Projeto Medley
Depoimento de Natalie Rodrigues Gomes
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
[00:00:01]
P/1 – Natalie, qual o seu nome completo, data e local de nascimento?
[00:00:06]
R – Meu nome completo é Natalie Rodrigues Gomes Santia...Continuar leitura
Projeto Medley
Depoimento de Natalie Rodrigues Gomes
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
[00:00:01]
P/1 – Natalie, qual o seu nome completo, data e local de nascimento?
[00:00:06]
R – Meu nome completo é Natalie Rodrigues Gomes Santiago Sola. Minha data de nascimento é 09/07/87. Nasci em São Paulo, capital.
[00:00:18]
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
[00:00:21]
R – Giovani Santiago e Fabiene Rodrigues Gomes.
[00:00:26]
P/1 – O que eles faziam?
[00:00:29]
R – Minha mãe ela é panificadora, e meu pai atualmente, ele foi... já trabalhou com telefonia, cabeamento, mas agora, atualmente, ele está desempregado porque ele cuida da minha avó.
[00:00:45]
P/1 – Você tem irmãos?
[00:00:47]
R – Eu tenho 3 irmãos. Só que dois eu não tenho contato nenhum, que é de um relacionamento do meu pai, de um casamento. E eu só tenho um que é mais novo que é o Luciano, filho do meu pai, vive com ele.
[00:01:08]
P/1 – Como era a sua casa na infância?
[00:01:11]
R – Bom, eu fui criada boa parte da minha infância pelos meus avós. Já são falecidos. E eu fui morar com a minha mãe, somente com ela, quando eu tinha 13 anos. O meu pai, eles nunca viveram juntos, meus pais nunca viveram juntos, mas sempre se deram bem do jeito deles. E eu fui morar com a minha avó por um ano, quando eu tinha treze, depois eu voltei pra casa da minha mãe, fiquei com ela. Mas era comum. Eu era uma criança bem ativa, muito mimada pelos avós e era tranquilo. Era uma infância bem tranquila
[00:02:02]
P/1 – Você lembra de algum caso de viver na casa da sua avó, da sua infância, que você possa contar aqui pra gente?
[00:02:12]
R – Que eu... a coisa que eu assim, me marcava muito era de ficar garagem, muito! Brincava muito na garagem porque minha avó tinha muito receio de rua, essas coisas. Então, eu fazia amizade pelo portão. Meus amigos brincavam na rua e eu ficava brincando na garagem, e era estranho um pouco, mas eu me acostumei e era... foi mais isso mesmo. Eu não podia ter animais de estimação, porque dava trabalho. Mas foi isso. Assim...
[00:02:49]
P/1 – Quais eram as suas brincadeiras favoritas na infância, você se lembra?
[00:02:54]
R – Eu brincava muito de desenhar com giz, porque era um piso fácil de desenhar, então, eu brincava muito com giz. Eu brincava muito de Barbie com as minhas primas, quando elas iam pra lá. Eu gostava de vestir as roupas da minha mãe, os sapatos, os saltos altos da minha avó, ficava desfilando. E escutar o cd da Eliana no carro, o cd não, a fita (risos), escutava a fita, colocava a caneta, rebobinava e escutava de novo, ficava horas escutando no carro a fita da Eliana. Era a minha diversão.
[00:03:33]
P/1 – E como era a sua cidade nessa época? Você pode descrever um pouco?
[00:03:43]
R – Era um bairro muito tranquilo. As crianças brincavam bastante na rua. Brincava de vôlei. Tinha só um mercado, que lá dentro também já tinha padaria. E não tinha muito comércio, eram poucas casas, não tinha prédio e tudo era um pouco mais longe. Você tinha que ir na escola, um pouco distante, o centro também não tinha muitas coisas, né?! Você tinha aquelas lojas de um real, lojinha de doces, aquele barzinho do tio na frente, que a gente comprava doce. Era bem simples o bairro.
[00:04:25]
P/1 – Você morou um tempo com a sua avó, como era a sua relação com a sua avó?
[00:04:31]
R – A única coisa que eu realmente não entendia, né?! Era esse excesso de preocupação dela comigo de estar na rua, depois mais velha eu entendi, mas quando eu era mais nova eu não entendia porque que ela não deixava... eu via aquilo... “por que eu não podia ter amigos, por que que eu não podia me relacionar”. Era a única coisa que a gente realmente... Chorava, né?! Questionava ela. E só, porque ela sempre ela uma pessoa que pode me dar... Sempre que ela podia proporcionar o que as minhas vontades ela fazia. Ela não era uma pessoa muito de abraçar, de beijar, ela era um pouco seca, mas sempre cuidadosa comigo, do jeito dela, sempre demonstrando carinho do jeito dela de fazer um doce que eu queria, um prato que eu gostava e o mimosinho dela. Não era com abraço, mas era com o docinho que ela sabia que eu gostava, ela fazia. Era assim.
[00:05:36]
P/1 – E na infância você lembra se você tinha algum sonho de profissão?
[00:05:40]
R – Eu queria ser babá (risos). Eu achava que eu ia ser, eu falava pra todo mundo que eu ia me formar em babá, que eu queria cuidar de criança. Até eu cuidar da primeira criança (risos).
[00:05:57]
P/1 – E daí, da escola, qual era a sua primeira lembrança que você tem de escola?
[00:06:04]
R – Olha, a primeira lembrança que eu tenho de escola era... Bom, eu mudei muito de escola. Eu estudei em várias escolas. E fazer amizade em escola nova era sempre muito complicado. Então, sempre tinha uma melhor amiga. Em toda escola que eu entrava eu tinha uma melhor amiga que era da minha sala e o resto da turma sempre tinha uma galera, umas meninas que nunca iam com a minha fuça (risos). Então, era um meio conturbado nesse sentido. E só começou a melhorar mesmo quando eu cheguei no ensino médio, também, eu já tinha meu filho quando eu cheguei lá. Então, certas coisas já não me incomodava mais, e lá no final foi que eu fiz mais amizades, que eu tenho até hoje. Mas foi isso.
[00:07:01]
P/1 – Você quer falar um pouco desses momentos, da sua escola que te incomodavam, o que acontecia?
[00:07:09]
R – Olha, eu nunca fui uma pessoa muito de ter amizade, e até mesmo, nunca fui uma pessoa de ter muitas amizades, até hoje. Então, sempre tinha uma melhor amiga, porque era justamente era uma pessoa que era isolada como eu, ficava só na dela, que não ficava puxando-saco de ninguém. E sempre tem aquela turminha, sempre tem aquela turminha das meninas que ficam ali próximas das meninas que são as populares, né?! Então, eu nunca fui dessas de ficar atrás de menina popular. E eu acho que isso até era, justamente isso, a gente acabava chamando atenção do que não queria. Do porquê a gente não queria andar com elas. Por que nós não queríamos ser iguais a elas. Acho que incomodava mais a elas do que a gente. Então é aquela coisa que me marcou muito. Eu cheguei a apanhar por isso, né?! De ter que ficar presa na escola mais de cinco horas, sem poder sair da escola, porque as meninas queriam me bater, eram nove meninas (risos). E simplesmente, porque eu tinha o nariz empinado, mas eu não tô falando do que eu era metida, literalmente falando, porque meu nariz era empinado, eu falava “gente, mas eu nasci com o nariz assim”. Então, elas criavam sempre alguma coisa. Não tinha o porquê. E eu fazia muita amizade mais fácil com os meninos. Justamente, eu acho, porque eu acho que eu não tinha essas coisas de roupa, de ‘a modinha’, eu nunca fui assim. Então, fui desprendida disso. E eu conversava, tinha mais facilidade de fazer amizade com os meninos, mas eu também não ficava muito fazendo amizade com eles, porque as meninas ficavam com ciúmes (risos), aí eu falava: “vou apanhar todo o dia!” Aí eu preferia ficar só com a minha amiguinha e tava ótimo.
[00:09:15]
P/1 – E nessa época, teve algum professor que te marcou?
[00:09:21]
R – Olha, eu tive alguns professores muito bons, também tive uns professores muito ruins e teve um professor, que eu lembro até hoje, da terceira série que ele era um cara muito estranho, no sentido de ele era muito autoritário, muito nervoso na sala, sem paciência e ele ameaçou a nossa turma com um pedaço de pau. Uma vareta fininha assim, um graveto, eu acho que era. E ele me bateu com aquele graveto na minha perna, machucou e tudo. E eu já tinha relatado pra minha mãe, bem antes, como ele era, mas é aquilo lá: “ah, exagero de criança, a criança não pode escutar nada que reclama, a criança nunca vai gostar de professor”. Então, minha mãe via isso, como eu acho que a maioria dos pais acabam vendo, né, “é exagero”. Até o dia que eu cheguei machucada e tava sangrando, porque acabou dando um cortezinho na minha perna e aí eu mostrei pra ela e falei “foi ele que fez!” Aí ela foi lá, na escola, e ele deu em cima dela, chamou ela pra jantar e tudo (risos), pois é! E aí a minha mãe falou assim “vamos, vamos jantar! Eu, você e meu pequeno marido de dois metros de altura. Aí, você conversa com meu marido!” Aí ela falou “não vou nem contar pro meu marido o que aconteceu, porque se não o senhor não vai estar aqui amanhã”. Mas ele ficou... pra não fazer mais nada ele falou comigo, ele nem gritava mais comigo. Só que o que ele fazia, pra me atingir? Ele piorou as ações dele com as minhas amigas que eram próximas de mim. Principalmente aquela com quem eu mais andava, porque a mãe dela, realmente, não acreditava nela, em nada do que ela falava.
Então ele fazia com ela e olhava pra mim, tipo “eu não posso fazer com você, mas eu posso fazer com ela”. Foi assim, mais me chocou desses anos todos.
[00:11:33]
P/1 – Muito chocante mesmo! É, você falou que teve um filho, antes do ensino médio começar, como é que foi chegar até aí? Me conta um pouco dessa história.
[00:11:46]
R – Até eu engravidar?
[00:11:49]
P/1 – Isso!
[00:11:50]
R – Eu comecei a namorar muito cedo, mesmo. E eu tinha... o meu primeiro namorado eu tinha doze anos e ele tinha dezenove. E antes era só um namoro de beijinho na boca e mão dada. Ele nunca tentou nada, ele nunca fez nada, enfim. E foi passando, então sempre namorei, muito desde muito cedo. E com... era assim, tinha informações, mas não eram muito claras, não eram muito bem explicadas pra mim. Minha mãe falava comigo sobre sexo, falava comigo sobre camisinha, sobre menstruação, tudo isso, mas, é... Hoje, pensando, faltou algumas informações a mais, né. Até eu conhecer o pai do meu filho, eu tinha quinze anos, ele tinha vinte e um, e a gente já era... ativa... fazia sexo e tal... e ele não foi meu primeiro, nem nada, então a camisinha estourou e ele não me contou. Ele não me contou, ele me contou... não foi ele quem me contou, a prima dele me contou pra avisar, dois dias depois, que a camisinha tinha estourado e eu não sabia o que que eu fazia, minha mãe não sabia que eu não era mais virgem. Aí, depois disse a pílula do dia seguinte. Dois dias depois. Mas aí eu nem tomei, porque eu nem sabia que dava isso no postinho de graça. Eu acho, que todo mundo falava, minhas colegas comentavam comigo, mas falavam que você chegava lá e tinha que responder um monte de perguntas. Que não podia dar pra menor, várias informações que eu não tinha conhecimento mesmo. E foi aquilo, né... “vamo fazer o teste, vamo fazer o teste”. Aí, tava lá o pequeno Gabriel. E eu com quinze anos, tava indo pra entrar no... estava no primeiro ano do ensino médio. Tive que parar os estudos, até mesmo porque eu tinha vergonha de ir pra escola grávida, e toda aquela situação, em casa também. Pra minha mãe, que também foi mãe jovem, também foi mãe solteira, foi mãe aos dezessete anos e tá passando por isso com a filha. E vamos todo mundo morar com a avó, meu avô já tinha falecido. Fui morar com a minha avó, também foi uma decepção pra ela, porque não era o que você quer, não era o que você espera. Então, mudei de bairro, fui pra Carapicuíba. No outro ano eu entrei pro Ensino Médio. Já tava com o Gabriel. Aí, minha avó teve um derrame, aí eu parei os estudos, aí eu tinha que ser mãe com dezesseis anos de uma criança, de um bebê e mãe de uma mulher de sessenta anos que foi minha avó, que eu tive que cuidar dela. Porque minha mãe precisava trabalhar e eu precisava cuidar de tudo, da casa, de dois bebês.
[00:15:18]
P/1 – Eu queria que você me contasse das maiores dificuldades, dos maiores aprendizados que você teve sendo uma mãe jovem. Me conta mais em detalhes esse momento da sua vida.
