P1 – Antônio, bom dia. Você poderia começar falando seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R – Eu sou Antônio Carlos Bélich de Souza Leão. Nasci em Fortaleza, no dia 9 de junho de 1953.
P1 – Antônio, você poderia contar um pouco da sua trajetória pro...Continuar leitura
P1 – Antônio, bom dia. Você poderia começar falando seu nome completo, local e data de nascimento, por favor?
R – Eu sou Antônio Carlos Bélich de Souza Leão. Nasci em Fortaleza, no dia 9 de junho de 1953.
P1 – Antônio, você poderia contar um pouco da sua trajetória profissional até o contato com o CDI [Comitê para Democratização da Informática]?
R – Eu me formei em Administração de Empresas na Universidade Federal do Pará. Tive na carreira profissional um início no supermercado Pão de Açúcar durante dois anos numa atividade administrativa na área de materiais. E depois estive na Sotrec, um revendedor Caterpillar. E durante 12 anos trabalhei na Sotrec também na área de materiais, na área de controle de estoque. E nesse meio tempo, durante esses 12 anos, eu, por três anos, gerenciei uma filial em Serra do Navio, no Amapá e junto à Icomi que explorava minério de manganês em um projeto fantástico e maravilhoso, apesar de ficar uma imagem de, um descaso social que a Icomi me deixou. Ela explorou o minério e não deixou nada pra população. Mas, de qualquer forma, como projeto desenvolvimentista da Amazônia foi um negócio fantástico. E depois desse tempo na Sotrec, eu fui pra Barcarena, num contato com a (Olbrach?), num trabalho comunitário de uma empresa comunitária durante um ano e meio, mais ou menos. A empresa não teve continuidade e junto com as pessoas de lá, nós formamos a COOPSAI [Cooperativa de Serviços Agroflorestais e Industriais], que estamos até hoje, durante dez anos. A COOPSAI faz dez anos em janeiro. E iniciamos com 70 trabalhadores locais na formação da cooperativa e hoje são mais de 230 que formam a cooperativa em trabalhos diversos dentro da região do Barcarena, principalmente na área social.
P1 – Você poderia explicar pra gente o surgimento, a atividade...
R – A COOPSAI surge em função da implantação da área fabril... da área industrial de Barcarena com a (Olbrach?) inicia. E hoje se desenvolve com outras empresas como a
ALUNORTE. Na verdade, Barcarena inicia com a (Olbrach?)a instalação de uma indústria de alumínio e, consequentemente, para que se instalasse lá de um porto, teria que haver... A necessidade de construção de um porto na Vila, lá na área de Barcarena, em Vila do Conde, que é onde está... Essa Vila do Conde fica no antigo Barcarena, onde está situado a (Olbrach?). Para embarque e desembarque de materiais, o porto era necessário. Pela instalação de um polo industrial ali às empresas, outras tiveram interesse nessa instalação. Então, hoje é um grande centro industrial, Barcarena. Como naquela região existiam moradores e eles estavam naquele local, com as instalações das indústrias eles tiveram que ser remanejados. E sempre, na instalação, houve uma preocupação com os moradores locais. Muitos deles não tinham qualificações, mas as empresas tinham que ter uma preocupação de como eles participariam disso. Então os trabalhos que eram necessários, que não há necessidade de uma formação técnica, eles tiveram que ser aproveitados através de vários incentivos que a empresa (Olbrach?) montou, mas acabou não dando resultado. E aí surge a iniciativa de formação da cooperativa. Então, em 1995, em janeiro de 1995, nós formamos a COOPSAI. Como eu estava lá, apesar de não ser de lá, eu estava ligado a uma empresa comunitária e eles, acabamos que pedimos, tanto eles, os próprios trabalhadores, como a (Olbrach?): “Fica para ajudá-los na construção.” E eu fiquei pra ajudar. E nesse ficar para ajudar, nós formamos um grupo para constituir a cooperativa e a (Olbrach?): “Se vocês se formalizarem, nós vamos dar trabalho pra vocês.” E foi isso que aconteceu. Começa dessa maneira. A cooperativa se forma com o intuito de gerar trabalho e renda para os moradores do lugar e a (Olbrach?) disse: “Nós ajudamos fornecendo trabalho pra vocês.” Então os trabalhos elementares começaram: limpeza de ruas, trabalhos de conservação e limpeza predial. Há um horto botânico aonde desenvolviam mudas e que eles trabalhavam lá. Então eram trabalhos elementares, mas de necessidade para o projeto. Uma visão social e também de infraestrutura interna que eram necessárias e que a cooperativa se forma pra isso, pra prestação de serviços nessa área.
