Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Arildo Cândido Zorzanelli
Entrevistado por Marina D’Andrea e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 14 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV019
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhã...Continuar leitura
Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Arildo Cândido Zorzanelli
Entrevistado por Marina D’Andrea e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 14 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV019
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - Seu Arildo, por favor, vamos começar a entrevista, o senhor dizendo seu nome, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Arildo Cândido Zorzanelli, eu nasci no dia 21 de junho de 1933, em Acioli, que é no Espírito Santo.
P/1 - Nome dos seus pais e avós.
R - Meu pai é Ermenegildo Zorzanelli, minha mãe é Aristotelina Gomes Zorzanelli, meu avô, era italiano, Domingos Zorzanelli, minha avó era Maria Gotardo Zorzanelli.
P/1 - E qual era a atividade profissional dos dois casais?
R - Bom meus avós vieram, meu avô veio da Itália como agricultor, se estabeleceu no Espírito Santo, como praticamente todo o resto da família a não ser um ramo que foi para Porto Alegre que a gente não conhece. Meu pai, desde quando ele se entendeu, começou a mexer com café, primeiro produzindo, depois comprando e vendendo, depois exportando, né, então é isso aí.
P/1 - Mas ele não veio como imigrante?
R - Meu avô veio.
P/1 - Na imigração?
R - Na imigração, no final do século passado, meu pai já nasceu aqui.
P/1 - Certo. E a origem do nome da sua família, o senhor sabe?
R - Não tenho a menor idéia.
P/1 - O senhor tem irmãos, quantos são os teus irmãos?
R - Nós devíamos ser sete, hoje nós somos cinco, tem duas mortas e quatro vivas e eu de filho homem só.
P/1 - O senhor morava já em Vitória desde pequenininho?
R - Não, eu nasci em Acioli, que é um lugar pequenininho, fiquei lá até mais ou menos os sete anos, depois nós fomos para Colatina, ficamos lá uns quatro anos, depois eu fui para Vitória e aos 15 anos eu vim interno para o Rio de Janeiro.
P/1 - Esses as primeiras fases, o senhor se lembra? E se se lembrar o que o senhor se lembra, do que mesmo?
R - Bom, o que eu me lembro é que a gente estudava desde cedo, e era moleque de rua, a cidade ainda não tinha calçamento, não tinha nada, então era pião, bola de gude, papagaio, tudo isso, tudo que tinha direito como criança, né?
P/1 - O senhor se lembra como que era a sua casa na infância?
R - Lembro.
P/1 - Como que era?
R - A primeira casa que eu lembro… As duas primeiras casas, provavelmente a que eu nasci, era na beira de um rio, uma casa que tinha uma venda que era do meu pai, depois dessa ele comprou um sítio, aí a casa era em cima do morro, isso tudo em Acioli. Depois nós fomos para Colatina e moramos numa casa ao lado da Igreja, né, também fui coroinha nessa ocasião. Depois nós fomos para Vitória, e em Vitória realmente a gente morava bem melhor, porque aí meu pai já tinha recursos e tal.
P/1 - Então a sua vida em Vitória, o senhor se lembra como era?
R - Claro que eu lembro.
P/1 - Conta mais um pouquinho sua casa como era o dia a dia.
R - Minha casa era boa, era num antigo consulado, né, tinha três andares e um terreno enorme com fruteiras e tudo. E eu estudei no Salesiano até o quarto… Do quinto primário até o final do ginásio, até o terceiro ano do ginásio, e praticava esporte, futebol, tênis, essas coisas. Depois eu vim interno para um presídio aqui no Rio de Janeiro, que era o colégio interno Santa Rosa, Niterói, né, só...
P/1 - Presídio como assim?
R - É porque eu só podia sair em julho e em dezembro, só podia jogar futebol de calça comprida, então era um presídio, mesma coisa que um presídio. (risos) Depois eu mudei, depois de um ano, aí sim fui para o colégio interno São José, na Tijuca, aí era outro papo, né, era outro ensino e outro ambiente.
P/1 - Mas como era o Salesiano em Vitória, o senhor tem lembranças, como era, era um colégio severo, né?
R - Tenho. Não… Era como tudo é de padre, né, padre é quadradão...
P/1 - Você saiu de um presídio para ir para o outro.
R - Mas lá eu era externo, eu vim para o Rio interno, lá eu era externo. E era um ensino, eu diria, um pouco mais arcaico do que os maristas, né, eu até fiz um trabalho sobre isso, comparando as duas educações. Por em primeiro o científico, geralmente eram muito diferentes as mentalidades, tudo, e realmente, vamos dizer, os maristas estavam bem na frente em termos de didática e tudo, né, pedagogia, tudo.
P/2 - Na sua casa tinha uma educação religiosa, quer dizer, porque essa...
R - É a família é toda religiosa, da parte de meu pai é toda católica, né, da parte de minha mãe a maioria era batista, então eu cheguei a frequentar as duas coisas, mas só por curiosidade. Mas era católico, basicamente católico, né?
P/2 - O senhor foi em cultos batistas e tudo mais?
R - Fui com minhas primas. Nós éramos em seis porque a minha irmã mais velha já tinha morrido, eu não cheguei nem a conhecer. E de repente a cunhada da minha mãe faleceu, deixou seis filhos com o irmão dela, então foram os seis lá para casa em Acioli, então eram 12 crianças de repente. E eles como eram batistas, iam ao culto batista e nós íamos a Igreja Católica. E eu frequentei o culto batista muitas vezes, para ir junto, né?
P/1 - E o senhor tinha alguma formação ao mesmo tempo paralelamente, política, alguma formação?
R - Não, nada disso.
P/1 - E o senhor tinha muitos amigos na época, como eram seus amigos?
R - Bom, em Acioli não, porque eu era muito pequeno. Eu fui na escola, a professora me deu uma reguada eu nunca mais voltei, (risos) “pode esquecer, eu não volto mais”. Aí mudamos de cidade. Aí em Colatina eu tinha uma porção de amigos, tudo gente… Brincadeira de rua, tal, né, colégio, Conde Linhares, então era tudo molecada.
P/1 - É, e agora, aí o senhor se forma, como é que escolhe sua profissão?
R - Minha profissão foi interessante, porque eu tinha a pressão da minha mãe para eu ser médico, a pressão do meu pai para eu estudar Direito e trabalhar com ele em café, e eu não queria nenhuma das duas, fiquei dois meses pensando nas férias para onde que eu ia. E na ocasião eu falei: “Poxa, eu só não vou para a engenharia porque eu não gosto de matemática.” Falei: “Ah, eu vou para a engenharia, a gente resolve isso depois.” Aí fui. Foi assim que eu escolhi a profissão.
P/1 - Que é mais ou menos como todo o mundo escolhe neste país.
R - É.
P/1 - Mas não havia uma vocação assim?
R - Não, não existia nem teste vocacional na ocasião.
P/1 - Mas alguma tendência sua, alguma...
R - É difícil porque, por exemplo, agora depois que eu me aposentei eu lido mais com cultura e arte do que com qualquer outra coisa, entendeu? Então se fosse medir lá atrás num teste vocacional é possível que eu nem fosse engenheiro.
P/1 - Que nem fosse...
P/2 - E sua família ficou decepcionada ou não, pai e mãe?
R -
Não, o que importava é porque meu pai era um homem do campo, né, fez até o terceiro ano primário e ficou rico, ganhou dinheiro e depois morreu pobre de novo. A inflação comeu a renda, ele parou de trabalhar aos 70, e a inflação comeu, comeu, comeu, quando ele morreu com 89, ele já estava duro de novo. E o importante para eles era que o filho fosse alguém na vida, né, se formasse e tal, e isso aconteceu. As filhas, as meninas casaram logo cedo, né, aquele sistema bem italiano, sai de casa para poder ficar livre (risos) para casar e ficar livre.
P/1 - Mas aí então o senhor escolhe o seu curso...
R - De engenharia. Eu passei para a PUC, para a Nacional de Engenharia, e optei pela Nacional de Engenharia.
P/1 - Começou aonde?