[00:15:30]
R – Olha, é assustador você pensar que você vai ter que criar uma outra pessoa. Eu tive sim... falaram pra mim tirar, pra mim fazer o aborto, né, tive essas pessoas que chegaram em mim, mas eu mesmo assim falei “não, eu não quero fazer. Não quero fazer isso, porque se a minha mãe conseguiu me sustentar, do jeito dela, mesmo na casa dos meus avós, eu também vou conseguir!” Em nenhum momento eu pensei no pai dele, por incrível que pareça, né, passa “ai, o pai dele, vou pedir ajuda ao pai dele”. Foi uma coisa que eu praticamente risquei, automaticamente, por pouco que eu conhecia ele. Porque assim que a gente suspeitou da gravidez, passou umas duas semanas, desceu pra mim. E eu falei assim “ó, desceu, eu não to grávida!” Nesse mesmo dia ele terminou comigo. Então, ali pra mim foi quando eu realmente conheci ele. Então eu falei: “tá bom! Acabou, acabou! Beleza!” Foi quando eu descobri que eu tava grávida. Aí, eu falei: “ah, tô grávida, tal” Ele não teve nenhuma reação, nem positiva, nem negativa, nem nada. “Ótimo!” “Então, vai ser eu e o meu filho!” E era enfrentar olhares, era enfrentar comentários da família, de pessoas de fora, mas pra mim nunca importou, nunca me incomodou. Então, sempre me importou o que a minha mãe e o que a minha avó falava pra mim. Eu nunca tive receio das pessoas falarem, ou olharem pra mim. Porque olham, sim, olham. Te condenam. Por você ser uma pessoa jovem e estar grávida. “Ah, você ta vendo? Uma vadia!” / “Você não tem mãe” / “Então, essa criança vai ser o que? Uma criança jogada? Não vai ser cuidada?” Realmente, você não ta preparada, mas hoje eu sei que não importa a idade que você tem. Filho não vem com manual. Não interessa se você tem dezesseis anos, se você tem vinte anos, se você tem trinta anos, se você tem quarenta anos. Os perrengues de criar um filho é o mesmo. Lógico, com dezesseis anos é muito mais sofrido porque você não tem só que cuidar do seu filho, você tem um futuro pra você cuidar também, né. Você tem a sua perspectiva de vida pra cuidar lá na frente, você ainda ta iniciando ali, você tem muita coisa ainda pra aprender. Isso te atrasa um pouco a vida, você ser mãe jovem. Mas se você tem um apoio da sua família isso pode ser uma coisa muito mais leve. É isso!
[00:18:50]
P/1 – E aí, como seguiu a sua vida? Você tava cuidando da sua avó? Do bebê? Quanto tempo durou esse...?
[00:19:00]
R – ...esse tramite, né? Quando a minha avó teve o derrame, foi um susto, porque ela era o alicerce da família, ela era a renda da família, minha mãe ainda tava procurando um emprego mais fixo, ela tava trabalhando temporariamente e a gente dependia 100% dela, né. E então, pegou a gente de surpresa de várias formas. Ainda mais você se encontrar na situação de cuidar de uma pessoa acamada que você não tem conhecimento, ninguém te explica direito como é que faz. Trocar uma fralda, levantar uma pessoa, dar banho, dar alimento. Então, a gente passou por várias etapas aí, de cuidar dela e cuidar do Gabriel. A minha mãe, como eu disse, ela precisava trabalhar, ela precisava ir atrás das coisas da minha avó, dos cuidados médicos dela também, porque a gente não tinha condições de pagar um convênio, era tudo SUS, então, ela tinha que correr atrás de trabalho e correr atrás das coisas da minha avó. E eu ficava em casa. Eu cuidava da casa, fazia alimento pros dois, dava de mamar. O Gabriel mamou até os três anos. E tinha que cuidar da minha avó. E pegar peso, era 80 kg que tinha que levantar, todos os dias, várias vezes ao dia. Tive que aprender a falar com ela, porque ela não falava muita coisa, ela só falava “nu e nu e não”, era só a única coisa que ela falava. Por causa do tipo de derrame que ela teve, então, ela não ficava em pé, ela não andava, ela teve que aprender a se alimentar, eu tive que estimular isso também. Foi quando eu comecei a ficar doente, né, porque eu tinha dores no corpo, por conta disso, desse excesso de peso e eu ainda dava de mamar e não me alimentava da forma adequada, porque era um dia muito corrido. Aí veio a anemia, veio febre muscular, que eu tive, fiquei três dias em cima de uma cama, só com febre por conta dos músculos, estavam todos inflamados, mas não tinha jeito, né, eu tinha que cuidar deles, eles precisavam de mim. Eles eram totalmente dependentes de mim. Quando passou três anos, depois de dois derrames, minha avó teve o terceiro e foi quando realmente ela entrou em estado vegetativo e passou uma semana e ela morreu. Aí, a gente entra numa outra onda de “e agora, né?”, porque o que eu aprendi foi aquilo, foi tão pouco tempo, mas eu aprendi muita coisa, né. Eu praticamente não sabia viver... o que que fazer, o que procurar de emprego, fazer uma entrevista “o que eu vou fazer? Vou estudar?” Que eu tive que parar de estudar pra cuidar dela também, então foi “e agora?” Aí, foi complicado, mas faria tudo de novo pela minha avó.
[00:22:08]
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, eu queria saber como é que foi o dia do seu parto, se você puder dar detalhes.
[00:22:16]
R – Sim, nossa! Olha, o dia do meu parto foi assim: eu não tive nenhuma contração, eu tinha 41 semanas, aquele dia já estavam completos, não tive contração, não tive dor, não tive nada. Cheguei no hospital 10 horas da manhã, o médico me examinou “olha, você tem três dedos de dilatação, então eu vou te internar!” / “Tá bom! Então, tá bom!” / “Você tá sentindo alguma coisa?” / “Não, doutor, não tô sentindo nada!” / “O bebê tá bem, tá escutando o coraçãozinho dele, mas eu vou te internar com 41 semanas e provavelmente de hoje pra amanhã ele nasce.” Ok, subi pra sala de pré-parto. Tive ele no hospital de Barueri, hospital público de lá. Porque o de Carapicuíba tava tendo um surto de super bactéria e o hospital, a ala maternidade estava fechada. Só se você tivesse com o bebê, literalmente, saindo que eles te atendiam. Fui pra Barueri. E depois desse atendimento, fui pra sala de pré-parto, onde eu fiquei lá até três e meia da tarde sem sentir nada, já tinha tomado duas bolsas de soro, o médico veio estourar a minha bolsa, pra induzir o parto, já tinha passado um monte de ‘muié’ lá, tudo, chegavam já iam embora tudo parida e eu lá, sem sentir nada. “Meu deus do céu, o que que tá acontecendo?” “Vamos pra ultrassom pra ver o que que tá acontecendo, o bebê ta virado, vamos ver o que tá acontecendo” Nada! Tava tudo bem, o bebê tava encaixadinho, inclusive, ele estava dormindo, porque deu pra ver bem bonitinho ele dormindo. E chacoalha, e sacode, e buzina e nada, o bonito não queria nascer não. “Então, mãe...” o melhor, foi o que eu escutei do médico, o porquê da minha cesárea, tinha que fazer cesárea: “você está há muito tempo tomando o leito, então, nós vamos fazer o seu parto de cesariana porque eu não tenho espaço pra colocar você em um parto pra tentar esperar esse neném nascer, porque não era nem pra você estar aqui, porque você já está com oito dedos de dilatação, não termina de dilatar e a gente não tem tempo pra isso” / “Tá bom! Vou fazer o que? Vou levantar e sair andando? Não dá, né?!” Tava com a bolsa estourada. Aí fiz uma cesariana. E foi uma coisa de dez minutos. Foi horrível aquela sensação de ficar puxando o bebê pra cima e pra baixo, dentro de mim, mas é... fui sozinha, não tive acompanhamento, porque eles falaram pra mim que parto cesárea não podia ter acompanhante. Morrendo de medo. Eu não sabia de nada do que tava me esperando. E falaram tão mal da cesárea que eu fiquei bem assustada, mas graças a Deus, não tive problema nenhum. Mas foi isso. O que me deixou triste, foi isso, de saber que, poxa, não teve uma conversa ali, que “Você tá ocupando um leito, então, a gente vai te fazer uma cesariana pra poder te dispensar logo.” Foi, eu me senti isso.
[00:25:35]
P/1 – Eu queria que você me falasse um pouco com era sua relação com a autoestima, depois do seu filho.
[00:25:48]
R – Bom, eu tive muita estria, muita estria, não engordei muito com a gestação dele, foram 13 kg, peso normal, mas óbvio, né. Eu tinha muito leite, muito leite, então, onde ele tava mamava, então mesmo depois de um ano, que eu já tinha voltado pro meu peso, eu tinha uma barriga toda cheia de estrias, eu tinha os seios caídos, bem murchos mesmo, que ele mamava muito, eu dava muito leite, então, foi uma pele que esticou muito e caiu, então, eu tinha uma insegurança sim. Tanto que meu primeiro relacionamento, depois dele, ele tinha dois anos, porque eu morria de vergonha de ser tocada, de ser olhada, de tirar a roupa, ou qualquer coisa, porque eu já pensava “imagina, eu vou namorar, o rapaz vai querer, né, tocar alguma coisa, meu Deus, não quero, nessa barriga horrível cheia de estrias, esses peitos lá embaixo” E você com dezessete, dezoito anos, você se ver assim, você fica meio chocada, porque suas amigas estão tudo ali com o corpinho bonitinho e você já não tá ali naquela vibe, né. Vou te dar uma... eu tinha uma insegurança muito grande com o meu corpo.
[00:27:12]
P/1 – E nessa época, tinha algum programa que você fazia pra se divertir? Sei que sua rotina era pesada, mas você conseguia conciliar com prazer? Algum hobby?
[00:27:26]
R – O que eu tinha, assim, era o hobby que eu tinha foi quando eu fiz dezessete anos, eu conheci uma matinê, que era do pessoal dos catorze aos dezoito anos, que tinha em São Caetano, que minha prima ia a cada quinze dias. Como era durante o dia, minha mãe deixava eu ir (risos) então a gente ia, meu tio levava a gente e buscava, era a minha diversão. De poder ir pra matinê e dançar e conversar, porque minhas amizades eram só amizades que eram através da minha prima, né. Porque ela ia junto, então, a gente fazia amizade, então era a minha diversão era essa matinê, que eu mais gostava de fazer. Em casa era assistir um filme, era ter aqueles momentos meu de poder sentar, comer gostosinho, assistir uma sessão da tarde, assistir uma novela, em casa essa era a minha diversão.
[00:28:29]
P/1 – Agora, voltando para aquele momento que a sua avó faleceu, queria que você me contasse como sua vida continuou a partir dali, o que você fez, me conta um pouquinho dessa época.
[00:28:40]
R – Bom, ela faleceu em setembro, então, eu tive que voltar no outro ano a ter uma vida normal, né. Mas é estranho, porque você volta pra vida normal, mas o seu normal era outro, então, você tem que se modificar ali em tudo. Então, eu me matriculei no noturno, comecei a procurar emprego, mas tinha a questão do Gabriel: “quem vai ficar com o Gabriel?” Nesse meio tempo eu já tinha entrado com pensão, com o pai dele, porque o pai dele é realmente um cara que nunca quis ser pai, foi a única coisa que eu exigi dele, ser pai, falei “não quero saber do dinheiro, seu dinheiro pra mim não vai fazer falta, tenho família, graças a Deus eu tenho família, mas seja pai, seja uma pessoa presente. Eu não tive um pai presente. Então, seja um pai presente.” Não quis. “Então, tá bom! Eu vou te dar uma pensão pra você lembrar que você tem filho!” Aí, eu entrei com um processo de pensão, porque eu tinha essa pensão que era pra minha mãe e eu, né. “E agora? Minha avó morreu e eu preciso trabalhar, porque eu preciso sustentar meu filho.” E a minha mãe me cobrava, né? “Vamos trabalhar! Vamos trabalhar! Que sua avó... agora não tem mais desculpa.” / “Então, ta bom, né?!” Comecei a trabalhar durante o dia e estudava a noite. Só que eu tinha que pagar uma pessoa pra ficar com o meu filho, porque minha mãe não queria ficar com ele. Minha mãe não quis me ajudar nesse sentido de ficar com ele, e ela queria... talvez seja até porque também, por mais que eu que ficasse em casa, por mais que eu quem cuidasse da minha avó, ela teve uma cobrança, né. De tudo, então, ela meio que se sentiu liberta e “ah, eu não vou” acho que ela quis curtir essa liberdade dela e não quis “ah, não! Agora você quem pariu o Mateus que balance.” Então, eu fui balançar Matheus, né. Mas só que, assim, ficou pesado, puxado, trabalhar e estudar a noite e cuidar de filho depois e todos os dias isso. Então, a escola pra mim virou mais uma válvula de escape nesse período do que ir pra estudar. Então muitas vezes eu ia, mas acabava não entrando. Pagava a moça pra ficar com meu filho, durante o dia ele ficava na escolinha e de noite ela buscava ele. Então eu ficava na escola conversando, trocando ideia, tendo aquilo que eu não tive nos últimos três anos, né. Perdendo tempo na verdade, mas talvez eu precisasse mais daquilo do que tá estudando. Mas depois eu realmente parei a escola, não estudei mais, porque eu não vou ficar perdendo meu tempo, nem pagando babá pra cuidar, ficar gastando dinheiro pra uma coisa que eu não to fazendo, né. Tô pagando pra estudar e não tô estudando. Bom, chega! Aí, eu comecei só a trabalhar. Só a trabalhar mesmo e ficava com ele. Aí, eu aprendi o que que era sair, o que que era ir pruma balada, o que que é se divertir. Então, eu comecei a gostar muito da coisa (risos), sair. Eu trabalhava a semana toda, chegava na sexta-feira eu já avisava a babá. Não era todo final de semana, mas alguns finais de semana falava “olha, eu vou deixar o Gabriel esse final de semana com você, porque eu vou trabalhar no sábado também. No domingo de manhã eu pego ele e no domingo à noite eu deixo ele aqui e na segunda a noite eu pego ele, tá bom?” / “Tá bom!” Era esse o nosso combinado. Então eu trabalhava na sexta-feira, ia pra balada, da balada eu já ia direto pro serviço, sábado, ia pra balada a noite, no sábado também, sem dormir, já ia direto pra pegar o Gabriel, passava o dia com o Gabriel, de noite eu deixava o Gabriel, ia pra balada de novo (risos), segunda-feira ia trabalhar e pegava ele de noite. Aí, eu ia dormir. E eu não bebia, o pessoal “não, você bebe, você toma energético”, eu, gente, eu nunca saí pra beber, porque eu morria de medo. Então, gente, era muito, a minha adrenalina era por simplesmente poder sair, poder conversar, extravasar tudo aquilo, porque em casa eu tinha uma relação muito conturbada com a minha mãe, por passar por tudo aquilo. Então, a minha adrenalina me deixava acordada o final de semana todo. E eu fiquei assim por um bom tempo, até eu conhecer o meu marido, eu conheci ele no serviço.
