Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Izabel Mendes da Cunha
Entrevistada por Cláudia Leonor e Winny Choe
Santana do Araçuaí, 29/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV026
Transcrito por Luani Guarnieri
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 18/03/2008
P1 – Dona Izabel, vamos começar a entrevista? Vou pedir para a senhora falar de novo onde a senhora nasceu, quando, e o seu nome completo.
R – Eu nasci na fazenda de Córrego Novo. O meu nome é Izabel Mendes da Cunha. A idade?
P1 – Que dia que a senhora nasceu?
R – 13 de agosto de 1924, né? 24.
P1 – E o nome dos pais da senhora?
R – João Mendes da Cunha.
P1 – E a sua mãe?
R – Idalina Maria de Jesus.
P1 – E eles trabalhavam na fazenda, Dona Izabel?
R – Trabalhava. Nós morávamos na Fazenda dos Homens. Mas meu pai trabalhava mexendo com roça, fazendo roça. E a minha mãe trabalhava. Trabalhava fazendo panela e pote, mexendo com o mesmo barro que a gente hoje mexe. Mas ela já fazia a peça com uso natural, que a gente fazia.
P1 – Qual era o uso dessas peças? Era no cotidiano da casa?
R – Ela fazia essas peças: panela e pote e prato. Essas coisas ela fazia para vender. Os vizinhos de lá, da roça, para ela e para nós mesmos, em casa. De vez em quando, meu pai levava na cidade, naquelas cidades mais perto. Nesse tempo não usava Rio-Bahia, não tinha, não existia carro. Ele levava... De carro, ele animava. Era muito difícil ele levar para vender fora. Sempre vendia lá mesmo. De vez em quando, né? Mas meu pai trabalhava sempre era na roça. Os filhos maiores, ele levava tudo para a roça. Eu era mais nova, “mais pequena” das “mais pequenas” que tinha. Eu ficava. Quando minha mãe ia trabalhar, fazendo as peças de barro, meu pai “ponhava” os filho maiores e levava para a roça, para ajudar a trabalhar na roça. Eu era a “mais pequena”: sete anos para oito anos. Eu ficava para olhar aqueles meninos de colo que a minha mãe criava, sabe? Para ela poder trabalhar. Eu tinha muita vontade de brincar com boneca. Vivia falando em boneca, mas eu não sabia como é que era. Nesse tempo, essas bonecas que hoje em dia têm de plástico, de louça, e de massa e tudo o que tem, nesse tempo, lá para as roças, para a gente, não existia. Ninguém ouvia falar nisso. Eu ouvia falando em boneca, eu “ponhava” era sabugo de milho. Meu pai colhia os milhos, debulhava para dar às criações. Eu guardava aqueles sabugos, enrolava um pedacinho, retalhinho de pano na cintura. Ou, então, um pedacinho de papel, e falava que era boneca. Eu falava: “Boneca deve ser assim.” “Ponhava” uns pedacinhos de pau, botava uns bracinhos. Que além, e mesmo aquela vontade de brincar com boneca. Depois, via a minha mãe mexendo, fazendo o barro, puxando assim, montando aquelas vasilhas. Aí, eu falava assim: “Eu vou fazer uma bonequinha de barro, para eu brincar.” Minha mãe pega esse barro e mexe com ele assim. E eu vou é fazer boneca. E fez aquela... Fazendo a imaginação, fazendo a experiência. E peguei fazendo aqueles bolinhos de barro e pegava. Aquele barro lá era difícil de achar onde que nós morávamos. Era meio difícil na fazenda que nós morávamos, era meio difícil, é onde que tinha o... A outra fazenda que tinha barro. Aí, meu pai buscava e levava os animais e trazia em casa. E a minha mãe brigava quando a gente ia apanhar um bolinho de barro, fazer um brinquedo. Ela brigava com a gente. Ela ralhava com a gente, porque ela estava assando o barro dela, que o barro estava difícil. E eu ficava. Quando ela saía, que ela ia lá almoçar, ia fumar um cigarro, eu pegava um bolinho de barro e escondia. A hora que o menino dormia, eu botava o menino na cama, o menino deitava no meu colo. Dormia, eu botava na minha cama para dormir, e ia fazer a bonequinha. E eu falei: “Vou fazer a boneca.” Sem nunca saber que ia fazer de barro, a gente fazia a boneca de barro, né? E eu ia fazer. Fazia aquelas bonequinhas, pequenininhas. Aí, enchia de gosto tanto, de ter aquilo para mim! Eu nem tinha mais sono para ir dormir de noite. Vontade de o dia amanhecer logo para eu cuidar das minhas bonequinhas. Fazendo escondido. Quando ela viu, valha-me Deus! Ela brigava e ralhava com a gente. Quando ela ia colocar no forno, eu vinha com aquelas coisinhas na mão, em roda do forno, para ela colocar junto com as peças dela. “Sai daqui, menina! Você vai quebrar minhas vasilhas aqui, minhas coisas aqui.” “Oh, mãe, põe num cantinho? Põe num cantinho!” A “veia”... Ela, eu acho, que ficava com dó da gente, e colocava junto com as peças dela. No outro dia, quando ela levantava para ver as peças, eu tinha levantado primeiro e estava esperando ela levantar para tirar as peças dela e para eu tirar. Aquilo, para mim, gosto demais que eu tinha. Vixe! E foi continuando assim, e a gente foi crescendo, naquela infância de mexer com barro. E sempre a gente pegava o barro, e fazendo aquelas peça maiores, mais diferentes. Eu já peguei fazer animal, os animais assim, peguei fazer. Fazia as bonecas maiores. E a gente foi criando um estilo a mais. É atividade fazer essas coisas. Imaginação. Fazendo experiência. Quando a gente acabou, eu já estava moça, já trabalhava, já sabia o que estava fazendo. Eu peguei para fazer as peças diferentes. Quando eu fazia uma peça grande, maiorzinha, para pôr assim, numa que tinha mesa, leilão, lá nas roças, a gente levava a leilão. O povo ficava encabulado. Mas, quando falava para eles, oferecia para eles comprar, que eu falava o preço, ninguém não queria comprar porque era caro, porque era barro. Eles não davam valor. “Isso não é louça! É louça que é mais caro!” Aí servi então, e as panelas eram baratas, mas todo mundo comprava, né? Queria comprar. E eu falei: “Vou mexer só com panela e pote