R - No Rio de Janeiro, no Largo São Francisco, agora é no Fundão, né? Então cursei lá de 1954 até 1958. E aí voltei para Vitória com a intenção de trabalhar na DNER, porque eu me especializei em transportes, mas o DNER fechou as admissões por tempo indeterminado, na época do Juscelino. E aí o Mascarenhas, que é ex-presidente da Vale, a senhora Vivian era prima da minha irmã, da minha mulher, da minha ex-mulher, então ele e meu cunhado também trabalhava lá, e eu entrei na Vale do Rio Doce assim com engenheiro residente, né, e fiquei lá...
P/1 - Foi seu primeiro emprego?
R - Foi, foi meu primeiro emprego.
P/2 - O senhor tinha notícia de emprego pela faculdade, a Vale representava alguma coisa?
R - Não, não era significativo para nós porque eu fiquei 11 anos no Rio de Janeiro. E o curso que eu fiz aqui de especialização em transporte foi muito bom, mas o que eu visitei, foi a ferrovia de São Paulo, que naquela ocasião era muito mais conceituada. A Vale só começou a despontar mesmo a partir de 1961, eu me formei em 1958, né, então a gente fez parte daquela época mais heróica da Vale do Rio Doce, quando o Eliezer assumiu a presidência em 1961, ele fez uma reviravolta, e então eu estava dentro desse processo, né?
P/2 - Mesmo aquele seu período em Vitória, que você morou em Vitória, a Vale também não… Nada?
R - Não, não significava nada para mim, não tinha influência na minha vida, nenhuma. E também ela não era importante assim como é hoje, né, na vida da cidade, do Estado e tal, e até do Brasil, mas na ocasião nada. Eu não queria, eu não gostava muito de ferrovia, né, mas tinha que trabalhar, então fui e gostei muito, aí pronto, engrenei.
P/2 - No começo não gostava muito de ferrovia.
R - Não.
P/2 - Que momento da faculdade que você fazia essa escolha para qual área muito especializada?
R - Bom, eu fui para civil, né, veio no terceiro ano você tinha que optar, você fazia os dois básicos, os dois primeiros anos básicos, no terceiro ano se optava por mecânica, eletricidade ou civil, e eu optei por civil, depois você tinha uma segunda opção, no civil você podia ir para concreto armado, para a tal engenharia civil, para transporte, não sei o que, tal, tal, tal, até economia, se não me engano tinha também essa especialidade no último ano. E eu optei pelo transporte, dentro do conceito de viver mais ao ar livre, né, que era um conceito para mim sempre válido, então fui, me especializei em transporte.
P/2 - Esse conceito de viver ao ar livre era antigo?
R - É claro, né, poxa vida, vim do mato.
P/2 - Então o senhor entrou na Vale, o senhor foi trabalhar exatamente em que local?
R - É, eu fui ser inicialmente engenheiro da segunda residência, chamava via permanente, né, era a área que cuidava da manutenção e da construção na ferrovia, no leito da ferrovia. Depois você tinha a parte de transporte e outras áreas, área de controle de finanças e esse negócio todo. E eu fiquei lá no primeiro ano, em 1959, 1960, e fiquei na segunda residência em Governador Valadares. Depois eu passei para a primeira residência porque eu levei um gaúcho lá no Rio Grande do Sul, o Antônio Pinto, que foi para a segunda residência. Isso foi em 1961, foi aí que o Eliezer assumiu a presidência. Aí o Himério, o José Himério, que era meu chefe imediato, um dia me chamou e falou assim: “Olha, o Eliezer assumiu a presidência e eu vou assumir a assistência da via permanente.” Que tinha via permanente florestal, não sei o quê, engenharia, tudo isso era com ele. “E você vai ser o chefe da linha.” “Mas eu não estou preparado para isso.” Um ano e pouco de formado, era um cargo, tinha que mandar em 500 quilômetros de ferrovia, né? “Meu filho, você está vendo algum outro para assumir? Eu não estou vendo ninguém, então você vai assumir.” Então fiquei dois anos chefe da linha, engenheiro da primeira residência, e os equipamentos, eram mil equipamentos e o maior pedreiro do Brasil trabalhava lá para fazer brita para a ferrovia. Era uma época que… Hoje tem 28 engenheiros, naquele tempo a gente fazia com três, porque não tinha ninguém, né?
P/1 - Essa experiência deve ter sido incrível, né?
R - Foi.
P/1 - Poderia falar um pouco mais sobre isso?
R - Posso. É uma experiência assim, eu diria, muito interessante porque você não tinha dia, não tinha hora, não tinha local, você saía de casa sem saber se você ia para praia ou para um acidente. Cansei de ser chamado do cinema, vendo um filme aí ouvia no alto-falante do cinema: “Senhor fulano de tal, quer fazer o favor de se apresentar à gerência.” Eu já sabia que tinha um acidente com a ferrovia, né?
P/1 - Que tipo de acidente que era?
R - Todo o tipo, cai barreira, aí vão 200 homens lá para tirar barro, até que um sai amarrado louco, três dias, três noites ali sem dormir, sem nada. Teve uma vez, esse fato me ficou marcado. Eu saí com minha senhora e, nessa época eu tinha uns dois filhos só ou um só, eu saí para ir para a praia, para a casa do meu pai lá na praia da Costa, e nisso cruzou uma caminhonete, me fez parar e falou assim: “Olha, o negócio está feio lá para cima, o Himério mesmo pediu para você ir preparado para viajar sem saber quando retorna.” “Tá legal.” Sem saber quando retorna, era nessa base. Então fui deixar minha mulher na casa da mãe dela na cidade que era muito pertinho, e veio para lá, e fui. E chuva, chuva, fui subindo, aí no meio do caminho falou assim: “Caiu tromba d’água depois de Valadares, tem 200 metros de linha no ar, e tem que ir para lá dar um jeito.” “Tudo bem, vamos para lá.” E onde dar um jeito não era muito alto, você tem que fazer aquelas fogueiras de dormente para depois o trem passar por cima, né? Isso então começou sete ou oito horas da noite e nós fomos sair de lá umas 10 horas da manhã. Até aí não tinha comido nada, aí passou um trem de passageiros da segunda classe lá: “Que você tem aí?” “Tenho pão e linguiça.” “Você joga esse trem para cá.” Aí comi o pão e linguiça. Aí acabou ali, a gente foi para Valadares, aí caiu uma outra tromba d’água entre Valadares e Vitória, mais ou menos na metade do caminho, vamos para lá. Era um negócio muito mais grave, 10 metros de altura por uns 20 de comprimento, estavam lá os trilhos no ar, né, aí veio uma tromba d’água de cima do morro e levou tudo.
P/2 - Levou tudo embora.
R - Bom, aí foi uma loucura, né, porque só fomos dar passagem no outro dia sete horas da manhã.
P/1 - Eram numerosas as equipes para tratar de um assunto assim?
R - Ah, era numerosa, naquele tempo a gente passava muito no telefone, eu dizia assim: “Tenho uma equipe de socorro com o trator embarcado.” E as turmas, que eram todas de dez homens, né, “Você desce a turma tal, tal, tal, desce a turma tal, tal, tal; sobe a turma tal, tal, tal; desce o trator tal, sobe o trator tal e vai tudo para lá”, entendeu. Isso eram os acidentes com tromba d’água, né, e tinham os acidentes de tombamento de veículo. Teve um outro que um dia eles me chamaram e disseram: “Olha, nós estamos com a previsão de 48 horas para dar passagem no trem de minério e tem uma porção de navio esperando no porto, então você vai lá, vai para lá, dá um jeito lá.” E era assim, um local muito ingrato, porque era um muro de cinco metros de altura, a gente chamava aquilo de muralha da China, enorme, né, e embaixo era o rio. Nós chegamos no local já estava com dois mestres, um tomava conta de 100 quilômetros, outro de 100 quilômetros e tal. Começamos a conversar, eu falei: “Escuta uma coisa, não dá para a gente fazer uma variante por aqui não?” Tinham 31 vagões carregados, cada um com 90 toneladas, tudo assim embolado, viu, aí o mestre falou assim: “Ô, se tirar aquelas casas dali.” Umas casas assim no aterro, né, na margem do Rio Doce.
P/2 - Casa de ocupada, com pessoas?
R - É, era ocupante, invasor. Eram casas pobres, então depois que tirar aquelas casas podemos fazer uma variante. E aí a previsão passa para dez horas, invés de 48. Eu falei: “Então tá legal, chama o pessoal aí das casas.” “Escuta uma coisa, cada um de vocês quer ganhar uma casa nova.” “Claro que nós queremos.” “Então tá legal, então você pega seus trecos, os homens vão te ajudar a carregar, vocês vão lá para a estação, eu vou aterrar a casa de vocês.” Então aterramos as casas, jogamos um vagão no rio e fizemos uma variante de 200 metros, deu passagem em dez horas.
