Programa Conte Sua História
Depoimento de Mariana de Souza
Entrevistada por Gustavo Sanchez
São Paulo, 19 de maio de 2011
Realização InstItuto Museu da Pessoa
Código: PCSH_HV289
Transcrito por Melina de Moura Marchetti
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Então, Mariana, para começar eu...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Mariana de Souza
Entrevistada por Gustavo Sanchez
São Paulo, 19 de maio de 2011
Realização InstItuto Museu da Pessoa
Código: PCSH_HV289
Transcrito por Melina de Moura Marchetti
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Então, Mariana, para começar eu vou pedir para você falar seu nome completo, a data e o seu local de nascimento.
R – Meu nome é Mariana de Souza Rolim, eu nasci em São Paulo, aqui na capital mesmo. Nasci no dia 12 de agosto de 1978.
P/1 – Você conheceu seus avós, Mariana?
R – Conheci três, né! Conheci meus dois avós maternos, sendo que meu avô depois faleceu, eu tinha oito anos, então convivi muito com a minha avó. E por parte de pai eu conheci só minha avó. Quando meu avô faleceu minha mãe estava grávida de mim.
P/1 – Mas com a sua avó, você chegou a conviver...
R – Sim. Sim... Com as duas eu convivi bastante. As duas faleceram depois dos oitenta, então eu pude conviver bastante com elas.
P/1 – Você tem lembrança de infância, de ir pra casa delas?
R – Sim, nossa, muito! Mesmo porque minha família é toda de São Caetano do Sul, né? Meus pais se casaram lá, e, assim que se casaram, se mudaram pra São Paulo, né? Primeiro no Ipiranga que é ali do lado de São Caetano, né, e daí depois foram pra Zona Sul, que é onde eu moro até hoje, ali no Morumbi. Então, era sempre uma viagem ir pra São Caetano, mas a nossa família toda até hoje mora lá. A gente sempre ia pra lá e a sensação que dava era de viagem mesmo, e de ir pro interior, mesmo porque a gente morava em apartamento e minhas avós moravam em casa. Casa, sabe, casa com quintal grande, então... Eu lembro, tenho muitas lembranças boas, né?
P/1 – E a casa, você lembra como era?
R – Sim. É... As duas tinham uma configuração muito parecida, né? Com um recuo só numa lateral, que era um recuo pra entrada de carro mesmo, né, um jardim na frente, esse jardim que era, assim, cimentado, né, na casa da minha avó por parte de mãe tinha ainda um canteirinho, com árvore e tudo mais, mas era basicamente seco. E daí nos fundos, tinha um jardim grande, mesmo, e aí, jardim. Jardim sabe? Com planta, muita planta. Minhas duas avós adoravam planta e na casa da minha avó paterna tinha até uma área grande porque passava um córrego no fundo, uma coisas assim... Então tinha galinha, tinha coelho, eu tinha um tio que tinha um monte de passarinho. E na da minha avó por parte de mãe, o meu avô era marceneiro, então tinha a oficina dele lá no fundo, que era o lugar que a gente não podia entrar, porque era perigoso, né?
Então de vez em quando a gente ia lá com ele, né, daí ele mostrava algumas coisas. Era bem divertido.
P/1 – E como é que era São Caetano nessa época, que você lembre?
R – Era só casa, né? Hoje a gente vai pra lá, a casa de uma das minhas avós, a gente inclusive vendeu pra construção de um prédio. Hoje, São Caetano tem prédio em tudo quanto é lugar... É assim, incrível. Eu não sei como tem espaço pra tanta gente, isso é, como tem espaço, não como tem tanta gente procurando um lugar pra morar lá, né, porque a sensação que dá é: “Gente, da onde sai esse povo todo, né?”. Então tinha essa coisa diferente da região onde eu morava, né, que era só prédio. E São Caetano era só casa, né? Casa, casa... Não tinha aquela coisa de interior, entendeu, de ficar brincando na rua, mas eram casas grandes, não tipo casas geminadas, sabe, que era a visão que eu tinha de São Paulo também, que era tudo meio apertado. A sensação que dava era que em São Caetano você tinha espaço.
P/1 – E você era filha única? Você tinha irmãos?
R – Não, eu tenho duas irmãs mais novas, uma, dois anos mais nova, e a outra, seis anos mais nova. Somos três.
P/1 – E os seus pais, eles faziam o quê, qual que era a atividade deles?
R – Meus dois pais são originalmente professores, se conheceram, inclusive, porque davam aula na mesma escola. A minha mãe, ela era professora de Geografia e assim, trabalhou na área de Educação até se aposentar, se aposentou há pouco tempo. E o meu pai, a formação dele, na verdade ele é Engenheiro Químico, e dava aula pra pagar a faculdade. Tanto que logo depois, antes de casar ainda, ele já parou de dar aula e foi trabalhar na área de Engenharia mesmo. E começou a trabalhar primeiro na área de Engenharia Química, numa indústria grande de Cubatão, e depois, como quase todo engenheiro da época, começou a trabalhar com computação, que é a área em que ele trabalha até agora.
P/1 – Do período de infância você tem lembranças dele, de brincadeiras, da relação com eles, em si?
R – Ahhhh... Tenho! Assim, uma coisa que eu lembro muito, sempre, é época de Páscoa, porque, eles escondiam os ovos, mas assim, não era uma coisa fácil, né? Tinha vários, várias pistas até você chegar no ovo em si, sabe? Primeiro tinha um bombonzinho e daí tinha alguma coisa tipo: “Ah, estou tomando banho”. E daí você tinha que ir pro banheiro e no banheiro tinha outro bombonzinho com outra pista... Então isso é uma coisa que, nossa, eles fizeram acho que até a minha irmã mais nova ter uns dez anos, então, eu tinha dezesseis, ou seja, foi minha infância e parte da adolescência inteira com isso né? Hã... Isso é uma coisa que eu lembro muito, a gente tinha uma parte de prática de esportes também porque meu pai foi jogador de vôlei uma época, até chegar naquele ponto, né, que bom, ou você se profissionaliza ou você tem que trabalhar, né? E na época, jogador não ganhava o que ganha hoje, então, ele parou e ele mesmo falava: “Ah, se na época tivesse a posição de líbero, ainda, talvez eu continuasse”, porque meu pai tem um e oitenta, e um e oitenta é baixinho, mesmo naquela época, então, ele parou, mas assim, isso fez com que a gente sempre tivesse algum tipo de atividade assim, então, ia pra praia, tinha sempre uma prancha, daquelas de isopor, sabe, que vendia na praia... Nossa tô me sentindo, né, enfim, a gente sempre tinha uma, né, pra brincar, tinha bicicleta... No prédio que... A gente brincava no prédio mesmo, mas tinha uma quadra, então, sempre tinha uma coisa assim, com as minhas irmãs, e, de vez em quando, com meu pai também.
P/1 – E fala um pouco da rotina do prédio, é muito típico de São Paulo, a infância no prédio... Conta um pouco mais.
R – É. A gente deu sorte porque no nosso prédio tinha muita gente da nossa faixa etária, né? Então assim, muita gente, é um prédio de dezesseis andares, dois apartamentos por andar. Então, trinta e dois apartamentos e (pausa) tinha bastante gente, mais ou menos na nossa faixa etária. Então, dava pra brincar bastante, né? Tem muita gente que fala: “Ai, não! Morar em apartamento é ruim, e tal...”. Mas a lembrança que eu tenho não era essa, né, porque a gente brincava de pega-pega, de esconde-esconde, sabe? Montava, eu lembro da gente montando uma cidadezinha de boneca, sabe, com caixa de sapato, então cada caixa era a casinha de uma... Isso tudo lá no térreo do prédio. Então assim, se restringia àquilo, mas dava pra andar de bicicleta, dava pra brincar com bola, tinha uma piscina, então dava pra usar a piscina também, eu não posso dizer que eu tenha sentido falta de uma rua pra brincar, sabe?
P/1 – Que ele era presente, estimulando o esporte... Conta um pouco mais dessa relação, dessas viagens da praia, da sua relação com o seu pai.