e jarra.” Depois, quando eu peguei para fazer o meu presépio. Tinha muita saída, presépio, para eu vender os presépios. Ia longe para vender os presépios. Quando, há muitos anos que eu já tinha, já estava na minha casa para cá, e meus pais já estavam para lá, e tinha casado e estava com meus filhos, para cá. E eu cheguei e eu peguei isso aí: “Eu sei fazer tanta coisa de barro!” Que eu pensei: “Vou fazer tudo com o toque que eu sei fazer.” Fazia a baiana, fazia o pessoal, como éramos nós mesmos, que fazia. Eu não fazia grande assim, não. Eu fazia médio, pequeno. É que não tinha quem comprar. Quando perguntavam o preço, eu começava a fazer, para continuar, eles achavam admirável, e com aquele preço era muito caro. Enrolava o tempo todo fazendo uma peça ou duas e ficava sem vender, porque ninguém não podia comprar. E que não era louça, não, era esse aqui. Eu continuava nos jarros, em pote, panela, pegava para fazer aquelas galinhas. Aqueles cocares de Angola, aqueles lá, aqueles cocares, né? Fazia pato, dessas coisas. Quando chegou numa altura, eu falei: “Oh, gente!” Já tinha os filhos, tinha os meninos tudo pequenos. O pai morreu, e eu fiquei aí. Só com os filhos. Só com Deus no céu, e meus braços na terra. Trabalhava na roça de mim mesma e dos outros aqui e voltava e mexia com barro. É o que sempre dava uma coisinha para a gente. O caro é o barato, mas sempre o que a gente tinha certeza era aquilo que a gente pegava e fazia. Eu pensei assim: “Agora, eu vou sair e vou fazer minhas peças, que eu sei fazer. E vou fazê-las grandes. Mas eu vou sair para a Rio-Bahia. Aí, já tinha a Rio-Bahia, já tinha carro já tinha muitos anos. Eu peguei e fazendo... Pagava uma pessoa para ir mais eu. Pagava assim: que eles já vinham, já estavam aí, mas me ajudavam a levar, e eu pagava eles para me ajudar a levar até a Rio-Bahia. Lá, eu pegava o carro e ia até essa cidade mais perto. Mas, para cidade mais perto, que era a Taurinho, era Cataraí. E por lá você duvida. Esse povo, que vinha de longe, que vem na Rio-Bahia, passageiro de todo canto, de longe. Até de fora do Brasil vem gente, né? Então, tinha vez que dava certo, que era o dia que eu estava na feira da cidade, vendendo aquelas coisas que eu levava. Aí, chegavam aqueles carros viajando, costumam parar naquela cidade para almoçar, ou descansar um pouco. Dava certo. Eles iam correndo, indo ali. Na hora que saía, era que Deus mostrava eles à gente. Eles perguntavam o que era aquilo. De que que era. Eu explicava para eles, que eles não sabiam. Não conheciam, né? Porque nunca tinham visto. Eu explicava para eles o que que era. Eles compravam a peça e levavam para lá, para o lugar deles. Quando outros falavam com outros, compravam, outros falavam, e quando chegavam num lugar iam passando. Que dava, detonava a sentar com a gente. Chegou numa altura, bem, já estavam conhecendo, mas não conheciam quem fazia. Não sabiam onde é que era. Uns saíam procurando, e não sabiam. E lá em Araçuaí. Vocês conhecem Araçuaí? Ouviu falar, quem ainda não ouviu, né? Ia fazer 100 anos que era cidade. Então, o prefeito de lá mandou falar com o prefeito da cidade de Taurinho que procurasse aquela mulher, aquela pessoa que levava aquelas coisas de cerâmica, lá em Taurinho, que vendia lá em Taurinho, Cataraí. E que encomendasse um bocado daquelas peças que ela levava para lá, que ele vinha apanhar em Taurinho, que ele mandava um carro apanhar e levar para lá, Araçuaí. Aí, me deram o recado, eu fui e pensei: “O que é que vem a ser?” Que eu nunca achei ninguém para me pagar passagem assim, para a gente, oferecer viagem grátis para a gente. Eles falaram assim: “Qualquer coisa que acontecer é bom para a senhora.” Aí, eu falei com essa menina, que é a mais velha. Essa daí, Maria Madalena. Eu falei: “Oh, Maria, nós vamos.” Só essa que era maior. E os outros eram pequenos. E eu tenho um rapaz também, que era o maior. O maiorzinho que fica na casa. E as duas meninas eram pequenas. Essa segunda era pequena. Essa era a “mais pequena”, que a mãe da outra que está morando ali agora. Eu tinha deixado eles três aí, e o menino maior ia nas duas pequenas. Eu pensava que era coisa que ia ir e voltava logo. E era para demorar. E eu e o prefeito mandamos parar em Taurinho com as peças que eu levei mais o menino. E, de lá, levou para Araçuaí. E, de Araçuaí, nós ficamos lá. Tinha desfile na rua, juntamente, muita cri... Era o dia que ia fazer 100 anos que era cidade. Tinha muita gente de fora, né? Lá, a cidade estava igual à capital. E eu, cá, eu pensei: “O que é que eu vou fazer com meus meninos pequenos lá?” Só mais aquele... O maior que tem é um menino. Que era o menino que estava olhando as duas meninas. E eu não cheguei logo, e eles ficam preocupados. Então, eu falei, mandei falar, dei que fazer para encontrar com o prefeito. Porque tinha tanta gente... Aí, eles tinham me levado no dia que eu cheguei lá. Eles me levaram para lá do santuário. Que tinha bastante gente, que estava tudo cheio. E eu e mais minha filha, que é essa menina. Então, quando foi no outro dia, que era dia do desfile. No outro dia, já tinham três dias que eu estava lá. Eu dei que falar, que fazer para falar com o prefeito. Que eu precisava vir embora. E cadê o dinheiro para eu ir embora? Entreguei eles, as coisas, tudo. Eles estavam com dinheiro no dia que eu cheguei lá. E perguntou o preço, e eu dei o preço. Eles falaram: “A senhora pode dar seu preço bem bom, porque quem dá o preço é a pessoa que faz. Porque isso que a senhora está vendendo está muito barato.” Eles estão querendo ajudar a senhora a fazer um preço bom para a senhora. Aquelas coisas que eu vendia de cinco... Aquele dinheiro que tinha, que eu nem sei mais como é que é hoje.