P/1 - Jogaram o vagão no rio?
R - Claro, amarra o cabo de aço, joga lá, depois pega, aquilo não valia nada perto de… Eram 150 vagões carregados de minério, dos quais 31 tombados, o que era um vagão? Não era nada, um monte de navio esperando no porto.
P/2 - Era muito comum esse tipo de acidente nessa época?
R - Tinha bastante, nesse dia deu três, nesse dia.
P/1 - E nessa época não tinha celular, não tinha e-mail, né?
R - Nada, não tinha nada disso.
P/1 - Tinha estação, telefone?
R - Aí você tinha que ir na estação, tinha um chamado telefone seletivo, que você pendurava no fio, na fiação, e dali você falava com a estação ou com o centro lá em Vitória, entendeu, para se comunicar, para pedir recursos às vezes: “Manda mais tantos vagões de brita ou de pedra.”
P/1 - Era telefone ou era rádio?
R - Telefone, quer dizer, você pegava uma vara assim, um V, e tinha um gancho em cada ponta, você ia lá e pendurava num fio, aí você estabelecia comunicação, tinha aquele aparelhinho que tinha aquela bolsinha de couro, né, encaixava ali, você e falava, né?
P/2 - Que tipo de mão-de-obra que trabalhava na ferrovia?
R - Mão-de-obra, vamos dizer assim, treinada porque muito serviço, ele já eram treinados, mas tudo analfabeto, quer dizer, realmente o nível era muito baixo, né, a não ser os engenheiros e os mestres de linha, mesmo os mestres de linha eram veio de trabalhador, então ele não tinha instrução, né, agora eram pessoas extremamente experientes. Teve muito acidente bravo que foi até engraçado porque tinha um colega aqui do Rio, o Valdir Jurema, estava lá em casa passando uns dias, ele ia trabalhar em Vitória, e aí o telefone toca, e era um acidente, eram 60 quilômetros de Vitória, então eu falei: “Quer ir ver um acidente?” Chamando ele de baixinho, que ele era baixinho mesmo, ele: “Então vamos embora.” Então nós fomos, chegamos lá eram sete, 14 vagões tombados, mas tinham sete empilhados um em cima do outro, vagão vazio, o choque foi com o aparelho de mudança de via, desviava, quando engancha uma roda ali aquilo vira uma loucura. E aquilo ficou a dois metros de uma casa de madeira que tinha perto da ferrovia de uma velhinha surda, (risos) quando ela saiu na porta e viu aquele bagulho todo empilhado assim, um edifício, a velha quase desmaiou. (risos) Também era uma previsão absurda, né, mas disseram de noite com a lanterna, fui com o mestre de linha, olhei: “Ih, Messias, isso aqui é terra, não é rocha não, se a gente fizer uma variante aqui a gente dá passagem em dez horas de novo, né, mais ou menos a previsão que para uma variante de 150, 200 metros.” E depois vinha o socorro para tirar os vagões e tal e foi...
P/2 - O negócio era lá o que fazia variante para seguir.
R - Se pudesse, às vezes não podia, as vezes tinha que tirar os vagões todos e demorava muito mais, né?
P/2 - Tinha casos de ter que ficar 48 horas mesmo?
R - Difícil, é difícil porque tinha recurso, né, e, vamos dizer, eu nunca peguei um acidente que eu me lembre de ter durado 48 horas. Agora tinha às vezes, por exemplo, barreiras enormes, lá na região de Minas Gerais, que caía aquela montanha em cima da linha, e aquela terra úmida, né, então para tirar era difícil, né?
P/1- A maioria era acidente sem vítimas?
R - A maioria era acidente sem vítima. Eu vi, eu vi não, era para chocar com o automóvel linha que eu ia, chocava-se dois trens de carga, e eu cheguei na estação, me chamaram no telefone, eu era o chefe da linha, então eles falaram: “Nós estamos esperando o choque de um trem. Entre um trecho e outro houve um erro da agência, vai dar essa memória, dificilmente vamos perceber antes” E realmente... Aí eu fui para o local, né?
P/1 - Ficou sabendo antes de acontecer?
R - Antes de acontecer e se eu tivesse um pouco mais cedo ia chocar contra um automóvel de linha, né, na inspeção, e aí ia morrer gente, mas tudo bem, não morreu ninguém, quer dizer, alguns se feriram, mas tudo bobagem, chama a ambulância, né, e manda, tinha rodovia perto.
P/2 - Com trem de passageiros nunca?
R - Não, com trem de passageiros, que eu me lembre, não.
P/1 - Queria perguntar, no dia do manda o pão e a linguiça, pediu para quem? O trem que ia...
R - Para o vagão restaurante do trem, o trem ia para... do próprio trem.
P/1 - Mas não era um trem de carga?
R - Não era não. Esse do pão e da linguiça era de passageiros, né? Entendeu?
P/1 - Mas aí pensei que fosse um trem de carga...
R - Não, era um trem de passageiros. É o primeiro que passa quando a linha fica livre, né, passageiro tem prioridade, né?
P/1 - Como é que funciona esse fluxo da carga e do...
R - Isso são trens, um enfileirado por outro, tem as estações, nas estações tem um desvio, então um trem entra no desvio, outro passa. Então a prioridade é para o trem de passageiros sempre, né, então o trem de passageiros tem horário, né, depois eu diria que a preferência era para o trem de minério carregado para poder abastecer os navios, né?
P/1 - Mais que o de passageiros?
R - Não, mais do que o vazio subindo. E depois vinha o trem de carga, entendeu, são as três: passageiro, trem de minério carregado ou vazio, dependendo da necessidade, né, e depois o trem de carga.
P/2 - Esse trem de carga nesse período transporta o que?
R - Óleo, madeira, tudo que você possa imaginar de tombou, não sei o que, tudo o que é carga em geral, que não seja granel, vai.
P/1 - Nessa época como é que fazia, como era carregar o minério enfiado dentro dos vagões?
R - Era o seguinte, tinha um carregador de vagão, então você tinha uma pêra, que é uma curva em formato de pêra, que ela afunila e então vai, então o trem de 150 vagão chegava, dava a volta e depois ele parava em baixo de um chute, então aquilo abria enchia um vagão, entra outro vagão, vai. E na descarga antigamente era pelo fundo do vagão, pegava o vagão, sacudia ele, né, chamava de shake out, quer dizer, de sacudir, aí depois eles fizeram o chamado espécie de car dumper, quer dizer, eles pegavam o vagão de 900 toneladas e virava ele inteirinho, despejava o minério no fundo.
P/1 - Como em carroceria de caminhão?
R - É que nem carroceria, mas só que era para o lado, né, e a carroceria de caminhão vasculha assim para trás, e aí ele pegava o vagão fazia isso: rodava todo o equipamento, rodava e caía no fundo. Dali corria a transportadora, né?
P/1 - Uma esteira?
R - Uma esteira e ou ia para o navio, ou para o pátio de estocagem no porto.
P/1 - E que tipo de minério era, era o maior ou era outro?
R - De todo o tipo, tinha o fininho que era usado na usina, que o Élder foi o primeiro que tomou conta, e tinha de várias granulações, né, em vários tamanhos.
P/1 - Esses minérios que vão atravessando, não vai caindo tudo fora não?
R - Não.
P/1 - Como é que é embalado?
R - Não tem embalagem, joga dentro do vagão e fica aberto ali.
P/1 - E o fininho?
R - O fininho não tem problema, ele não voa não, pode voar ali uma camadinha, mas é bobagem, entendeu, ele tem um peso específico muito alto, né?
P/1 - Esses trens eram de onde, eles foram construídos onde?
R - É, a maioria, quer dizer, os vagões eram construídos em empresas paulistas, Cobrasma, Santa Matilde e tal, as locomotivas eram todas importadas, né?
P/1 - Da onde?
R - Da General Motors basicamente, o motor era uma locomotiva a diesel. E esses vagões foram inclusive concebidos em conjunto com fábrica e Vale do Rio Doce, porque era para uso específico da Vale, né? E eram, possivelmente era o maior cliente que eles tinham, né, porque a Vale tinha o maior dinheiro e investia cada vez mais.