R – Bom, meu pai era uma pessoa muito fechada, mesmo porque meu avô paterno veio do Nordeste, né, e minha avó era italiana. Então assim, duas culturas que... é muito, sabe, homem é o durão, né, e tem que manter a pose. Meu pai até hoje tem essa postura, mas em alguns momentos ele se soltava um pouco, digamos assim. E era geralmente nessa questão com brincadeiras, com o esporte. A gente ia bastante pra praia, primeiro a gente, assim, viajava, sempre, muito pras praias do sul, principalmente. Até que chegou um verão em que a gente sofreu um acidente de carro, ninguém se machucou, tal, mas meus pais ficaram traumatizados e então daí a gente comprou uma casa em Itanhaém, e daí, assim, todo verão ia pra lá. Tem uma coisa que até hoje acontece, né, vai a mãe com os filhos, e daí o pai fica indo de final de semana, né, e a gente fazia isso e aí ele ia, e a gente brincava muito na praia, de fazer castelo de areia, e essa coisa com pranchas e tal... A gente se relacionava muito assim, muito também através do esporte, via futebol... Minha família toda é são-paulina fanática, e meu pai também, assim, de assistir jogo, xingar junto, né? Essa questão de vôlei, quando começou a Liga Mundial vir pro Brasil, a gente ia nos jogos, então, tem uma relação assim. Mas, eu diria que a nossa relação acabou se estreitando mais quando eu fiquei mais velha, né, que aí, você tem, a sensação que eu tinha mais assunto pra conversar, né?
P/1 – Pode continuar falando, mesmo de ser depois, aí você ficou mais velha, quando você estava na faculdade...
R – É. Eu fiz assim, o colégio inteiro no mesmo colégio, o Colégio Maria José, né, que é um colégio de freiras, então tinha uma educação bem rígida, sabe, usar uniforme até o terceiro colegial e tal... E me formei, humm... Ficava em Santo Amaro. Fica em Santo Amaro, existe ainda. Me formei e daí fui fazer Arquitetura. Quando eu estava no terceiro colegial, a coisa de ser a mais velha, né, tem aquilo que você acaba sendo cobaia dos pais, né? Então, nossa, meus pais ficaram superpreocupados porque eu não sabia o que eu queria, não fazia ideia do que eu queria da vida. Então, eu comecei a fazer um monte de teste vocacional, sabe, tudo quanto é tipo de teste vocacional que você imagine eu fiz, né, e daí comecei a descobrir algumas coisas e tal, e daí, no final das contas eu fiquei em dúvida entre Arquitetura e História. E daí eu tinha, na época do colégio, um professor de Química que eu adorava, e ele sempre falou que não, “tem que ir pra USP, porque a USP é a melhor faculdade e tudo o mais, né?”. Então eu tinha isso na cabeça, tá bom. Daí chegou no final do ano e eu resolvi, né, que eu queria ou Arquitetura ou História, tipo sei lá, agosto... Não tinha tempo pra estudar. Daí, eu resolvi: “Bom, eu acho que vai ser mais difícil entrar em Arquitetura, então eu presto Arquitetura, não vou passar, e aí eu faço um ano de cursinho, inclusive pra pensar melhor qual das duas que eu quero”. E aí minha mãe falou: “Não, já que você não tem certeza, você não vai prestar só USP. Presta outras...”. Eu prestei, também Mackenzie e FAAP, passei no Mackenzie e na FAAP, e não passei na USP. Mas aí eu falei: “Bom, já que eu passei, deixa eu começar a fazer, pra ver se eu gosto”. Daí fui pro Mackenzie, comecei a fazer, também, assim, certa de que eu ia começar a fazer e, se eu gostasse, eu trancava no meio do ano pra fazer cursinho, porque eu tinha que ir pra USP, mas aí assim, me apaixonei pelo Mackenzie. E por Arquitetura. Então, continuei lá, me formei lá, me formei em dezembro de 2000, né? E entrei em 1996, são cinco anos, né, de faculdade, e assim, nossa, foi muito, foi uma mudança grande na minha vida, porque como a gente morava no Morumbi, bom, até hoje o Morumbi é um lugar difícil de você chegar com um transporte público, né? Então minha mãe me levava, levava a gente pra tudo quanto é canto de carro. Era escola, aula de inglês, aula de natação, sabe, festinha, qualquer coisa ia de carro. E daí quando eu entrei na Faculdade, putz, pra ir pro Mackenzie, nossa, era uma viagem, era muito longe ir pro centro, né? Na verdade, chegar até a Paulista já era assim, um evento, né? E até Mackenzie então, nossa, era impensável. E aí não dava, né, pra ficar me levando e trazendo todo dia. Mesmo assim, puta, eu tinha entrado na faculdade, né, não precisa, entendeu, eu comecei a andar de ônibus. Foi só na faculdade que eu comecei a andar de ônibus. Isso, sabe, deu uma sensação de liberdade incrível, e o curso em si, né? Eu vinha de um colégio que tinha uma disciplina muito rígida, por mais que o Mackenzie tenha um pouco isso também, só pelo fato de ser Arquitetura já tem uma visão mais aberta, né, das coisas... Então foi, foi uma época mais assim em que eu mudei muitos conceitos meus, e foi onde eu conheci meus melhores amigos, né? As pessoas com quem eu convivo até hoje, eu conheci lá, na graduação. E aí eu terminei, quando eu estava na metade do curso eu comecei a procurar estágio, né, mesmo porque Arquitetura é, o curso do Mackenzie é superpuxado, né, então, nos dois primeiros anos eu não fazia nada além da faculdade e daí na metade do curso eu fui procurar estágio e consegui através do CIEE, e fui trabalhar no lugar que eu tô trabalhando até hoje. É a única, minha única experiência profissional, né? Então, eu entrei lá como estagiária na...Hoje é Fundação Energia e Saneamento, na época era só Fundação Energia e tinha acabado de ser criada, e daí fiquei lá, e tô lá até hoje.
P/1 –Você estava falando que, quando você começou a sentir que mudou a sua relação com seu pai, mudou a sua relação em casa, quando você passou a ter mais a sua autonomia?
R – É, principalmente porque, quando eu estava na faculdade, eu comecei, acho que eu estava no segundo ano, é, o escritório do meu pai se mudou pro Centro. Ficava na Barão de Itapetininga, né? Ali perto do Teatro Municipal. E aí, como ele ia pra lá de carro, eu comecei a ir com ele, né? E ele me deixava no meio do caminho, né, porque daí eu descia a Consolação, lá no finalzinho eu ficava e ele ia. E aí, dependendo do dia, que tinha dias que eu passava o dia inteiro na faculdade, tinha dias que eu ia no cinema depois, sabe, tinha dias que eu voltava com ele também, né, e daí eu ia até o Centro, me encontrava com ele e voltava. Acho que foi nessa época que mudou, principalmente por conta, sabe, do trajeto, né, não adianta, você ir do Morumbi até a Consolação, por mais que o trânsito tenha piorado muito, mesmo naquela época era pelo menos quarenta minutos. Então você não vai ficar quarenta minutos dentro do carro quieta, né? E daí a gente começou a conversar mais... E bem ou mal, Arquitetura e Engenharia têm uma ligação, por mais que ele tenha feito Engenharia Química, que não tem nada a ver com Civil, e consequentemente, nada a ver com Arquitetura, mas principalmente começo da faculdade tinha algumas matérias que a gente, hum, que ele chegou a ter. Então, as mais técnicas, Resistência de Materiais, principalmente, que era uma coisa que ele sempre falava que: “Nossa, peguei DP, várias vezes”, né, então a gente começou a conversar mais, né, eu senti que foi realmente na faculdade que mudou pra uma relação mais... hãã...não vou dizer que chega a ser entre iguais, né, justamente por essa questão de formação mesmo, mas uma coisa mais próxima disso, não tanto, uma coisa não tanto impositiva, sabe, tipo: “Eu vou te falar o que é o melhor pra você”, entende? Uma coisa mais com diálogo mesmo.
P/1 – E a relação com a sua mãe? Porque aí... Aí tem o outro lado, né?
