IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Alex Michel Gomes. Sou carioca, nasci na Praça 15. Sou de 06 de outubro de 76. FAMÍLIA Meus pais são mineiros, mas a cidade agora não lembro. Meus avós vieram de lá pra cá com alguns tios meus, agora eu não sei o certo se meu pai já veio de lá...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Alex Michel Gomes. Sou carioca, nasci na Praça 15. Sou de 06 de outubro de 76.
FAMÍLIA Meus pais são mineiros, mas a cidade agora não lembro. Meus avós vieram de lá pra cá com alguns tios meus, agora eu não sei o certo se meu pai já veio de lá pra cá. Se não me engano sim.
Sou casado há sete anos, tenho duas filhas. O nome da minha mais velha é Bruna, e ela tem três anos de idade e a minha caçula é Andressa que tem um ano e três meses. São nascidas aqui na comunidade.
INFÂNCIA Sou criado no Morro dos Prazeres há 25 anos. Daqui eu saí durante pouco tempo, passei tipo umas férias em Queimados, onde existe um bairro chamado Jardim São José que praticamente é 99,9% da minha família. Meus tios e primos meus por parte de pai moram lá.
Brincadeiras Eu brincava de carrinho de rolimã. Aqui antigamente não existia a escada de concreto, que existe hoje, não existia a rampa concretada. Então a gente ia em algumas oficinas, armava rodinhas de rolimã e arrumava tábua de 30; fazia ela com uma roda da frente, duas atrás e descia a parte de baixo do Escondidinho todinha, de ponta a ponta, todinha de carrinho de rolimã apostando corrida. Futebol era difícil. O tempo que a gente tinha disponível a gente brincava de rolimã ou jogava futebol no meio da rua.A gente não tinha a quadra que dava pra todo mundo brincar, então como a gente não tinha tempo, o espaço que a gente tinha era no meio da rua, e a gente brincava ali mesmo. Aqui na comunidade, as coisas que a gente fazia e que as crianças não fazem mais, que era brincar de pique bandeira que eu achava demais. O que me fazia ter ginga no futebol era o pique bandeira, porque eu não sabia dançar um pagode direito. Eu só sabia dois passinhos pra lá dois passinhos pra cá. Então eu aprendi no pique bandeira.
No quintal a gente brincava de pique lata que hoje eu acho um desperdício.
O pique lata é assim: você arruma uma lata de óleo e bota ela num lugar com um circulo. Coloca essa lata no meio e aí vai ficar um cara que vai tomar conta daquela lata e procurar os demais, tipo pique esconde, só com um detalhe ele tem que defender aquela lata e toda vez que ele encontrar alguém ele tem que ir lá e bater pique lata um, dois, três no chão. Aquela pessoa se ele conseguir pegar todas a primeira ou a ultima será a que vai ficar tomando conta da lata. Então ele era obrigado a sair pra procurar e ao mesmo tempo resguardar pra ninguém bicar a lata. Pique lata é difícil, porque você imagina hoje em dia aqui é campo aberto, diferença de quando era a comunidade no meu tempo que eram bequinhos estreitos e muitas vielas. Então você imagina colocar no centro daquelas vielas uma lata ali e você ter que sair dali pra procurar.
Era tudo nas ruas, tem que ser na rua.É difícil, mas tinha uns caras que eram meio malandros, porque você tinha que esconder o seu rosto em algum canto e contar até dez, até 20 pra dar tempo pro pessoal se desfazer daquele circulo ali e se esconder. Então o que acontece? O cara ficava de lado ou então olhava por debaixo do braço, e já sacava a maioria por onde estava indo. Então era fácil. Pegava quem estava próximo, batia a lata e ali ele tinha que se resguardar e se preocupar com quem estava mais longe. Porque quem estava de longe tinha que vir até a lata e não ele ir atrás. Então ficavam ali ao redor. A manha que a gente usava era assim: vamos supor somos em dez pessoas ele pegou cinco, um serve de isca e os outros quatro tem que passar por ele de algum jeito. Então o que acontece? Eu passo na viela, eu faço algum barulho, ele vai ficar curioso vai procurar, e então os outros quatro tem que estudar um ângulo de ir lá chutar a lata pra salvar todo mundo.