P2 – Essas pessoas trabalhavam em quê?
R – Normalmente numa área... Ou estavam nas suas áreas, ou eram pessoas ligadas a uma produção rural ou então eles estavam tentando manter um trabalho dentro das áreas em que eles estavam junto a empresas existentes na região. Mas a maioria, eles eram realmente trabalhadores de meio rural. Ou eles produziam alguma coisa na área agrícola ou eram pescadores, ou eram pessoas que estavam na região num processo de subsistência que eles tinham.
P1 – E quais foram as principais iniciativas da COOPSAI?
R – Bom, a cooperativa, a COOPSAI como qualquer outra cooperativa, ela tem objetivos sociais. A cooperativa de trabalho tem ações voltadas pra fora, de prestação de serviços, mas ela tem uma preocupação interna com todos os seus associados. Ela vai sempre buscar a melhoria da qualidade de vida dos próprios associados. Ela diverge ou difere um pouco da relação trabalhista natural do empregado do sistema empregatício, porque ele se torna um associado. A gente tira o elemento que é o agente empregador e que também detém o capital e o lucro da operação. A cooperativa vem a fazer um trabalho semelhante, mas de uma forma de constituição diferente, onde eles participam internamente, tanto do capital da cooperativa, como nos resultados diretos dela. Então é um trabalho de diferenciação de uma relação interna. Eu acho que a cooperativa difere nisso. E as ações da cooperativa é justamente buscar cada vez mais trabalho para esses associados, porque esse é o objetivo dela – é geração de trabalho e renda para os associados – e, dentro dessa condição - nós vamos chegar mais adiante no CDI - são trabalhos sociais que ela começa a desenvolver e que chegam às pessoas.
P1 – Talvez falar um pouco desses trabalhos sociais, alguns exemplos, Antônio.
R – Tá. Eu faço assim um divisor na COOPSAI em três momentos. Num primeiro momento, até 1998, a COOPSAI era uma cooperativa estritamente para prestar serviços, terceirização de trabalho. Então, ela tinha contratos com as empresas, a ALUNORTE, a Paracumirim, todas essas empresas instaladas dentro da região do polo, e ela se torna uma prestadora de serviços no modelo cooperativa. E há contratos, há pagamentos, os cooperados recebem as remunerações referentes aos trabalhos, há distribuição de sobras. Há todo um processo, eminentemente cooperativo, de uma prestação de serviços diretamente ligado a isso. Em 1998, há um divisor de águas porque a cooperativa, por uma idéia inicial da própria (Olbrach?) em se preocupando com a questão do próprio município, a (Olbrach?) construiu uma vila dentro do município de Barcarena, que é a Vila dos Cabanos, onde moram os trabalhadores da (Olbrach?). Ela construiu uma vila. Uma vila grande. Deve ter aproximadamente dez mil habitantes hoje. Barcarena tem setenta mil habitantes como um todo. E a Vila dos Cabanos se torna um centro de desenvolvimento do próprio município de Barcarena. Quando a instalação da (Olbrach?), construiu um lixão, um aterro sanitário. Esse aterro sanitário deveria durar 15, 20 anos. Por mal uso... pertence à prefeitura, é de poder público a utilização desse lixão para depósito de detritos realmente. Por um uso inadequado, ele, com sete anos, estava esgotado. Nesta linha a (Olbrach?): “O que é que nós vamos fazer? Precisamos fazer isso.” A (Olbrach?) se certificava em diversas ISOs existentes e outras mais. Então, ela se certificava. E precisava ter um tratamento adequado do meio ambiente, de qualidade de vida, tanto dos empregados, como terceiros, para que eles pudessem obter certificações inclusive. E aí vence uma idéia a partir de um vídeo do Globo Rural de uma cidade, no interior de Minas, Coimbra, pequena cidade de origem agrícola, modesta, e eles lá implantaram uma unidade de reciclagem e compostagem de lixo nessa cidade. Era vizinha de Viçosa e, em Viçosa, a Universidade de Viçosa, um pesquisador, Tinoco, desenvolve uma tecnologia de compostagem de lixo que era diferente da que a gente conhecia, tradicional. Aquela que você deixa num monte e aquilo vai apodrecendo. Então o que ele faz? Ele muda e começa a fazer uma pesquisa que aquela compostagem, ele chama de mineralização. Ele vai revirando de três em três dias. Controla a temperatura. Então a criação, justamente daquelas bactérias, que no apodrecimento, pela alta temperatura, se proliferavam e ____, não existem. Então ele cria um modelo diferente. Então não há moscas, não há mal cheiro. É um negócio interessante.
P2 – Mas é compostagem orgânica?
R – É, compostagem orgânica. Aí, “Pô, isso deve ser legal.” E aí Vera Germano – que, talvez vocês vão fazer a entrevista com a Vera – e o Paulo Ivan, que eram os gerentes da (Olbrach?), eles vão até Viçosa e Coimbra. Visitam pra ver. Levam o prefeito de Barcarena na ocasião para que ele também já, num primeiro estágio, tivesse uma ligação do projeto como um todo. Vão a Porto Alegre, porque lá em Porto Alegre tinha uma grande cooperativa de trabalho que prestava serviço à prefeitura na questão de coleta e tratamento de lixo, e voltam. Voltam maravilhados com a idéia de que vamos fazer alguma coisa. Aí começa a se discutir o que vai se fazer. “Ah, tem os catadores de lixo. Vamos integrar os catadores.”E a primeira imagem é que formariam uma cooperativa de catadores e tal. Num segundo momento, tenta se chamar a COOPSAI. “A COOPSAI é uma cooperativa organizada. Quem sabe se nós entramos no circuito e, ao invés de se fazer uma nova cooperativa, ela entre no projeto também, absorva dos catadores dentro do conjunto dela e aí começa a desenvolver.” A COOPSAI entra no projeto social. E aí, quer dizer, daí pra frente muda um pouco a história. Porque a cooperativa até então era prestadora de serviços das empresas como a (Olbrach?). Ela se torna uma parceira. E aí muda a história. A cooperativa deixa de ser uma simples prestadora e passa a ser um parceiro nos projetos sociais. E aí cresce isso. A unidade é feita. Essa história, até chegar à implantação demorou dois anos. O prefeito disse que sim, mas depois esqueceu. Pressões internas. E a gente ____. Mas ficou em banho maria mas acabou acontecendo. E aí acontece a unidade de reciclagem. É implantado lá. A cooperativa passa a ser gestora do processo, os catadores se integram à cooperativa. A gente monta um esquema com um trabalho com eles. Eles passam a ter os benefícios que a cooperativa tem. Tem histórias interessantes. Gente que nem documentos tinha. A cooperativa remunera todos os cooperados através de conta