R – É. Ah, aí, a minha mãe era quem estava com a gente direto, né? Porque com o meu pai a gente convivia mais de final de semana mesmo, porque mesmo durante a semana, né, aquele ritmo de trabalho de chegar em casa supertarde, e a gente tinha uma rotina, sabe, muito, muito certinha, de dormir cedo e tal. Então, a gente convivia mais com meu pai realmente de final de semana. Mas, com a minha mãe não, né, porque a minha mãe, assim, sempre trabalhou, mas é a maior parte da carreira dela, ela trabalhou meio período, né, teve uma época só que ela trabalhava o dia inteiro mas aí a gente já estava um pouco maior, então, assim, chegar em casa e almoçar, e fazer a lição de casa, ir pra aula de inglês, sabe, ir pra clube, era sempre tudo com ela então... ainda hoje assim, quando, quando eu tenho algum problema é com ela que eu vou falar, é ela que eu procuro. Por conta, por conta disso, mas é, também... Eu acho que é uma questão da sociedade em que a gente tá, né? Não adianta, a mãe é que acaba ficando, tendo mais essa responsabilidade com os filhos. Mas eu sofri também por ser... Sofri. Sofri? Ah, parece, ah, fazendo drama, né... por ser filha mais velha, se minhas irmãs tivessem aqui elas já iam falar: “Ah, para de frescura, né?”, mas porque você é sempre a primeira a fazer as coisas, né, então você é que tem que...
P/1 – Dar o exemplo...
R – Não, e você que tem que convencer seus pais, né? Tipo: “Vou viajar com os amigos”. Imagina, eu fui viajar, assim, com amigos, né, a primeira vez quando estava na faculdade. Antes disso, de jeito nenhum. Imagina, não. “Não Pode.” E minha irmã mais nova tinha, sei lá, acho que quatorze anos e já viajava e minha mãe: “Ah, tudo bem, né?”. Enfim, e não só minha mãe, meus dois pais são muito, muito rígidos, né, principalmente nessa coisa de, sabe, saídas, né, porque “Ah, tem que tomar cuidado, porque não adianta você só ser certinho, né, você não sabe quê que as outras pessoas vão fazer, né, e tudo mais...” Perigoso... O que tem, né, seu lado, mas aí, voltando, o Mackenzie me fez muito bem, né, eu acho que eu não teria tido isso, por exemplo, indo pra USP, né, porque a USP é muito perto de casa, né e... então, teria tido, acho que realmente, uma relação diferente.
P/1 – Conta um pouco o que você lembra do começo, dos primeiros anos do colégio...
R – Lembro da Irmã Inês, que era diretora. Nossa, todo mundo morria de medo dela, não podia nem falar no nome dela que, sabe? Quando eu entrei tinha... tinha aquela coisa bem assim, você tinha um tipo de uniforme social, tinha um outro uniforme que era pra aula de Educação Física, todo... tinha algum dia do mês, que eu não lembro qual, tinha, devia ser o primeiro dia do mês, alguma coisa assim, que tocava o Hino Nacional, e daí você tinha que cantar... Uma coisa que eu tenho trauma até hoje, nos intervalos, o sinal, né, pro intervalo, não era pra intervalo de recreio e de começo e fim de aula, não era tipo um... um apito, né? Tocava uma música que, geralmente era uma das versões da Ave Maria, né, tanto que é uma coisa que se toca muito em casamento religioso e eu sempre brinquei que: “ De jeito nenhum que vão tocar essa música no meu casamento”, porque eu ouço Ave Maria e pra mim eu lembro do intervalo do colégio. E você tinha, assim, sabe, datas religiosas eram sempre muito, muito comemoradas, né, você tinha todo um trabalho dentro das aulas pra isso, se tinha aula de Religião, eu tive aula de Religião até o terceiro colegial, e que é uma coisa que na verdade, eu acho que.. que é legal, sabe? Seria bom ter. Não pela religião em si, mas pelo lado de filosofia mesmo, né? Alguns professores que eu tive de Religião, por exemplo, eram muito, sabe, tipo, quase uma aula de catequese. Mas outros, e principalmente no colegial, era... Teologia, né? Então, é bom isso, né, pra quebrar aquela rigidez, né, e inclusive, pra quebrar a coisa de você pensar em resultado, que não adianta, você terminou o terceiro colegial, você tem que passar numa faculdade, né? E o colégio vai querer que os alunos passem na melhor, né, daí vira, hum, uma bola de neve, né, inevitavelmente. Daí então essas aulas, eu acho que quebravam um pouco isso, né, mas o colégio mudou muito enquanto eu estava lá, porque, primeiro assim, mudou fisicamente, teve uma ampliação grande, né, e tem uma parte mais antiga ainda hoje que é bem aquela coisa de claustro, sabe, então tinha um pátio central, arcadas, né, tinha uma gruta com uma santa, né, e daí... eu devia estar, sei lá, sexta série, construíram um prédio novo, né, tanto que a gente falava: “Ah, a gente vai ter aula no prédio novo, né?”. Era o máximo! E realmente a gente acabou o colegial, acho que era a partir da quinta série, eu acho, que ficava lá, né, no prédio novo. Mas, eu acho que foi a partir da sexta série que, sei lá, quinta ou sexta série que mudou muito essa questão da disciplina, né? De ficar mais, assim, de ficar mais laico, digamos assim, então parou de tocar Ave Maria, por exemplo, né, o uniforme, era um tipo de uniforme só, uma coisa menos formal, né? Porque o uniforme social que a gente tinha era calça com prega, camisa, sabe, então aí era uma calça de moletom e uma camiseta, né, uma coisa mais tranquila. Isso assim, acho que pra se adaptar, inclusive à questão de demanda, mas... eu lembro muito dessa primeira parte, entende, das irmãs, quando a diretora passava ou mesmo as outras irmãs, sabe, você parava, porque ela dava muita bronca, nossa, se visse você, sabe, tipo correndo, gritando no meio do pátio, te chamava, né, pra falar: “Pra quê isso, né? Tem que se comportar e tal”. Menina, então, nossa! Nem pensar, porque, menina, né, mocinha, você tem que ficar quietinha. Menino até pode fazer um pouco de bagunça, mas menina não. Então tinha muito isso.
P/1 – E mudou um pouco, você disse, depois da quinta, sexta série?
R – É... Eu acho que foi, né, porque... E deve ter sido isso, porque, a minha irmã mais nova, por exemplo, ela já não tinha essa coisa de diferença de uniformes, porque daí nós três estudamos no mesmo colégio, né, não tinha tanto essa diferença. Não tinha tanto não, não tinha mais. Era um só, e foi na época também que mudou a diretora, né? A Irmã Inês saiu, né, se aposentou. Mesmo porque, quando eu entrei, ela já devia ter seus... Ai, eu não vou nem chutar a idade dela, mas eram muitos anos, né?
P/1 – Muitos anos...
R – Claro que aí é a perspectiva de uma criança, né? Então não sei, se bobear, ela tinha cinquenta só, mas pra mim era muito velha, né, e tinha o cabelo todo branco ainda, não ajuda também, né? Mas... mas foi mudança de direção mesmo, né, e aí deu uma flexibilizada, então, você, por exemplo, sabe, tinha uma questão de horários, né, antes, se você chegasse atrasado, você entrava na escola porque não iam te deixar na porta, né, da rua. Mas você entrava na escola e você ficava de castigo, né, ficava na biblioteca, fazendo trabalho, umas coisas assim, né, e... então aí já tinha uma tolerância, sabe, sei lá, cê podia chegar, até sei lá, dez, quinze minutos de atraso, sabe, umas coisas assim, mas a sensação que eu tive é que era pra tirar um pouco essa coisa de escola católica.
P/1 – E aí no Ensino Médio, as coisas também mudaram um pouco pelo que você falou, você já começou a pensar na faculdade, ter mais experiência de vida, né?