P/2 - Havia um investimento ali, nesse período teve alguma transformação tecnológica na ferrovia, houve mudança?
R - É, houve várias, porque quando eu digo que os primeiros vagões eram descarregados pelo fundo, isso é um tipo de tecnologia, quando você pega o vagão inteiro, e o vagão era de 72 toneladas, eles passaram para 90 e depois basculava o vagão todo. Era uma mudança de tecnologia significativa, além de outras, né, que o trilho era, vamos dizer, de 12 centímetros de altura, passou para 17, né, e tinha 35 quilos de peso por metro e passou para 57 quilos, né, isso foi outra mudança. E depois do dormente tratado, brita para poder...
P/1 - O que é um dormente tratado?
R - É quando você pega uma árvore e faz dele aquele dormente, dormente você sabe o que é, né?
P/1 - Sei.
R - Depois eles tratam ele com creosoto, eles imergem ele numa instalação de tratamento de dormentes, ele dura mais, né?
P/1 - Preservação de antemão.
R - Preservação para poder não sair na barata, né?
P/1 - E depois dessas inovações, vieram outras?
R - Sempre teve porque, é claro, por exemplo, depois tinha um carro de inspeção da linha, né, que ia medir o efeitos e isso tudo gráfico, entendeu, para poder auxiliar na inspeção da linha para evitar acidente, né, tudo isso. Fora uma série de outras coisas que a gente, de certa forma em conjunto com a indústria nacional, a gente procurava melhorar. Quer dizer, parafuso de aço especial, trilho de aço tratado, para poder durar mais e quebrar menos, e vai por aí a fora. Então isso era um processo contínuo de melhoria e eu fui o que implantei a parte de mecanização, né, porque antigamente eram uma turma de dez homens para cada 10 quilômetros, tá. Então com a mecanização a gente transformou isso numa turma de 15, 16 homens para 50 quilômetros, além de outras turmas mecanizadas que você tinha equipamentos para socar a brita, compactá-la em baixo do dormente, outra para tirar aquela brita, limpar e retornar, outras para pregar o prego e por aí vai, né?
P/1 - Esses operários, eles aprendiam no fazer?
R - No fazer, claro também sempre tem um que ensina para o outro, entendeu, então era um processo de aprendizagem.
P/1 - E como é que o senhor se sentiu, um jovem acabado de se formar tendo que comandar, como o senhor disse um pouco atrás, então não tem outro, tem que ser você, como é que foi?
R - Bom, a gente, como diz o outro aí, trabalhava que nem um mouro, né, trabalhava 12 horas por dia.
P/1 - Mais a solução dos problemas que não apareciam.
R - A gente tinha que meter a cara no livro, estudar, né, e ver outras coisas em outros países, em outros locais, então eu fiz estágio na Paulista, que era a melhor ferrovia brasileira na ocasião, eu fui ao exterior várias vezes, para sempre...
P/1 - Em que país que era a maior tecnologia na época?
R - É, a maior tecnologia depende da filosofia, para trem de passageiro era a Europa, que não era o nosso caso, para trem de carga era os Estados Unidos. Então teve uma viagem que eu fiz para analisar a aquisição de um simulador, um simulador de trens, que no fundo era… Eu vi vários modelos. Um modelo era uma fábrica da Singer, eles tinham até simulador de vôo, de avião, e o que era avião de bombardeio da marinha americana, o que ele tinha uma parte que ele detectava submarinos e a outra parte que ele bombardeava submarino, então aquilo tudo é feito numa cabine, tudo com filme. E era a mesma coisa a filosofia do trem, quer dizer, eles botavam uma cabine de locomotivas e um quadro de comando como se fosse uma locomotiva e um quadro de comando para o instrutor. Então a linha era filmada, o maquinista que estava sendo treinado sabia que naquelas condições topográficas ou de rampa, ou de curva, ele tinha que dirigir daquele jeito, e de vez em quando o instrutor jogava um boi no meio da linha para ver como que o sujeito reagia, entendeu. Então era um negócio assim, mas eu não consegui implantar isso na Vale, naquela ocasião.
P/2 - Por quê?
R - Era um negócio assim um pouco para a frente demais, né, e, vamos dizer assim, teria que ser demonstrado a economia, né, e demonstrar tem coisa subjetivas. Quer dizer, como é que você demonstra que não vai dar acidente? Então realmente eu não consegui, fiquei com pena porque era uma coisa, eu acho que ia melhorar muito o nível de maquinistas, né, e eu acho que ia reduzir os acidentes, mas infelizmente.
P/2 - Diga uma coisa para gente, quantos acidentes eram erros humanos, quantos eram problemas...
R - A maioria, eu diria, era mais erro humano, entendeu, às vezes porque o sujeito não manteve o vagão ou não manteve a linha, entendeu, claro que tinha o acidente de quebrar uma roda de um vagão, aí dava um acidente grave, né, mas esses eu diria que eram menos frequente que os de falha humana. Muitas vezes havia um acidente você não sabia porquê, porque que tinha acontecido. Você ia examinar a linha, a linha estava boa, não era para dar acidente e não descobria nada no vagão. Então esse era uma frente constante de preocupação para a gente pelo menos aprender para o próximo, né?
P/1 - E muitos ficaram assim?
R - Muitos ficaram sem saber, né?
P/1 - E se perdia muito material?
R - É o material, no caso aí, quer dizer, o material era valioso, é claro que era valioso, mas eu diria que o material mais valioso era o minério de ferro, ele era exportado.
P/1 - Não, é isso que eu perguntei.
R - Não perdia nada porque tinha montanhas e mais montanhas lá em Minas Gerais, né? Aquilo… Um vagão não representa nada, dez vagões não representam nada, eram, sei lá, seis, sete trens por dia, cada um com 150 vagões.
P/1 - É, mas no caso, mesmo que valesse ou não valesse, caía aquele monte de minério...
R - Larga para lá.
P/1 - Larga, não vai lá pegar.
R - Não, não compensa, tem mais de onde esse veio, e realmente o trabalho não pagava o preço.
P/1 - Mão-de-obra?
R - É, não pagava, e o tempo, né que se perdia para fazer.
P/2 - Você ficou na chefia da via de linha até quando, qual classificação você dá?
R - É, em 1961, eu fiquei 1959 e 1960 de residente, depois de 1961 até 1963 eu fiquei com aqueles negócios lá. Em 1968 eu fui convidado para assumir uma das assistências,eram quatro assistências, né? Tinha assistência de operações, assistência de via permanente e engenharia, assistência de controle de finanças e assistência de recursos humanos. E eu fui convidado para assumir a assistência de controle de finanças, porque uma pessoa de lá venceu o superintendente geral de controle no Rio. Então eu assumi lá, depois fundi a parte de recursos humanos, aí ficou controle, finanças, material, patrimônio, Engenharia Industrial, que eu criei, e mais a parte de recursos humanos. E eu fiquei um ano nessa função, depois eu fui para o Rio para ser o superintendente geral de administração.
P/2 - Esse período que o senhor quer dizer, o senhor participa ali na ferrovia, todo esse esforço, digamos, da Vale em torno do porto de Tubarão, quer dizer, como isso foi vivido pela ferrovia, como que isso foi sentido?
R - As ferrovias se adequaram, eu diria, às circunstâncias, porque o que aconteceu na prática? Aconteceu na prática que o Eliezer assumiu em 1961 por aí, ele fechou um contrato com o Japão, mental, de exportar minério para o Japão, e foi daí que surgiu a idéia do Tubarão, porque em 1959, nós estávamos exportando três milhões de toneladas, e em 1961 inaugurou a primeira instalação de minério para seis milhões de toneladas e o Eliezer já estava falando em 20, foi aí que veio Tubarão, que foi inaugurado em 1964 com Castelo Branco. E daí foi só crescer, chegou a transportar na ferrovia 100 milhões de toneladas por ano, entre minério e carga.
P/1 - Eu estou esperando para perguntar, a influência para bem ou para mal que o regime militar teve em todo esse desenvolvimento?