P1 – O cruzeiro?
R – Não era o cruzeiro, não. O cruzeiro, quando é que foi?
P1 – É...
R – Acho que era cruzeiro mesmo. Mas é que tem isso: 30 e tanto, 36 anos.
P1 – Pois é.
R – Era cruzeiro? Pois é. É que era cinco, eu pedi 10, porque eles mandaram. Eles falaram: “A senhora que pense aí o que a senhora pode fazer.” Eu pensei assim: “Aí eu vendi por 10, falei que dou o preço de 10.” Eles ficaram para esse preço e tudo. E falou e deixou lá Doutor Leopoldo, um homem lá de Belo Horizonte, para tomar conta. E as mocinhas tudo tomaram conta. E o prefeito mandou me trazer, mais a minha filha, até na Rio-Bahia, aí, para cá. O menino aqui, já tinha... O meu filho que estava olhando os outros já tinha passado aperto, que o povo aqui falava com ele: “Ah, sua mãe foi, mas só, mais aquela menina, só vocês duas, foi vender a peça. E essas, às vezes, ela pegou um carro, que ‘esguaritou’ com elas e levou elas.” O menino saía chorando, ficava louco, não sabia o que fazer. Se eu te contar o princípio... Então, quando o menino saiu daqui, para encontrar comigo, para ver eu chegar na Rio-Bahia. Saber, ter notícia, sentir que eu estou viva. Quando ele chegou, eu já tinha chegado, mas já chegou e já fui à tarde. Não deu tempo de eu vir para cá. Eu fui dormir na casa de uma vizinha que tem lá na Beira do Ouro. A vizinha da outra lá, de uma amiga da gente. E, aí, eu fui dormir lá na casa. Quando foi o outro dia, que eu não vim de pé, eu só mais essa menina tínhamos andado 11 quilômetros de noite. E o menino tinha ido atrás de mim. Chegou lá na Rio-Bahia, perguntou a eles, a mulher que costumava ver eu chegar lá. Aí, na boca do caminho que entra para cá: “Você não viu se a minha mãe chegou aqui hoje?” E ela disse: “Eu não vi, não.” Outros falaram para ele: “Eu vi. A sua mãe sempre vem aqui, e eu sei quem é.” “Eu vi. Ela chegou no ônibus assim, assim. Mas eu não sei se ela desceu para Taurinho. Eu sei que ela chegou, passou aí.” Sabe como é que esse menino encontrou comigo? Deu uma noite, tinha um caminhão parado, que o homem estava dormindo, e rachou a dormir. E, aí, onde entra para cá, para vocês verem, que entra para cá, ali na Rio-Bahia, estava o ônibus de lá, parado. E o menino foi, entrou debaixo do ônibus, do caminhão, estava com sono e foi dormir. E falou: “Como é que eu fico aqui sozinho?” Em vez de procurar uma casa, o que for... Não. Quando foi de madrugada, o dia amanhecendo, foi Deus que acordou ele. Ele acordou que olhou assim... O dono do caminhão já vinha andando, subiu no caminhão. Não via ele debaixo. Foi Deus que tocou o menino, que o menino acordou. O menino viu, e o homem viu, e ele correu debaixo: “Ô, garoto! Você está aí, garoto? O que é que você está fazendo aí?” Aí, subiu e falou: “Você não faz isso, não, que você corre perigo!” O caminhoneiro entrou no carro e foi embora, foi levar ele. E ele veio subindo para cá, besta, vendo onde é que eu estava. Ele falou: “A minha mãe deve sempre dormir naquelas casas.” Como, de fato, eu estava saindo com uma amiga que acho que vinha para cá. Quando ele me viu, ele danou a chorar. Pegou a chorar: “Oh, mãe, o povo está lá na rua falando que o caminhão tinha roubado a senhora mais a menina, a Maria, Maria Madalena.” E eu estava pensando: “Cadê os meninos?” “Os meninos ficaram lá, as duas sozinhas em casa.” Aí, eu falei: “Onde ele foi dormir?” Eu mandei eles dormirem na casa de Fulana, a vizinha. Eu passei aperto. E, daí para cá, eu vim embora, né? E o prefeito de lá tinha falado comigo. Marcou o dia, tal dia, assim, assim. E marcou o dia que eu fosse lá, e o prefeito, então, ia pregar o resultado das coisas que eu deixei lá, que eu entreguei para ele. Eu vim embora. Quando eu cheguei aqui, os meninos ficaram alegres que eu tinha chegado. “Eu pensei que a senhora vinha logo. Tinha uns quatro dias, eu pensei que vinha no outro dia.” Eles podiam ter explicado para a gente que era coisa demorada. Quando entrei nos dias em que tinha marcado, eu fui lá. Cheguei lá, peguei um maço de dinheiro que eu nunca tinha pegado, 500, 500, minha filha! Eu nunca tinha pegado. As peças que eu vendia, eu nunca tinha pegado esse tanto de dinheiro. Reunido 500 daquele dinheiro antigo. São 500 agora, né?
