só eu assim, não deixava ninguém ir, só que eu comecei a ter um desgaste muito grande, e assim, fiquei doente, porque eu trabalhava e ia para São Paulo, trabalhava e ia para São Paulo. E eu estava muito cansada. E o pessoal do Posto de Saúde que eu trabalho todo mês tem um de férias, aí eles se prontificaram que quem tiver de férias aquele mês vai com ele, então, eles começaram a ajudar muito. Tem alguns amigos também, até a viagem retrasada dele foi uma esposa de um rapaz que trabalha aqui na fazenda, em uma fazenda que não é nem do assentamento, foi com ele. E em uma ocasião eu precisei que a minha mãe fosse, e que até então eu não deixava ela ir que eu achava que ela não ia aguentar, e descobri que ela aguenta, e agora eu estou explorando.
P/2 - E do que consiste esse grupo, é uma conversa, uma terapia?
R - O Seda, ele ensina técnicas de hidratação, que acho que a dra. Arieme participou de um grupo nos Estados Unidos, se eu não me engano, e ela aprendeu novas técnicas de hidratação. E assim, discute sobre as experiências de cada um, tem os desabafos de cada um, a gente ri com algumas histórias, chora, geralmente chora mais do que ri, eu sou a mais chorona geralmente. E ela ensina, todas as vezes, algumas técnicas de hidratação, para a melhora da pele, que tem umas hidratações agora que faz com bandagem, com banho mais demorado. Então, de certa forma, o Gabriel é um paciente que se tornou, ele mexe com as crianças, porque ele gosta muito de criança. Então, mesmo que ele tiver meio rebelde no grupo, ele incentiva muito a fazer, porque teve uma das vezes que ele estava um pouco rebelde e não tinha o que a Doutora tinha mandado fazer. E na hora do grupo ele falou assim, aí depois eu falei assim: “Gabriel, você mentiu?”. Ele falou assim: “Mãe, mas as crianças não podiam ouvir eu mentir”. Elas de certa forma porque ele chegou lá ele estava melhor, mas ele estava melhor assim, por acaso. E ele falou assim: “Mas as crianças não podiam ouvir, porque eu sei o quanto isso é bom e importante. A minha rebeldia que não podia ter acontecido, não posso deixar isso transparecer para elas, porque elas são mais novas do que eu”.
P/1 - E Cíntia, até você chegar no Hospital das Clínicas, encontrar todo esse tratamento, quais outras alternativas você já tentou fazer com o Gabriel?
R - Menina, já tentei tanta coisa, eu já fiz tanta loucura com o Gabriel, principalmente coisa natural, chá, tudo que me ensinaram eu dei, banho, até barro eu passei nele, terra, trouxeram terra não sei de onde, barro não sei onde, até isso eu passei. Bom, a gente mora em um lugar que o pessoal usa muito medicina natural. Então, tudo que me ensinavam na época eu fazia. Algumas até funcionavam com uns dias, não sei se era vontade de a gente querer que funcionasse, mas depois não surgia nada, efeito algum. Aí tinham até algumas pessoas que são mais tradicionais, até a parte religiosa, nós somos evangélicos, vai na igreja. Até teve uma época que onde o Gabriel se perdeu um pouco, porque ele se envolveu muito pela fé, ele passou a ir à uma igreja que na época eu questionava os valores da igreja. E assim, ele começou a ir, todo domingo ir nessa igreja, porque é uma igreja que passava na televisão, e os parentes do meu padrasto frequenta, e ele começou a ir aos domingos para a igreja. Mas eu não ia, eu não ia porque eu questionava alguns valores da igreja.
P/2 - Que valores eram esses?