R - Olha, eu diria que para a Vale do Rio Doce não afetou, porque a primeira pessoa que entrou foi o Jânio Quadros, antes do regime militar, né? O Jânio Quadros, com a assessoria dele colocou o Eliezer na presidência, o Eliezer aí fez aquela revolução, bom, dali ele foi Ministro de Minas e Energia, e quando veio a revolução em 1964, ele saiu e ficou até no index, né, porque ele foi ministro do Jango. O Jânio foi e renunciou, entrou o Jango lá, e ele foi ministro do Jango. Então como veio aquele negócio de Brizola, não sei o que e tá tá tá, então o Eliezer ficou um pouco, depois foi resgatado e tal. E aí veio a revolução para fazer como se alguém quer, desde do Jânio que tinha isso… Mas realmente eu acho que o que aconteceu na prática é que as pessoas que iam lá para averiguar como a Vale estava sendo administrada, acabavam vestindo a camisa da companhia, entendeu, como eu vi, mais de um, Paulo Lima Vieira, que era um homem sério de Minas Gerais, foi convidado para presidente da Vale, e chegou lá assim meio ressabiado e tal, mas ele viu que ali você trabalhava para burro, né, que aquilo o sujeito se tirava, vestia a camisa e ele vestiu a camisa também, entendeu? Eu diria que não chegou, chegou a prejudicar bem depois, em 73, havia uma briga do Geisel com a Vale do Rio Doce, o Geisel era presidente da Petrobrás, e a história que me contaram foi, me foi contada pelo João Marcos Dias, que era o diretor-presidente da Docenave. E na ocasião estava se formando também a Fronape, que era a frota de graneleiros da Petrobras, de navio de óleo. E houve um quiprocó qualquer lá que a Petrobras queria impor um contrato a Docenave, o cara não aceitou, e quando o Geisel entrou na Presidência da República ele mandou arrasar a Vale do Rio Doce, aí mandou um presidente lá maluco, né, Fernando Antônio Roquette Reis, e eu inclusive tentei derrubar esse homem, né, Marechal Lindenberg que era o vice-presidente. Mas o Geisel, ___________, Golbery e companhia limitada ignorou o marechal, e eu então saí da Vale, nessa ocasião eu saí da Vale.
P/1 - __________________?
R - Ele era o Ministro das Minas e Energia quando o Geisel era Presidente da República. Então eu saí, eu botei meu passe a venda, em 1974, isso aí no final de 1974, e aí o Rony me convidou para a Sulamérica e o Marcos Viana, que estava como presidente do BNDES, me convidou para assumir três empresas que ele tinha comprado em Pinhatari, e eu então fui para esse negócio aí.
P/1 - Aí já saiu de vez da Vale?
R - Nunca mais voltei.
P/1 - E só uma consideração assim geral, o fato de ela ter sido nessa época uma estatal, e não uma empresa privada, isso foi bom ou foi ruim, como é que o senhor analisa isso?
R - É difícil dizer, né, porque a gente tem empresas privadas bem sucedidas, várias, Bradesco...
P/1 - Mas inserido naquela época, até onde o senhor sabe?
R - Eu acho que foi melhor ser estatal, né, foi melhor ser estatal porque permitiu o grande salto da Vale do Rio Doce, porque é, vamos dizer assim, um país como o Japão que foi, vamos dizer, a mola propulsora, porque garantiu contratos de longo prazo e vultosos, né, quer dizer, para ele negociar com uma empresa privada teria muito menos confiança do que negociando com o governo brasileiro, né, isso é um sentimento pessoal meu. Então eu acho que na ocasião foi muito importante que fosse estatal, né?
P/1 - Mas você acha que era porque era uma negociação com o governo, porque os japoneses e o governo dava certo esse tipo de negócio?
R - Dava sim, deu certo porque, vamos dizer assim, se a Vale tinha um financiamento, a Vale era um tesouro nacional, então para não pagar precisa quebrar o país, né, então já viu.
P/2 - Esse sentimento que o senhor comentou do Paulo Vieira, por exemplo, quando ele... do que deriva isso, de onde que o senhor acha que essa coisa de vestir a camisa, porque o funcionário da Vale vestia a camisa?
R - Quando você chega num local, onde é questionado, e você vê o que você encontra é gente que está trabalhando para burro, que não tem safadeza, quer dizer, então o cara vai dizer: “Pô, eu estou lhe dando com uma equipe séria, dedicada.” Então ele também sendo um homem sério, era um homem da iniciativa privada, né, ele falou: “Poxa, então eu não posso tumultuar uma equipe dessa, eu tenho que administrar, mas dando força ao pessoal, entendeu? Isso que eu chamo da pessoa vestir a camisa, né, no final nego que queria meter o pau, acaba defendendo a equipe da Vale, sendo um recém chegado.
P/2 - Era o trabalho, quer dizer, a capacidade de trabalho que é o grande diferencial da equipe da Vale?
R - Eu acho que a grande diferença da Vale para outras empresas públicas brasileiras, sem exceção, era o fato de que você não tinha horizonte, né, quer dizer, você é como as vezes a gente dizia, “o difícil eu estou fazendo hoje, o impossível eu vou fazer amanhã”, né, a gente tinha um slogan desse tipo porque a gente procurava se superar. Quer dizer, então vamos exportar 20 milhões, agora vamos exportar 50 milhões. Então tudo que vinha atrás tinha que se adequar aquilo, e não tinha bandeira, não tinha nada, mas também é aquele negócio, era preciso ver isso, isso é onde? Pega o avião e vai, pô. Então é aquele negócio de bola para frente, que eu diria que fez a Vale do Rio Doce, eu acho que foi por aí, né?
P/2 - Essa, eu estive pensando nessa coisa dos 20 milhões, 50 milhões, quer dizer, essa sinergia da Vale, né, do complexo sistema de unir a ferrovia ao porto, isso foi fácil ou foi uma briga juntar essas equipes, ferrovia, quer dizer, por trás do sistema há pessoas, técnicos, especialistas, como é que foi isso?
R - Olha, eu diria que não houve muita dissensão, né, porque o objetivo era comum, né, quer dizer, se um falhasse todos falhavam, se a mina não produzisse, a ferrovia não transportava e o porto não embarcava. Então é aquela história, você desde rapaz, rapaz, recém formado, o cara diz assim: “O importante é o navio lá, nós temos que mandar esse minério para o Japão, para a Europa, para não sei o que, então vamos nos adequar a isso.” Todo o mundo trabalhava para aquele objetivo. É claro que toda a empresa tem as suas distensões, suas bobagens, né, mas não podia esquecer o objetivo, meu, isso aí passava por cima de todo o mundo. Então eu acho que isso aí foi o que fez a equipe da Vale, entende, foi um negócio, foi um período bonito, né, um período interessante, que se conseguiu fazer.
P/2 - E Arildo, eu queria entender um pouco essa passagem sua, quer dizer, você está ali na ferrovia, uma parte na tecnologia e vai para a administração, finanças e...
R - Mas isso tem razão. Eu acho que a razão foi o seguinte: que em 1963, eu fui convidado pelo homem que era o controle na ocasião na ferrovia de ser assistente dele na faculdade, né, que era um curso de economia e estatística. Bom, o que aconteceu? Meu chefe virou e disse assim: “Olha, você foi indicado assistente do Clodoaldo, Clodoaldo Mota, e tudo bem, agora tem um detalhe, você não pode fazer feio lá e você não pode deixar de reunir aqui.” O que aconteceu na prática, né, eu trabalhava de 7 da manhã até 7 da noite, né, bom não podia corrigir prova, nem preparar aula no serviço porque não dava tempo, então eu chegava em casa, jantava 7 horas, 8 horas eu sentava no escritório que era um quarto lá que era o escritório, trabalhava até meia-noite, acordava às 4 da manhã para preparar aula ou corrigir prova e dar aula quando tinha aula, três vezes por semana. Depois de um ano e meio nessa batida eu tive uma estafa, né, pifei, pifei. Com 11 anos sem férias, direto, então pifei. Fui para a Estação de Águas, fui lá 12 dias, então eu voltei, começou tudo de novo. Então talvez tenha sido por isso, que o Dias Leite nessa ocasião, em 1963 por aí, ele era da Icotec, né, 1964, e depois ele foi ser presidente da Vale mais para na frente, e a gente acompanhou toda aquela parte de custos, de contabilidade que ele estava idealizando para a ferrovia, né, então foi por isso que talvez eu fui lembrado para dar essa guinada que eu já era professor de economia e estatística, né, estatística foi só um ano, depois só economia durante 7 anos, de 1963 até 1970, e eu fui para esse cargo em 1968, né, na assistência de serviços complementares, daí a sua resposta.