[00:34:04]
P/1 – Eu queria saber com que você trabalhava.
[00:34:08]
R – Eu trabalhava numa banca de jornal, dentro, na verdade, numa revistaria, dentro do Conjunto Nacional, na Paulista, mas o que eu fazia mesmo era fazer jogo do bicho, né, fazia jogo do bicho e era contratada como balconista, mas não era, né?! Forte mesmo era o jogo do bicho, ali era só uma fantasia aquela loja. E era todo de segunda a sábado. Inclusive, nesse serviço foi quando eu conheci meu marido e ele trabalhava na casa de câmbio que tinha do lado. Conheci ele ali e tal. A gente ficou algumas vezes, aí até a hora que eu engravidei. Inclusive eu fui até presa (risos) por contravenção, porque jogo do bicho é contravenção, não é crime. Aí eu fui até presa, mas graças a Deus, eu não fui algemada, mas a humilhação aconteceu. Tive que ir na delegacia assinar um monte de documentos e grávida.
[00:35:35]
P/1 – Me conta mais desse momento, desse dia que você foi presa.
[00:35:39]
R – Ai, gente. Meu patrão me fazia passar cada situação. Ó, eu... era assim, ele tinha duas lojas. Mas ali pro... eu entrei em 2007, ali entre 2007, final de 2008 ele montou uma loja, na Paulista mesmo, umas três quadras pra baixo, uma revistaria fantasma também. Ele pôs um monte de revista na garagem e chamou de revistaria, mas o ponto ali, na verdade, era pra fazer o jogo do bicho e eu ficava lá cuidando desse ponto. Era eu que abria e fechava aquele caixa e cuidava daquilo tudo. E tinha a delegacia ali na região e foram feitas algumas denúncias e tudo mais, pelos moradores ali do bairro, que tinha jogo do bicho e a polícia apareceu lá. Estava eu e uma amiga, uma colega de trabalho que tinha acabado de passar lá também, pra poder levar o caixa pro meu patrão conferir, porque ela ia subir, ela falou “vou passar lá e vou levar seu caixa.” Ela tinha acabado de chegar e a polícia encostou. Aí, a polícia encostou “Ah, tá tudo bem?” / “Tudo bem!” Só que essa minha amiga, ela é muito mais experiente no jogo do bicho, ela fazia quinze anos que ela trabalha com isso, né, eu tava ali há dois anos só e tava morrendo de medo do que que estava por vir. Aí, eles pegaram “olha, a gente recebeu a denúncia tal, tal, tal... E eu já tô vendo daqui que você tá com a maquininha. Que você tá com a tabelinha aí. Os canhotos do jogo do bicho, então não dá nem pra você negar nada.” E eu calava estava, calada fiquei e a minha amiga tomou a frente e falou assim “a gente não tá negando nada, você nem perguntou ainda e já tá falando que a gente tá negando, qual que é o problema?” / “O problema é que não pode e blá, blá, blá... Isso é crime e tal, tal, tal...” / “Isso não é crime, é contravenção! Que que vai ser feito agora?” / “Então vocês vão ser encaminhadas pra DP, a gente vai levar as provas e vocês vão responder.” E começou a fazer aquele terror psicológico, ela só olhou pra mim e falou “fica calma que eu já passei por isso.” (risos) “Tá bem! Ainda bem que você já passou por isso, porque eu tô aqui morrendo de medo.” Aí, a gente foi pra DP, ficamos lá... Aí, ahh... eles colocaram... eles não colocaram a gente na cela, porque as celas já tinham homens na cela, então eles colocaram a gente numa cadeirinha num cantinho que ficavam dentro de um recinto que ficavam as celas. Nós no cantinho, quietinhas, bem encostadinhas no cantinho na parede, morrendo de medo e os caras gritando lá, batendo na grade chamando alguém, dizendo que alguém tava passando mal e, nós quietinhas ficamos lá. Fomos chamadas, demos depoimento, tivemos que assinar documentos, tivemos que fazer teste de letra, que fazem você escrever seu nome milhares de vezes, na folha, pra comparar letra e tudo mais e ficamos lá, o dia inteiro. Saí de lá devia ser umas nove horas da noite. Acho que isso foi uma hora da tarde. Eu tava grávida, eu tava de três meses, passei mal, vomitei, fiquei tonta, desmaiei, aquele vexame todo, mas os policiais eles foram muito gentis. Foram lá, compraram lanche pra mim, trouxeram água, fizeram o que eles podiam ali por mim, pra me ajudar naquilo ali e foi questionado “porque você faz isso? Porque você não procura outro emprego? Porque que você não vai estudar?” / “Porque, gente, eu tenho um filho pequeno, tô dentro de uma situação, hoje é o que tá me sustentando é o que está pagando as minhas contas e pagando as fraldas do meu filho. Não é tão simples assim.” Eu falei assim: “Se o senhor tiver agora uma indicação pra um outro serviço, eu vou, mas a minha realidade hoje é essa. Então, tem coisas que a gente não escolhe, a gente abraça o que tem.” Então, foi isso. E voltei a trabalhar e continuei a trabalhar até o outro ano e tive filho, mas são situações, tem coisas que você não escolhe, né, você abraça o que tem.
[00:40:00]
P/1 – Entrando assim mais nas perguntas em relação à saúde, eu queria saber em que momento você começou a ganhar peso, como foi essa época? Se você puder dar detalhes, contar esse processo todo.
[00:40:13]
R – Tá! Bom, eu tive a minha filha, né?! Com vinte e um. Tomei na... tava só namorando o meu marido, quando a minha filha fez seis meses eu fui morar com ele. E morrendo de medo de engravidar de novo, né, o que eu fiz: tomei anticoncepcional injetável, contra a indicação do meu ginecologista, porque eu muito sem vergonha fui procurar outro ginecologista, porque eu falava “não, eu não quero mais menstruar.” Detesto menstruar, passo muito mal, tenho uma TPM terrível e o que me incomoda mais é a minha TPM, mesmo, que é muito assim, descontrolada. “Então eu não quero mais menstruar, não quero mais isso pra mim. Então eu vou tomar anticoncepcional. Eu quero injetável”, o doutor “não, porque você vai engordar” / “ah, mas vai ser só um pouquinho” / “vai engordar! Não vai tomar!” / “tá bom!”. Procurei outro. Ele me deu a receita e tomei. Em um mês eu engordei vinte quilos. Só com uma injeção. E são duas, não, são... é, você toma uma a cada três meses. Voltei na médica toda inchada “doutora, eu engordei vinte quilos. O que que é isso? Em um mês.” / “Ah, isso é tudo água. É normal, vai passar. Quando você tomar a segunda dose seu corpo vai se acostumar.” / “Tá bom.” Aí fiquei com aqueles vinte quilos. Tomei a segunda dose. Eu engordei mais dez. Então, eu estava se 65 kg e eu fui pra 95 kg, em quatro meses. Não quis tomar mais remédio, não tomei mais a outra dose. Obviamente a minha menstruação cessou, desde a primeira dose, porque aquilo ali é uma bomba e caiu como uma bomba pro meu organismo. Então, eu “Não, eu agora vou parar de tomar e eu vou emagrecer, né?! Provavelmente”, pensei eu. Não. Passei mais um ano, desse ano eu engordei mais dez quilos, eu fui pra 105 kg. E fiquei com 105 kg, depois abaixei num período pra 95 kg e fiquei com 95 kg. Fiquei dois anos e meio sem menstruar. Esses dois anos e meio sem menstruar eu tive muita acne, minhas unhas não ficavam compridas, nem um pouquinho, porque o mínimo que cresciam elas já quebravam, porque elas ficavam em camadas e muita queda de cabelo, muita queda de cabelo. Meu cabelo ficou ralo. Procurei um outro médico, aí ele me explicou “você entrou numa menopausa precoce, seu corpo entendeu dessa forma. Algumas mulheres tomam, não têm reações, outras param de menstruar e o corpo consegue prosseguir. Seu corpo não. Seu corpo entendeu que você entrou na menopausa. Então, é pele seca, boca seca, alteração de humor, é um calor, um calor e um calor e esfria, esfria e esfria. Igualzinho uma mulher na menopausa”. Porque, olha, como deve sofrer, Jesus! Porque é horrível. “E aí, doutor, o que que eu vou fazer? O que que eu faço?” / “Não tem o que fazer, tá dentro do seu corpo. Agora faz parte do seu corpo. Você vai ter que esperar o seu corpo responder sozinho” / “Ah, se eu tomar anticoncepcional, ou outra coisa?” / “Não! Mais bomba, mais hormônio? Você tá totalmente descompensada”. Minha filha tinha parado de mamar com três meses e eu ainda tinha colostro, porque eu ainda produzia leite por conta dessa bomba de hormônio que eu tomei. Então, eu fiquei inchada, muito inchada e depois esse inchaço virou gordura mesmo. E passou três anos, minha filha tinha três anos e eu estava lá lutando contra aquilo. Já tinha feito todos os exames hormonais. Meus exames já estavam praticamente todos normais, aí o medicou falou assim “não, agora você é obesa, você tá com grau de obesidade um e você vai ter que começar a cuidar da sua saúde, porque senão vai começar a vir problemas.” Eu, até então, eu não tinha, esteticamente, óbvio, né, que era um corpo que não me pertencia, eu era uma menina de 55 kg que foi pra 95 kg em um ano. E aquilo, eu chegava nos lugares, eu, literalmente, derrubava as coisas em volta, porque eu não tinha noção de espaço, eu não tinha noção do espaço que meu corpo tomava. Eu não tinha noção de roupa. Eu não conseguia acompanhar, porque eu comprava roupa e a roupa não servia. Ainda não tinha o plus size, só tinha os Extra G, Extra G, G, GG, Extra GGG. E aquelas roupas eram horríveis. E aquilo tudo pra mim parecia um bando de toalha cortada e eu achava horrível aquilo e eu fiquei totalmente deslocada, então, chegou um tempo que eu simplesmente parei de comprar roupa. Eu me via totalmente fora de mim. Assim, aquilo eu não entendia o que estava acontecendo. Foi muito cruel, né, porque você é cobrada, né, “nossa, você era tão magrinha! Nossa, o que que aconteceu com você? Nossa, você deu uma engordada, né?” Aí, você fala assim pra pessoa “eu sei! Tenho espelho em casa querida. Tenho noção.” E fora o marido, né. E esse marido, graças a Deus, nunca me cobrou nada. Ele nunca... Ele fazia piada, porque eu fazia piada, ele também fazia piada. Ele falava “vamos lutar sumô, nós dois”. Porque ele também tinha dado uma engordadinha, “então, vamos lutar sumô, nós dois”. Mas assim, ele nunca me cobrou, a gente nunca deixou de transar por isso, né, eu é quem apagava a luz, eu é quem não fazia certas coisas, porque eu me sentia insegura, tinha medo. Algumas coisas a gente acaba deixando de fazer, seu eu fizer “ai, meu deus, se eu fizer vou matar o cabra no meio. Não vou fazer isso não”. Então você vai fazendo outras coisas, dentro da sua limitação, né. Você vai ficando cada vez mais limitado, né. Corpo obeso, ele te limita sim! Muitas coisas. Eu tive... tentei lutar contra isso, eu fiz muita dieta, passei em muitos endocrinologistas, gastei com nutricionistas, fiz... tomei remédio que quase me deixou doida, literalmente falando, afetou muito psicologicamente esses remédios. Tive que parar de tomar. Academias. Entrei em academias, saí de academias, paguei anos de academia e só fiz dois meses. Sim, faço parte dessa estatística que sustenta academia mas nunca vai. E até mesmo porque você cria uma insegurança, né?! Aí, a academia dessa minha época, de obesidade, que eu mais fiquei foi a Curves. Foi uma academia só de mulheres. Porque, justamente, ser uma academia só de mulheres te traz um conforto, né?! Porque é uma coisa muito simples, te exercita, te estimula, mas não tem... você não se sente... intimidada com as outras pessoas. Porque você vai numa academia comum você sempre tem a impressão que as pessoas estão te olhando e te julgando “olha lá a gordinha. Mais uma vez pagando academia pra quê? Não vai vir! Saí daí, amiga, você não vai conseguir terminar essa academia”. Você sempre tem a sensação de que as pessoas estão te olhando e te julgando, né. E você vê aquelas meninas, aqueles rapazes todos malhados, todos ali tirando fotos, fazendo pose e tal, na frente do espelho e você fala assim “meu, eu nunca vou chegar lá. Eu não vou conseguir chegar lá”, né. Aí você começa a dizer que o professor não te dá atenção, que o professor te passa exercícios, mas você percebe que tem um pouco ali de má vontade. Quando ele vai falar com outro aluno, já é “ah, não sei o que...” Porque as pessoas acham que a gente não percebe, mas quando você tá do outro lado, acho que você percebe mais. Do que... do que quem está ali... o magro, eu acho. Porque a gente fica um pouco mais sensibilizado. Não sei mais o que falar eu fui falando (risos).