R - Para mim eu achava que eram muitos valores financeiros. Então, eu questionava, que eu apesar de ser evangélica, uma igreja que mexia muito com relacionamento você e Deus, que eu fui batizada na Quadrangular. Então, era muito assim, é um relacionamento mesmo com Deus, sabe. E a igreja que ele foi, não importa dizer o nome, que na hora era a Universal, e na época eu questionava os valores da igreja, e eu não ia, ia ele e meu padrasto. Até que um dia ele falou para mim e falou assim: “Mãe, eu tenho 16 anos, os médicos falaram que o que eu tenho não tem cura, e eu me vejo às vezes, realmente me acabando de tantas feridas”, que às vezes, ele fala, “nossa, eu sinto que eu estou apodrecendo”. E falou que, “podia fazer de tudo, falou que podia, sei lá, ficar um rebelde sem causa, e usar droga, fazer qualquer outra coisa na vida. E eu estou buscando a Deus, eu estou buscando a Deus, fervorosamente buscando a Deus. E você sempre foi uma mãe muito presente na minha vida, só que você não está indo para a igreja comigo, você sempre esteve do meu lado em tudo, e eu estou indo buscar a Deus e vocês não estão indo comigo”. Nem eu, nem minha mãe, e nem a minha menina ia. E realmente, eu falei: “Não, eu não fui, eu não conheço, por que eu estou julgando sem conhecer? E se estão tratando ele tão bem, por que eu não vou?”. E eu comecei a ir, realmente eu vi que não é aquilo que a mídia fala tanto, ele é muito acolhido, ele é muito bem recebido, ele é muito bem tratado. Tem os seus propósitos financeiros nessas igrejas maiores, mas você não é obrigado a fazer nada, tudo aquilo que as pessoas pregam não é daquela forma, e realmente acabei indo e frequentando com ele. Mas ele teve um envolvimento emocional muito grande com a igreja, e foi na época que ele fez alguns exames, e ele apostou muito, ele achou que ele ia fazer os exames e os resultados dos exames ia dar bem menos do que deu, e quando chegou na hora de rever os exames, os valores tinham aumentado muito, e na hora ele ficou muito chateado, tudo, mas até que ele não demonstrou tanto. Mas no retorno da viagem para cá nós paramos em um posto para ele comer, se alimentar, e deu uma crise de choro nele, desespero, que todos que estavam ali naquela lanchonete choraram, o motorista desceu e foi lá ficar com ele, o dono da lanchonete foi lá abraçar ele, ficar com ele, porque realmente foi muito chocante ver o desespero dele. Aí ele até deu uma esfriada, sabe. Hoje não que ele não tenha fé, mas ele não tem aquele fervor que ele teve naquela época.
P/1 - E você como mãe, como é acompanhar o filho e ouvir do médico que o seu filho tem uma doença, portador de uma doença que não tem cura?
R - É desesperador, pessoalmente porque ele nunca teve nada, o Gabriel, apresentou um processo alérgico quando era criança, de roupa, e da intolerância à lactose, mas fez um tratamento, fora isso ele não apresentou, ele levava uma vida normal, foi uma criança que brincou muito, ele sempre foi muito reservado, os amigos dele eram poucos, mas sempre muito sincero, muito intensos. Ele se dava bem com todo mundo, foi um ótimo aluno, uma criança muito inteligente. Assim, muito equilibrado emocionalmente, muito organizado, sempre muito dedicado, tudo que ele fazia ele era muito dedicado. Quando a gente veio para esse assentamento ele se dedicou, ele acordava de madrugada, ele tirava o leite, ele 04:30 da manhã tomava banho ia correndo para a escola, chegava 14:30 da tarde, ajudava nas tarefas do sítio, sempre teve uma vida muito ativa, nadava, jogava bola, a casa sempre final de semana, eu preferia que os amigos viessem para a casa do que eles fossem. E a casa sempre esteve cheio de garoto e garotinha da idade deles, e os amigos, as irmãs dos amigos, para ficar com a menina. E de repente... eu sempre falo assim, que se me contasse há cinco anos atrás que ele estaria passando por isso, eu falo, não, isso é uma mentira, você está me enganando, porque foi muito rápido, todo o processo. E realmente dá desespero, passei uma vez com ele, e por ele ser muito temente a Deus, porque alguns jovens eles não seguram as pontas, e tentam o suicídio, e é uma coisa que a gente sempre teve muito cuidado, quando a gente vê ele muito triste a gente procura não deixar sozinho, teve noites e noites que a gente revezava, eu sem dormir, minha mãe, meu padrasto ou minha menina, porque a gente