R – Hã... Eu acho que... Por conta de professor mesmo, né, porque como as minhas irmãs são mais novas, eu brinquei de boneca, por exemplo, até muito tarde, assim como a minha irmã mais nova brincou muito menos do que eu, sei lá, se eu brinquei com boneca até os treze, catorze anos, ela deve ter feito isso até os nove, né, porque a gente fazia muita coisa junto. Então, eu acho que eu fui começar a pensar nessa coisa de faculdade realmente por causa de professor, e principalmente por conta desse professor de Química, que, porque acho que, não sei, não tinha esse tipo de preocupação, sabe, com o que vai acontecer, depois, né? Acho que no segundo colegial é que eu comecei a, pelo movimento né, e aí, eu tinha uma amiga que era super... nossa, supercentrada, superfocada, né, e desde pequena ela sabia que ela queria ser médica. Então, acho que foi a partir do segundo colegial que ela começou a falar assim: “Nossa, não, tenho que começar a estudar”, tanto que ela foi fazer cursinho já no segundo colegial. Acho que foi aí que eu comecei a pensar: “Nossa, acho que eu tenho que escolher alguma coisa, né?”. Tanto que aí a gente fazia uma coisa, né, foi no terceiro colegial que eu comecei a me soltar um pouco, né, é... a gente ia fazer simulado, pré-vestibular, ia fazer num cursinho, não lembro nem qual que era, mas que ficava perto do Metrô Vergueiro. Então, também, né, e aí a gente ia, era um grupo de quatro, geralmente, e aí sim, pegava ônibus e ia até lá ou a mãe de alguém deixava a gente lá, e a gente voltava de ônibus, sabe, umas coisas assim. Mas focando justamente nessas coisas, mas eu comecei a fazer simulado, sem, sabe, sem saber o quê que eu ia fazer no final das contas. A única coisa que eu sempre soube é que eu não queria nada da área de Biologia, acho que por conta de professor também. É incrível como professor influencia a gente... Mas, que Biologia, não. E aí no terceiro colegial a gente começou nessa linha dos meus pais ficarem desesperados e querer que eu escolhesse alguma coisa. A USP tinha um programa, eu não sei se tem ainda, mas que foi muito legal, que era de visita às Faculdades. Então tinha, era um sábado ou um domingo, acho que era um domingo, você tinha um grupo de alunos que te recebia, e tinha alguns professores, né, tinha ex-aluno, sabe, pra falar o quê que era o curso, que que você ia fazer depois, e mostrava o prédio. Tanto que eu lembro, quando eu fui ver a Faculdade de Direito, nossa, que era... gente, aquele prédio lindo! Imagina, estudar aqui, né, e foi aí que eu resolvi fazer Arquitetura, porque o prédio... E daí, eu percebi que bom, se eu vou nos lugares e só eu gosto do prédio, né, eu acho que deve ter alguma coisa por aí, porque o prédio da FAU na USP, nossa, me impressionou muito na época, eu lembro, porque era uma coisa completamente fora do meu cotidiano, né, que era o quê, o meu apartamento, as casas de São Caetano e o meu colégio, né, então... tudo que saía disso já me marcava.
P/1 – Falando nessa linha do que marcava, você falou que nas primeiras vezes que você saiu sozinha, assim... Você lembra a primeira vez que você saiu sozinha que você falou assim “nossa”, o que te impressionou, que você lembra da cidade?
R – Eu acho que foi essa coisa de ir pros simulados, né? Eu não consigo lembrar da primeira vez, mas eu lembro de uma vez que a gente voltou de ônibus e que daí a gente tinha que andar, a gente chegou à conclusão que a gente tinha que pegar um ônibus que ficava no Metrô, lá na Ana Rosa, não lembro por quê, né, mas enfim. E daí tinha que andar acho uns quatro quarteirões na Domingos de Moraes, né... E é engraçado que eu lembro bem desse caminho, sabe, de ter um monte de lojinha e que estava tudo meio vazio, porque era domingo... Naquela época as coisas não abriam ainda de domingo, né, não é essa coisa que você vai em shopping, por exemplo, e tá sempre tudo aberto, né, de chegar no terminal de ônibus, e daí, eu lembro que a gente sentou e foi, entrou no ônibus e foi sentar lá no último banco, né, pra fazer bagunça, né, claro... É uma coisa que eu lembro bem, sabe, de ver a cidade de uma forma diferente, né, só o fato de você estar mais alto, né, do que num carro, e de você estar com amigos, né, foi uma sensação, uma sensação diferente.
P/1 – E aí você começou a frequentar o Mackenzie, então, mudou essa rotina?
R – Primeiro porque o Mackenzie tem uma coisa que, é que o campus é muito legal, né, porque você tem, todos os prédios estão muito próximos, né, então você vê, sabe, o que tá acontecendo. E aí o Mackenzie tem essa coisa né, de escola americana, então, você era obrigado a fazer aula de Educação Física, sabe, por exemplo, né, que é uma coisa que... E aí você acabava conhecendo pessoas de outros cursos também. Essa integração era muito legal, né. E, inclusive, mesmo que no lado que, inevitavelmente, se forma as panelas, porque daí você via, o pessoal de Direito, né, já tinha, “Ah, tá na cara que esse daí faz Direito”, umas coisas assim, que era um prédio bem perto do nosso, é... E a gente vira e mexe tinha que fazer trabalho pelo campus, então, aula de desenho, a gente tinha que desenhar algum prédio de lá, então a gente sentava, sabe, com um negócio enorme no colo e ficava desenhando, e daí o pessoal dos outros cursos que falava: “Tem que ser de Arquitetura, pra ficar aí no meio”, e tal. Mas era legal a coisa da cidade, né, porque aí sim, você estava no Centro, né, então era um monte de gente. Principalmente quando a gente tinha que ficar, por algum motivo, você estava fazendo trabalho e ficava até mais tarde, nossa, à noite tem um monte de gente circulando naquele campus, então, sabe, isso é uma coisa que, é... foi marcante pra mim também. E daí a gente começou a ir, eu comecei, né, eu comecei a conhecer a Paulista, porque, nossa, a gente ia muito no cinema, então aí ia no Belas Artes, no Gazeta, sabe, ficava, perambulando por ali, né... E começou a conhecer o Centro, também, porque também, por questão da proximidade, muito professor mandava a gente fazer trabalho lá, tipo: “Ah, tu vai lá fazer levantamento de alguma coisa”, aula de Planejamento Urbano, então tinha muito essa coisa de andar, isso, isso foi muito legal do curso.
P/1 – E... Você lembra, você tinha muita liberdade? O Mackenzie te trouxe festas, amigos, o que mais vem com isso, com essa vivência do Mackenzie, que tenha sido marcante?
R – Tipo, primeiro que foi aí que eu fiz minha primeira viagem sozinha, né, sem os pais, isso foi muito marcante. No carnaval ir pra praia. Alguém tinha uma casa na praia, foi, Guarujá, eu lembro que era, um amigo que até hoje é muito meu amigo. E era a casa dele e daí você vai num apartamento que é um ovo e você vai num grupo de dez pessoas e daí fica aquela bagunça. Essa questão de bagunça no bom sentido foi o que mais me fez diferença, de você não estar tão.. de você não ficar preso a “não eu tenho que fazer primeiro isso e depois aquilo, depois aquele outro” e mesmo depois, no curso, porque a visão que eu tinha de Arquitetura quando eu entrei era realmente de construtor de casinha e daí você começa a ter aula e nossa, é um mundo, né, tem muita coisa que você pode fazer, muita coisa com que você pode trabalhar, desde aquelas coisas que são superchatas que você fala “nossa quem vai ter coragem de fazer isso, né?” até outras que não, “eu acho que vou querer trabalhar com sei lá”, não, sei lá, “quero trabalhar com construção mesmo”, “não, eu quero trabalhar com planejamento de”, ir mudando e percebendo que você tem realmente muitas opções e que não tem uma opção que seja a certa, né, vai ser a melhor opção pra você naquele momento.
P/1 – Agora você estava falando sobre as opções que o curso de Arquitetura tem profissionalmente, fala um pouco das alternativas, não só trabalhar com construção.
R – É. Porque a visão que eu tinha realmente de Arquitetura era isso: você vai entrar para fazer desenho e casinha. E casa, né, nem prédio, era casa. Não sei porque, aliás, mas era essa a visão que eu tinha, e daí você começa a fazer o curso, né, tem muita coisa que você pode fazer depois... Então, esse leque de opções, essa abertura era uma coisa muito legal e daí, durante a faculdade você começa a ver as pessoas com quem você convive, que tem gente que não, que vai realmente ter mais aptidão para trabalhar com programação visual ou tem gente que com certeza vai pra Interiores, aquele povo que é quase engenheiro que vai querer trabalhar com obras, aliás, na minha turma teve gente que depois foi fazer faculdade de Engenharia pra depois complementar e tudo mais. Essa perspectiva de você não ter necessariamente, sabe, não tem o que é certo e o que é errado, é uma questão realmente de opções e do que tá acontecendo com você naquele momento e o Mackenzie tinha isso, o Mackenzie, qualquer faculdade. E aí você tem as atividades de Diretório Acadêmico, as atividades de Atlética, daquele pessoal que só quer saber de festa, daquele pessoal que só quer saber de estudar porque quer terminar a faculdade logo, então você transitar por esses grupos, né, é bem legal.