P1 – É.
R – E ele mandou falar comigo. Escreveu e mandou para mim, o prefeito de lá de Araçuaí, que eu fosse fazer naquele trabalho, todos que eu soubesse fosse fazendo e guardando, e ir juntando que ele ia mandar buscar. Que o povo ia “ponhar”. E, quando o povo veio, eu falei: “Pode levar.” Que já tinha a Codevale [Consórcio Público de Desenvolvimento do Vale do Ivinhema] lá, para levar, para colocar na loja, vender na loja. Quando tinha um tantão de dias, e o dinheiro já tinha acabado. Eu fazendo, e não ia vender mais nada, ia juntando. O dinheiro que eles tinham vendido já tinha acabado. Então, eu pensei: “Como é que eu vou fazer? Eu vou comprar fiado até a hora que eles vierem comprar as minhas coisas. Aí, eu pago eles.” Saí assim, pensando. E tinha a feira aqui. Sempre tinha a feira. Passei assim no mercado. Tinham aquelas vendas perto do mercado. Eu saí assim, “pensoza”, com vergonha de comprar fiado, e eles não venderem. Imaginava isso, né? Quando eu fui chegando na porta da venda, fiquei olhando, pensando se eles iam me vender. E eu falava com eles a história, e eles iam vender fiado. E o meu menino, que eu estou falando a você, de vez em quando nós estávamos nos valendo... De vez em quando, ele pegava um passarinho e vendia, daqueles que tinham valor, e nós comprávamos alguma coisa com ele, porque nós não estávamos vendendo mais nada. Só juntando, juntando para o prefeito, que falou que fosse juntando, que aparecia gente para comprar. Aí, foi chegando o carro, Doutor Leopoldo, que eu falei com vocês que estava lá tomando conta das coisas. Chegou, e aqui em cima, não subia carro, porque a rua era aquelas puro buraco. E eu morava na meadinha, lá em cima, casinha pequenina, lá na ponta da rua, lá para cima. Aí, quando chegou, ele parou o carro lá na feira, o Doutor Leopoldo. E estava perguntando a eles, lá na feira, por mim. Quando eu ouvi, ele falando: “Cadê a Dona Izabel? Assim, porque eu na cidade já ouvia meu nome, né? Chegou uma mulher lá na venda e falou assim: “Ô, Izabel, ô Izabel.” Eu falei: “O quê?” “Tem um homem aí perguntando por você. E estava perguntando de você e quer ver você.” Aí eu saí. Quando eu fui descendo, eu pensei: “O que pode ser? Aquele povo já mandou avisar aí para mim.” Quando eu fui descendo a calçada, que eu fui de lá, eu olhei. Sim, eu conheci o Doutor que tinha ficado com as coisas. E eu guardei. E o carro dele estava mais para cá, um pouquinho, mais um pouco. E eu escutei a mulher. Lá atrás falou, a hora que eu fui saindo, a mulher falou assim, a mulher que me chamou falou assim: “É aquele, o Floresta que está procurando.” Isso é o menino dela que está pegando passarinho para vender. “Esse é o Floresta, que está querendo ver ela.” Aí, eu já sabia. E o carro chapa branca é o Floresta. O carro é chapa branca. Mas eu já sabia. Quando eu fui chegando, que ele foi me vendo, o Doutor Leopoldo foi me vendo, que eu fui chegando perto dele, que tinha muita gente nessa na feira. E tinha muita gente, né? Ele foi me cumprimentando e abraçando e perguntou: “A senhora recebeu as suas coisas lá naquele dia?” E eu falei: “Recebi.” Já tinha não sei quantos meses, eu trabalhando, juntando sem vender e passando precisão, porque eu não podia vender. E, se chega e eu vendesse, ele chegava e não achava, né? “Mas a senhora pode me levar lá?” E eu falei: “Posso.” Nisso, tinha chegado outra gente. Correu lá, e tinha falado para o menino. Falou assim: “Olhe, tem um carro chapa branca, parou na feira e está perguntando, caçando a sua mãe, e se é você que está vendendo passarinho.”
P1 – Deixa eu perguntar uma coisa: eles estavam achando que estavam atrás do filho da senhora?
R – Era. Estavam achando.
P1– Chapa branca quer dizer que é a polícia?
R – Que era a polícia.
P1 – Policial que estava atrás do menino da senhora, é isso?
R – Sim, eles estavam achando que era. Porque, quando eu falava com eles, que eu cheguei, quase não falava nada. Mas quando eu falava: “Eu estou vendendo as minhas vasilhas fora porque assim, assim.” Eu não dava assunto, não. Sabe como era a história da gente. Aí, quando o menino correu de lá, coitado.
P1 – Com medo?