tinha medo de ele tentar fazer alguma coisa, apesar de a gente ter àquela confiança muito grande nele, o amor que ele tem pela vida, a gente sabe que não é fácil. E teve um episódio que um dia eu saí para trabalhar, ele já não estava bem, ele estava com uma crise muito forte. E eu saí para trabalhar de manhã, quando eu voltei na hora do almoço, que a minha mãe é sempre muito protetora, eu trato ele normal, eu respeito as limitações dele, mas eu cobro dele fazer algumas coisas. E nessa história, não, vou ficar até tarde no celular, vou dormir metade do dia, porque não trabalho, não, tem regras, à noite é feita para dormir, de manhã vamos acordar. E eu voltei para o almoço, quase meio dia e ele ainda estava no quarto deitado. Aí falei para a minha mãe: “Mas por quê?”. Ela falou assim: “Deixa o bichinho descansar”. Aí eu comecei a chamar ele, eu só escutava resmungar, e eu fui no quarto, quando eu cheguei no quarto ele estava totalmente inchado, ele estava deformado, ele tinha ferida para todo o corpo, durante àquela noite ele teve uma crise muito forte, e o pescoço dele estava tão deformado, tão deformado de inchado, e ele sabia que a glotes estava inchando e que ele ia morrer. Só que eu acredito que na cabeça dele, ele não estava se matando, ele estava morrendo. E quando eu entrei e vi aquilo, falei: “Você se troca agora que nós vamos para Santa Casa”. Ele falou assim: “Eu não vou”. Eu falei: “Você vai”. Ele falou: “Não vou”. E falei: “Para de brincadeira, Gabriel, vamos trocar essa roupa logo e vamos”. Eu já pensando como é que eu ia, porque meu carro não tem ar-condicionado, já fiz ligando para um amigo meu vir aqui pegar ele, que eu sei que corre. E ele segurou no meu braço e falou: “Você não está entendendo, eu desisti, eu não quero mais, eu não mereço mais isso, para mim chega, eu cheguei no meu limite”. Eu acho que para uma mãe não existe coisa pior, sabe, você ver tudo que você mais ama, você realmente sentir aquele sofrimento dele, e ao mesmo tempo ter que respeitar, porque todo mundo fala que a gente tem que ter respeito pela decisão deles. Mas você não aceita, você não vai aceitar simplesmente, então eu vou parar aqui e vou ver meu filho morrer e eu não vou fazer nada? Na hora eu fiquei brava, eu chamei, de jeito nenhum, nós viemos aqui, nós vamos continuar. Se você chegou até aqui é porque você aguenta, e porque você aguenta muito mais, e não vai ser aqui que nós vamos parar não. E já liguei para esse amigo, e já fui pegando a roupa, ele se trocando, aí a gente ligou para a emergência, e aí ele tomou medicação que geralmente não toma, mas nesses casos tem que tomar. E ficou bem, mas não é fácil, com a mãe, no dia a dia, você tem sonhos, ele sempre tinha sonho de ser Arquiteto, e eu sempre programei minha vida, nem que eu tenha que arrumar dois, dez empregos, ele vai estudar, ele vai fazer. E de repente para, tudo para, e para todo mundo para, porque minha mãe de certa forma vive em função, meu padrasto, a minha menina, a irmã dele, eu acredito que é uma das que mais sofre, porque a gente acaba privando ela de muitas coisas. E olha que ainda assim ela é uma grande companheira. Porque quando começou tudo ele virou o centro de todo mundo, tudo que era feito era feito para ele, não tinha como, era uma situação nova para todo mundo, e era tudo em torno dele. Então, a fase que ela era criança, que ela devia ser o centro das atenções, o centro das atenções foi ele. E, mãe, vamos fazer isso? Não pode, o Gabriel não pode. Vamos fazer aquilo, mãe? Não dá, o Gabriel não pode. Então, ela foi muito privada, ela é muito privada devido a situação. Mas ela não cobra nada, ela é muito parceira, ela é brava, mas ela é muito companheira, ela me ajuda muito, muito mesmo. Ela não vai se ele não for, pode parecer o melhor passeio do mundo, se meu irmão não for eu não vou. E ela se adaptou à realidade dele, ela já teve a oportunidade de ir para São Paulo, eu fiz questão de algumas vezes levar ela, porque quando ela era menor ela não tinha ideia, está indo para São Paulo, está indo viajar. Aí eu fiz questão para ela ir, ela foi algumas vezes e viu que não é um passeio, está indo para um hospital, está indo fazer um tratamento. Ele ouviu o que os médicos sempre dizem, e ela é muito companheira, muito parceira dele.
P/1 - Teve algum momento que você percebeu que você não era a única mãe?