[00:49:57]
P/1 – É, não, foi ótimo. Foi ótimo, foi ótimo. A gente quer te ouvir mesmo. Eu queria saber, que eu fiquei curiosa, sobre esses remédios que você citou, que quase te enlouqueceram? Me conta mais sobre esses remédios
[00:50:13]
R – Foi assim, a minha mãe tinha uma amiga – sempre tem uma amiga, né – minha mãe chegou com uma amiga que tomava o remédio pra emagrecer e que tava dando super certo pra ela. “Tá bom” / “Olha, é uma clínica tá, é tudo certinho, é um endrocrinologista, né, tal, não sei o que... ele vai conversar com você, tá bom?” / “Então, tá bom.” Fui nessa clínica, paguei a consulta. Na primeira consulta o médico conversa com você muito básico e você já sai com a receita na mão. Eu “é, tá bom! Vou tomar!” É isso, eu acho que era... esses antaminas da vida, né, que tem aí, e mais um antidepressivo, porque um acelera e o antidepressivo segura a onda desses antaminas da vida. E eu tomava as dois. Eu estava com 90 kg, 95 kg, eu fui pra 75 kg em seis meses. Eu estava maravilhosa. Eu tava me sentindo a última bolacha do pacote – mentira que a última vem quebrada – tava me sentindo a primeira bolacha do pacote, maravilhosa, magra, as roupas cabiam, linda. Só que eu não tava vendo o que tava acontecendo a minha volta, eu não tava percebendo como eu tava. Eu só me dei conta quando o meu marido pegou as crianças, eu tava brigando por alguma coisa, não lembro o que, meu marido pôs a mão na frente das crianças, tirou as crianças assim e falou “amor, fica calma!”, ele falou bem assim “fica calma!” Tirou as crianças, protegendo as crianças. Foi quando aquilo me deu um estralo. Então, dáli eu continuei tomando remédio, mas eu comecei – eu tava ali com uns três, quatro meses, eu acho – eu comecei a perceber que eu tava muito agressiva. Então, o remédio ele me afetou nesse sentido, eu fiquei muito agressiva, mas eu já tava partindo, não só pro verbal, mas eu tava partindo pra físico, de ir pra cima mesmo, a ponto de querer ir pra cima dele, também, né. Aí eu comecei a perceber, perceber, eu falei assim “não, mas se... ah... eu vou emagrecer e depois vou parar de tomar remédio e vou manter isso, né” Aí, eu falei assim “mas eu preciso emagrecer mais.” Aí, quando eu fiz seis meses, que eu vi que eu tava ali bonitinha, e tal, eu vi meu... minha mãe me ligar e perguntar pra mim “tá tudo bem?” / “Tá!” / “Não, porque o Salvador me ligou e falou isso, isso, isso e isso”. Então, assim, eu parei de tomar remédio mesmo, porque se pro meu marido ligar pra minha mãe, pra falar que eu tava como eu tava, eu falei assim “não, realmente eu tava passando dos limites”. Mas eu não tava percebendo, eu juro que eu ficava cega. Pra mim, na minha cabeça, aquilo era só uma discussão, uma bronca, aí ele falava “não, Amor, você é uma pessoa estressada sim, você é surtadinha, mas você tava demais”, ele falou “eu tava realmente com medo, eu tava com medo de você, eu tava com medo de você me bater. Porque você chegava a levantar a cabeça e... ela vai me bater. Inclusive, das crianças, elas não podiam fazer nada e você já queria meter a mão nelas, por nada”. Então ele “Eu não queria te falar, eu tô vendo como você tá feliz de ter emagrecido, mas a esse preço?”, ele falou assim “você vai ficar doente. Você tá ficando, literalmente, totalmente descompensada”. Aí eu parei de tomar o remédio. Aí eu “não, não é esse o caminho que eu quero. Uma coisa não vale tanto assim”. Então, afeta muito a gente, esses remédios aí. Doidera.
[00:54:22]
P/1 – E o que aconteceu depois que você parou de tomar o remédio? Conta a partir daí.
[00:54:28]
R – Parei de tomar o remédio. Passou... com uns seis meses eu cheguei no 75... gente, eu acho que não se passou quatro meses, cinco meses, foi muito, eu já tinha ganhado mais do que a metade disso. No total dos seis meses eu já tinha arreganhado tudo o que eu perdi. Foi muito rápido. O reganho, o efeito rebote é muito rápido, tanto que, assim, eu não só engordei como eu fiquei muito inchada. Foi quando eu cheguei a 105 kg de novo. Mas eu fiquei pouco tempo e aí abaixou o peso, porque você ganha mais do que você perde, né, normalmente, com esses remédios. Mas assim, inclusive, até psicologicamente esses remédios... essa agressão que vinha de mim, também demorou um pouquinho pra dar uma estabilizada. Não foi assim, eu parei de tomar o remédio e fiquei paz e amor não. Demorou um pouquinho pra eu começar a me acalmar porque eu comecei a me policiar também, né. E falei assim pro meu marido “amor, as vezes me dá uma chamada. Ó, você tá... fica calma! Eu já sei que se você pedir pra eu ficar calma eu já tô exagerando.” Aí foi passando, mas demorou meses pra poder estabilizar essa parte, né. Mas, e o reganho, né? Aí, você vai engordando. Aí, você vai vendo que “puta, que porcaria que eu fiz com o meu corpo?” Aí parece que fica pior ainda, assim, quando você ganha tudo de novo, aquele peso. Aí foi... não, foi academia, nutricionista, re-educação, Dieta da Lua, Dieta do Khan, Dieta Lowcarb, dieta... o que fosse! Até simpatia eu fiz, amarrar o barbante e dormir com a barriga virada pra parede. Tentei, falei assim “gente, nóis tenta de tudo, tenta até simpatia”, né, tentei também... fiz de tudo, né, depois do remédio, mas pro remédio eu falei “não, pro remédio eu não volto mais!” E não consegui. Passei em vários médicos, fiz vários exames, até a hora que eu cansei. Cansei mesmo. E falei “agora eu vou ser garota plus size” Eu vou me aceitar. Porque tava bem nesse começo de corpo livre. Movimento Corpo Livre. Eu peguei o Corpo Livre no comecinho dele. “Então, eu vou me aceitar. Vou ser gordinha”, minha mãe também “não, vai ser gordinha então” / “Tá bom, vamos lá!” Aí, começou a lançar as roupas plus size e fomos lá comprar roupa plus size. E, realmente, tinha umas roupas muito bonitinhas, tal (já tinham melhorado nessa parte, né), e eu comecei a comprar roupa plus size. Mas, gente, não dá, quando é... então, eu tentei. Eu tentei aceitar o meu corpo como ele era. Eu tentei mentalizar que “não, olha, tá tudo bem! Você vai... você vai ser gordinha. Mas, você é linda gordinha”, eu falava isso pra mim, sabe. E foi, por um tempo, mas não durou, porque a saúde começou a me cobrar, né, estavam ali os meus nove anos... nove anos de obesidade. Foi quando eu comecei a ter pico de pressão alta, sentir dor nas costas, subia uma ladeira e não aguentava, uma coisa pequena eu já tava morrendo de falta de ar, aí eu pensei e falei “gente, tudo bem, você pode até ter o corpo que você quiser, é um direito seu, mas a minha saúde não tá aceitando isso da mesma forma que eu” (risos). E eu já... no fundo tentava pregar isso pra mim, o movimento livre, é o meu corpo, vou aceitar o meu corpo como ele é. Eu acho muito legal, mas no fundo, no fundo, era... na verdade eu tava mais era conformada do que aceitando aquilo, né. Quando a luz vermelha da saúde ali acendeu, eu falei “é, realmente, não é pra mim”. Então foi quando começou a desencadear problemas de saúde. “E vamos tentar tudo de novo. Vamos procurar tratamento”. E começa aquela saga... quando eu comecei a escutar a palavra ‘Balão Gástrico’, “vamos pro Balão gástrico? Vamos tentar pesquisar?” Gente, é um absurdo de caro aquilo. Compreendo que todo um custo aquilo ali, mas é muito caro. Pesquisei, pesquisei empréstimo, pesquisei várias coisas, mas eu falei assim “não, não vai dar pra mim, não!” Aí foi quando eu escutei a palavra ‘Bariátrica’. “Que que é Bariátrica?” Eu comecei a pesquisar um pouco mais, fiquei um pouco assustada, né, falei “ai, gente, será que vale tudo isso? Cortar o estômago”, né. Meu, falava assim “gente, tem que me mutilar, pra conseguir emagrecer?” Eu via a bariátrica dessa forma, a mutilação, né, mas eram dois pesos... eram dois pesos, duas medidas, porque, tipo, era minha saúde, era a minha autoestima que estava muito baixa, eu tinha... nossa, eu tava totalmente, de olhar assim... eu não queria nem ir mais à lugar nenhum, porque você ia por uma roupa, não achava. Eu só comprava roupa quando eu ia sair. “Vai ter um evento? Eu vou comprar uma roupa hoje, né, porque amanhã eu já nem sei se serve mais”. E pronto. Porque eu só comprava... e é cara. Roupa plus size é uma coisa muito cara. Então, eu comprava roupinhas, simples, estampada... eu nem uso mais estampado, eu tenho pavor, que eram tudo estampado as mais baratinhas e era o que tinha. E a doença ali gritando, porque eu comecei a ter dor nas costas, dor no quadril, eu tava com resistência à insulina, hipertensão, roncava muito, vivia cansada, vivia muito cansada, mesmo. Eu dormia, eu trabalhava a noite, eu já tinha mudado de profissão, já tava trabalhando no hospital como técnica de laboratório, eu já tinha me formado e, inclusive por ser da área da saúde, eu conhecia mais ainda os sintomas, eu já sabia as coisas que estavam por vir. Então, eu dormia doze horas por dia. Trabalhava doze horas e dormia doze horas. Acordava, me alimentava e dormia até o outro plantão, a minha vida era essa. Eu não saía, eu não tinha vida. Eu vivia cansada demais, era um cansaço excessivo. Eu falava com os médicos, eles falavam “ah, não, mas é porque você trabalha a noite, é assim mesmo, você vai se acostumar, é normal, não sei o que...” / “Tá bom!” Tudo era normal, é incrível, das duas coisas, ou é tudo normal, ou é porque você é gordo. Foi o que eu mais escutei. “Então, tá bom, vou me acostumar”. Fiquei dois anos trabalhando a noite, nesse tempo, né, até me acostumar. “E pressão alta? Vamos no cardiologista”. Eu tenho histórico familiar, minha mãe teve derrame, primeiro derrame com 32 anos, não teve sequelas nem nada, mas, né, meu tio é hipertenso, meus tios, minha avó (minha avó teve derrame), meu avô morreu de um aneurisma. Então assim, aneurisma não, desculpa, teve um infarto fulminante. Todo mundo é cardíaco. “Vamos procurar um médico. Deixa eu ver o que tá acontecendo aqui com esse coração. Com a minha pressão. Eu sou jovem ainda”, não tinha chegado nem nos 30, não... é, eu tinha 31, eu acho. “Poxa!” Picos de pressão alta, dor de cabeça, tudo que eu já tava sentindo, cansaço. “Vamos lá, né?!” / “Então, emagrece que passa” / “Não, doutora, ó, mas não vai pedir um exame?” / “Faz assim, faz esses exames, mas eu já estou te adiantando, tá? Só vai melhorar se você emagrecer” / “Tá bom.” / “Ó, eu tô com dor nas costas” / “É a barriga, emagrece que passa” Então, tudo, qualquer coisa, todos os meus problemas eram só isso o que os médicos falavam “emagrece que passa”. É... Eles não te dão uma escolha. E também não te diagnosticam, não sabem do que que está acontecendo, não querem saber o que que tá acontecendo, o que que é, não te explicam nada, é só isso. É a cura dos seus problemas “Emagrece que passa” / “É, tá bom, vamos lá! Vamos ver o que que vai fazer”.