P/2 - E qual era realidade que você encontrou ali financeira?
R - Não, a realidade que é aquela história, você tinha nossa área 1200 pessoas, então você tinha assim 95 contadores, achei um absurdo, aí botei 30 na rua, reduzi, todo o mundo ficou com raiva de mim, não sei o que e tal. Juntou a parte
pessoal, com a parte de controle, finanças e tal, foi uma pauleira, né, porque é um negócio assim, bravo, né, aí pior é que nós chega lá tinha só de inspetor de polícia, bota-se inspetor toda a hora, que era inspetor de polícia que não, aí quiseram me matar, levei umas ameaças de morte e tal, e vamos para frente, quem quer matar não anuncia, né, não manda recado, mata.
P/1 - Mas por que eu não entendi o inspetor de polícia?
R - É porque tinha uma área de segurança da ferrovia, mas eu achava que aquela área de segurança não somava nada, eu chegava: “Eu não quero essa área de segurança, esse inspetor de polícia, dispensa todo o mundo, pô, acabou, eu não quero isso aqui não está somando nada.” Então ainda começaram a telefonar para a minha casa, minha mulher: “Estão ligando para cá dizendo que vão te matar.” “Que vai me matar nada, o cara que vai me matar, ele anuncia, o cara mata, pô.” E depois eu acho que um amigo meu, que também, o Hélio Ferraz, pegou e readmitiu dois no porto, né, que era da ferrovia, que eram os mais exaltados e tal, bola para frente.
P/1 - Pois é uma boa coisa, como é que era a relação sua com a chefia do porto?
R - Muito boa.
P/1 - Como é que isso rolava?
R - Ah, rolava, no caso do porto a interface era pequena, porque a interface o que era, era fazer as linhas de circulação dos trens no pátio, era não ver a interface do vagão chegar, mas essa interface era muito mais entre a área de operações e a área portuária, né, porque o trem tinha que chegar na medida que o porto estava preparado para descarregar, embarcar o navio e tal. A interface do porto com a ferrovia era via área de operações, quer dizer, a maior interface que existia era entre a via permanente e a área de operações porque ali é que era a briga, né, o acidente foi por causa do vagão ou foi por causa da linha, né, então, e também ____________ a manutenção da linha com a operação dos trens, né, com a circulação dos trens, então a interface ali era muito grande. Mas eu achava assim, era um relacionamento muito bom, quer dizer, não via assim uma briga de um querer comer o outro, querer derrubar o outro, e vi isso mais atrás, mas realmente eu vi quase quando eu cheguei lá, né?
P/1 - Conta para a gente.
R - Eram duas linhas de pensamento, uma mais voltada para a área de construção civil e a outra mais voltada para a ferrovia, para a linha. Quando o Eliezer assumiu, ele mudou tudo, né, em dois meses ele mudou tudo. Que ele tinha o objetivo de desenvolver a ferrovia para o pulo maior que era exportar mais, entende. Então a área de construção civil era uma área secundária, não interessava fazer casa, pintar casa, não interessava fazer isso. Isso foi a única dissidência que eu vi assim, assim que eu cheguei lá por uma questão de formação mesmo, o cara era engenheiro civil, gostava mais de construção. Mas depois, quando o negócio começou a pegar fogo mesmo em termos de expansão, aí eu realmente não vi grandes dissidências não.
P/1 - E nem ali na mina, a mina também era...
R - A mina tinha uma interface com a ferrovia também para a área de operação, tinha que ter um trem lá para poder eles carregarem o minério no vagão. Então nós preparávamos o caminho para os trens chegarem lá, né, então a interface nossa era mais com a operação e a interface da operação era com a mina dum lado e o porto do outro, né?
P/1 - Qual é a dista assim do tempo que levava para da mina chegar ao porto?
R - Olha, você tinha 520 quilômetros da mina ao porto, isso na ferrovia, isso inicial, chamar assim, né, então tinha o minério que vinha de Itabira e ia para Tubarão, antes era para Vitória, depois é que foi Tubarão. Depois o Jânio Quadros fez um bilhetinho manuscrito para a Rede Ferroviária Federal, falou assim: “Entreguem o ramal de Costeira César da Vale do Rio Doce.” E assim, “Entregue o ramal, da rede ferroviária, entregue o ramal tal a Vale do Rio Doce.” Porque o Eliezer estava com a idéia de através desse ramal ir buscar minério de ferro lá da Ferteco para exportação. Então um belo dia eu recebo um telefonema: “Você vai lá receber o ramal, lá de Drummond até Costeira César.” Drummond ficava a uns 30, 40 quilômetros de Itabira, né, e ali entrava um ramal que era Rede Ferroviária Federal, então e mais, sei lá, 70 quilômetros e tal. Nós fomos lá receber o ramal, e ninguém sabia de nada, os agentes não sabiam de nada e foi uma coisa horrível.
P/2 - Tudo na base do bilhetinho.
R - É, e aí: “Vamos, se o homem mandou.” Mandou, vamos obedecer, o que vai fazer, vamos perder o emprego, pô. Então inicialmente eram 500 e poucos e depois somando tudo ficou cerca de 700 quilômetros, né, total. Então era essa aí, o trem levava, um trem de passageiros levava até Valadares sete horas, eram 300 e poucos quilômetros, ele andava 60 quilômetros por hora, e até Itabira ele levava o dobro, praticamente, porque é mais ou menos...
P/1 - Fazia Valadares-Itabira?
R - Fazia Vitória-Itabira.
P/1 - Mas passava por Valadares?
R - Passava por Valadares.
P/1 - E esse trem de passageiro também era a sua gestão?
R - Não.
P/1 - Não tinha nada a ver?
R - Nada a ver, porque isso é da área de operação, tudo que era móvel, locomotiva, vagão e tal era da área de operações, a gente chamava da parte móvel, toda a parte fixa, quer dizer, era trilho, dormente, brita, aterro a drenagem, isso tudo era...
P/1 - Ou seja, se você mantém aquela de carga também estava por tabela mantendo a dos passageiros, né?
R - Exatamente, então se tinha uma oficina de vagões de carros de passageiro e você tinha uma oficina de vagões de carga, entendeu, e tinha a oficina de locomotivas também.
P/1 - E você foi assim até que ano?
R - Eu fui, fiquei na ferrovia até 1970, eu fui para a área de controle em 1968 e em meados de 1970 eu fui para o Rio de Janeiro, aí fiquei de 1970 a 1975, depois eu saí.
P/2 - E nesse período de 1970 a 1975?
R - Eu fui superintendente geral de administração, né, de recursos humanos, benefícios, esse negócio aí, foi aí que foi fundada a Valia, né, eu também depois de 1972, eu fui fazer parte de um grupo que estudou Carajás, né, e então era uma empresa formada pela empresa de engenharia da Vale e pela empresa de engenharia da United States Steel, que a United States Steel que descobriu a jazida do Carajás e a Vale entrou e fizeram um joint venture. E aí formaram essa empresa, que chamava Valuec, para poder conceber aquele negócio lá no norte, né, e eu fui ser um dos diretores lá, diretor de planejamento, o Corsa Braga era o diretor-gerente, tinham dois americanos que eram do outro lado, mas era tudo dividido, todas as reuniões em inglês, todas as brigas em inglês, tudo porque eles não falavam...
P/1 - Uma coisa estrangeira, vai fazer prospecção e descobrir minério no país do outro?
R - Claro, porque tem alvará dando licença.
P/1 - Existe já um trato, uma coisa?
R - Claro, isso sempre existiu.
P/1 - Sim, mas às vezes tem movimentos políticos contrários.
R - Claro, mas era, vamos dizer, na ocasião a Meridional, que era a empresa subsidiária da United States Steel no Brasil, ela tinha licença, ela ia no Departamento Nacional da Produção Mineral e pedia um alvará, uma licença para poder pesquisar aquela área, tá?
P/1 - Bom, depois que pesquisado e encontrado...
R - Encontra, aí ela entra com um projeto no governo para poder explorar aquilo, aí o governo aprova...
P/1 - Eles entra em sociedade com uma estatal?
R - Não necessariamente.
P/1 - Quer dizer que essa história...