R - Sim, lá a gente convive com muitos, existem muitos casos de dermatite. No começo eu fiquei um pouco apavorada, porque não tinha um caso tão sério quanto o dele, todo mundo tinha falado, dermatite é tão comum. Se é tão comum, por que ele está nesse estado? E para os médicos, é uma coisa comum, eles tratam, para mim é uma coisa assim: meu Deus. Mas para o médico, eles estudam aquilo, então para eles estão tratando uma doença normal. Logo no começo, eu quase enlouqueci, que eu pesquisava demais, eu fuçava demais, eu ficava na internet, eu queria outros assuntos, eu queria isso, eu queria aquilo, que a Doutora Arieme mesmo falou assim: “Chega que você vai enlouquecer, você já sabe tudo que você tem que saber, você já sabe, não adianta você ficar buscando, porque se alguém tiver que saber somos nós, e se tiver que ser feita alguma coisa nova, somos nós”. E você tinha perguntado de coisas que a gente fez, ele passou por uma perícia uma vez, e por causa para ir tirar um benefício, e ele passou por uma audiência com uma Juíza, que a gente teve que levar testemunha e tudo. E Juiz, Promotor do INSS, é a pessoa que está lá para não dar certo o negócio. Mas eles ficaram, principalmente o Promotor, ficou tão mexido quando vê a situação dele, e eu só fiquei assistindo, eu não podia falar nada, era só as testemunhas e ele falando. E falou a história toda, a Juíza e Promotor sai por outra porta, não tem contato nenhum com a gente, e quando terminou a gente ia saindo, eu, as testemunhas, o Advogado, e esse Promotor do INSS veio correndo no corredor, chamou ele. Aí ele pegou e falou assim: “Mãe, eu quero falar com vocês”. Aí eu falei: “Pois não”. Aí ele falou assim: “Vocês já tentaram o tratamento ortomolecular?”. Eu falei: “Não”. Ele falou: “Aqui em Araçatuba tem uma Nutricionista que faz”. Na hora que ele falou o nome da clínica, eu sei que é em um bairro nobre aqui de Araçatuba, eu falei assim: “Eu já ouvi falar, Doutor, mas é impossível para mim, as condições”. Ele: “Não, mãe, eu quero levar ele lá, eu vou pagar para ele, e se a senhora tiver disponibilidade nós vamos agora”. Eu fiquei assim, até o Advogado ficou paralisado de ver a atitude dele, sabe. Ele falou assim: “Eu tenho uma filha que é portadora de dermatite, e ela tem seis anos, mas no começo eu com meu salário, que é um excelente salário, eu levei minha filha até para fora do país, eles falavam, e ela tinha muito ferimento, ela tinha tanta coisa, e com esse tratamento ortomolecular hoje ela leva uma vida normal, tem as instruções, toma medicação, mas hoje ela vai para a escola, ela até nada em uma piscina, ela tem uma infância normal. E eu quero levar o Gabriel”. Nós saímos daquilo e fomos direto nessa clínica e ele iniciou o tratamento. Então, a alimentação dele era muito restrita, muito, ele emagreceu 26 quilos em um mês, só que daí a imunidade dele caiu muito, e ele pegou um vírus, uma bactéria seríssima, foi para o sistema nervoso central, ele quase morreu. Então, no caso dele não funcionou, ele quase morreu. Por causa disso, ele chegou no Hospital das Clínicas, a dra. Arieme: “O que vocês fizeram?”. Quando eu contei para ela: “Por favor, mãe, para, não inventa mais modo”. Ela falou: “A gente sabe que ele tem restrições alimentar, mas se a gente não tirou é porque são dois pesos e uma medida. Então, tem situações que a gente não pode ficar mexendo muito”. Aí ele internou, ficou um bom tempo internado, ficou muito ruim na época, até se recuperar, mas não funcionou. Então, acho que para a família, eu sempre falo para o Gabriel, porque a gente ouve muitas histórias, convivendo com as outras mães lá, e mesmo com outros pacientes que já são adultos, vão sozinhos, a gente vê casos assim, tinha até uma moça que o marido largou dela, ela apresentou com 25 anos os primeiros sintomas, e o marido abandonou, a família abandonou, e ela tinha uma criança pequena, sabe, e ela tentou se matar, ela não aceitava, porque ela ficou com muito ferimento, e ela ficou feia, ela se julgava feia com aquelas feridas. E sabe, tem um outro jovem que também vai lá, e ele também não aceita, ele não é um caso tão complicado quanto o Gabriel, mas ele não aceita, ele vive se escondendo, usando roupas, pode estar calor ele está com roupa de