Isso tudo na bariátrica, tentando entender o que que tava acontecendo, tava totalmente “não, não quero fazer isso, não quero fazer isso. É muito radical, é muito radical.” Mas mesmo assim eu tava estudando, pra entender como é que era. Aí, no dia que eu cheguei no pronto-socorro com arritmia, tava com uma arritmia tão acelerada, tava tão assim, eu estava com falta de ar e o meu peito tava doendo. Eu tava com medo. Foi a única vez que eu tava realmente com medo de morrer, por causa disso. O médico não pediu nenhum exame, no pronto-socorro, ele não pediu nenhum eletro, mesmo contando pra ele o meu histórico, “você é nova, isso não é nada não. Sabe o que que é isso? É que você trabalha a noite e tá esforçada e você tá muito gorda. Então, você tá se esforçando muito e com sobrepeso, mas isso não é nada não, tá tudo bem. Vou te dar um remedinho pra você tomar na veia, então você vai relaxar e você vai pra casa, tá? E, ó, mas você tem que procurar...” E me deu um encaminhamento de ir pra um nutricionista. Nossa, eu quase que falei pra ele “nossa, doutor, obrigado! Eu nunca fui num nutricionista, eu nem sabia que existia, né?” Fui, tomei o medicamento, eu disse “eu vou tomar alguma coisa, eu tenho que tomar alguma coisa!” Mas eu fiquei horrorizada, “gente, como assim? Você não pede um eletro pra um paciente com dor no peito, com arritmia cardíaca, pelo amor de Deus, gente, é o mínimo, sabe?” Depois que você entra na área da saúde você fica pior ainda. Aí eu peguei, tomei o medicamento, realmente melhorei, me acalmou, nem lembro o que que era o remédio, né. Fui pra casa, daí aquilo lá falou “realmente, se eu não fizer alguma coisa, eu vou morrer por ser gorda”. Meu atestado de óbito vai estar lá: ‘morreu porque era gorda’. Porque você não tem um atendimento digno, sabe, simplesmente porque você é gorda. Então eu peguei e falei “não, chega! Eu vou ver o que é esse negócio”. Entrei em planejamentos, que eles fazem palestras, né, os planos de saúde exigiam palestras. Era pra você fazer a bariátrica. Fiz todas as palestras que tinha que fazer, comecei a me aprofundar no assunto sobre isso, pra entender realmente o que era. Ver os prós e os contras, seguir os casos de pessoas que morreram. Seguir casos de pessoas que tiveram sequelas, que ficaram bem, que ficaram ruim, se arrependeram, estavam felizes, como ficou depois. Eu mesma comecei a seguir todos os casos porque eu queria ver essa bariátrica de todos os ângulos. Não queria é... justamente porque eu era totalmente... não sei se era contra, mas eu achava aquilo tão radical que eu quero ver tudo. Assisti no Youtube como era feita a cirurgia. “Eu quero ver como é feito isso aí”. Aí descobri as técnicas que existiam e tudo mais. Profissionais que eram contra, que eram a favor. Fiz uma pesquisa mesmo. E que falei assim “eu quero fazer, é isso que eu quero!” Entendi o que era, agora eu disse “eu vou buscar a minha cura”, né (minha cura entre aspas, né). E eu fiz o programa, fiz todo o programa. Não deu certo. Porque era muito burocrático. Gente, é muito burocrático esse negócio de bariátrica, mesmo por plano de saúde. Então eu tive a indicação de uma clínica que o meu plano cobria e eu fui pra essa clínica, que é uma clínica que eu adoro muito, tem toda uma equipe disciplinar, que nossas ideias batem, né, todos os meus nutricionistas, meus psicólogos, meu cirurgião, me explicaram tudo, me abraçaram e a gente se entendeu. E eu fiz, né. Contra a vontade do meu marido, contra a vontade da minha mãe, porque eles tinham medo, muito medo, né, dessa cirurgia, porque eles só escutavam coisas ruins, como eu também escutei, muita coisa ruim. Não contei tão cedo, todo o processo que eu tava passando quando eu tava mais certa da onde eu iria fazer, como que seria a clínica, foi quando eu realmente contei pra eles. Sentei com eles, expliquei tudo o que eu sabia, contei os prós e os contra, o que que poderia acontecer e o que é realmente, o que vai ser da minha vida, o que seria da minha vida dali em diante e falei pra eles “vocês podem até não ser a favor, mas eu vou fazer do mesmo jeito. Porque eu preciso fazer alguma coisa. Preciso tomar uma atitude, preciso tomar as rédeas da minha vida, porque eu não consigo controlar nem a minha saúde, né? Porque hoje eu peço socorro à algum médico no pronto-socorro e não sou escutada. Cansei. Você já não tem o controle... você já não escolhe a roupa quer, é a roupa quem te escolhe, é o que tem. Vai falar com alguém: ‘emagrece!’ Você vai procurar uma entrevista de emprego, o pessoal já te olha assim já”, né. É tudo, tudo é um julgamento, né, o ambiente que você tá, o lugar que você vai passar, aonde você vai sentar, sabe, eu tava ficando maior, tava engordando, “gente! Onde eu vou parar? Não vai dar!” O meu corpo já não aguentava mais, meu psicológico não aguentava mais, aí foi quando eu: “agora, acabou. Agora, eu vou entrar na faca”. Ai, falei muito (risos). Vocês querem falar alguma coisa?
[01:10:01]
P/1 – Você falou o necessário. Tá maravilhoso. Pode continuar, não tem problema. Aí você entrou na faca, pode continuar a partir daí. Como é que foi?
[01:10:11]
R – Tá. Eu fiz a minha cirurgia dia 19 de novembro de 2019. Esse mês de novembro vai fazer um ano. Eu tava com 99 kg. Eu já tinha passado com toda a equipe do nutricionista, cardiologista, tava com todos os laudos, com todos os meus médicos, todos liberados, todos pra fazer a cirurgia, né, e tava preparada psicologicamente do que tava por vir, que eu acho que é o essencial, né, pra qualquer coisa que você for fazer a questão do problema psicológico tem que estar pronto. Então, saí da cirurgia, tava mega feliz. Na época que tinha acontecido, de estar operada, e vamos pro copinho, ô meu Deus do céu, que fez a bariátrica conhece que é o copinho de café, a dieta líquida, que é líquida mesmo, é só... é legumes com carne cozinha aquele caldo, você bebe aquilo peneirado duas vezes. A gente chama de água suja, a gente brinca de água suja, né, você não pega nada dos legumes, nada é só a água que é cozida com aquilo que você vai tomar peneirada, não pode ter um fiapinho de nada. Gelatina, Gatorade é aquela coisa. Toda feliz com a minha roupa. Eu toda feliz com a minha dieta, até dar sete dias e desenvolver uma úlcera, comecei a ter um problema com úlcera, mas até então sabia que era aquilo que tava me causando problema, não conseguia tomar água, não conseguia tomar as coisa, né, da dieta, e me senti fraca. Comecei a sentir muita fraqueza, meu retorno era com quinze dias. Meu marido “não amor, deve ser normal, fica tranquila, vai tomando o que dá”. Mandei e-mail pra nutricionista, eu falei pra ela que o caldo salgado não descia, daí ela falou é normal ter rejeição porque enjoa, tal, tal, tal, “ah, então deve ser isso né? deve ser só uma rejeição mesmo, toma mais umas outras coisas mas não deixa de tomar o caldo” / “Tá bom”. Quando cheguei no médico em quinze dias, quase matei ele do coração porque cheguei lá pálida, eu já tinha perdido quinze quilos, a meta de quinze quilos era para um mês. Eu perdi quinze quilos em quinze dias. Estava pálida, minha pressão era 10/6, desmaiei, eu não ficava acordada, ficava só desmaiada, só conseguia ficar acordada se eu tivesse deitada, se eu sentasse eu apagava, porque foi a única vez que eu saí de casa, porque até então em casa eu ficava só deitada, né, e... muitas dores porque como eu tava fraca, eu não caminhava e você tem que caminhar muito para eliminar os gases então eu estava com o abdômen distendido, com dor dos gases (eu nunca tive dor da cirurgia) e fraca, debilitada, a arritmia cardíaca a 140 porque eu estava desnutrida, desidratada. Um susto tremendo. Corre pra fazer endoscopia pra ver que aconteceu e tinha lá uma bonita de uma ulcera que tava bem grande, bem em cima do corte da cirurgia e é muito raro acontecer isso porque, tanto que esse meu médico faz vinte anos que faz cirurgia bariátrica e nunca viu um caso igual ao meu porque as ulceras normalmente quando aparecem são pequenas e só aparecem a partir dos três meses que é uma adaptação do corpo, mas no meu caso ele falou “olha, você é um alecrim dourado, deu errado aí mas vamos reverter esse quadro aí”. Fiz todo o protocolo que ele me passou de medicamentos, deu tudo certo, fiquei bem, mas foi um susto. E eu tinha... eu passei inclusive na minha psicóloga depois disso e ela me perguntou “e aí?”, que ela me viu um dia na clínica que ela não me atendeu porque não tinha condições né, e, “e ai? Como é que foi pra você, esse susto, porque... poxa, faz essa cirurgia e passa um susto desse?” Aí foi que eu falei
graças a Deus eu estudei bastante, tudo bem, você nunca tá preparado assim, cem por cento, mas eu fiquei tranquila porque eu vi a preocupação do médico, eu vi toda a equipe preocupada, eu vi todo o atendimento que me foi feito, eu segui o protocolo depois disso e... mas eu não... não me abalou porque eu sabia que era um risco que poderia ser aquilo, que poderia ser tanto tantas outras coisas até mais graves pode acontecer e é uma loteria, não tem jeito, qualquer cirurgia é, a pós também. Mas... foi tudo bem, primeiro mês, não, os primeiros vintes dias. Aí fomos pra um rodízio de pizza. Eu comendo papinha, como era final de ano, “vamo fazer confraternização né?” / “ah, vamo lá”, já tava liberada para andar e tudo mais, eu tava com uma dieta mais restrita ainda por causa da úlcera. Gente, eu... a minha vontade era de chorar porque todo mundo comia e eu não. Então são picos que você acha que você tá cem por cento preparada mas você não tá, você tá debilitada ainda, você vem de uma cirurgia, seu corpo ainda tá sofrendo aquele impacto. Eu fiz um método que se chama By Pass que além de você fazer o corte do estômago você faz o desvio do intestino. Então eu tenho meus dois estômagos, o pequenininho que por onde eu faço a digestão (quer dizer, a digestão não, que eu como), e o outro (o resto do meu estômago) que tá ali também ainda fazendo produção de suco gástrico e vai tudo pro intestino. Então, né, eu mexi muito mais, eu fiz duas mudanças morfológicas né, então o corpo ta completamente sentindo isso, né. Aí que acontece, você fica chorona, você fica deprimida. Você chora de arrependimento, “que que eu fiz da minha vida meu Deus do céu, nunca mais vou comer, ah, por que fiz isso?”... é tudo um período, é normal, acontece, não tem como, né. É que nem quando você vai fazer certas coisas, você acha que tá preparada e acontece alguma coisa e te assusta, né. Mas eu fiquei... depois disso fui me recuperando, fui fazendo uma dieta (que tem protocolo de dieta, né), e fui emagrecendo, reganhei peso no começo porque eu perdi muito peso muito rápido. Tive um reganho normal também porque eu tava desnutrida e desidratada, não tinha emagrecido, né. Recuperei o que perdi, depois continuei emagrecendo e aí voltei a trabalhar. Aí é quando