R - Nesse caso aí foi um entendimento que houve, quando descobriram era um negócio gigantesco e aí disseram: “Olha, essa coisa vai ser muito difícil no Brasil ir para a frente, se não for uma associação com uma empresa estatal.” Os americanos por bem ou pro mal concordaram, né?
P/2 - Mas faziam as reuniões em inglês?
R - Ah, porque nenhum deles falava português, a gente que tinha que falar inglês, pô, (riso) briga era tudo em inglês, o pau comia mesmo, era tudo bravo, porque todo o mundo queria mandar. E então, aí nós ficamos lá 1972, 1973, 1974, pesquisando uma porção de alternativas ferroviária, fluvial, alternativa para o Pará, para Maranhão, entendeu, e por aí afora... Era um negócio assim que ia alguns bilhões de dólares, o projeto acabou sendo feito pelo Eliezer com 3 bilhões e 500 milhões de dólares. Então esses três anos a gente ficou, reacumulando, superintendência da administração e projeto Carajás.
P/2 - E nesse projeto Carajás, que tipo de alternativa você colocaram ou decidiram nesse período, alguma coisa, o que foi, lá na frente?
R - Como assim?
P/2 - Quer dizer o projeto estabelecido ali...?
R - É, foi, teve coisas assim muito interessantes porque a jazida estava lá, aquela não mexe, né, e se você fosse para São Luís eram 900 quilômetros de ferrovia, se você fosse para o Pará eram 700 quilômetros de ferrovia. E aí começou a briga dos dois Estados para ir para um lado e para ir para o outro. E na ocasião a dificuldade estava que a costa do Pará era uma costa muito instável, então primeiro nós pegamos um levantamento, né, da marinha francesa de 1859, depois… Eu não, foi um especialista em porto, né, era o Paulo Augusto Vivacqua, depois ele pegou um levantamento feito em 1959, e aí viu as diferenças, depois ele fez um convênio com a marinha brasileira em 1972, 73 para poder fazer de novo o levantamento. E chegou a essa conclusão de que tinha uns bancos de areia que andaram um quilômetro, então por causa da foz do rio Pará, aquilo era uma bomba de água gigantesca. Então tinha que fazer assim uma correia transportadora no meio do mar de alguns quilômetros, a maior que existia era na Tasmânia com dois quilômetros, então era um processo muito sério de engenharia e um problema de confiabilidade do embarque. Isso deu uma pauleira que você não pode nem imaginar, quer dizer, aí entrou o clube de engenharia, o pessoal de fluvial, né? Nós estudamos cinco alternativas, né, cinco, sendo essas duas ferrovias, depois ir levando a ferrovia até a beira do rio, dali indo de barco até alto mar, para depois passar para o navio, cinco alternativas. E deu pauleira para tudo que é lado, a gente foi para o clube de engenharia expor tanto a ferrovia quanto o porto, quanto a mina e tal… E no final fomos lá para a Câmara do Deputados, né, o Mascarenhas é que era o presidente, aí fomos lá com ele para defender, o pessoal do Pará esculhambou com ele, né, o pessoal do Maranhão elogiou e já viu. Então foi a decisão correta, foi para São Luís, era muito mais seguro, muito mais confiável, era um porto natural, era o maior porto de granel do mundo, não é ainda porque Tubarão exporta mais, mas como condições naturais, você podia entrar ali sem mexer uma palha com um navio de 250 mil toneladas que nem existia ainda, depois você dragando entrava com 350 mil toneladas num navio, então era um negócio assim fantástico. Tinha que ser lá mesmo, não tinha jeito.
P/1 - E a descarga então ficou sendo?
R - 900 quilômetros do Pará, da Serra dos Carajás que é onde tem a jazida, até o porto de São Luís.
P/2 - E o Pará nunca perdoou isso até hoje?
R - Não, eu acho que ele se conformou dados os argumentos, quer dizer, os políticos não porque é um problema de prestígio político, mas eu digo, o pessoal do Clube de Engenharia, que defendia a solução fluvial, eles saíram dali dizendo: “Morreu, porque realmente os homens estudaram o negócio todo direitinho, né, foram até 1859, 1959, parara.” Então dali não tem reparos a fazer, porque a gente estava com todos os argumentos na mão, entendeu. Mas foi uma decisão difícil, né, porque mexia com muita gente.
P/1 - E essa decisão, que ano foi mais ou menos, que foi decidido, dada a discussão política?
R - Ah, foi decidido em 1974, 1974 foi decidido isso, aí nós consolidamos todos os relatórios, foram 53 relatórios de cada área, que foram resumidos em seis e depois foi resumido em um. E esse relatório, nós fomos aos Estados Unidos conversar com uma porção de bancos lá, né, para levantar o financiamento que na ocasião eram 900 milhões de dólar, mas como veio a primeira crise do petróleo, aí o negócio explodiu, né, depois o orçamento foi para cinco bilhões de dólares e acabou sendo feito por três bilhões e 500 milhões de dólares.
P/2 - Nesses estudos, nesse período aí, 1970, 1974, havia perspectivas ambientais, sociais, isso entrou em pauta ou não? Naquele momento isso não...?
R - Pouco, eu acho que essa onda da ambiental veio depois, né, esse zelo ambiental veio depois. Tinha outro tipo de problema, febre amarela grassando, né, aí o americano mandou vim no avião (aralém?), e chegou lá ninguém queria tomar (aralém?), e eu falei: “O que que eu faço? O pessoal está grassando febre amarela, vai dar nos trabalhadores, vai atrasar tudo que a gente está querendo fazer, que eu faço?” Falou assim: “Consulta um padre, cara, é o único cara que obriga, que ele pensa que é pílula anticoncepcional que não vai poder ter filho, então não vai tomar essa porcaria não, então você faz um convênio com o padre, dá um dinheiro para ele e tal, e aí ele resolve esse trem rápido para você, faz um sermão lá e então.” Resolveu, acabou resolvendo.
P/1 - Agora você falou que houve uma queda de 5 bilhões para 3 bilhões, como é que caiu?
R - Porque o barril de petróleo ele era três dólares e 60 centavos a importação, né, e então depois ele foi para 30 dólares o barril, depois ele caiu, então a flutuação gira por aí. E a gente importava todos os equipamentos, uma boa parte dos materiais para fazer esse tipo de investimento, né, então afetado diretamente por isso. Porque quando o petróleo subiu, todos os fabricantes de equipamentos subiram os preços muito mais do que o que seria razoável, né, então aí todos os projetos ficaram pela hora da morte.
P/2 - E nesse período que você está acumulando a Valuec e a administração e o controle, recursos humanos, quer dizer, como é que era a Vale nesse campo dos recursos humanos, que tipo de benefício tinha, era uma empresa inchada, não era?
R - Era inchada, era inchada porque ela tinha um problema sério, né, ela tinha cerca de 12 mil empregados e tinha sete mil contratados, mão de obra contratada, porque era um risco calculado de você ter que admitir aquele povo todo, e acabou correndo mais em frente. Então nessa ocasião a gente fez um estudo, quer dizer, eu participei dum estudo que foi chefiado pelo Clodoaldo Mota, que é falecido já, nós fizemos um levantamento de 800 turmas na Vale do Rio Doce toda e depois a gente analisou o que aquilo podia ser empreitado, terceirizado, isso foi em 1973, por aí, 1972, 1973, foi não, foi antes, um pouco antes, foi em 1970, quando eu estava ainda na ferrovia, nós fechamos esse baralho, né, e depois fizemos reuniões com todas as áreas, o que podia empreitar: “Ah, serviço médico pode empreitar, não sei o que pode empreitar, só não pode empreitar a instalação portuária, a instalação da mina, vagão, locomotiva e a via permanente, o resto pode tudo.” E com isso a gente conseguiria, terceirizando, acabar com aquela mão-de-obra contratada, né, mas no ano que eu tentei só consegui alugar três cômodos, então eu nem, não deu em nada, terceirizar era brincadeira de criança. Então depois que veio o tal de Fernando Roquete Reis ele, por causa dos problemas jurídicos que surgiram, acabou admitindo, sei lá, cinco, seis mil pessoas de uma vez.
P/2 - Foi essa a grande razão da sua briga?