R – Sim. Quando ele chegou, que me viu lá, viu o povo em volta de mim, não conhecia o homem. Chegou mais perto, assuntando o que o homem estava falando comigo. E foi na hora que eu falei: “Esse que estava falando mais ele... Ele me perguntando se tinha peça. E eu falando que tinha.” Aí, o menino foi chegando. E eu mostrei: “Esse menino aqui é meu filho, ele vai levar o senhor lá. Esse aqui é meu filho.” Aí que o menino viu que não era a polícia. Eu fui dentro lá por cima, mandei o menino vir por cá mais ele. Corri e já subi e cheguei e falei com a Maria Madalena. Com essa menina que está aí. Falei com as meninas. Falei: “Graças a Deus! O povo já veio buscar as coisas.” O Doutor Leopoldo chegou mais um companheiro que tinha ficado com ele no carro. Eles subiram com as caixinhas. Já puseram as peças tudo e levaram para o carro. E tornou a pagar um dinheiro bom para a gente. Sei que ele me deu uma nota e falou comigo: “Olha, Dona Izabel, esse dinheiro, a senhora tome muito cuidado com ele, porque esse dinheiro é nota grande, uma nota de 500. E, agora, ninguém mais faz nota de 500. Não vi mais nota de 500.” Naquele dinheiro tinha nota de 500. Duvida? Aí, ele falou. Era o primeiro dinheiro ‘mais grande’ que aparecia aqui em Santana, era eu que recebia vendendo essas vasilhas, para você ver. Ah, nós ficamos muito alegres. Ele disse: “A senhora pode continuar a fazer e deixando aí que nós viremos todo mês. A senhora, nós viremos.” Eu falei: “Mas todo mês?” Eu pensei que não dá para eu fazer muita coisa. “E não precisa a senhora vender mais. Nunca mais precisa pôr a vasilha na cabeça, longe, na cabeça, para ir até a Rio-Bahia.” Então, é quando levaram, descobriram os trabalhos da gente, e fui carregando, fez loja por lá. Porque vinham outras pessoas também, que viam o trabalho lá. Vinham para eu vender. Aí, a Codevale falava que não vendesse, não.
P1 – Deixa eu perguntar, o Doutor Leopoldo representava a Codevale? Ou não, ele comprava para ele vender?
R – Não. É, ele representava a Codevale.
P1 – Ah, sim, que é a Companhia de Desenvolvimento...
R – Era sim. E, depois, ele saiu e passou para outro que chamava Getúlio. Até a Codevale carregou muito tempo, muitos anos. Depois que a Codevale afastou, pôs os outros no lugar, que tem outros lá.
P1 – Posso ir tirando umas dúvidas?
R – Pode.
P1 – Quando a senhora brincava com as panelas, que a mãe da senhora fazia, as panelas, as fôrmas, as coisas, como é que a senhora foi aprendendo? Só de observar? Ou ela ensinou a senhora?
R – Eu mesma que fazia a ideia, imaginação. Pegava o barro, eu pensava em fazer alguma coisa, a peça de um jeito, e eu fazia. E o povo gostava e continuava, tornava outras vezes. Por mim, mesmo. E às vezes que eu ensinei. Porque eu ia fazendo e fazendo, e continuava fazendo e tornava a fazer e a inventar e fazer outra peça. E fazia, até quando eles ficaram gostando mais das bonecas. E tem outras coisas que eles gostavam e eu parei de fazer, porque não dava conta. E agora que eu já estou cansada, tem uns anos que eu trabalho com essas coisas, eu não posso fazer as peças grandes. Como eles estão querendo essas peças, fica muito grande para mim. E eu não aguento estar colocando lá no sol, pondo dentro de casa, para eu estar trabalhando. Então, eu vou fazer as bonecas, eu vou fazer “mais pequena” e lá, por acaso, faço alguma grande. Vou fazer ‘mais pequena’, vou fazer todas as peças que eu sei fazer. Eu fazia, né? Que são coisas mais baratas, mas dá mais para a gente fazer.
P1 – Eu queria que a senhora explicasse para a gente por que o tamanho dessas peças, por que só mulheres, por que elas são tão bonitas?
R – Bom, deve ser porque eu gostava muito de ver aquelas mulheres que estão com o menino no braço, no colo da mãe. Era a coisa mais bonita que eu achava: minha mãe, essa que estava com o nenenzinho, e eu achava bonito quando ela pegava ele, esse nenenzinho dela. Eu falava, eu pensava, eu achava isso bonito. Aí, eu pensava assim: “Eu vou fazer é uma boneca, como se fosse uma mãe, amamentando a criança.” Eu pegava o barro, e fazia. E fui fazendo os pequenininhos. E, das pequenininhas, eu peguei a fazer grande. E, quando eles descobriram aqui, eu só estava, não fazia as bonecas. Eu só fazia as outras peças, que eu falo para você. Eu sabia fazer as bonecas, mas eu não fazia porque ninguém não dava valor.
P1 – E o preço que davam?
R – Do preço, que era, assim... Tudo que eu achei quem pagava mais bem pago, eu peguei a fazer. O Jackson lá, que é lá da França, mas ele tinha loja em São Paulo. A loja do Bóris, não sei se você já ouviu falar.
P1 – Ele vinha aqui?
E – Ele veio aqui e comprava da minha mão direto. Quando ele falava comigo, que, se eu pudesse deixar a Codevale, de lá. Eu já vim falando: “Eu não posso deixar, não, a Codevale para estar junto com você. Quando a Codevale descobriu a gente, em pouco tempo, eles descobriram, ele me encontrou lá em São Paulo, vendendo as coisas por lá mesmo, o povo que me levou lá. Ele perguntou ao povo lá, que tinha me levado, Doutor Mesquita mais Dona Sandra. Dona Sandra, que é a mulher dele, falou assim: “Eu posso vender, ir lá comprar da mão dela?” Perguntaram eles. Eles foram uma vez, só que eles tinham vindo aqui, e a Codevale vinha direto. Eles não tinham me explicado direito, senão eu tinha segurado. Não tinha deixado para eles, deixava para a Codevale. A Codevale chegou e não achou. E eles tinham comprado da minha mão e tinham levado com peça e tudo, tudo por conta deles. Sempre paguei nada, me trataram muito bem, mas uma peça sozinha que eu ajudei eles a vender lá, não foi boneca, não. Dava para comprar umas dez peças. Mas eu não importava, não. Tudo que estava vendendo, né? Tudo que tinha parado.
P1 – E, Dona Izabel, de onde vem a inspiração para esses vestidos tão bonitos, rendados?