P/1 – Tem alguma coisa que era bem difícil pra você, tipo, no curso, tipo “desenhar pra mim era um problema, eu tinha muita dificuldade…”?
R – Eu acho que não, é...Projeto nunca foi o meu forte, né, então assim, nas matérias técnicas de Engenharia, nossa, eu sempre ia muito bem, né? As matérias que quase ninguém gostava, que era Estética, História da Arte. Nossa Senhora, que tinha um professor que viajava na aula, nossa, eu adorava aquelas aulas, um monte de gente falava “meu...”, usava a aula pra dormir, aquelas coisas, né? Aula de planejamento urbano, nossa era uma coisa que
eu gostava muito. Não tinha nada assim que eu não gostasse, eu acho que o que eu realmente gostava menos, digamos assim, era da parte de Projeto, que contraditoriamente era o que eu achava que ia fazer quando eu entrasse na faculdade que era o desenho da tal da casinha, que no começo me deu até uma certa crise, que “não é isso que eu gosto de fazer, né, que quê eu tô fazendo aqui”, depois, por isso essa perspectiva de você ter várias opções me fez, fez tanta diferença pra mim
P/1 – Você entrou na sua vida profissional, você acabou abrindo portas pras suas irmãs, né? Inevitável, né, a gente já falou disso. E namorado, né, como é que foi?
R – Difícil também, nossa, muito difícil. Principalmente porque é, quando eu estava no segundo colegial teve uma menina da minha sala que ficou grávida que foi assim, nossa, um escândalo e é engraçado, bom, o colégio em si, por mais que tivesse né, atenuado um pouco a rigidez, né, da disciplina, ainda assim continuava sendo um colégio católico, imagina assim, ficou grávida no segundo colegial, nossa, eu lembro que o que teve de aula depois disso é pra traumatizar, sabe, não era na linha de educar, não. Era, olha, pra traumatizar mesmo, “pensa no que você vai fazer bem”, antes né, mas enfim. Mas no colégio não, não tinha muito isso. Primeiro, por conta da rigidez não só do colégio, mas em casa também. Eu fui começar a namorar na faculdade mesmo. Tardiamente. Mas e pra isso você ter um monte de festa é sempre bom, né, ajuda, mas a estrutura do Mackenzie ajudava você a conhecer muita gente, mas eu ajudei bastante as minhas irmãs, nisso, com certeza porque, nossa, minha irmã mais nova começou a namorar muito, muito, mas muito antes, né, do que eu comecei, e aí minha mãe já, né, tipo: “Ah, tá bom, né?
“Fazer o quê, né, vai acontecer mesmo, mais cedo ou mais tarde, né?”. Já tinha passado, acho, que o trauma.
P/1 – Tá certo. E aí Mariana, você achou estágio na Fundação de Energia. E como você descobriu o estágio? Como você teve contato?
R – Foi, foi pelo CIEE, mas da forma mais, assim, mais desencanada possível, que é engraçado, né, uma visão que eu acho que você só tem alguns anos depois de formada, você tem a sensação de que você desperdiçou certas coisas da faculdade, sabe? “Puxa, tive um professor tão bom e eu não aproveitei.” Com o estágio foi assim também, as pessoas, também, estava todo mundo começando já, né, numa mobilização de: “bom, o quê que eu vou fazer quando eu terminar a faculdade, né?”, “então, vamos lá fazer estágio”. Eu encontrei o CIEE, eu fui pro CIEE por conta de um professor que falou: “Bom, é um lugar”, daí fiz o cadastro, fiz algumas entrevistas e uma das entrevistas foi na Fundação, que eu lembro perfeitamente o dia que eu fui lá, que a Fundação ficava no Cambuci, um lugar que eu nunca tinha ido, e numa região que não é das mais bonitas da cidade – digamos assim – e é dentro de uma área da Eletropaulo, e daí eu estava com o papelzinho do CIEE na mão com o endereço, sabe, e eu fiquei olhando assim: “Bom, o endereço é esse, então deve ser aqui mesmo”. E fui lá na recepção da Eletropaulo e: “eu tenho uma entrevista, mas é pra uma Fundação”. “Não, é aqui mesmo.” Me indicou o caminho e daí eu fui, tinha uma prova escrita e uma entrevista, eu fiz na verdade uma entrevista pra uma vaga na área de Arquitetura e não passei, né, não fui selecionada, daí acho que uns três meses depois me ligaram e me falaram: “Olha, a gente tá com uma vaga pra estágio, mas não é na parte de Arquitetura, mas é na parte de Arquivo, Arquivo Fotográfico, você tem interesse?”. E daí eu falei: “Tenho”, porque eu estava querendo começar a fazer alguma coisa, porque nunca, nunca tinha trabalhado na vida. E daí eu falei: “Não, eu tenho que começar uma hora” e daí fui, e era superfácil de ir pra lá do Mackenzie, de ir do Mackenzie pra lá e pra voltar pra casa também, porque daí eu voltava com o meu pai, eu pegava o ônibus até o Centro e daí do Centro, eu voltava pra casa com ele, então era tranquilo e daí eu comecei no Arquivo. A Fundação foi criada em março de 1998 e eu entrei em setembro. Comecei no dia 3 de setembro, que me marcou porque era o dia do aniversário de uma das minhas irmãs, então não tem como esquecer. Dia 3 de setembro fui prá lá e trabalhava com uma historiadora, era assim, processo de identificação de fotografias, né, e era uma coleção que focava muito na questão do Centro, né, da cidade, e aí eu estava lá, mas assim, trabalho braçal mesmo, tinha que escrever umas coisinhas no verso da foto, tal, e daí comecei, eu fiquei acho que um mês e meio nessa parte de fotografia e daí abriu uma vaga na área de Arquitetura e daí me “roubaram” de lá, como a historiadora falava: “Estão roubando a Mariana de mim”, foi a minha primeira chefe, mas aí que eu descobri que eu ia trabalhar com patrimônio, com restauro. Eu gostei já da ideia e acabei aceitando essa coisa de ir pro arquivo, além, além do fato de que eu queria trabalhar logo por conta do negócio da História, que sempre ficou, né, um pouquinho, uma pulga atrás da orelha, né? “Poxa, como será que teria sido, né, se eu tivesse ido fazer História?”, principalmente naqueles momentos, né, que você tá, né, cansada da faculdade, né, que sempre tem. E daí eu falei: “Ah, é uma boa forma também de descobrir o que, como que é o trabalho”, enfim. A fundação chamava Fundação Patrimônio Histórico e então, alguma coisa de História tem, né, e aí que eu descobri que, assim, que é uma área que eu gosto efetivamente, daí acabei juntando as duas coisas, Arquitetura com História, essa coisa de projeto de restauro, nossa, que é muito legal, mesmo porque um bom projeto de restauro começa com uma boa pesquisa histórica, e daí eu fui pra Arquitetura justamente porque estava num movimento de que uma das primeiras coisas que a Fundação fez foi recuperar os imóveis que tinham recebido, né, que eram seis. Então tinha muita demanda, tinha uma equipe interna, eram três arquitetos, e três arquitetos e mais três estagiários, então assim, tinha muita coisa pra fazer, daí eu fui lá.
P/1 –Mariana, você falou uma coisa, pra quem não sabe, o que é a Fundação?
R – Tá. Hoje, Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. A gente chama só de Fundação Energia e Saneamento porque o nome já fica grande o suficiente. Ela foi criada em 1998, antes era só Fundação do Patrimônio Histórico da Energia, incorporou a questão do saneamento em 2004. Foi criada no processo de privatização da Eletropaulo, da Sesp e da Congás. Naquela época, o governador era o Mário Covas e se criou um grupo de trabalho pra pensar o que ia ser o patrimônio histórico que estava dentro dessas empresas e havia o receio de que, no processo de privatização, esse patrimônio acabasse se perdendo, ou se perdendo, se perdendo mesmo, na linha do “ir pro lixo” ou que ele ficasse restrito a um uso privado e era um material que deveria ter, que deveria ser aberto ao público, então a alternativa que criaram na época foi essa fundação, que é uma fundação privada, sem fins lucrativos que tem como principal objetivo preservar e divulgar o patrimônio histórico da energia e depois a gente incorporou a questão do saneamento, energia no Estado de São Paulo é basicamente água, então nos casos o assunto está muito interligado.