bancária, então eles tiveram que tirar documentação. Tiveram um treinamento longo, tanto na área do cooperativismo como na própria operação da unidade. É ter isso, proteção individual. Tiveram que tomar vacinas para evitar contatos com o lixo e possíveis contaminações e problemas de... Então, quer dizer, houve todo um trabalho. Eles ficaram impressionados, porque eles estavam totalmente à margem disso e entraram num sistema organizacional. Pra eles foi uma coisa fantástica. Teve gente que ao chegar ____ dentro de um mês, ele conseguiu tirar todos os documentos, regularizou. Aí chega dentro da unidade com um cartão do banco assim, como se fosse um troféu ____. “Tem até conta bancária!” Então foi uma coisa de resgate de cidadania muito interessante. Quer dizer, nos traz um ânimo diferente, uma participação dentro da comunidade. A cooperativa tem esses fins de se preocupar com a comunidade. Então nós estávamos já participando diretamente. E aí, do trabalho da unidade, há um reconhecimento. O trabalho desenvolve. A gente tinha “Será se isso vai dar certo? O produto, composto orgânico?” E no início tivemos dificuldade: “O que nós vamos fazer com esse monte de composto aqui?” Mas as pessoas que começaram a usar, começaram a achar interessante e gostaram. Na agricultura, a prefeitura começou a desenvolver um projeto de agricultura familiar, que então no processo, ela pagava a cooperativa, contratava a cooperativa, pagava parte do custo de operação e esse composto era utilizado no desenvolvimento da agricultura familiar no município. A unidade passou... A (Olbrach?) instalou, dentro do projeto de instalação, porque tudo foi custo da (Olbrach?). A (Olbrach?) foi quem implantou todo o ônus financeiro, toda parte financeira foi da (Olbrach?). Ela também, como parte do processo, os recicláveis eram separados e vendidos. Plástico, papel, metal, tudo era vendido. Então isso começa a gerar receita pra unidade. Os primeiros dois anos foi bem complicado. Aqui não havia uma estrutura legal, nem reconhecimento. Mas depois de dois anos ele já tinha uma estabilidade de operações, de resultados. E a unidade é auto-sustentada. Ninguém dá dinheiro para aquilo, não. O trabalho deles, o resultado financeiro do trabalho deles sustenta eles. A cooperativa não tem incentivo financeiro de nenhum lado. O trabalho dela é que gera receita pra manter todos os trabalhos que ela faz. Quer dizer a ajuda, no sentido assim, a instalação de projetos, como aconteceu à unidade, a construção... Tem um incinerador que na época custou 100 mil reais. Esse incinerador incinera aproximadamente 100 kg de lixo por dia. A idéia era que o resíduo não aproveitado não tivesse também que ser enterrado, que pudesse ser incinerado. Então esse incinerador acaba trazendo um resultado financeiro também porque as empresas geram um lixo administrativo - tipo copo, papel, pedaço de madeira, coisas que também não tem mais aproveitamento – e dentro das certificações eles tinham um destino inadequado. Então eles vão pra unidade, são incinerados e a cooperativa cobra um valor pela incineração. Isso ajuda a receita da unidade como um todo para que ela se torne também um processo de auto-sustentação.
P1 – Eu queria perguntar o contato com o CDI.