R – É porque, toda vez, eu achava os vestidos que eu usava antigamente, usava aqueles roupões compridos, todos cheios de enfeite, fizeram a renda feito um babado, o jeito que eu faço esse babado. E eu alembro que eu era pequena, mas eu alembro daqueles vestidos das noiva, tinham os véus grandes. O pescoço pregado, eu faço o véu comprido. Do jeito que era noiva mesmo. E, quando eu vejo que, quando o pescoço é parado, faço o véu curtinho, daqueles curtos. Mas tudo foi imaginação. A minha mãe chegava em casa e falava assim: “Mas, menina, quem te ensinou, você fazer essas peças diferentes que eu nunca ouvi falar?” Mas a minha mãe era antiga, mais do que eu, né? E nunca tinha visto falar de fazer o que eu fazia no barro. Então, falava: “A senhora me ensinou a mexer com o barro, agora essas peças foi Deus que me ensinou.” Foi a ideia de, fazer a ideia, a experiência. Tirava o barro e ia fazendo as peças. Depois, eu falei, tinha o barro de toda cor: tinha o barro amarelo, tinha o vermelho, tinha o claro, que é vermelho e fica vermelho, tinha o barro branco, que fica branco mesmo, tinha uma barro que fica rosa. Tem um barro em Araçuaí, que é onde minha filha morou. Lá em Vitória, no Espírito Santo, o barro roxo, e ele queima e fica da mesma cor. Dá para fazer um cabelo. Um cabelo castanho. Dá para fazer uma boneca morena, escura, a mesma cor que está crua, ela fica queimada. Eu misturo ele um no outro para fazer o cabelo. Faz outra hora, faz o rosto, faz a roupa. E pinta com a tinta. Faz a água do outro barro de outra cor e pinta. Juntou tudo, e é barro. E o cabelo, quando eu pego o cabelo para não ficar castanho, para o cabelo ficar preto, eu misturo um pouco de carvão, com um pouco da água do barro. Eu passo, e fica preto. Porque, se for para “empretar” todo no forno, ela fica todinha preta. E depois que tira do forno, para “empretar” só o cabelo, fica o rosto da cor que tira do fogo. E fica o cabelo preto.
P1 – E isso tudo...
R – Isso tudo foi ideia que a gente fez. Foi eu, agora não valem todos. Você vê. Tem esse trabalho que eu ensinei para muita gente, pessoas que eu não conheço e sabem esse trabalho. E eu tenho prazer com isso. Tenho que agradecer para muitas pessoas. Já hoje, estou cansada já.
P1 – Deixa eu perguntar só mais uma coisinha do modelo: e o rosto das bonecas? Como que a senhora se inspirou?
R – Foi imaginação. Aí, foi nada. Foi, eu pensava e fazia. Eu fazia o rosto como fosse o rosto de uma pessoa. Agora, eu pego o barro e faço. Se já tem referência, não pensa em nada e faz. Só pensei e faz o rosto. Eu falava assim: “Vou fazer o rosto de uma pessoa.” Então, vinha uma pessoa e falava: “Olha! Tá parecendo Fulano. Olha! Tá parecendo Ciclano.”
P1 – E a senhora imagina a personalidade? Ah, essa boneca é faceira, é elegante?
R – Eu faço assim. Tem hora em que eu faço elas alegres, sorrindo. Outras morrem de rir. Tem hora em que eu faço outras sérias, bem sérias. Eu faço outras com raiva, tudo eu faço. E no dia que eu não estou muito alegre, não tem jeito de elas ficarem... (risos)
P1 – Elas ficam bravas?
R – Elas ficam simplesmente sérias (risos). Eu não sei... Eu não sei se eu resolvi ver, você vê (risos). Pelo menos eu acho graça delas, eu mesma (risos).
P1 – O barro que a senhora fazia no começo era de onde? Onde que se recolhia o barro?
R – No Córrego Novo, na fazenda em que eu nasci. Quando eu ia lá, quando eu tinha 12 anos, perto do... Aí, eles xingam.
P1 – E, agora, o barro que eles recolhem para fazer?
R – Aqui, em qualquer lugar, na beira do córrego, quando é que dá, o Omar tira. Mas tem lugar que o povo não deixa, não. O dono não deixa, não. Agora, meu filho comprou um sitiozinho. Um lugarzinho pequeno para ele fazer, uma chacrinha né? Lá onde é que ele comprou, ele tirava da beira do córrego, e ia tirando. E dava um barro, minha filha, se precisa... E dava para todo mundo de graça. Não dava para dar um caminhão, senão, tira demais e o lugarzinho é pequeno. Tem um fazendeiro que mora lá em Jequitinhonha. Ele falou comigo que, na hora que quisesse tirar o barro, pudesse tirar o barro, tirava tudo da fazenda dele. Mas é que na fazenda é meio longinho. É mais perto que daqui num ponto isolado. Mas é muito sacrificado. Mas, se a gente estiver precisando, a gente passa aqui por dentro e cai aí, e a gente busca. Lenha, não, que é difícil. Mas o barro, eu busquei lá uma vez. Lá é muito bom, mas o que eu queria o meu filho tem. Que o de lá é de uma cor. E o daqui já é de outra. O barro daí do meu filho é um barro vermelho, rosa e branco. E o de lá é misturado, é preto e amarelo. Lá é muito bom também.
P1 – A senhora já viajou bastante?
R – Eu tenho viajado um pouco, viu? Quer dizer, eu nunca viajei de navio. Mas eu tudo tenho viajado. De resto, eu já tudo tinha viajado, debaixo do chão e tudo. Tudo já tinha viajado. Já de avião, então...
P1 – E qual o lugar que a senhora gostou de viajar?
R – Olha, eu não sei se é porque eu gosto muito de viajar, todo lugar em que eu vou, eu acho. Agora eles estão querendo me levar para um lugar que se chama “Méstico”. Minha língua não dá para falar.
P1 – México?
R – É, sim.
P1 – Para a senhora levar as peças para lá?