P/1 – Então, me conta um pouco o que você fazia na área de Arquitetura, como estagiária?
R – Ah, como estagiária, tinha uma parte de restauro mesmo, todos os imóveis estavam razoavelmente bem conservados, mas tinha que passar por um processo de recuperação, principalmente o de Itu, que assim, era um edifício que tinha tido um uso residencial, então tinha muitos detalhes, e tal, é um casarão bem bonito, tinha um trabalho de restauro que era bem minucioso, então tinha essa parte de projeto, para o restauro, parte de acompanhamento de obra, que é uma coisa que eu fiz muito, acompanhamento de planilha e a parte de implantação dos museus, porque a ideia, os imóveis que a fundação recebeu eram seis no interior, e a gente ocupava essa área no Cambuci que na verdade é propriedade da Eletropaulo, ainda hoje é deles. Itu e Jundiaí que são em área urbana e os outros quatros são usinas, PCHs, Pequena Central Hidrelétrica. A ideia é que esses seis imóveis começassem a funcionar como museus, Museus da Energia. E foi o que aconteceu. Tinha uma museóloga responsável lá na fundação, era a Silvia e enfim, tinha toda uma equipe e começou a se estruturar esses museus. O primeiro que abriu foi em Itu, que inaugurou em 1999, dezembro de 1999. Então, a área de arquitetura fazia toda essa parte de projeto de recuperação dos imóveis, manutenção, layout, mudança de layout das áreas de trabalho, o acompanhamento dessas obras e depois o projeto pra implantação desses museus, principalmente porque, como são todos os imóveis históricos, até hoje, tinha uma orientação dentro da instItuição que o edifício em si fazia parte da exposição. Também, é também uma peça a ser exposta, houve sempre a preocupação muito grande de como você coloca uma exposição lá dentro, né, a gente trabalhava muito próximo da equipe da Museologia, dos historiadores. Isso foi uma experiência muito boa pra mim, porque, muito diferente, né, do que os meus colegas da faculdade faziam, né, que a maioria foi fazer estágio em escritório mesmo de projeto, ou em consultoria, mas que aí você trabalha com um monte de arquiteto, ou com um monte de engenheiro, mas enfim, são áreas da mesma formação, mas eu trabalhava com gente, nossa, muito diferente. Trabalhava com historiador, com museólogo, com gente de arte, e com advogado porque, como eu fazia essa coisa de acompanhamento de planilha, pra liberação de pagamento de obra e tal, inevitavelmente tinha que conversar com eles também e isso eu sinto que foi muito bom pra minha formação, essa diversidade.
P/1 – E à essa altura você ainda era estagiária, ou você já tinha terminado a faculdade?
R – Então, eu entrei no final de 1998, daí eu me formei em dezembro de 2000, tanto que na metade do ano eu comecei a procurar estágio em outro lugar e daí não tinha perspectiva, daí já no final do curso quase ninguém pega, né, não consegui outra coisa daí eu falei: “Bom”, e também tem aquela loucura de trabalho de conclusão, daí terminei a faculdade estava assim, sabe, com “nervos à flor da pele”. Então assim, continuei lá, e daí acabou que abriram uma vaga e eu fui contratada como arquiteta, continuei fazendo basicamente o que eu fazia, a diferença maior é que aí eu comecei a viajar, porque o meu estágio era de meio período, então, não tem muito como, quando eu estava estagiando, eu acho que eu fui algumas vezes pra Itu, na época de férias, que eu acompanhei uma parte de prospecção arqueológica que foi feita lá, um trabalho muito legal – outro arqueólogo também, o povo com quem eu trabalhei – daí eu me formei, daí dava pra ir pras unidades, aí eu acabei acompanhando uma parte desse processo em Jundiaí, porque aí em Jundiaí inaugurou em começo de 2001, eu fui efetivada em janeiro de 2001, que foi quando meu contrato de estágio encerrou e eu comecei a ter uma atuação um pouco diferente principalmente nessa perspectiva de sair da sede, mas ainda assim continuava fazendo muito do que eu fazia, essa parte de acompanhamento de planilha – eu gosto de um Excel, sabe? –
apesar de que muitos arquitetos não gostam muito de mexer com números, mas eu me dou bem com isso, então fazia muito isso, aí eu acompanhei bastante a montagem do museu de Jundiaí, e daí depois a gente já tinha Salesópolis também em andamento e a gente acabou entrando numa etapa mais de conservação, logo depois a gente começou a procurar uma sede, enfim, tinha muita coisa acontecendo.
P/1 – E aí você viu, né, os museus ficarem prontos, então, você acompanhou tudo. Como é você ver desde o comecinho, quando era um imóvel, ainda cru?
R – É muito legal, acho que é a parte mais gratificante de você trabalhar com arquitetura sabe, que você pensa no que pode ser feito, quais são as alternativas, você desenha um monte de opções: “Bom, chega, tá bom, vai ser esse”. Daí você acompanha todo o processo de obra e você vê depois o pessoal entrando lá, isso é muito legal. Em Itu, inaugurou em dezembro de 1999, eu não fui na inauguração, fiquei frustradíssima por causa disso, porque eu estava viajando, mas em Jundiaí eu fui e, nossa, foi uma coisa que marcou muito, porque é muito legal você ver as coisas funcionando e principalmente você ver as pessoas usando aquilo, né, tanto que depois, 2003, a gente começou um processo de fazer o projeto da sede onde a gente tá hoje e fui eu quem fiz o projeto todo e é ruim porque como eu tô lá hoje todo dia, de vez em quando eu olho pra uma coisa e penso “se tivesse feito de outra forma teria ficado melhor, né?”, mas enfim, é gostoso, né, acho que é a melhor parte, enfim, em Itu e Jundiaí são museus mais próximos vai, do que seria um museu tradicional, né, porque também, quando eu entrei lá o que eu conhecia de museu era o MASP, não conhecia muito além disso, o MASP e o Museu do Ipiranga, então a ideia de um museu de energia pra mim já era um pouco abstrata, “o que vai ter lá?”. Participar das discussões principalmente da equipe que montou o Museu de Itu foi muito legal porque daí você começa a entender um pouco dessa coisa de como funciona um museu das possibilidades que você tem e ainda mais no nosso caso que a gente tem acervo, acervo histórico, mas tem uma questão de técnica também e de ciência que é importante ser abordada, então, como que você lida com essas duas questões é interessante e ... eu falei, né, que tinha esses dois museus em área urbana, mas a gente tem as usinas também, que também funcionam como museus – não das quatro, duas funcionam como museu – que aí também é outra coisa pra você pensar, porque o fato de você ir pra lá, é tudo ali, conta uma história, então a forma como a usina tá implantada naquele terreno, a forma como a Barragem foi construída, a Vila Residencial, que são todas as usinas antigas, então você tinha a usina residencial pro pessoal que fazia a usina funcionar, então tudo isso já faz parte do percurso que você tem no museu, do percurso expositivo que você tem no museu, e é uma outra forma também de você olhar o que é um museu.
P/1 – E você falou que você chegou a projetar a sede. E como foi essa responsabilidade, essa mudança de cargo lá dentro?