R – É a partir daí que a gente cria, depois de um tempo... justamente a história do CDI vem justamente por isso. A gente, em contato com... sabendo da história, tem um contato também via (Olbrach?). Na verdade, a (Olbrach?) entra de novo na história, por quê? Porque o contato é feito via (Olbrach?) e a gente consegue verificar que a gente poderia fazer alguma coisa lá. Havia interesse do CDI e da cooperativa. Então nós formamos a parceria (Olbrach?) – COOPSAI – CDI. A COOPSAI tem um prédio dentro da Vila dos Cabanos e dentro dos prédios nós disponibilizamos uma sala pra montagem da sala CDI – COOPSAI. Então a (Olbrach?) estava descartando computadores, eles estavam substituindo os equipamentos deles, então esses equipamentos estavam em bom uso, poderiam ser utilizados, mas... e nós pedimos nessa altura que pudesse ser doado para a cooperativa. Aí entra o esquema: “Vamos montar a sala de informática através do CDI.” A (Olbrach?) doou os equipamentos, ajudou a montar a salinha de aula. Nós botamos, além dos computadores, as bancadas, ar-condicionado. Então foi montada toda a estrutura e o CDI entrou no circuito com a montagem da sala e aí criamos... que inicialmente ela visou a cooperativa. A cooperativa tem mais de 200 cooperados. Quando foi juntando os familiares, tinha de mil pessoas. Então nós tentamos fazer o seguinte: nos dois primeiros semestres, nós oportunizamos a que todos os cooperados e parentes quisessem fazer o treinamento que pudessem ter. Então nós tivemos assim: primeiro semestre formou umas 160 pessoas; no segundo semestre mais umas 180. Porque nós fizemos um trabalho... apesar do CDI ter ainda um valor, um custo de acesso para a comunidade bem baixo – e é o motivo principal para que todo mundo pudesse se inserir dentro do sistema – a cooperativa ainda facilitou porque como era para cooperados então a matrícula era feita na própria cooperativa, a gente descontava das planilhas de remuneração deles, então facilitamos o processo para que eles pudessem também ter o acesso até mais facilitado. Então o interesse se tornou muito grande. No terceiro semestre, aí que estava praticamente, vamos dizer assim, satisfeito a necessidade interna, apesar de que ainda _____ estava querendo, mas a maioria já tinha assim como se saciado daquilo, então nós abrimos pra população, pra comunidade como um todo. Então hoje ela é aberta e todas as pessoas das comunidades podem fazer as matrículas e participar do curso de informática da CDI-COOPSAI dentro do município.
P2 – Quem são os educadores?
R – Os educadores geralmente são os próprios alunos antigos que se formaram, se destacaram e tiveram interesse e estão preparados para serem novos educadores do processo. Então os primeiros, como não havia ainda no início, tiveram que ser preparadas duas pessoas, três pessoas foram preparadas para serem os primeiros educadores.
P1 – De lá?
R – De lá mesmo, da própria localidade. Eram pessoas... eram universitários que tinham já bastante noção de informática, viram aquilo como oportunidade de participar de um trabalho comunitário, de ajuda, de ter uma pequena renda para manter a universidade deles, as viagens. Porque eles vinham pra Belém pra estudar. Não havia lá, então eles vinham pra cá. E aí eles são preparados pra isso. Nos semestres seguintes, eles também começam a sair por interesse deles também e começam a preparar novos e assim tem sido nos semestres todos.
P1 – E a formação desses educadores como é feita? É feita aqui no CDI? Eles vêm pra Belém? Como é?
R – Normalmente o que acontece é interessante. A EIC [Escola de Informática e Cidadania]-COOPSAI se tornou um polo de região. Então como outras – se eu não estou enganado – existem cinco unidades do CDI ____ no município de Barcarena. Existe Guaitetuba. Guaitetuba é uma cidade próxima. Moju é outra cidade próxima. Igarapé-Mirim. Então, existem cidades próximas que também foram instalados EICs nos municípios. A EIC-COOPSAI acaba sendo um polo de desenvolvimento de treinamento dessas áreas todas. Então quando há uma necessidade até mesmo de manutenção ou de desenvolvimento deles, a gente geralmente faz na própria COOPSAI. É melhor do que vir pra cá. Um instrutor vai pra lá e lá eles juntam todos, as EICs da região, e é feito na unidade da COOPSAI. Além de ter... porque funciona dentro de um prédio da COOPSAI e lá tem uma sala de aula boa pra 30-40 pessoas, uma infraestrutura boa. Então às vezes, quando há necessidade, além da sala de informática, eles utilizam a sala de treinamento também pra apoio. Então geralmente utilizam a COOPSAI como um ponto de desenvolvimento.