R – Eu não levo, mas às vezes eles levam. Para esses lugares, quem levou aqui, que eu tirei o primeiro lugar, eles é que levaram. Eles levaram eram 20 pessoas, 20 artesãos que estavam, iam sair andando, girando, cada um com as artes deles, com as peças deles. Aí, vieram aqui para eu levar uma boneca daqui. A boneca, né? Se não vendesse, eles traziam o dinheiro, uma coisa assim. Eles traziam a peça. E, se vendesse, eles traziam o dinheiro. Falou uma coisa, em comparação. Aí, eu pensei e falei isso... Essa história, como é que era? E eu pensei, eu falei: “Uns 20 artistas? Não está vendo, num desses 20, você não está vendo que o negócio de barro, de terra que eu faço, não está dando, que eu não vou tirar, que eles é que vão tirar o primeiro lugar?” Eles têm que tirar o primeiro lugar e ganhar o prêmio. Aí, levou, né? Eu estava até... Eu falei: “Deixa pra lá isso aí.” Mas não estava fazendo que queria ganhar o prêmio. Quando eu não esperei, ligou para mim. Eu tinha ganhado o primeiro, tinha tirado o primeiro lugar. Falou tantas coisas, que estava maior festa lá em... Como é que fala? Em Salvador.
P1 – Então, Dona Izabel, a senhora falou que, depois, a senhora deu muitas oficinas. Como é que foi o convite para essas primeiras oficinas, para a senhora ensinar outras a trabalhar com barro, fazer bonecas também?
R – Primeiro, foi a Codevale. Falou para mim, pagaram para eu ensinar, dar aula aqui para os adultos e as crianças. Eu tinha muitos aqui que eu já tinha ensinado, que eu estava ensinando mesmo e já estavam trabalhando. Era só me procurar. Eu não cobrava deles, não, porque a luta da gente, né? E a gente sabe da luta dos outros também. Quero sempre ajudar. Tinha gente que eu já tinha ensinado, tinha ajudado, sem precisar eles pagarem nada. Então, eu ensinei e depois eu dei aula aqui. Depois, essa menina, que ela já tinha filha grande, para você ver. Passado outro tempo, o meu filho foi dar lá. Foi Antônio, mais a esposa dele. Agora, aquelas primeiras que eu ensinei, muitas delas, muitas, não. Algumas delas já estão vindo atrás para dar aula nas fazendas, nas roças. Tinha uma de lá de Belo Horizonte, ela teve que ir. Ela era daqui, depois ela mudou de Belo Horizonte e ficou muitos anos lá, morando lá. E, depois, ela veio para aqui e ficou aqui mais eu, mais de um ano. Para tornar a aprender fazer. Ela fazia era coisa de presépio, essas coisas assim. Tinha que formar tudo direitinho, né? Ela veio, acabou de acertar a mão. E agora está fazendo boneca até bem feita. Ela já foi lá em Belo Horizonte, do Sul, era aqui. Ela faz lá nas duas ou três fazendas.
P1 – Que lindo!
R – Que ela deu aula e ficou lá mais uns dois meses. E a outra veio para cá, para esse lado de Porto Seguro, desse lado todo. Lá em Jurema, o prefeito deu um dinheiro lá, mandou um dinheiro para ensinar para eles. O povo de lá não quis vir aprender, não. O prefeito, o moço que tinha levado o dinheiro para ele, que tinha tomado conta do dinheiro para eles, falou comigo, veio aqui e falou comigo: “A senhora duvida?” Só apareceu uma pessoa que queria. Voltou, e dizia ele que peguei o dinheiro. Ainda voltei o dinheiro. Uns falavam que não sabiam pegar, outros falavam que não sei o que tinham na unha e que não...
P1 – Não queriam modelar?
R – Não.
P1 – E a senhora ensinou seus filhos, então?
R – Ensinei meus filhos todos. Ensinei os vizinhos aqui. Aqueles que quiseram, eu ensinei para eles. Agora, um está ensinando outros, e outros estão ensinando os outros e eles estão merecendo tudo. Eu tenho... Que prazer.
P1 – Agora deixa eu perguntar...
R – Não ficou só para mim. Ficou para todos, né? Aprendeu.
P1 – Eles fazem peças semelhantes às da senhora, ou eles criam coisas pessoais?
R – Eles também criam as coisas, porque tem muitas pessoas que têm a memória boa e têm a inteligência também. Mas só quem já não tinha experimentado. Mas, depois que já achou o que os outros estão ensinando, e vendo os outros fazer, eles também puxam para a vez. Até tem gente que faz a experiência, né? Eles mesmos estão fazendo o que eu ensinei. E eles mesmo fazem também. Eu falo: “Gente, vocês não ficam só no que eu ensinei, não. Vocês também puxam a ideia, para vocês também fazerem.” Eu também falo com eles. Aqueles que eu ensinei, eu falo isso com eles. E tem muitos deles que estão fazendo bom. Para mim, eu acho que está bom. E eu acho mesmo que tem que sair, e o povo está comprando é porque, né? Está bom, sim.
P1 – Qual é o lugar que compra mais: São Paulo, Rio de Janeiro?
R – Moça, isso aí eu não sei. Tem uns lugares que vendem mais. E outros lugares vendem menos. Mas o certo é que está vendendo. Parado não está. Vende, mas pouco. Tem vez que enche aí, uns comprando, compram na semana, vêm duas, três vezes. Depois, fica um mês, dois, sem vir ninguém. É assim. Não é igual venda que vende essas coisinhas todo dia. Já sei como é que é. Agora eu custo muito a vender, porque custo muito fazer uma peça, custa muito vender uma peça (choro). Eu quero o meu preço e eu subi o preço, porque eu achei que só podia ser esse preço (choro). Já lutei muito. Sacrifiquei muito. Agora, eu estou cansada, dá um monte de oportunidade para fazer outra peça também, eu vou vender ela mais cara um pouco.
P1 – A senhora pode falar por quanto que a senhora vende aqui? A senhora pode falar quanto?