você começa a se sentir o máximo, né? “Nossa, como você tá lida, como você emagreceu, como seu rosto afinou”, né. Daí você começa ver as roupas mais largas, pouca coisa, mas já é o suficiente, né, sua autoestima sobe, você se sente mais bonita, se sente mais confiante, né. E você fica... engraçado que assim, apesar que a gente tem um prazer em comer, mas só de comer um pouquinho eu ficava satisfeita, me deixava muito feliz. “Nossa, vou comer só um pouquinho, vou ficar satisfeita”. Porque quando você é gordo e come, é engraçado, que você come com prazer, né, você tem aquele prazer e você daqui a pouco está com fome de novo. Aí você... é engraçado, eu não sei, eu já escutei isso de outras mulheres, pessoas gordas também, né, mas eu tinha isso, você está comendo mas você tá assim “vai trouxa, come, come bastante... por isso você tá gorda”. Porque você escuta isso das outras pessoas, mas não é só eu não, outras pessoas obesas que passam por isso de comer e se autojulgar enquanto come, aí aquilo te leva a comer mais. Então quando você faz a redução de estômago e você come só um pouquinho, te traz uma satisfação muito estranha porque você fala “ai que bom, eu vou comer só isso e eu vou ficar satisfeita”, porque você não sente fome, normalmente até os seis primeiros meses você não sente fome nenhuma, você tem que se policiar pra comer porque senão você não come e o pouquinho que eu comia eu já ficava cheia, mesmo sem estar com fome, era fantástico aquilo para mim, né. E a roupa emagrecendo e a pele ficando melhor. Coloquei o DIU, porque... para evitar anemia, porque como a gente não faz absorção dos alimentos cem por cento, o ideal é você colocar o DIU pra você evitar sangramento, evitar a perca de ferro do pouco que você já tem, porque a gente não absorve pelo alimento. E evitar de suprir, porque a gente já supre com várias outras vitaminas, tanto com suplemento de WheyProtein porque você não absorve proteína, você não absorve certas vitaminas e o ferro é um deles, então você... eu faço essa reposição de vitaminas, de proteína, se vejo que foi um dia que eu não comi muita proteína eu tenho um whey ali pronto pra mim, e o DIU que vai diminuir bastante minha menstruação, vai controlar o fluxo ou até cessar, seria o ideal – ah, se eu conhecesse o DIU antigamente e tivesse... eu não conhecia, tô falando... a gente acha que tem informação mas não tem – vai diminuindo o meu sangramento, então vai preservando o estoque de ferro que eu tenho porque eu já não absorvo tanto, né, da alimentação. Então você vai aprendendo que nesse mundo bariátrico você tem todas essas coisas, né. E a qualidade de vida também, né... você tem não só isso, uma autoestima que melhora, lógico, você tem um corpo que todo mundo te soca na cabeça que é padrão, querendo ou não tá lá no seu subconsciente que o magro é padrão, né, só que quando você entra nesse mundo bariátrico infelizmente tem aquelas abelhinhas que você não sabe o que estão fazendo ali perdidas, mas tem muita gente que entendeu que você tem um ganho de vida. A minha hérnia de disco, que eu tenho da obesidade, ela continua aqui, ela continua doendo, não foi porque eu emagreci que ela se curou, minha degeneração do quadril ela continua aqui, tem que continuar cuidando. Não foi porque eu emagreci que ela também se curou. Picos de arritmia cardíaca? Insuficiência cardíaca? Picos de pressão alta? Eu continuo tendo, porque: são coisas que a obesidade me trouxe e que não vão ser curadas simplesmente pelo fato que eu emagreci, pelo fato de os médicos falarem “emagrece que passa”. Não, não passa. Não é assim que funciona, né. Se eu tivesse sido tratada da forma correta, talvez hoje, realmente, teria se cessado isso, eu não teria tido esses problemas. Apnéia do sono (era o que me deixava muito cansada), que eu descobri que eu tinha era apnéia do sono que me deixava extremamente cansada quando eu dormia 36 horas, praticamente eu não tenho mais. Essa realmente foi curada. Em uma semana de bariátrica, eu não tive mais apnéia do sono, o ronco, inclusive, eu nem incomodei tanto, mas depois meu marido me cutucava, me chacoalhava, porque achava que eu tinha morrido, porque ele falava “meu Deus, Natalie, você não ronca, você não respira”. Ele fazia, ele dizia “eu ponho a mão assim pra ver se você está respirando”. Ele me chacoalhava mesmo: “que que é?” / “Eu achei que você tinha morrido. Porque você não respira”. Bom, porque tava acostumado comigo roncando, realmente. Agora eu durmo. Eu posso dormir 1 hora da manhã que eu acordo às 6 horas da manhã bem, e tranquila e descansada. Então eu tenho qualidade de vida. Hoje eu consigo caminhar por horas de salto, coisa que eu não conseguia, porque minhas pernas doíam muito. Eu consigo fazer esportes, né, fazer uma academia, ir pra academia, voltar pra uma vida ativa, que a obesidade me tirou isso, porque eu tinha insegurança com o meu corpo, né. Hoje eu coloco uma roupa de academia e vou limpa e bela. Apesar de eu, sim, ter minha estrias, eu tenho sobra de pele no abdômen, eu tenho sobra de pele no seio, porque eu tinha um seio enorme. Ficou só a pele. E da barriga também. Mas hoje se eu tiver que ir pra academia eu ficar com calor e eu estiver com um top, meia calça, ou shorts, eu tiro a camiseta. Não tenho problema nenhum de mostrar a pele da minha barriga, as estrias, sabe?! Hoje, ela me trouxe uma confiança, né, ela me trouxe... agora sim eu aceito o meu corpo. Ele do jeito que ele está. Mesmo ele todo murchinho, todo cheio de sobra, todo mole, eu aceito o jeito que ele tá. E isso trouxe pra mim uma autoconfiança no casamento, de posição no trabalho, com os colegas, de forma de me expressar, N coisas, que me trouxe esse emagrecimento, né. E é cuidar. Agora é cuidar da parte física. Eu faço tratamento psicológico sim, porque por mais que eu esteja falando tudo isso é muito louco o psicológico, ele não acompanha o emagrecimento. A bariátrica te traz um emagrecimento muito mais rápido do que seu psicológico consegue acompanhar. Então, tem muita distorção de imagem, eu tenho ainda distorção de imagem. Eu estava vendo fotos do meu celular, aí quando você vai lá no arquivo de fotos, às vezes ele sobe uma fotinho sua por causa do rosto, aí eu me assustei porque eu vi uma moça, eu: “nossa, mas quem é essa moça? Sou eu”, eu não me reconheci na foto (risos). Porque na imagem de cima eu tava vendo fotos antigas, gordinha, a de baixo que subi era a do meu rosto magro, eu não reconheci na hora, então é muito louco, eu ainda dou uma olhada no espelho assim, vejo foto e ainda fico meio “nossa, né?, que estranho né?”, o pessoal “nossa, você está magra”. Eu sei que eu estou magra, eu me sinto magra, eu sei, eu vejo pela roupa, foi o meu primeiro 36 que tô vestindo, então, sabe, Pra quem usou 60 a vida toda, quer dizer, 10 anos usando 60, sutiã, roupa... tudo assim muito pequeno ainda tem coisa que eu compro pra minha filha as vezes eu até experimento em mim. Mas assim, é muito legal mas ao mesmo tempo é muito confuso, né, te traz uma coisa muito louca isso, essa mudança de corpo, mas tem... é acompanhamento psicológico que me ajuda, é alimentação, não é festa, tem que se cuidar sim porque sim eu posso engordar tão rápido da mesma forma como eu emagreci, porque isso aqui é só um trampolim, é só um método, não é milagre, não é pra vida inteira... é... quer dizer, não é pra vida inteira porque hoje o meu metabolismo trabalha a mil por hora mas meu corpo ele vai se estabilizar, ele vai ficar normal, eu vou ter um organismo normal. Quando isso acontecer, chamam de lua de mel, são dois anos de lua de mel, quando isso acontecer vai ser eu por eu. Aí sim, vai ser aquela... tomar muito cuidado, então nesse período de dois anos eu to aprendendo, to tendo um tempo de me reeducar, né, pra mim aprender a não vacilar lá na frente. É agora que tenho que aprender, eu tenho dois anos pra aprender pra manter isso, porque se eu não tiver cuidado, sim, eu vou engordar tudo de novo e eu não quero. Eu não quero voltar pra atrás, não quero olhar pra atrás, eu não quero caminhar pra trás, eu quero ir pra frente. Agora eu já to pensando mais pra frente, no meu silicone (risos) na minha reparadora da barriga, é o que eu quero... E melhorar, né, melhorar minha imagem comigo mesma, não é com os outros é comigo mesma.
[01:27:30]
P/1 – A Lila fez uma pergunta, ela quer saber como é que você faz pra cuidar do desgaste do quadril e da sua hérnia hoje em dia?
[01:27:39]
R – Olha, a minha hérnia ela tava com início de bico de papagaio também, em quatro vértebras, e eu fiz fisioterapia, RPG e acupuntura, tanto pra hérnia tanto pra quadril por conta dessa degeneração. Fiz tudo isso antes da bariátrica, fiz tratamento antes da bariátrica que foi dentro desse processo que eu descobri que que eu tinha né. Eu fui fazer vários exames pra saber que que eu tinha usado, que que a obesidade tava causando no meu corpo, né, antes de fazer cirurgia, então eu já tinha iniciado o tratamento de RPG, fisioterapia e a acupuntura. Melhorou bastante, tive que tomar anti-inflamatório, tive que tomar antibiótico... Antibiótico não, anti-inflamatório remédio pra relaxante muscular, essas coisas. E hoje em dia eu não preciso mais fazer porque eu voltei no ortopedista depois que eu fiz a cirurgia, depois de um bom tempo que eu fiz a cirurgia, voltei, falei “olha, doutor, eu ainda sinto dores, eu ainda sinto meu quadril (as vezes dá uma falhada) e a coluna”, aí ele falou assim “olha, vamos fazer o raio-X pelo menos pra ver se tá tudo bem. A Ressonância não vai precisar fazer, se eu ver alguma coisa aí a gente faz a ressonância”. Fiz o raio-X, ele falou assim “ó, tá igual, estabilizou... essa dor vai ser pro resto da sua vida, a lesão ela não vai retroceder, ela vai ficar ali. Como você perdeu bastante peso, isso vai sim melhorar porque você não tem sobrecarga em cima disso, mas a degeneração foi sim acelerada por causa do sobrepeso, mas agora que você perdeu peso ela vai se prosseguir normal porque isso é uma coisa que todo mundo tem”, tipo assim, vai degenerando naturalmente, eu antecedi esse processo por causa do sobrepeso, né. Eu tomo... no momento eu tomo só um colágeno mesmo, né. Tem uns que dizem que adianta, outros não, pelo sim, pelo não, eu tomo. E eu passei no ortopedista pra saber se eu poderia fazer os exercícios físicos, porque eu tava treinando bem pesado, tava fazendo musculação puxando uns ferros bem pesados, pra ganhar massa que é uma coisa que a gente perde muito. Então, ele me liberou, na época era só fazer os exercícios certos. “Mas tá liberada. Não tem problema nenhum que tá tudo estabilizado agora. Mas a dor vai ser inevitável, isso vai te acompanhar pro resto da vida. Então, é um relaxante muscular, com uma compressinha de gelo em cima e só. Não tem o que fazer muito mais”.
[01:30:51]
P/1 – É... eu queria perguntar do apoio do seu marido, eu sei que ele tava resistente à cirurgia antes, mas e durante o processo, depois da cirurgia?
[01:31:03]
R – É, ele foi bem contra, porque morria de medo, mesmo eu explicando tudo pra ele. Acho que as vezes foi isso que acabou assustando mais ele, explicando (risos). E ele morria de medo de eu morrer, o medo dele é que eu morresse, era esse o medo dele. Fiz, ele viu tudo passando, a úlcera foi uma coisa que pra ele... deixou ele muito abalado. Porque deixou ele com muito medo, ele tava com mais medo do que eu do risco da úlcera, porque justamente por ser em cima do corte ela podia virar uma fístula, ela ia abrir, mas eu falei “não, não vai acontecer nada disso aí não. Vou fazer o tratamento, mas vai ser tudo certo”. Nossa, ele morria de medo. Ele, hoje em dia, ele fala “olha...”, ele conheceu amigos bariátricos meus, amizades, eu entrei numa comunidade nova, né, então, ele conheceu vários bariátricos também (risos). Aí ele conheceu amigos bariátricos e ele fala que a gente é muito corajoso, “eu não passaria por o que vocês passam”, ele falou “se eu precisar fazer bariátrica, eu vou ter que pesquisar muito pra isso. Porque você tem que ter muita coragem. E tem que ser uma pessoa muito disciplinada, pra seguir direitinho, pra escutar, não fazer bobagem como a gente vê por aí”, né. Ele me apoia muito. Ele fala com todo orgulho pra todo mundo que eu sou bariátrica. Ele tem mais orgulho de falar, ele conta pra todo mundo “ah, se você não sabe, ela é bariátrica, tá?!” Ele morre de orgulho hoje, porque ele vê isso como uma coisa muito extraordinária, né. Mas ele fala “eu não faria, eu não faria, mas eu acho muito legal. Você fez. Eu acho que você fez certo”. Ele cuida de mim até hoje, ele fala “você não pode comer isso. Você tá comendo muito. Come devagar. Mastiga, ó, vai entalar. Você não pode comer que vai dar dumping em você. Vai devagar”. Ele cuida de mim ainda, sim, acho muito legal... ele sempre cuidou, né. Eu acho legal esses anos todos que nós estamos juntos. Ele conhece bariátricos porque são... tão aí no caminho físico-culturismo, ele fala “nossa, gente, que bacana, né?!” Ele fala, ele fica admirado, eu mostro pra ele os meninos que fizeram e hoje estão pra entrar pra campeonato, ele acha demais, ele acha demais. Ele fala “olha, que legal. Olha, que legal”. É, ele gosta sim, mas ele não faria não.