P1 – E os projetos desenvolvidos na EIC? Você poderia falar um pouco? Porque tem uma metodologia do CDI na questão da cidadania. Normalmente os projetos são ligados...
R – É, eu diria...
P1 – Se eu não me engano, acho que o _____ é
um projeto com meninos de rua.
R – É. Dentre os projetos, teve um que a gente pode colocar com maior destaque que é o dos meninos de rua. Acho que é um problema universal o das crianças nas ruas, problemas familiares, problemas de renda. Eu estava conversando com o Bruno exatamente isso antes de vir pra cá, que essas coisas geralmente... não acreditamos que seja uma ação do governo ou de prefeitura que vai solucionar problemas. É um problema da sociedade e a sociedade tem que se mobilizar para fazer alguma coisa. Nós somos responsáveis por tudo isso na verdade. Somos até criadores disso. A sociedade é criadora disso. Se ela fosse mais humana, se ela fosse mais igualitária... Não estamos falando de comunismo. Estamos falando de oportunidades realmente. Essas coisas poderiam ser muito mais minimizadas do que existe realmente hoje. E durante visitas às áreas comerciais do município, que foi a Vera a principal observadora, ela: “Olha, têm meninos em frente aos supermercados, em frente às farmácias, às lojas. Quer dizer, será que a gente não poderia fazer alguma coisa?” E aí surgiu a idéia do Projeto Iniciação deles. E aí fomos conversar primeiro com eles para que eles pudessem concordar com o que estava sendo colocado. Eles se mostraram interessados. Aí fomos aos pais, às famílias para que eles pudessem ter também uma participação e o aceite de que eles pudessem ir e aí abriu-se espaço pra eles nas turmas seguintes de participarem das EICs. E foram. Foram levados pra lá. Eu não tenho o número preciso, mas foram em torno de uns dez garotos que foram inseridos. Nós fizemos, internamente, nós fizemos um desenvolvimento interno de um apadrinhamento. Como eles não tinham condições de pagar, então dentro da própria estrutura da (Olbrach?), da cooperativa, nós fizemos um apadrinhamento. Eu era padrinho de um garoto. Então eu pagava a mensalidade dele. Uns cinco reais de matrícula, uns dez reais por mês. Então eu pagava. Então, houve os padrinhos que fizeram, para que houvesse o pagamento e eles pudessem ser inseridos nas salas. Então foi feito e eles participaram da turma. Os pais foram comunicados e paralelamente... porque a idéia seria, quer dizer, o pensamento fica sempre voltado: “Por que essa criança está na rua? Por que os pais não levaram na escola? Por que os pais não mantêm eles?” Aí você, invariavelmente, você vai e a origem está na própria família. O pai está desempregado ou então não tem pai. É a mãe que toma conta também não tem emprego. Então as necessidades e as dificuldades de cada acabam que o garoto vai pra rua, a pedir dinheiro, a fazer alguma coisa nesse sentido. A solução também buscada era que a gente pudesse ajudar a família pra que se pudesse gerar renda para a família. O garoto talvez não precisasse mais ir pra rua. Então a busca foi essa. Nós começamos também a inserir a segunda etapa do projeto, Unidade de Reciclagem e Compostagem de Lixo. Foi a construção de três fábricas... Nessa estrutura de prédio da cooperativa anexo, construíram dois galpões que estão assentadas três fábricas de reaproveitamento de material que ia pro lixo. Uma fábrica de sandálias, porque lá tem uma correia transportadora no porto que leva minério de cima pra baixo dos navios pra fora e retornando, então é uma correia de uma borracha grossa e ela tem uma vida útil. Depois ela vira sucata. E aquilo ficava, aquelas mantas enormes. “Bom, a gente podia aproveitar isso.” Aí, lembrou-se: “Antigamente tinha aqueles sandalhões de pneu de caminhão.” “Taí. Talvez a gente possa aproveitar isso.” Inicia-se um novo projeto de reaproveitamento de material. A correia transportadora pra virar uma sandália... Foi feita uma consulta em Recife. Uma indústria de calçados lá. E levamos o material para que ele pudesse atestar se daria para ser utilizado com solado de uma sandália. E ele fez testes e aprovou. Depois de dois anos aí se implanta essa fábrica. Uma fábrica de brinquedos ______
de madeira de embalagens que vem para a (Olbrach?), para o Norte, transformados em brinquedos pedagógicos. E as garrafas PET transformadas em vassouras. Então nesse projeto, que também ficava com a cooperativa, um projeto de continuidade, a cooperativa também ficou, eram mais trabalhos para serem gerados pra dentro. E aí também, nós também estamos oportunizando que pais ou mães dos garotos tenham oportunidade de trabalho dentro da fábrica. Já têm mães e pais que estão trabalhando nas fábricas, justamente, que são para, vamos dizer assim, uma sequência de um trabalho das crianças, mas também com a inclusão da família.