R – Nossa, foi uma loucura, porque quando eu fui efetivada, eu fui contratada e foi contratado mais um, então éramos cinco arquitetos, acho que tinha mais um estagiário, mas enfim, funcionávamos com essa estrutura. Em 2003 a Fundação passou por uma crise muito grande, então teve um corte, coisa de cinquenta por cento de pessoal, e aí se repensou como que ia funcionar essa coisa de arquitetura, então a gente pensou: “Bom, se a gente não tem dinheiro nem pra pagar o pessoal, então não vamos abrir outros museus, então não precisa ter esse monte de arquiteto se precisar fazer outro projeto, contrata um projeto pontualmente”. Então, fiquei só eu, e de uma equipe que eram cinco pessoas, foi reduzida pra uma, então, nossa, no começo foi muito difícil, né, assim, muito difícil porque eu lembro que uma das primeiras atribuições que eu recebi foi refazer layout porque como muita gente saiu, isso, nossa, eu lembro até hoje da conversa que eu tive com quem estava na diretoria na época, que ele me falou: “Olha, precisa mudar isso porque assim, a Instituição não vai fechar, mas como tá todo mundo aqui num momento muito delicado, muito emotivo...”, poxa, gente com quem você tinha trabalhado há muito tempo tinha saído “...a gente precisa começar a mudar, e uma das coisas que faz muita diferença é a questão de espaço, então, não pode ficar mesa vazia, tem que mudar tudo”. Isso, então foi uma das primeiras coisas que eu fiz, ter que reestruturar tudo, e foi difícil, sabe, foi o primeiro projeto que eu fiz sozinha, sem ter outra pessoa pra falar: “Ah você acha que fica bom ou não?”. Então foi complicado, enfim, a gente passou por esse primeiro período meio traumático, mas logo em seguida a gente estava com uma sede, porque a gente estava nessa área no Cambuci que na verdade é uma área cedida pela Eletropaulo, a gente ocupava três galpões lá, e aí tinha uma demanda da empresa de reduzir. Então a gente reduziu pra um só, que hoje o nosso arquivo tá até lá, a gente recebe pesquisadores, mas aí a sede mudou – uma parte de acervo museológico foi pro Interior e a sede tinha que sair de lá – em 2001, a gente conseguiu um prédio do Governo do Estado, então tinha que ser feito um projeto, mas um projeto considerando uma situação da Fundação, e aí nesse momento de repensar a instituição, aquele projeto já não era mais adequado, então: “Vamos começar do zero.” Aí eu fiz o projeto, foi um desafio e aí assim, de 2003 a 2005 a minha vida foi pensar no Casarão Santos Dumont, que é o casarão onde a gente tá hoje, primeiro na parte de projeto depois na parte acompanhamento de obra. E aí eu, bom, eu já tinha aprendido muito com a equipe que estava lá, a gente já tinha discutido muito projeto, então muita coisa já tinha sido feita e aí eu usei também os órgãos de preservação CONDEPHAAT, CONPRESP, porque o imóvel é tombado, né, pelos dois, então, sabe, de ir conversar, falar assim: “Olha, o projeto tá assim”. E aí você vai conversando pra ter outra opinião técnica, trabalhar sozinho sempre é difícil. Então o projeto ficou pronto, a parte de restauro e de adaptação da sede ali dentro, né. E aí a parte do museu ficou pra uma segunda etapa, né, porque hoje a gente tem um Museu da Energia lá porque é um terreno grande, são três edifícios, um deles é a sede, os outros dois são utilizados pelo museu. Num primeiro momento a gente começou a trabalhar com exposição temporária que é na verdade com o que a gente trabalha até hoje. Acho que foi em 2006, de vez em quando eu me perco nas datas, é ruim, né, de datas, estar muito tempo com isso, mas eu acho que foi 2006 que a gente começou conseguiu o recurso, inclusive, via lei de incentivo pra fazer o projeto, mas agora a gente tá indo atrás de recurso pra montar o projeto em si, né, e enfim, então foi um desafio mas foi bem legal.
P/1 – E aí com essa estruturação você foi a única arquiteta até 2005?
R – É porque nessa primeira reestruturação existia uma área antes de Patrimônio Arquitetônico, e daí acabou essa área e passou a chamar Edificações, que estava focada na questão de manutenção mesmo, de manutenção e da sede nova, então isso foi 2003, 2005 até 2006. Em 2006 a gente já estava numa outra situação, daí eu fiquei sozinha, no meio do período depois teve a contratação de um estagiário, porque chegou uma hora que eu falei: “Desculpa, mas, eu sozinha não vai dar certo”, daí contrataram um estagiário, então assim, éramos em dois, né, mas isso foi até 2006, né, daí 2006 a gente já estava num cenário melhor né, é, um pouco na linha de... Porque em 2003 existiu-se o risco sério da Instituição fechar, né, enfim. Aí em 2006, a gente já estava numa situação estabilizada: “Bom, ótimo, sabemos que a gente não vai mais fechar, então a gente não precisa mais se preocupar – com isso – a gente pode começar a pensar em outras coisas”. Aí teve uma reestruturação toda de organograma mesmo, daí voltou-se a ideia original que era ter uma área de Patrimônio Arquitetônico e daí eu passei a ser coordenadora dessa área, porque antes a área de Edificações ficava dentro da parte de Diretoria Administrativa, então era uma coisa bem manutenção mesmo e daí passou pra Diretoria Técnica com essa área de Patrimônio Arquitetônico, pensando não só na questão de manutenção que é diferenciada – porque são edifícios históricos –
mas pensando também nisso de você ter uma interação maior com a questão dos projetos dos museus e na questão de que o edifício em si é acervo também. Então aí é que teve essa mudança de perspectiva, né, e daí eu passei a coordenar essa área, eu fiquei nessa área de 2006 a 2008, e em 2008 a gente estava num cenário mais estável ainda, então teve uma outra reestruturação de organograma para o que a gente tem hoje, que antes você tinha duas diretorias, uma técnica e uma administrativa, hoje você tem três gerências e aí questão de diretoria e gerência, enfim, muda-se os nomes... Uma gerência que tá voltada pra questão de documentação e projetos pensando no trabalho que a gente tem no Cambuci, que é o Núcleo de Arquivo e Atendimento ao Pesquisador e essa questão de projetos, que é uma coisa que ficou forte também na Fundação, que assim, você ter uma interação maior com as empresas dos setores, que foi na verdade, que na verdade a nossa origem, então a gente trabalha muito próximo das empresas e aí a gente desenvolve alguns projetos específicos pras necessidades daquela empresa, né? Então, sei lá, se a empresa vai fazer uma atuação diferente em tal cidade e tá precisando de uma ação educativa por exemplo, a gente presta esse tipo de serviço pra essa empresa. Prestação de serviços, parcerias, enfim, aí tem uma série de possibilidades, então tem uma gerência que fica com isso, tem uma outra gerência que é de Museologia e Patrimônio, que é a que eu sou responsável hoje, né, que aí, nessa gerência você tem todas essa questão de Patrimônio Arquitetônico e daí ampliou um pouquinho mais, a gente incluiu a questão de gestão ambiental por conta das nossas usinas, uma das nossas usinas tá quase na nascente do Tietê, tem área de Mata Atlântica nativa preservada, que, na época, o conselho curador julgou que era importante, e tem as unidades museológicas – que hoje a gente tem cinco museus abertos e formatando um outro agora, pensando essa questão do saneamento. E uma última gerência que é Administrativa e Financeira efetivamente. Isso tudo subordinado à uma superintendência, que eu acumulo. A ideia do nosso Conselho na época da reestruturação foi ter uma estrutura que focasse mais na instituição e não tanto nas pessoas, né, então tudo se resolve em comitê, né, dessas gerências e das superintendências e a superintendência é exercida sempre por um dos gerentes e aí tem os períodos e tal, mas ideia é que isso vá circulando nessa perspectiva de reforçar o nome da instituição. E aí, hoje, a gente tem cinco museus em funcionamento, o de Itu que é o mais antigo, que tem um foco mais histórico mesmo, é um museu mais histórico, o de Jundiaí, que tá passando por uma reestruturação agora, então, eu voltei de novo a mexer um pouquinho com projeto, né, a gente tá reestruturando a exposição, mas aí ele tem um foco mais científico e de uso racional da energia é, em Rio Claro e em Salesópolis, que os museus estão dentro de usinas, que aí também é uma trabalho muito legal porque você tem essa outra perspectiva do que é um museu, quebrar um pouco essa visão de que museu é um negócio exposto ali na parede, e tem o museu de São Paulo, né, que inaugurou em 2005, é o mais novo, né, dos cinco, e a gente tem trabalhado com essa coisa de exposições temporárias.
P/1 – Mas, deixa eu fazer uma pergunta mais genérica: qual a importância, qual o papel que esses museus cumprem?