No pique bandeira, você tem que correr, pegar e passar pro outro lado. Era um campo de futebol dividido em dois lados com duas fontes, eu tinha que pegar a sua bandeira e você pegar a minha. Então era fácil.
EDUCAÇÃO Escola eu estudei até a 5ª série. Fiz da 1ª série até a 4ª na escola Julia Lopes que fica logo atrás da comunidade Morro dos Prazeres e a minha 5ª série eu cursei na escola Men de Sá que é no Rio Comprido, próximo daqui. Eu estudei lá à noite.
LAZER Futebol Eu sou apaixonado por futebol. Desde moleque era o único lazer que eu tinha, e então se tornou um vicio. Joguei durante três anos no Vasco até a fase de Juvenil, Infanto-Juvenil e Junior.Daí pra cá eu não consegui passar; houve alguns problemas pessoais, e agora o negócio é o seguinte: sábado e domingo pra mim é sagrado, ninguém me tira do futebol, nem trabalho, nem doença, nem chuva.
Eu jogo no Aterro, onde tem oito campos.Tirando o campo oito, que eu não jogo no horário, eu jogo em todos os horários. Eu chego lá seis e meia da manhã, a gente começa jogar as sete eu jogo até 1 hora, 2 horas da tarde, com um intervalo de 10 minutos só com jogo de um dia pro outro. São 45’ cada tempo com intervalo de 10 minutos. Só vou beber aquela água e depois volto de novo.
Eu sempre gostei de futebol. Com 17 pra 20 anos trabalhei na parte do Escondidinho com adolescente, com as crianças de oito anos até 15, 16 anos de idade. Eu trabalhei cerca de três anos com eles e nessa fase que eu passei, que eu comecei a trabalhar com as crianças eu tenho uma história que marcou muito.
Existia um garoto que tinha deficiência de falar, não estudava, não queria fazer nada. . Ele não gostava de estudar, ia na escola uma vez por semana. Tinha aquela desculpa que não conseguia falar direito pra não fazer nada na vida. Ele tinha cerca de 10 anos de idade, e aí eu fiquei sabendo da situação dele, falei com o pai, com a irmã mais velha, o que seria interessante pra ele. Fiz um trato com o pai dele, pra ele fazer o seguinte: ele me daria cerca de três meses pra eu mudar a cabeça desse rapaz, desse garoto, e mostrar pra ele que a vida tem muita coisa pra ele correr atrás. Ele não tinha noção do que era futebol, mas com um mês começou a falar normalmente. Eu obrigava ele a se xingar, a se expressar, a ter aquela raiva na hora do jogo. Às vezes eu fazia questão de tirar ele. Eu tirava ele quantas vezes eu quisesse, mas as vezes eu tirava ele só pra ele ficar nervoso e desabafar, porque ele queria falar e se soltou. Então no primeiro mês eu fiz ele começar a falar, no segundo eu ensinei como se domina uma bola, batendo bola na parede, jogava bola com ele sozinho, separava ele do grupo pra ele não se sentir inferior, por não saber jogar. No terceiro mês ele era um dos meus melhores jogadores. Foi um trato que eu fiz. Na primeira semana na escola ele estava em período de testes, provas. O garoto só tirava D e E, ele começou a tirar B, B+, A, isso com duas semanas, porque eu falava pra ele: pra você poder participar do meu grupo, você vai ter que correr atrás, você vai ter que mostrar que você é capaz de fazer isso.” Ele ainda não tinha noção de como ia ser a vida dele mas até hoje o garoto é 100% e joga uma bola maneiro. Vira e volta eu ando encontrando ele por aí.
Fiz parte de um time que não durou muito tempo não, durou dois anos. Minha participação no clube que nós fundamos lá se chamava Dois Irmãos, porque a maioria era parente cunhado, filho do dono, sobrinho do dono. Quem não era da família pra entrar era meio difícil.
Mas era maneiro, e a gente saía pra se divertir bastante.