R – Que eu vendo aqui? As mais caras que eu tenho vendido aqui são de seis mil. As mais caras. Mas eu tenho encontrado aqui. Tem hora que mais cara. Mas tem, né? Eles têm que vender mais caro, mesmo sem eles quererem. Mas só acho que não dá para eles venderem em loja, por em loja porque... Mas o meu preço é esse aqui.
P1 – É uma obra de arte, né?
R – Mas custa fazer uma. Custa fazer.
P1 – Quanto tempo leva, Dona Izabel?
R – Você sabe que eu nunca peguei a base, não sei da base que vem? Só sei dizer que essa mesmo, tem uma aqui, que eu estava fazendo ela, que não tem nenhuma peça aqui desocupada, pronta, minha, que eu queira pôr nessa feira que tem nessa festa, né? Que vem gente de todo canto assim, chega e vai procurando: “Cadê a peça, menina, que tem?” Eu achava que estava muito sem graça. Tem essa daqui, essa que está aí já está vendida. Essa daí, que é minha, só essa. As outras duas são do meu filho. E já está vendida, lá por São Paulo. Aí eu já vendi, já recebi o homem, era para levar sexta-feira. Ele veio de carro querendo levar. Ia levar. Até o caixote o menino fez para levar. Então, ele ligou e falou comigo: “Dona Izabel, eu estou querendo levar é de avião. Como é que a senhora acha... Eu vim de carro, agora eu quero voltar de avião.” Eu falei: “Seu Joaquim, vou falar com o senhor: de avião pode até chegar inteira, mas eu já vi como é que eles fazem.” Aliás, avião eu já vi: eles pegam e jogam assim. Essa menina minha já levou lá em São Paulo de avião, mas eles alegam que encomendam demais, quem usa. Mas que nada! Só se for a pessoa mesma. Chega lá, entrega para eles que resolve, né? Ela levou a nossa. Acho que ela quebrou o braço ou o que foi. Segurou aí, chegou. Chegou porque ela teve muito cuidado. E era pequena, não era grande. Então, ficou aí. Ela mandou falar com ele, mandou falar comigo que, se eu pudesse guardar a peça, que ela vinha pegar. Ela mesma que vem. E eu fiquei com dó de pegar e levar para lá, que o povo quebra e não dá tempo de fazer outra. Ela já sabe que está pronta, né? Fui fazer aquela dali, já tem mais de um mês. Ó, para você ver. Não dei conta de fazer. Que era para pôr é lá.
P1 – Está faltando o quê naquela?
R – Está faltando acabar de remover ela tudo. E modelar e pintar com a própria água do barro vermelho e pôr no forno para queimar. E, depois, ainda tem muita coisa nela.
P1 – Ela não foi queimada?
R – Não, está crua. Essa que tá aqui? Está crua. Está todinha. Arranquei até um pedaço do pé, eu mexendo com ela. Roda assim, quebrou. Quis tornar a emendar. E antes de queimar.
P1 – E, Dona Izabel, o pessoal de São Paulo, do Rio, eles influenciam no modelo que a senhora está fazendo, ou eles compram aquilo que a senhora cria mesmo?
R – Porque tudo o que eu faço foi criado mesmo, né? Não foi tirado. Porque tem gente que olha para aquela coisa, ou pega um retrato para fazer, e eu não. Eu só fiz uma vez: eu fiz uns lá para o Seu Antônio, que ele falou comigo, para fazer ele com a família dele. São três filhos e uma mulher. Então, eu fiz, eu achei que foi muito sacrificado, porque a gente não fazer a ideia da gente, a gente faz os outros do jeito que a gente quer. E, para fazer uma coisa que já está pronta, que é feita para fazer daquele jeito, todo você pode fazer. Se tiver uma verruga a mais, vai ter que fazer ela (risos). Se tiver qualquer defeito, a gente tem que fazer para ficar do jeito. E a gente fazendo, à vontade da gente, a ideia da gente, a gente faz do jeito que a gente queira, né?
P1 – E a senhora sempre usa tinta natural?
R – É natural. Toda a tinta é natural. Eu não compro tinta para colo...
P1 – O branco?
R – É o barro. É o barro colorido com o azul.
P1 – E eles pedem mais noiva, mais mãe com criança? Como é que é?
R – Umas pedem. Prefiro mais é a mãe com a criança e noiva. Esses maiores. E a rainha das flores também. Mas eu não estou gostando muito de fazer as grandes, não. Mas por acaso, eu faço. Vou fazer grande agora é lá por acaso. Vou fazer agora isso tudo da pequena, porque eu não estou aguentando apanhar, transitar para lá e para cá.
P1 – É pesado?
R – É pesado. E tem hora que eu falo que eu vou parar de fazer. Que eu já trabalhei demais, gente. Que eu cansei. Mas dá vontade de continuar mexendo com ele. Eu acostumo, né?
P1 – E o que significa para a senhora, desde criança, estar mexendo com barro, modelando? O que significa para a senhora?
R – Ah! Significa bem. A gente gosta daquilo, tem gosto com aquele trabalho. Tem vontade. Aquilo, para a gente, tira o sentido de muitas coisas que a gente tem e se preocupa. E agora nós encerramos (risos).
P1 – Eu posso fazer uma última pergunta?
R – Pode.
P1 – Como é que é, para a senhora, ficar famosa aqui em Santana do Araçuaí? A senhora imaginou isso na sua vida?
R – Aí, eu não sei. São eles que sabem o que que eles acham da gente. E dar valor para a gente, né? Eu mesma posso falar: “Eu sou isso, e aquilo, faz isso, eu faço...” Mas o que que eu faço? Agora, o valor, eles que veem. Se veem que vale, se veem que não vale.
P1 – Tá bom. Obrigado, Dona Isabel.
R – De nada.
P1 – Adorei. Muito bom.
R – Imagina.
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