[01:34:00]
P/1 – O que você diria, com a sua experiência, para as pessoas que ainda querem fazer a cirurgia?
[01:34:08]
R – Eu diria pras pessoas que querem fazer, é: leiam bastante, escutem todos os lados, os bons e os ruins, mas escutem das pessoas, não do filho da vizinha do amigo do gato dela que fez bariátrica. Vá direto na pessoa, conversa com ela, escuta tudo, vejam as pessoas que fazem coisas que... que falam “ai, eu fiz e me arrependo” / “mas porque você se arrepende? Que que aconteceu? Qual é sua história?” Escute. Não feche seus ouvidos, não fique só nas coisas boas, escute as coisas ruins também. Esteja preparado, converse com o seu médico, com o seu psicólogo. Vai atrás de informação. Uma pessoa bem informada não vai passar aperto depois. E se você fizer, boa sorte! Você não vai se arrepender (risos). Eu não me arrependo.
[01:35:07]
P/1 – É mais uma pergunta sobre o assunto. Eu queria saber como mudou a sua relação com a alimentação. Como é hoje em dia? Como você voltou ao normal? Não sei como, ao normal, mas à nova alimentação.
[01:35:29]
R – É, bom, hoje eu tenho uma vida normal sim. Uma coisa que eu sempre falei pro meu marido, que ele sempre me questionou “nossa, mas você não vai comer mais nada? Você vai fazer uma cirurgia e vai ficar aí comendo ovinho, não sei o que...”, eu falei “não, isso é tudo um período, tudo uma fase, né? E tem que ser respeitado”. Todas as fases que a sua equipe te propõe. Todas as dietas liquidas, pastosas, branda, enfim, cada protocolo que tem aí. Quando você entra na dieta livre é o normal. É viver normal. Eu não fiz bariátrica pra ser uma pessoa restringida. Fiz a bariátrica, assim, por causa da minha saúde, da minha autoestima que estava baixa e pra ter uma vida normal. Eu não sou diferente de ninguém na hora da alimentação. Minha diferença é a quantidade e as escolhas que hoje eu prefiro fazer. Fiz muitas escolhas erradas antigamente, hoje eu pondero. Porque eu escolhi a vida da bariátrica. Eu abracei a bariátrica pra minha vida. Então a escolha foi minha. Eu entendo ela, que nem eu falei, como um trampolim pra uma vida nova, que eu tenho que manter ela. E foi uma escolha minha. Então, essa escolha, ela me faz escolher tudo, né. Nem tudo... tudo eu posso, mas nem tudo me convém. Eu não preciso mais sair, pra um aniversário, e necessariamente eu tenho que comer um bolo, tenho que comer um docinho, tenho que comer aquilo, ou um salgado. Eu não preciso. Pra que? Se eu estou com vontade, eu vou lá e como, mas eu não tenho mais aquela... tenho que controlar a compulsão, né, que é o que faz a gente acabar engordando ali. Minha dieta durante o dia é uma dieta mais selecionada sim, mas por escolha minha. É que nem eu falei, eu posso comer tudo, mas lá na frente eu vou pagar por isso. Então, é... eu não fiquei gorda da noite pro dia. Foram anos comendo errado, eu sei disso. Ninguém tem doenças... eu tinha o metabolismo lento, resistência à insulina? Tinha, tinham várias causas que me mantinham no peso, que eu não conseguia emagrecer com dieta, com alimentação e tudo mais. Hoje eu tenho a cirurgia que me ajuda nisso. Mas se eu não cuidar da minha dieta eu vou engordar. Eu tenho que sempre ter essa consciência pro resto da minha vida. Então, todo dia de manhã, eu tenho a minha proteína. Antes eu comia o que? Eu comia um pão com manteiga, um café com leite, tava ótimo, ou uma coxinha, ou um pão de queijo. Não, todo dia de manhã eu tenho que comer a minha proteína. São os meus dois ovos, ou o ovo com uma tapioca, o ovo ele vai estar ali presente. Eu detesto ovo, eu não gosto de ovo, mas eu como porque é mais fácil a digestão, a minha absorção é melhor com o ovo. Então, faz parte da escolha de vida que eu fiz. Então tá lá meu ovinho todo dia de manhã, eu como o meu ovinho, com o meu cafezinho. À tarde, no intervalo, eu sei que eu tenho que comer alguma coisa, que eu não posso ficar horas sem comer.
É uma fruta, é um mingau. O almoço, tem arroz, feijão e a proteína, os legumes e uma salada. A tarde eu posso fazer um bolinho “gente, aí, chegou à tarde, tá friozinho? Ai, eu quero um bolinho de chuva”. Eu faço um bolinho de chuva, mas eu não preciso comer a cesta inteira de bolinho de chuva. Eu vou comer dois, três, tô cheia, acabou, tá bom. Congelo o resto, sei lá, as crianças comem. Você tem que aprender a viver de novo com o alimento, você tem que entender que o alimento, ele não é o seu inimigo. Porque que nem eu falei, você tá gordo, tá comendo e tá se julgando o que você tá comendo, ou seja, aquela comida já virou um peso na sua vida. E a alimentação não é isso, gente. Alimentação é nutrição do seu corpo, da sua alma. Você fazer um churrasco com seus amigos... você fazer uma reunião com a sua família e vai ter comida. Alimento dá... aproxima as pessoas. Você tem que entender tudo isso, então, vamos... a minha alimentação hoje... hoje eu vou num churrasco “olha, vai ter carninha”, como um pouquinho de carninha, um pouquinho de salada, uma farofinha e fico satisfeita, que eu entendi que eu tô saindo pra conversar com os meus primos, com os meus tios, conversar com eles e trocar ideia com eles. Eu não tô indo sair pra comer, né, “ai, eu vou lá por que eu vou comer”. Quantas vezes a gente sai e “ai, eu não vou nem almoçar. Vou almoçar se tem churrasco a tarde? Então, eu não vou nem almoçar que é pra encher o bucho”. Então assim, a gente que tem o estômago reduzido, a gente já não tem essa. Não, eu tenho que almoçar. Eu preciso almoçar, porque eu não posso ficar horas sem comer. Se eu chegar lá e tiver alguma coisa, ótimo, senão eu enfio uma banana na minha bolsa, uma maçã na minha bolsa e vou me divertir de qualquer forma, né. Hoje eu tenho uma relação com a comida de uma outra forma. Eu vejo ela como uma... tem que entender que ela é minha aliada, ela não é uma inimiga, nem mais e nem menos. Mas eu tenho que saber escolher ela, né?!
[01:41:09]
P/1 – É, você mencionou planos futuros, como outras cirurgias, relacionadas à bariátrica, silicone e reparação. Você poderia falar mais sobre?
[01:41:24]
R – Quando você faz cirurgia bariátrica, a gente tem a cirurgia plástica, que a gente chama de cirurgia reparadora, porque ela vai reparar os danos da bariátrica. Você tem vários... tem pessoas que não precisam, que por N motivos não vai precisar fazer nenhuma reparadora, por exercício físico, por uma alimentação mais rica em alguma coisa, o próprio biotipo da pessoa, né. Por não ter tido filhos, né. Eu ter tido filhos mas é uma pele saudável... porque a bariátrica, quando você faz bariátrica é uma pele que é considerada uma pele doente, né, porque: não vai conseguir manter a elasticidade como uma pessoa comum, não dá. É como eu falei, é um emagrecimento muito rápido e não dá tempo do seu corpo, ali, colocar pele no lugar. O meu caso eu tive duas gestações, a minha última gestação eu tive 30 kg. Eu emagreci bem na última gestação, tomei o remédio e engordei, ou seja, eu fiquei mais de doze anos obesa, seios enormes, meu sutiã era 60 (gente, é um chapéu, é enorme), minha barriga... eu nunca fui uma mulher de ter coxa grande, eu não tenho quadril largo, eu não tenho popô grande, mas eu tinha uma barriga muito bem distendida, muito bem distendida. Quando isso, quando essa capa de gordura acabou, ficou pele e músculo, então vou fazer uma reparadora que é reparar os danos dessa obesidade, então vou fazer abdominoplastia que é a retirada da pele, não tira gordura, é só pele a abdominoplastia, e tirar a pele do seio e colocar silicone porque eu não tenho, isso aqui é bojo. Eu não tenho mais seio, minhas glândulas mamarias são muito pouquinhas, então quando você pega de pele sobrou muito pouquinho de seio. Então até esteticamente falando fica desproporcional se eu só tirar a pele. Vou ali ficar praticamente reta, né. Não que me incomodasse, não que... tanto que vou por um silicone sim muito pequeno, somente pra dar um ar estético mesmo, de volume pra cima porque eu não tenho isso nas minhas glândulas, não vão conseguir isso com o que eu tenho naturalmente, então só vou colocar a prótese pra dar um ar estético de subir um pouco de seio porque eu não quero seios grandes porque eu tenho pavor... anos sofrendo por aquilo. E tirar a pele da barriga, né, poder colocar uma blusinha, um topzinho, uma praia (apesar que já vou de biquíni linda e maravilhosa toda pelancuda mesmo), mas vai melhorar sim mais ainda a autoestima. Vou ficar pior do que já sou (ironia).
[01:44:42]
P/1 – Lila tem mais uma pergunta, se você associa o ganho de peso com o anticoncepcional ou com a alimentação, ou os dois?
[01:44:56]
R – Eu associo, no meu caso, e sim, ao anticoncepcional. Ele proporcionou, ele deu início a isso, né, ele deu o início de ganho de peso, foram dois anos aí sem menstruar, tive todos os problemas. E obvio que alimentação piorou muito. Tinha que descontar em alguma coisa, né. Aquela frustração de que tá ganhando peso eu descontei na comida. Uma hora o meu organismo realmente estabilizou, não tinha mais aquele anticoncepcional no meu corpo? Sim, mas eu mantive a obesidade com a comida porque eu precisava descontar em alguma coisa e isso desencadeou vários problemas, aí, hormonal, que manteve ainda o meu peso. Fiquei obesa por conseq... foi uma coisa levando a outra.
[01:45:59]
P/1 – Agora eu queria falar um pouco da sua família. Você tem histórias de família pra contar? Você, seu marido, seu filho, sua filha...
[01:46:09]
R – Ah, eu tenho.... ah, eu e meu marido, historias assim pra contar? Que tipo de história? (risos)
[01:46:26]
P/1 – Uma entre família, marcante? Natal? Passeio?
[01:46:33]
R – Ah, é... vamos lá, pegar um momento assim nós três. Foi quando meu marido conheceu meu filho. É... eu já tava ficando, namorando, já tava grávida, mas eu... eu tinha muito receio, né,? de... eu tive vários casinhos aí, mas de namorado, de apresentar pro meu filho mesmo, ele já tava com cinco anos, acho que foram dois, né... Namorei muito depois do meu filho, mas apresentar como namorado, conviver ali com meu filho foram dois ou tr... não, dois e o meu marido, né, o terceiro. Então eu fiquei bem nervosa ali naquele momento que eu tava ali, grávida, né? Já tava com uma barriga e eu falei assim “agora você tem que conhecer o Gabriel, né? Porque, como assim, né, eu to de seis meses, você precisa conhecer o menino” E... mas foi muito tranquilo. Meu marido foi muito gentil com ele, eu fiquei muito preocupada, né, porque o meu marido ele é mais velho do que eu, agora ele tem... fez sessenta esse ano. Aí eu pensei “ai meu Deus, como vai ser pra ele (porque ele não tem filhos, né) conhecer o menino, o Gabriel é totalmente espoleta, muito espoleta”. Aí ele conheceu o Gabriel e foi tranquilo. Mas foi um momento que eu me lembro dentro do carro, (da S10 do meu marido), meu marido veio com um picapauzinho de madeira um monte de barra de Suflair pra comprar a criança (risos), com o chocolate, e os dois se deram super bem. Inclusive foi a primeira viagem, ele conheceu e a gente já foi pro litoral naquele mesmo dia, “vamos se conhecer, vamos levar a criança pra passear porque der repente vocês convivendo fora de casa, em outro ambiente seja uma coisa mais descontraída”, mas eu lembro dele conhecendo o Gabriel, o Gabriel todo contente com ele “tio, tio, tio, tio” apesar de que hoje ele chama de ‘pai’, mas era o tio na época (risos). Foi um momento bem legal. E a gente não tava ali fora mas tava aqui dentro (risos). Aí foi onde eu falei “gente, acho que tá nascendo uma família”.
[01:49:05]
P/1 – A sua segunda gravidez foi desejada?
[01:49:11]
R – Não, não foi. Nenhuma das duas (risos). Não foi não.
[01:49:17]
P/1 – Eu queria saber o que a maternidade significou na sua vida, e quais as diferenças do primeiro parto pro segundo?