ADOLESCÊNCIA Na minha época de adolescência, eu participei de uma galera.Hoje em dia não tem nada haver com essa galera funk, não tem nada haver com o que era antigamente. Nós tínhamos uma regra, nós éramos em 30 pessoas entre homens e mulheres da comunidade. Então a gente tinha uma regra que todas as semanas sexta, sábado e domingo era sagrado. Tinha que ter uma festa em algum lugar, então era interessante sexta na casa de um, no sábado na casa de outro e no domingo na casa de outro pra terminar. Então você imagina 30 pessoas, essas 30 você revezava. Claro que não era todo mundo e era interessante que a gente gastava pouco pra se beber e fazer um churrasco. A gente, o grupo tinha uma aparelhagem de som que eram 10 pessoas pra poder carregar, eram duas caixas, duas caixinhas pequenas que tinha que ser dois de cada um.A gente ia ver aonde ia ser a festa. Aí durante a semana era um tal de ligar um pra casa do outro “olha, vai ser na casa de fulano essa semana, o que você vai levar?” “Ah, eu vou levar cerveja”, “vou levar batida”, “vou levar carne”, então você ficava com aquelas 30 pessoas, fazia uma festança. Claro que era 30 do grupo, mas tinha o restante que participava, sempre tinha os penetras. A gente não gastava quase nada. Você pegava cinco reais pra colocar na festa e você brincava a noite toda e se divertia pacas.
Tinha funk, mas não é igual agora, a regra era o seguinte: inicio da festa sempre oito, nove horas da noite no máximo. Começava já porque o pessoal não agüentava de ansiedade. Aí começava. De oito às 10, se colocava um funk que não é igual a esse de hoje em dia.Era a mesma batida, só que não tinha essas frases pornôs e nem essas danças indecentes. Tinha os passos e isso era gostoso de se fazer. Das 10 até a meia noite colocava só pagode, e a ordem era pagode. Depois do pagode lá pela meia noite, 1 hora da manhã em diante até o amanhecer era hora que a gente só colocava lentas. Porque a regra era o seguinte: na hora do funk você só olhava, ficava paquerando a garota num canto. Como a maioria sempre foi homens nas nossas festas, então a gente ficava num canto fazendo uns passos e tal, a garota no outro fazendo os passos dela que era diferente do nosso.
Não é igual agora, agora todo mundo dança a mesma coisa. Antigamente os homens tinham uns passos que era especifico e as garotas tinham os dela também. Aí o que acontece ficava nesse espaço do funk tomando a cerveja, a batida e observando pra vê se tinha alguém que te interessava. Depois, no pagode você ia dançar com ela pra desenrolar, pra vê se era o que você queria. Quando chegava a lenta já era pra você chegar em cima dela e sair. O intervalo da lenta era maior, porque se tivesse uma ou duas, você saía com a primeira ficava lá fora e tal. Se desse certo você ficava a noite toda com ela, se não desse certo você voltava pro baile e já tinha alguém que você já tava de olho e assim era a noite toda. Apesar da sua vida dura de trabalho eu curti. Eu não tenho que reclamar não.
ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES Eu trabalhei em torno de uns dois, três anos na Associação de Moradores como apoio. A gente não tem nada especifico, é igual serviços gerais, auxiliar de serviços gerais, como servente. Não existia nada especifico, mas quando precisava era você que chamavam. Durante uns três anos mais ou menos eu fiz isso.
Minha família também foi uma das famílias participantes da primeira reunião que houve no Morro dos Prazeres pra se fundar Associação de Moradores. Dali pra cá se tornou um circulo: do meu avô que saiu daqui, meu pai tentou sair não conseguiu, voltou. Meu avô, pelo fato dele ter se acostumado com a roça, ficou aqui pouco tempo no caso não ficou muitos anos aqui. Então pelo fato de ter ficado com aquele costume da roça, aqui na época dele ele não podia plantar, ele preferiu ir pra Quematio porque ele podia trabalhar na roça do jeito que ele queria de como ele queria viver, então ele escolheu isso, ele escolheu essa opção por causa disso, porque lá ele podia trabalhar na roça, ele foi criado daquele jeito. Já meus pais não. Eles não foram criados dessa maneira, então eles vieram pra cá e minha família foi trazendo mais gente pessoas conhecidas e hoje em dia nossa família somos em três gerações, morando aqui hoje.