R – A gente procura trabalhar em três perspectivas: a questão de Educação Patrimonial, Educação Científica e Educação Ambiental, né? Educação Ambiental por causa daquilo que eu estava falando antes, que assim, energia que em São Paulo é água, e mesmo que não fosse, né, cada vez mais tá claro pra sociedade em geral que, assim, a energia não vem do nada, ela não surge ali na tomada, então, tem todo um processo por trás que tem um impacto sim, no meio ambiente, então é uma coisa que tem que ser usada de forma racional – não na perspectiva de você usar pouco, né, mas de você usar com consciência, né, então você não precisa deixar a luz da sala acesa quando você não tá lá, né, mas não é que você vai ficar na sala escura também, né, você pode usar, deve usar, né mas enfim – então a questão do meio ambiente com essa perspectiva e daí, nas usinas isso é muito mais presente, muito mais forte a questão da Educação Científica, que a gente sente que ainda nossa atuação é um pouco fraca, mas a gente tem tentado parcerias pra reforçar isso justamente porque a gente sente que nessa atuação, que a gente teve até agora, é que energia é uma coisa muito abstrata, então o que a gente quer hoje é que as pessoas saiam do museu com uma ideia mínima do que é energia em termos de Física mesmo, como que o processo funciona e tal, e questão de educação patrimonial que pra gente é muito importante, e aí o foco não é só no acervo, mas é na questão do edifício e é na questão da cidade onde a gente tá, a gente trabalha, hoje a gente tem um programa educativo, que é comum aos cinco museus. A gente tem essa diretriz de atuar nessas três vertentes, mas uma coisa que é muito importante – principalmente nessa parte de Educação Patrimonial – é que você se adeque à realidade onde você está. Em Itu, por exemplo, a gente tá no Centro Histórico, então a gente trata da questão da história da cidade, Rio Claro, que é uma usina, foi a usina que permitiu que a cidade tivesse iluminação pública, então a gente obrigatoriamente fala dessa questão da cidade, da questão urbana, então, é um pouco por aí que a gente vai.
P/1 – A gente falou bastante da Fundação até agora, e eu vou fazer uma pergunta mais subjetiva. A Fundação cumpriu um papel muito importante na sua vida, né? Como você analisa o papel da fundação na sua vida pessoal?
R – Pergunta difícil, nossa. Eu acho que, primeiro, me deu uma perspectiva assim muito forte do que é trabalhar em equipe, inclusive, hoje, porque a gente tem muitos departamentos que são departamentos de uma pessoa só, então você tem que trabalhar em conjunto, essa questão de que não adianta não, “a minha atribuição é fazer A e se você tem que fazer B você que se vire”, se você tiver com algum tipo de dificuldade, a gente tem isso muito presente que tem que trabalhar em conjunto, que isso fica melhor, que isso é uma coisa que você leva não só pra trabalho, vai desde você organizar uma festa de aniversário. Isso é uma coisa que ficou muito presente pra mim, e um pouco essa perspectiva também do que é História, falando assim parece, né – pesado, filosófico, até – mas como a gente trabalha com patrimônio industrial, essencialmente patrimônio industrial, é um outro olhar que você tem, porque quando você tá num museu que você tem uma tela do Picasso, por exemplo, é muito clara a importância histórica que aquela peça tem, não tem o que você questionar. Mas quando você tá no museu que tem uma lâmpada, que pode muito bem ser a lâmpada que tá aqui nesse refletor, essa noção de que isso tem uma importância histórica é muito diferente e isso eu sinto que mudou a forma como eu vejo as coisas hoje. E aí ligando ao curso que eu fiz a questão da cidade mesmo, questão de urbanismo e como você trata certas coisas na cidade que te deixa até um pouco frustrada às vezes, porque é uma coisa muito difícil das pessoas entenderem, muitas vezes que assim, nessa casa mesmo onde a gente tá que não deve ser muito antiga, sabe, mas quando você para pra olhar e pra analisar isso daqui, você começa a entender um monte de coisas que tá acontecendo aqui no bairro, que acontece na cidade, e que acontece na vida das pessoas que estão transitando por aqui, essas visão sabe, da história recente, digamos assim, foi, foi uma coisa também que me marcou muito, foi uma coisa pra vida mesmo.
P/1 – E fora isso, você acabou fazendo amigos na Fundação, né?
R – Não tem como, né, depois de tanto tempo... 2008? A gente fez uma festa de aniversário de dez anos da Fundação e a ideia era justamente chamar todo mundo que trabalhou lá e nossa, foi muito legal, sabe, você ver pessoas, tipo, copeira, a primeira copeira da fundação que foi na festa e pessoas com quem você não tem contato mesmo, um dos arquitetos que passou por lá até hoje é minha amiga e a Fundação é um lugar muito gostoso de se trabalhar porque como tem essa questão de sempre equipe pequena né, de você estar fazendo, ajudando todo mundo, sabe, cria um ambiente muito bom, muito tranquilo, quase que familiar mesmo, que é uma coisa que todo mundo que sai da fundação fala que sente muita falta. Vamos ver o que vai acontecer quando chegar a minha vez.
P/1 – E paralelo a isso, você foi estudando, se especializando, né, como é que foi?
R – Primeiro eu leio muito, eu gosto muito de ler isso, é uma coisa que eu fazia muito com os meus pais, domingo em casa, na parte da manhã era o período todo pra ler jornal, por exemplo. Então, quando eu comecei a trabalhar na fundação, eu comecei a ler muito sobre essa coisa de restauro. A Fundação tem uma biblioteca muito boa e daí eu fiquei amiga da bibliotecária, dava pra pegar uma série de coisa, e daí eu fui aprendendo bastante coisa. Em 2003 eu fui fazer o mestrado, nessa área de patrimônio, de patrimônio arquitetônico, procurando entender um pouco essa questão de definição de patrimônio, o que aconteceu historicamente que faz com que a gente considere hoje sei lá, que a Casa Bandeirista é um patrimônio e essa casa aqui não, por exemplo, e agora eu tô fazendo uma especialização em sustentabilidade em governança corporativa, é o tema que a gente trata, essa coisa de sustentabilidade agora, além de ser o assunto do momento, cada vez mais que a gente fala com as empresas de energia e saneamento se levanta esse tipo de questão, questão de energias alternativas, que tem várias empresas da área de energia que estão investindo pesado nisso e aí eu fui atrás disso porque é umas coisa que a gente tá começando a tratar também, a ideia é que o museu não fique só com uma perspectiva histórica, mas que possa colocar em debate algumas questões do que tá acontecendo hoje e do que vai acontecer daqui a dez anos.
P/1 – E na sua vida pessoal, você saiu do Morumbi, como é?
R – Não, continuo no Morumbi, continuo morando com os meus pais, no mesmo apartamento desde 1984, tanto é que a gente acompanhou aquela mudança toda daquela região que cresceu muito, tem muito prédio por lá. Então eu faço uma viagem todo dia, porque a gente fica no Centro.
Quando eu entrei no Mackenzie, nossa, “Consolação, que longe”, nossa, hoje não, é ali no Centro, ali do lado, como muda sua relação, mas enfim, continuo lá.
P/1 – Vou fazer uma última pergunta, depois tem duas perguntas institucionais, mas sobre a fundação: o que você acha que foi a sua marca? “Eu me vejo muito nisso, em determinada coisa”. Se tivesse que elencar uma determinada coisa...
R – A sede, com certeza! Porque, enfim, porque meu nome tá na placa, mas assim, tem todo mundo, pelo fato de eu estar há muito tempo lá eu conheço todo mundo que trabalha e, bom, pelo meu cargo lá, agora, eu obrigatoriamente conheço todo mundo que trabalha lá, mas assim, tem o histórico, então ainda hoje, de vez em quando chega, a gente recebe muita faculdade de Arquitetura pra visitar – não o Museu, mas pra conhecer o prédio mesmo – e ainda hoje vem o pessoal do museu falar: “nossa, perguntaram isso, mas como é que é mesmo?”. Então é a sede, com certeza.
P/1 – Certo. E como é que foi pra você lembrar todas essas coisas da sua vida?
R – Legal, né, tem umas coisas que você não para muito pra pensar, principalmente qual é a sua marca, o tipo de coisa que normalmente você não pararia pra refletir, isso foi uma coisa bacana.
P/1 – Te agradeço então, a entrevista.
R – Eu é que agradeço o interesse.Recolher