[01:49:29]
R – Olha... vai parecer estranho isso, né, mas eu falo que, assim, eu tenho os meus filhos hoje, eu faço tudo por eles, eu morro e mato pelos meus filhos com unhas e dentes. Ninguém pode tocar nas minhas crias além de mim. Não sou nenhum exemplo de mãe não, nem sou perfeita porque eu sou um ser humano, eu vou errar como mãe... eu falo isso pra eles quando eles falam “ah, você é exagerada, você é não sei o que...” / “Eu vou errar, filho, infelizmente, eu sou um ser humano e vou errar com vocês. Vou ser justa e injusta. Mas eu quero preparar vocês. É uma responsabilidade muito grande”. Eu falo que “gente, você gerar, você gestar uma criança, a gente já acha que é difícil. O mais difícil é você criar um outro ser humano pro mundo”. É muito complicado, né, mas, eu to tentando. E eu tento... a maternidade pra mim é uma coisa, eu falo que é uma responsabilidade muito pesada. É muito grande pra mulher, eu sei que pro homem participa, sim, o homem cria também, ele sustenta também, ele participa, mas não sei... pra mulher, ela tem uma influência na criação. Porque a gente tem muitas coisas que a gente pega e aprende com a mãe. E a minha mãe, não foi lá uma mãe muito boa. Então, assim, eu tive que tentar desfocar, justamente, do jeito que eu fui criada, né, pra não fazer igual. Então, eu me cobro muito, como mãe. E os partos, o do meu filho, foi cesárea, da minha filha foi natural. Eu não tive interferência de ninguém, porque a moça esqueceu de mim lá no quarto (risos). Então, ai, hospital não gosta de mim, eu acho. Eu tive contração... da Giovana foi totalmente diferente, cheguei com 41 semanas, tive todas as contrações, doze horas de trabalho de parto, a bolsa estourou sozinha. Eu só não chamava Jesus de santo, porque eu vou te falar, ó gente, aquilo não é dor gente, não! É... tive ela de parto natural mesmo, porque eu não tomei soro, eu não tomei nada, eu nem anestesia local, porque ela já saiu, ela já fez o corte natural. E assim, mesmo com esses partos totalmente diferentes, eu teria mil vezes parto natural mas eu não teria cesariana de novo, porque depois que a criança nasceu, literalmente acabou, acabou o sofrimento, acabou toda dor. Parece que a criança leva a dor junto com ela. Eu fiquei surpresa “faz cessaria vai ter cesárea pro resto da vida”, não, minha filha nasceu sem interferência de nada.
[01:52:37]
P/1 – E agora eu queria saber mais um pouquinho da sua profissão, como que você escolheu e como é que é a sua rotina de trabalho, o que você faz...
[01:52:47]
R – É, eu ainda não sabia... eu terminei o Ensino Médio, na verdade, eu tava pensando em fazer enfermagem, fazer técnico de enfermagem, né, porque eu queria alguma coisa da área da saúde. Como eu cuidei da minha avó e conheci muita coisa da área da saúde e eu gostei daquilo... eu acho que eu me identifico, né, eu gosto de cirurgia, eu gosto de assistir cirurgia, eu gosto muito de animais, assim, eu sou apaixonada por animal, mas eu tive a tendência de gostar de assistir cirurgia. E eu assistia aquilo, de boa pra mim. E assuntos de saúde eu gosto muito. Então, eu vou fazer enfermagem. Então minha prima chegou com um curso, um tal de Análises Clínicas. “Gente! Que diabos é isso?” E ela tava fazendo esse curso, porque onde ela queria entrar não tinha mais vaga pra enfermagem e só tinha vaga pra esse curso. E ela também não sabia o que que era, mas ela entrou. Eu falei “então, faz o seguinte, quando você terminar o seu curso (risos) eu vou acompanhando o que que você tá estudando, só pra se eu gostar eu entro”. Aí ela realmente... ela foi fazendo, eu fui bisbilhotar “O que que você tá fazendo hoje? E esse semestre, que que você tá aprendendo no curso?” Aí, ela foi me contando que é a análise dos exames laboratoriais. Exame de urina, de fezes, de sangue, o básico, né, Bioquímico... vários... qualquer exame que é feito dentro de um laboratório. O material biológico, pele, osso, tudo. Tem a parte humana a gente analisa, claro que cada um vai ter seu setor, né. Eu... então, eu falei “é isso que eu vou fazer”. Entrei no curso de Análises Clínicas, já falei assim “eu vou fazer três meses, se eu não gostar eu já paro por aqui”, que era um ano e meio o curso. Imagina, me apaixonei.
Não passou nem um mês eu já liguei pra minha prima: “ai, meu Deus do céu, se eu tivesse conhecido esse curso eu já tinha feito há muitos anos”. E me apaixonei muito pelo curso, por tudo que eu tava aprendendo ali. E dali eu fiz estagio um ano no Laboratório Pediátrico que eu aprendi a rotina laboratorial de hemograma, que era uma clínica pequena mas que tinha os exames essenciais de urina, sangue, fezes e dali eu consegui uma vaga no serviço que to até hoje, há três anos e ali eu faço bioquímica, trabalho com aparelhos que faz exames bioquímicos que é PCR, TGO, TGP, esses exames né, exames cardíacos. Eu sou muito feliz na minha profissão nesse sentido assim de conhecimento, eu gosto muito, mas infelizmente não é uma área muito valorizada. O bom é que vai sair o ano que vem uma faculdade um pouco distante do que eu faço. Mas eu gosto, sou muito grata do que eu aprendi até hoje, né, mas não dá pra se manter nessa área que eu to, infelizmente.
[01:56:10]
P/1 – Eu queria saber como que o coronavirus afetou sua rotina de trabalho?
[01:56:18]
R – Olha, afetou muito... que que acontece? Eu to afastada do serviço, por conta da hipertensão e da arritmia cardíaca, de ser grupo de risco. Mas no começo da crise foi engraçado porque não tinha uma alma viva no pronto socorro. A gente ficava doze horas sentada no laboratório praticamente fazendo rotina dos internados e que já eram poucos porque muitos os parentes levaram pra casa, deram alta e levaram os pacientes pra casa, não deixou mais no hospital. Então quando começou realmente a voltar, quando a população começou a procurar de volta os hospitais, né, a minha empresa pegou todo o pessoal que era grupo de risco e deixou de castigo em casa (risos). E então eu tive que acompanhar isso a longa distância porque eu falava “poxa eu queria estar lá, né? Me formei pra isso” (risos). Mas como a gente teve perca de colaboradores por coronavirus que morreu, a gente não... a empresa não quis correr esse risco, né, eles preferiram afastar os funcionários de risco.
[01:57:45]
P/1 – Você pode me falar como que está sendo esse período de isolamento? Seus filhos, a sua família...
[01:57:52]
R – Olha, no começo o meu marido teve um pouco de depressão por conta disso, porque é uma pessoa totalmente autônoma e totalmente independente, né, tipo, ele vai pra cima e pra baixo, ele trabalha por conta, e teve que ficar parado dentro de casa, coisa que ele nunca fez na vida, e pra ele foi um baque muito grande, então assim... o lado bom de eu ter ficado de castigo em casa foi estar com ele, foi ter dado o apoio pra ele porque talvez ele sozinho dentro de casa teria sido até pior. Pros meus filhos foi umas férias, eles adoraram, esses cara de pau.
Não vai ter escola, pra que acordar cedo pra ir pra escola? É mentira gente, criança não gosta de acordar cedo nem gosta de ir pra escola. A gente não gostava, não é eles que tem que gostar, né? Agora, a minha filha de um tempo pra cá começou a sentir um pouco mais, porque ela tem 11 anos, ela começou a sentir um pouco falta dos amiguinhos, ela sente falta de brincar porque as crianças ficaram bem restritas lá no prédio... algumas famílias lá do meu condomínio mesmo têm sitio, então foi todo mundo pro sitio. As crianças não estão mais lá. Tem 4 crianças no prédio. Duas os pais não deixa ficar na casa um do outro, só deixa brincar lá embaixo, e duas que vão lá em casa e minha filha vai na casa deles, né, e uma amiguinha da minha filha que vai lá em casa também e só porque... e mesmo assim isso não foi no começo, foi de dois meses pra cá, dela começar a brincar mais com criança e tal, porque ela sente um pouco mais de falta, né, disso, de conviver, de brincar, de ter alguém pra conversar... o meu filho mais velho não porque ele joga online então querendo ou não ele fala assim “ah, pra mim tá ótimo que eu fico aqui de madrugada, converso com os meninos, eles me contam como que tá sendo a escola”. O que que acontece: eu tive muito problema com a escola das crianças de comunicação, porque algumas salas teve problema de comunicação, de não saber responder perguntas de “ah, olha, qual é o exercício pra fazer? Que página que faz?”, aí, passava duas semanas, ninguém respondia, enfim, foi uma loucura, né. Pra todo mundo, então, eu falei assim “ah, gente, a gente já tá passando por uma situação, meu marido já tá meio deprimido. Eu tô aqui de castigo, totalmente perdida, as crianças desse jeito. Ah, quer saber? Eu não vou ficar me estressando com isso daí, não”. Então, eles não fizeram o estudo online, não fizeram o estudo online. Porque eu falei assim “eu já repeti uma vez de ano, tem tanta gente aí que não estuda”, eles não estão assim porque querem, né?! A situação é que tá imposta à eles. No ano que vem eles fazem de novo. Depois a gente conversa e vê o que faz. O ano tá perdido nesse sentido pra todo mundo. O ano pra mi foi, assim: “ah, eu tenho que fazer alguma coisa, né?!” Vamos ver o que que vai acontecer, eu fiz cursinho aí de Instagram, pra poder aprender alguma coisa. Essa semana eu fiz um cursinho... cursinho... uma espécie de barista. E eu vou aprendendo eu caçando alguma coisa. Eu falo: “Já que a gente está em casa...” Eu escutei uma coisa de uma repórter que eu achei fantástico, a gente reclamou anos que a gente não tinha tempo pra nada, agora a gente tá com todo o tempo na mão e não sabe o que faz com ele. E a pandemia ela trouxe isso, né. E agora, o que que a gente vai fazer? Vai ler aquele livro que você falou que ia ler e não tinha tempo? Não vai, né?! O pessoal “gente, vamos! Vai lá! Vai fazer o que você queria fazer, agora é a hora”, né. Tô tentando fazer isso. De alguma forma.
[02:01:56]
P/1 – Quais são os seus sonhos pro futuro?
[02:02:00]
R – Sonhos pro futuro é o ano que vem eu começar meu curso de nutrição. Fazer uma faculdade. Fazer uma... eu já sou assim, né: projetíssimo, o negócio. Fazer uma pós em fisiologia. Ter o meu próprio consultório. E fazer um trabalho voluntário para bariátricos que não têm condições, principalmente, os que saem do SUS e não têm atendimento, não conseguem um atendimento nutricionista. E ter minha própria clínica. Ser independente financeira. Tá com o meu silicone. E tá feliz (risos). É o que eu quero.
[02:02:46]
P/1 – É, tem alguma história que ficou por contar? Que eu não perguntei? Que você gostaria de registrar?
[02:02:56]
R – Hã... Não, eu acho que, não. Ah, eu sei, não sei se é relevante, mas eu... bom, o que que acontece: esse ano agora de 2020 eu e o meu marido entramos com pedido de guarda do meu filho. Meu filho já é registrado pelo pai biológico, mas é como eu falei, dezesseis anos e ele nunca se importou com o menino, né, e o meu marido, que estamos juntos há doze anos, a gente entrou com o pedido de guarda pra tirar o nome do pai biológico e colocar o nome do meu marido. Aí, faz um ano que a gente tá nessa batalha aí, pra gente poder fechar a nossa família, né?! E é isso! É uma coisa também que eu quero conquistar.
[02:03:56]
P/1 – É, e o que você acha desse projeto de mulheres falarem sobre saúde, através das suas histórias de vida?
[02:04:04]
R – Olha, eu fiquei muito feliz com o convite, mesmo. Acho fantástico. A gente precisa falar mais sobre saúde da mulher. A gente precisa falar mais, transmitir mais informações. Que nem eu falei, eu só passei por situações, por falta de informação, mas... por ser mulher, né. Engraçado, né?! O DIU que é uma coisa que tá aí há anos, poxa, eu descobri o que que era, realmente, o DIU, do ano passado pra cá, né. Naquela época, se eu tivesse conhecido o DIU, eu tinha colocado o DIU, eu não tinha tomado essa bomba aí de remédio. A pílula do dia seguinte há anos que se dá no postinho, de graça, eu não sabia disso quando eu tinha dezesseis anos. Eu podia ter tomado, sabe? Eu podia ter me prevenido de uma outra forma. Esse mundo é muito cobrado da saúde da mulher em todos os sentidos, mas nunca é mostrado o caminho pra ela, né, como ela pode se cuidar, realmente. Eu acho que é muito bacana esse projeto.
[02:05:09]
P/1 – E o que você achou de contar a sua história? Como foi essa experiência?
[02:05:15]
R – Foi uma coisa muito nova (risos) me fez refletir bastante, me fez pensar, olhar pra minha história, resgatar coisas que eu já nem lembrava ou... mostrou uma outra perspectiva, ali, coisa que eu pensava, mas eu não tinha dado nem conta o quanto que a minha mente mudou desse tempo pra cá, revendo a minha história.Recolher