frio, sabe, para não poder mostrar, sempre com capuz escondendo o rosto. E o Gabriel sempre foi de boa, ele sempre usava regata, hoje ele evita alguma coisa, porque ele tem medo de mosquito sentar nele. Mas fora isso, ele sempre foi em uma boa, nunca teve problema de esconder. E hoje tem algumas crianças que vão lá, porque antes a gente não tinha visto casos de crianças ainda, e agora tem algumas crianças que participam do Seda, e ele fica, ele fala assim: “Eu que hoje já sou um adulto, sinto tantas dores, passo por tanta coisa, imagina o que essas crianças não passam”. Ele é uma pessoa maravilhosa, ele é um guerreiro. Tem os seus momentos de dificuldade? Tem. Tem dia que eu tenho vontade de torcer o pescoço dele? Tem. Porque às vezes, fica meio rebelde, não quer fazer as coisas direito, teve uma época que ele escondeu o remédio, e não melhorava, e para mim estava tudo certo, porque como ele sempre foi um exemplo, nunca fez nada de errado, eu sempre deixei tudo até hoje, eu separo o remédio da semana, coloco no separador e ele vai tomando, para mim o remédio não estava ali, ele estava tomando. Não, estava escondido o remédio. Ele não jogava fora porque ele tinha dó, porque ele falava que outros pacientes ficavam sem, e ele era prioridade, ele sempre teve o remédio, então ele tinha dó de jogar fora, então ele escondia. E por causa de uma paquera, uma namorada mesmo, tomou corticoide do cachorro escondido. Então, ele já teve os seus momentos de rebeldia, mas na maioria das vezes ele vai de boa.
P/2 - E se você tivesse que falar alguma coisa para outras mães e cuidadores de pacientes de dermatite, o que você falaria?
R - Um dia o Gabriel falou para mim, no Seda, que a gente foca muito na doença e esquece eles. E realmente, até outra mãe falou, ela acabou se falando no meu lugar, a gente acaba focando na doença, porque a gente quer buscar o melhor, a gente não pode fazer nada, mas a gente quer fazer. Então, você acaba focando na doença, nos cuidados e nas limitações, se a pessoa tem umas limitações você acaba exagerando com medo de voltar uma crise muito forte, e eu estou tentando me reeducar com relação a isso, e focar mais nele do que na doença em si. Mas não é fácil. Então, acho que o que eu falaria é isso, porque acho que foi a coisa que ele me chamou atenção, e acabou sendo no grupo, que ele acabou chamando atenção que a gente foca muito na doença, e acaba esquecendo ele, hoje eu procuro, mesmo que ele tenha o risco de ter uma crise, mas se ele quer ir no cinema, eu levo ele no cinema, eu sei que ele vai chegar ele vai ser coçar, ele vai passar mal, porque no cinema tem um monte de gente com perfume, tem ácaro, tem isso e tem aquilo. Mas se ele quer ir no cinema, vamos no cinema. Se ele quer comer alguma coisa que eu sei que vai fazer mal, não é diariamente, é de vez em quando, então vamos comer. Porque senão se você ficar realmente muito focado no problema de saúde, você pira e você evita, diminui ainda, aumenta mais as limitações deles. Então, eu acho que seria mais isso.
P/1 - Qual é a missão da mãe que cuida de um filho com dermatite atópica?
R - Bom, eu acho que acima de tudo é estar presente, é procurar estar ali o tempo todo, ser parceira, ser amiga, ser companheira, e lógico, tem a parte dos cuidados, tem a parte financeira, mas é estar mais presente, porque tem dia que ele não quer nada, ele só quer que você senta ali e passe a mão na mão dele, ou mexe no cabelo, que ele adora que mexe no cabelo. E isso eu sei que faz muita diferença para ele, porque quando ele está em crise, às vezes, a gente entra e falo: “Quer que eu fico aqui?”. Aí ele: “Não, não fica não, eu estou com cheiro forte”. Aí eu falo: “Mas não importa, mãe não sente cheiro”. E eu fico, eu vejo que sente mais seguro, tem aquela segurança. E de certa forma você tem que cuidar, você tem que buscar, porque não tem outro caminho, lógico, você tem que colocar Deus acima de qualquer coisa na sua vida, mas a Medicina está aí, buscar uma orientação segura de um médico responsável. Porque você também encontra muitas situações de charlatanismo, muita coisa que te engana. E tomar muito cuidado com relação a isso, e estar presente, estar ali.
P/2 - Você já passou por alguma experiência com médico, que foi negativa?