P2 – Como foi o aproveitamento desses meninos no curso de informática?
R – Foi bom. Os depoimentos deles são fantásticos. Todos eles demonstraram muito interesse e se sentiram inseridos. Muito acham que deveriam continuar. Se motivaram a continuar. Foi um incentivo para que eles voltassem a estudar, permanecessem na escola, tivessem mais ____ também. É uma inserção, na verdade. A gente percebe que a condição deles era de isolamento e eles se sentiram novamente integrados a uma sociedade quando eles participaram das salas de aula na EIC.
P2 – Lá tem internet?
R – Não, não tem. Problemas de instalação de telefonia no lugar – é um pouco isolado da área, inclusive pra agravar mais. Eu tentei. Comprei três linhas telefônicas pra área porque com o desenvolvimento da fábrica também, nós precisamos de telefonia lá. E comprei três linhas telefônicas. Tivemos que puxar fio de uma distância de mais de mil metros pra trazer do ponto do poste mais próximo pra lá. E nós colocamos e já roubaram quatro vezes os fios. Estamos sem telefone.
P1 – Você estava falando desses projetos que a COOPSAI desenvolveu, da borracha... Esses projetos são da COOPSAI e como eles estão integrados com a EIC? Tem alguma forma de integração? A EIC está diretamente integrada com eles?
R – É, a EIC está integrada com a COOPSAI de uma forma geral, de tudo que a COOPSAI faz. No caso do projeto, essa participação ‘criança’ e ‘pai’ também está ligado. A gente está sempre ligando esses fatos. E também a EIC ao projeto, à COOPSAI como um todo. As pessoas que estão ligadas à COOPSAI, que não têm a oportunidade, como nós já colocamos nos dois primeiros semestres, intensificamos pra que todos pudessem ter essa oportunidade do contato com a informática, sempre que há, a gente está sempre ligando a EIC com a COOPSAI de uma forma geral nos projetos ____.
P1 – Perfeito.
P2 – E hoje que é o público mesmo da EIC?
R – A comunidade como um todo de Barcarena.
P2 – Eu sei. Mas tem uma predominância de jovens, adultos, mulheres, homens?
R – Jovens muito mais.
P2 – Jovens homens? Ou jovens mulheres?
R – Não, não. Eu acho muito dividido homens e mulheres. Mas tem umas pessoas de idade, de idade avançadas. Tivemos gente de 60 anos que fez a escola. Gente da própria cooperativa de mais de 60 anos que sentou para fazer a ___.
P2 – Quais são as maiores dificuldades de aprendizado? Ou não tem dificuldades?
