Uma noite eu tive um sonho que tudo acabava, a cidade entrava em colapso e eu saía de bike com um amigo e um tambor, acho que já sonhei isso mais de uma vez e deve ser uma ideia que eu tenho de que se tudo der errado eu vou pro meio do mato. Os militares chegaram até a invadir o apartamento que m...Continuar leitura
Uma noite eu tive um sonho que tudo acabava, a cidade entrava em colapso e eu saía de bike com um amigo e um tambor, acho que já sonhei isso mais de uma vez e deve ser uma ideia que eu tenho de que se tudo der errado eu vou pro meio do mato. Os militares chegaram até a invadir o apartamento que minha mãe estava morando, então ela que estava preocupada com a situação da ditadura e querendo uma situação melhor topou vir para o Brasil junto com o meu pai que era artesão, eles eram mochileiros chilenos e passaram primeiro pela Argentina, nesse estilo Hippie, meu pai guarda o cabelão até hoje.
Na Argentina não deu muito certo, então vieram pro Brasil. Assustou um pouco minha mãe que o Brasil era muito grande, ela se sentiu meio deslocada, mas rolou, eles ficaram em Amarantina próximo a BH, que era uma cidade meio rocinha e iam vender os trabalhos nas feirinhas, principalmente na da Praça da Liberdade e assim iam conseguindo sobreviver .
O meu nome é Brisa de La Cordillera, que significa um sopro de liberdade que foi que eles sentiam que eu era. Eu cresci ouvindo músicas chilenas, entre as músicas de folclore e as músicas de protesto. Tem o Victor Rara, que é um cara que morreu com as mãos amputadas pelos militares, então tinha essas músicas de protesto que me marcaram tanto quanto a comida. Nossos pais também falavam com a gente em espanhol, um pouco português, que virou o portunhol que ficou sendo o nosso idioma até hoje.
Com 9 anos eu fui para o Chile e foi bem massa, meus pais quando chegaram na fronteira se beijaram e falaram "Ah, estamos em casa". E foi bem louco, eu queria acordar as 04 horas da manhã e ficar correndo no meio do mato ficamos com os descendentes de Mapuche e falamos que eles nunca morrem, existe a frase que venceremos 2 vezes, porque o povo já conseguiu
mandar os espanhois um pouco para fora, mas eles já assumiram o território de volta, então hoje está essa luta para a polícia não matar mais ninguém que o meu sonho é que acabe a polícia militar. E eu escuto muitas histórias da minha vó, uma coisa que eu sei é que a minha mãe chegou a ir em cerimônias comigo na barriga.
Quando eu voltei ainda estava na pegada do espanhol, mas tinha pouco acesso né? Uma coincidência é que depois ganhei do meu tio um livro de capa roxa do Neruda. Era um livro em 3D, você entrava mesmo no livro! Fiquei com vontade de escrever e fiz um poema para o meu avô que se chamava Omar, e o poema falava sobre ele e sobre o mar. Eu até mandei pro "Gurilândia" que era um pedaço do jornal de Minas que eu gostava de ler, lá saía poesias das crianças e eles publicaram minha poesia! Fiquei muito feliz e saí mostrando o jornal para todo mundo, e como sempre gostei muito de música eu pensei: Nossa eu posso pegar essa poesia que eu fiz, e assim comecei a cantarolar.
Uma vez eu pequena estava andando na rua e um homem chamou a gente pra entrar na casa dele e colocou a gente para tocar um monte de instrumentos, aquilo foi bem mágico. Eu queria ser cantora, não pra ser famosa nem nada do tipo, mas porque eu gostava mesmo, mas eu pensava nossa eu vou ser música e vou comer o que? Minha mãe também acho que vivendo o que ela vivia me incentivava outras coisas e muito guerreira ela nossa, segurou o rojão sozinha quando meu pai sumiu por um ano. E o meu primeiro trampo foi com os meus pais no artesanato e pra levantar mais grana mesmo fui para o telemarketing até que encontrei um trampo que realmente me satisfazia e eu ganhava bem que era dando oficinas de música nas escolas.
Quando os meus pais voltaram a morar juntos, eu fui morar em Santa Catarina e lá fiz várias coisas. Uma delas foi morar um ano com os Hare Krishnas, eu já conhecia a galera vegetariana e vegana e fui morar em um ashram de mulheres e foi maravilhoso. Acordávamos às 4 da manhã, fazia um rango e isso já sustentava, criei um outro nível de organização e rolava música todos os dias. Um certo dia meu pai me chamou pra passar um natal em belô, eu fui pra lá e nunca mais voltei.
Em BH eu ia muito no rolê do Hip Hop e nos freestyles já soltava alguma coisa. Eu colava muito no rap do PT também e lá foi a primeira vez que eu ouvi uma mulher cantar RAP e aquilo abriu uma porta, eu falei " Caraca, uma mulher cantando rap na minha cidade". E eu comecei a morar no rap de tanto rolê que eu ia que o rap que é uma música universal, você pode misturar com qualquer música que dá certo e aí ficou muito louco, só não entrei nessa de batalhar que não era muito a minha pegada.
Um dos lugares era o rima sambada que foi um grande grupo que participei, não tinha lugar nem pra colocar o som direito de instalar o equipamento, mas foi lá que eu vi que tinha que cantar rap, porque eu já gostava, mas foi realmente lá que eu percebi que comunicava que trazia algo novo para as pessoas. E me trouxe muita coisa nova também, eu ouvia as mulheres cantando e pensava "nossa tem muito homem que chama elas de queima sutiã, mas não é que tem sentido o que elas estão falando e o feminismo que veio me ajudou muito
principalmente na relação com os outros homens. Quando eu colei pra São Paulo fui morar em Itapevi, o osso era de ficar o dia inteiro se locomovendo e São Paulo é uma cidade muito rápida, outra vibe, outro clima, tão rápida que eu cheguei aqui e já engravidei.
Quando eu estava grávida estava meio distante, mas quando eu voltei, voltei foi com sede. Fui na casa do Diamante que é um produtor e falei vamos fazer um disco e eles perguntou quantas músicas vamos fazer: Eu falei 17, ele falou que 17 era muito, eu falei vamos fazer 17 mesmo!
E na minha vida vou fazer muito mais do que isso.Recolher