R - Médico, não. Graças a Deus a gente sempre teve todo o apoio, sabe, todos os lugares que a gente foi, eles foram até que nem aqui na minha cidade, os médicos foram até no limite deles, mas até caminhar para lá. Assim, a gente nunca teve uma experiência com médico não, mas algumas indústrias de medicação, principalmente essas medicações milagrosas a gente fica sabendo. Então, tenta algum contato para oferecer uma medicação absurdamente cara, e que no fundo você sabe que não vai ter resultado algum.
P/1 - Cíntia, a gente está caminhando para o fim já, tem alguma história que você quer contar para a gente que a gente não te estimulou a contar? Ou alguma outra coisa que você queira dizer para a gente?
R - Não, acredito que não, acho que não.
P/1 - Então, como você se sentiu contando essa história hoje para a gente?
R - Bacana, muito bom, me senti muito à vontade, eu sou muito falante, mas geralmente em frente uma câmara, não. Foi muito bom, compartilhar, lembrar muita coisa, é muito bom.
P/1 - E para encerrar, quais são seus sonhos?
R - Meus sonhos? Nossa, eu acho que hoje em primeiro lugar era a cura dele. Sabe, quando por mais que você encare em uma boa, eu sou uma pessoa que eu falo que eu sou uma pessoa muito feliz, eu sou uma pessoa realizada. A minha vida deu um giro de 360 graus, eu tirei, nossa, de boa, de uma pessoa que tem tudo a passar, não ter nada, eu tirava o bigato da minha botina para poder trabalhar. Eu nunca reclamei, eu sempre agradeci a Deus porque ele me deu força para fazer isso, eu não tive tempo para depressões, para nada disso. E eu trabalho com saúde, então, os meus pacientes, eu tenho que chegar no meu serviço sorrindo, eu chego na unidade de saúde eu vou dançar com os meus pacientes, eu vou brincar, porque eles não têm nada a ver com os meus familiares, pelo contrário, eles são muito meus amigos, eles são muito meus parceiros, muita gente me ajuda muito. Mas assim, não é fácil, por mais que você sente uma pessoa realizada, eu nunca vou conseguir ser plenamente feliz, porque eu não consigo ver ele estabilizado. Você não tem um filho pensando que ele vai sofrer tanto, pensando que ele vai passar por tudo isso, que ele vai enfrentar tantos preconceitos, que ele vai ser julgado sem ter culpa, porque algumas pessoas vão sentir nojo, que algumas pessoas vão sentir repulsa de estar por perto. Você tem um filho pensando no melhor para ele, eu sei que muitos filhos tem os seus caminhos errados na vida por própria escolha, mas ele não teve oportunidade de escolha, ele foi levado para um caminho que não foi o que ele sonhou para a vida dele, muito menos nós. Nem eu, nem o pai, nem os avós, nem os amigos, sabe, a gente realmente sonhou uma vida diferente para ele, não que eu quisesse que ele fosse um homem rico ou milionário, mas que ele fosse um trabalhador. Ele é tão romântico, ele fala que ele é homem raro, e as experiências de namorada dele não foram boas, e eu queria muito que ele tivesse alguém para compartilhar a história de vida dele, para ter uma companhia. Então, acho que hoje em primeiro lugar, o meu sonho seria ele ter uma qualidade de vida melhor, é lógico, eu tenho a minha filha, luto muito para que ela tenha uma oportunidade diferente, que ela está estudando, eu quero que ela se realize, principalmente profissionalmente, porque ela tem muita garra. Mas eu acho que o meu maior sonho é ver os dois bem encaminhados. Hoje eu trabalho, eu luto, eu corro atrás, eu passei por uma experiência há pouco tempo de saúde, que eu fiquei doente. E o meu pânico era se acontecer alguma coisa comigo o que vai ser dele, ele é totalmente independente, o que vai ser? Então, eu precisava que ele tivesse uma estrutura melhor, uma condição de vida melhor, porque hoje sinceramente, eu tenho medo até de morrer, porque se acontecer alguma coisa comigo eu não sei o que vai ser. Então, eu acho que o meu maior sonho é ele ter uma condição melhor de vida.
P/1 - Cíntia, muito obrigada, mesmo, obrigada por receber a gente na sua casa, por compartilhar sua história de vida. Em nome do Museu da Pessoa, da nossa equipe, muito obrigada mesmo.
R - Eu que agradeço a oportunidade. E espero que isso venha trazer orientação para outras mães, para outras pessoas, acho que família, filho, é tudo, não tem bem maior.
P/1 - Obrigada.
[01:51:12]
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