TRABALHO Com cerca de sete anos de idade eu comecei a trabalhar. Vendia bala no trem junto com meu pai. Eu e meu irmão que é dois anos mais novo do que eu. Trabalhei no inicio e até o fim da favela bairro na comunidade do Morro dos Prazeres e na restauração do Casarão.
Porque eu fico pensando assim, se não fosse trabalhar desde de novo, acho que hoje em dia eu não ligaria se eu ficasse desempregado. Na minha vida o máximo que eu fiquei desempregado foi um mês, e foi quando eu fiquei doente.Eu não sou profissional, mas eu sei dar um jeito em varias profissões. Eu me encaixo em alguma coisa, e então conforme foi passando o tempo, fui de uma coisa pra outra, e hoje em dia se eu ficar sem trabalho eu sei que daqui uma semana eu arrumo outro.
CASARÃO DOS PRAZERES Aqui, não era como é hoje, as janelas são pouco modificadas, mas foram modificadas. A cor era preta com detalhes azul que era na minha infância e a parte de fora daqui do Casarão, que hoje em dia é o estacionamento, era onde a gente brincava de bola, porque a gente era mais novo. No campo só jogavam os veteranos e já viu: chega lá nos veteranos está teu avô, teu tio você não vai se meter não. Você sabe que tinha que respeitar. Então a gente não podia jogar.
Quando a gente chegava na quadra que era os adolescentes mais velhos, os cara já eram de briga. Então, a gente vinha pra cá, ficava no estacionamento brincando de bola.
Tinha piscina aqui, era interessante. Quando o Casarão foi reconstruído, que eu fiquei sabendo que ela não existia. Mas na minha época existia uma piscina aqui. Era na parte dos fundos da casa, onde existia um caminho de pedra.Eu saía da escola e fugia pra cá.Aqui existia um casal que eles tinham uns 10 cachorros. A gente chegava aqui muita das vezes, a gente dava uma coisa pro cachorro pro cachorro deixar a gente entrar na piscina, e na hora de sair era aquele negócio: a gente jogava pedra, água neles pra gente poder sair correndo.
Esse casal era um senhor e uma senhora brancos, cerca de 1 metro e 60, bem saudáveis pra idade deles, tinham cerca de 60, 70 anos de idade, mas eles não implicavam com a gente não. Eles eram pessoas que tomavam conta daqui, eles eram caseiros da casa. Isso era antes dos padres.
MORRO DOS PRAZERES Por que tem esse nome? Pelo que nós sabemos, por alto de boca a boca, é que era por causa de uma freira que ajudava as famílias que vieram parar na comunidade, que se chamava Maria dos Prazeres e pelo fato dela ser tão prestativa com os moradores, ele usaram o sobrenome dela na comunidade. Ai se tornou Morro dos Prazeres.
Eu acho se não fosse Prazeres tinha que ser Beleza, Lazer ou assim, porque é lugar mais lindo do Rio de Janeiro. Morro dos Prazeres é o meu mundo, aqui eu vivi, aqui eu vivo e aqui eu pretendo morrer.
Faço parte da quinta geração da família aqui nessa comunidade.
AVALIAÇÃO DO PROJETO Esse projeto de memória de resgatar e preservar as histórias da comunidade, eu acho que poderia ter vindo numa hora anterior antes do Casarão estar reformado, porque na época que estava abandonado tinha bem mais pessoas da antiga e existem milhões de histórias que não só o pessoal da comunidade como o pessoal de fora, o país inteiro gostaria de conhecer. Eu acho interessante a gente ouvir os mais velhos contar do passado deles e a gente tirar disso alguma coisa que a gente possa modificar, aprender. Eu acho interessante eu gostei muito de dar o meu depoimento. Foi um prazer e se precisar de mim, estamos aí pro que der e vier.Recolher