R – Eu acho que... Talvez a população, a comunidade... Eu acho que é muito individual essa postura, essa condição. Em qualquer grupo social, talvez no social tenha uma diferença maior, mas eles tenham mais facilidade, menos facilidade. Qualquer um. Alguém mais desenvolvido, mais interessado, que busca, que conhece, que se insere mais facilmente na condição e outros menos. São mais tímidos, mexem menos. Talvez desperte menos aquele interesse, aquela disposição nele. Na comunidade é da mesma maneira, com um diferencial porque hoje, numa sociedade nos níveis de classe melhores as crianças já crescem com o computador dentro de casa. Então aquilo passa a ser uma ferramenta da casa, como é a geladeira, como tem o fogão, tem o computador. Então ele se insere com mais facilidade. Eu também comparo... o meu filho tirou carteira de habilitação e teve uma facilidade muito maior de dirigir do que eu. Quando eu tinha a idade dele, com 4, 5, 6 anos eu não tinha carro em casa. Não era uma coisa natural na minha própria vida. Eu fui ver carro com uma idade maior. Ele não, ele nasceu dentro de um carro. Então ele ficava vendo desde que nasceu. Pra ele, naturalmente, ele disse: “Agora quem vai sentar na frente é tu.” Então, pra ele era mais fácil. Aquele bicho era menos estranho pra ele do que foi pra mim. Então é natural isso. Então é a mesma coisa. Pra ele não deve ter uma dificuldade maior. Mas a gente se surpreende pela vontade deles e a percepção de que aquilo é uma coisa fundamental no mundo de hoje, quer dizer, demonstra o interesse deles, a busca de querer saber, de se inserir rapidamente demonstra que eles estão querendo, e a visão deles de que aquilo é fundamental na vida de todo mundo hoje. Bom, acho que o destaque fica mais... pra que as dificuldades são mais individuais mesmo, mas as pessoas que entraram quase sempre mostraram um interesse em querer aprender.
P2 - Você se lembra de algum caso que marcou, que todo mundo se lembra, de um fato histórico?
R - Eu diria pra vocês que... você deve entrevistar a Vera daqui a pouco. A Vera tem uma função dentro da cooperativa mais direta na relação com todos eles. Ela talvez, em casos desse tipo, ela seja mais rica do que eu. [risos]
P2 - Alguma coisa que você queria acrescentar que nós não perguntamos que você acha importante registrar, falar, algum aspecto que não foi levantado?
R - É, eu... O trabalho do CDI, dentro da filial da informática, que é específico do próprio CDI, característica dele, mais o trabalho comunitário nessa parte, como qualquer outro desenvolvimento social, comunidades, é uma coisa hoje de fundamental importância pra que haja uma mudança no mundo. Eu já repeti isso outras vezes, se eu fosse prefeito de uma cidade, se eu fosse governador do Estado, se eu fosse presidente da República, eu faria uma coisa que seria, nos quatro anos que eu tivesse, de uma intensidade fantástica. Eu não faria nada além disso: educação, nada. Eu acho que ninguém vai a nenhum lugar se não passar pela educação. Então era a coisa que eu acho que seria mais intensa em tudo, objetivo principal e maior: educação da população. Que eles tenham uma visão diferente do mundo deles pra que eles possam crescer, melhorar. Não há nada que venha a ser atingido se não for transformando a população que a gente sabe que é de extrema carência - no Norte mais ainda - se não for dessa maneira. A cidade pode melhorar muito, pode se fazer obras fantásticas, Estação das Docas, o Forte do Castelo, a Igreja de Santo Alexandre, o Museu de Arte Sacra, coisas maravilhosas, mas se a população continuar do jeito que ela é, isto não vai ter muito sentido. O sentido vai ter quando você construir isso e a população entender e valorizar isso. Aí, sim, terá sentido. É isso. De uma forma geral, o CDI faz a parte dele na área da informática.
P2 - Tá. Muito obrigada então, Antonio.
P1 - Obrigado, Antonio. Agradecemos a sua pessoa.
R - Eu também, a oportunidade de contribuir.Recolher