R - Não, a grande razão foi outra, né, quando ele chegou na Vale ele trouxe um pessoal que ganhava, vamos dizer, 3 mil cruzeiros para ganhar 30 mil cruzeiros, e a maioria despreparada, né, pior, você chegar numa empresa como a Vale, naquela época já estava consolidada e ele querer tirar os 30 maiores executivos da empresa e botar a rapaziada lá, aí eu me insurgi, falei: “Não, vai fazer por cima do meu cadáver, né?” Então eu fui afastado, eu saí das funções, fiquei só na Valuec, saí de presidente geral e de administração também, e aí saí da companhia. Fui para Caraíba, quer dizer, fui para três empresas, fui para o BNDES, né, licenciado primeiro, fui em férias, 11 período de férias, fiquei lá de férias, né. Depois ele não quis dar licença, porque eu tinha me insurgido contra ele não devolvi o carro, nos 11 meses, eu tinha direito adquirido... Mariano Toríbio ligou para mim, falou: “Arildo, mandaram eu pegar seu carro.” Eu falei assim: “Mas só você ou vem um batalhão da Polícia Militar junto, porque você só não vai levar não, cara.” “Mundo gozado, nem falaram isso antes.” “Então vai dizer a esse cara aí que o carro não vai voltar não, está aqui comigo, já tenho o carro há 15 anos e vai continuar com o carro aqui até eu acabar as minhas férias.” Depois ele não quis me dar licença, né, aí o Marcos me pagou, o que eu ganhava na Vale, ele me pagou lá no BNDES, através das empresas que vieram ____________ e eu continuei lá, de 1975 a 1980 nesse projeto, que foi basicamente a Caraíba Metais e a Companhia Brasileira de Cobre no Rio Grande do Sul.
P/1 - Depois que o senhor saiu, ele pois lá, ele trocou todo o mundo que ele queria?
R - Trocou, trocou todo o mundo.
P/1 - Retoma aquele ponto que eu interrompi, desculpa.
P/2 - Eu ia perguntar a questão da Valia que o senhor tinha comentado?
R - É a Valia foi assim, foi uma decisão de diretoria, que eu não era da diretoria, era superintendente geral, e a diretoria resolveu que devia fazer uma fundação e claro foi copiado assim, a idéia surgiu, Petrobrás, Banco do Brasil, né, vamos fazer uma fundação para suplementar a aposentadoria, né, e nessas ocasião então eles formaram uma equipe que foi liderada pelo Luís Costa e Silva, que era um homem de finanças, e o Valter Faria, que era o meu homem de benefícios, trabalhava na área de... E os dois então bolaram, consultaram todas as fundações que existiam, consultaram idéia no exterior e tal e apresentaram um projeto que foi discutido por todo o mundo, e daí surgiu a Fundação Vale do Rio Doce Seguridade Social.
P/2 - Que foi bem recebido pelos funcionários?
R - Ah, foi, todo o mundo aderiu, porque era uma garantia de que você tinha uma aposentadoria decente, né, porque se fosse só pelo INPS, naquele tempo era INPS, não era INSS, né, seria ridícula, então foi bem recebida por todo o mundo.
P/2 - Esse período que o senhor sai da Vale, que tipo de trabalho o senhor desenvolveu, como é que foi a experiência que o senhor levou da Vale para lá e adquiriu também?
R - Bom, era um negócio assim meio pesado, porque você tinha três empresas, uma fazendo prospecção, ou seja, sondagem, sondagem não, mais pesquisa na Bahia, que era a Caraíba Metais, você tinha uma empresa em
produção, que era a Companhia Brasileira de Cobre lá perto de Caçapava do Sul, em Camacuã, e tinha em São Paulo a Companhia Brasileira de Zinco. E eu fui chamado, estava sozinho com a secretária emprestada, ela não tinha experiência nenhuma de secretariado, comecei assim, mas quase louco: “Quem é que vai entrar de férias na Vale do Rio Doce, vem para cá, passar as férias aqui comigo, vou te pagar para você ficar aqui comigo.” E foi montando a equipe, para resumir a história para você, a de São Paulo nós fechamos e jogamos a chave fora, né, tinha pouco, que não era rentável.
P/2 - A Companhia de Zinco?
R - Isso. Agora o Rio Grande do Sul tinha mil empregados produzindo, mas era uma produção pequena e ela fornecia para a de São Paulo. Então eu falei: “Olha, nós vamos parar esse trem aqui, né, e vamos pesquisar.” Então os mil que tinha lá a gente procurou alocar nas fábrica de calçado lá e tal do Rio Grande do Sul, e ficamos com 500 para ajudar a fazer pesquisa, para mapear melhor a mina, porque possivelmente ia fornecer matéria-prima para Caraíba Metais, que era a metalurgia de Salvador. E desenvolvemos um projeto na metalurgia, isso durou, teve viabilidade, em 1976, e a construção mesmo começou em 1977 e 1978 e foi até 1980 quando inaugurou a área de concentração, metalurgia não, metalurgia ainda estava em andamento, né, quando eu saí. Aí entrou política baiana, saí, né?
P/2 - Entrou a política baiana?
R - É, aí eu saí fora. Mas foi um projeto muito legal.
P/2 - Dali o senhor foi para...?
R - Dali eu fui para a iniciativa privada, né, fui para a Natron, ser o
vice-presidente não estatutário da Natron.
P/2 - A Natron é uma empresa?
R - De consultoria. E fui ser diretor comercial de uma empresa de consultoria, fiquei nesse negócio até 1985, já tinha saído da Natron nessa época e montei com outros dois uma empresa de consultoria nossa, de racionalização de empresas que durou 12 anos, quer dizer, a empresa ainda existe, ela ainda é minha, mas está desativada, porque não tinha mercado e a gente parou, né, mas foi de 1985 até 1997.
P/2 - Empresa de racionalização?
R - É.
P/2 - Que isso quer dizer exatamente?
R- Vou te dar o exemplo da Companhia Estadual de Gás, né, nós entramos lá e fizemos uma redução de 40%, pessoal.
P/2 - Do pessoal?
R - Quer dizer, a metodologia era de um sócio meu que desenvolveu e aplicava-se a metodologia, e eu fazia a parte comercial e a iniciativa financeira, né, era assim que funcionava, né, mas era para racionalizar a empresa, para reduzir custos, esse negócio aí, basicamente era isso, e treinar pessoal também, quer dizer, fazer com que o pessoal fizesse melhor a sua função e tal.
P/2 - É política de treinamento, corte de gastos...?
R - Isso.
P/2 - E que tipo de outras atividades o senhor desenvolveu desde então?
R - Não, depois disso é que eu comecei, eu já tinha começado antes, como terapia, porque mesmo nessa fase da empresa de consultoria, eu não era ocupado 100% porque, né, empresa pequena. Eu já tinha me dedicado mesmo muito a música, colecionar música, não sei o que, aí comecei a traduzir negócio de música, biografia de compositor clássico e tal, com base na obra do cara e foi um dos trabalhos que eu fiz, né?
P/2 - Como que é esse trabalho, uma tradução?
R - Não porque, por exemplo, eu tinha, eu fiz coleção de música, né, então como era mais barato, e eu gravei, de CDs alugados, eu gravei mil CDs clássicos e 1500 populares, tinha tudo catalogado e tal, de repente falei: “Bom, agora eu vou estudar um pouco mais, quer dizer, a história da música, a história dos compositores, a compilação da obra deles e tal.” E eu fiz aí umas mil páginas desse troço, para meu uso pessoal, né, para minha satisfação pessoal e terapia ocupacional, quer dizer...
P/1 - Mil páginas?
R - Mil páginas, traduzido da Enciclopédia Britânica e fora a pesquisa da obra de cada compositor.
P/1 - Mas você vai fazer o que com esse material?
R - Está em casa, eu não vou fazer nada por enquanto, um dia eu vou fazer alguma coisa, agora eu não posso fazer o que eu quero, mesmo...
P/1 - O que o senhor gostaria?
R - É, eu acho que uma idéia é você produzir um CD, e você poder gravar num CD, quer dizer, a história, a biografia de cada compositor e peças desse compositor, entendeu. Então era uma coisa assim interessante de se fazer, que podia divulgar, comercializar… Isso foi uma coisa que eu lidei durante muito tempo. E quando acabei, esgotei esse assunto, falei: “E agora, agora eu vou fazer pintura, né?” Aí comecei a estudar pintura, traduzi então para aprender, mas é mais a história da pintura. E aí me mudei para Vitória e a sobrinhada lá: “Ô, tio, porque o senhor não dá aula desse troço, não sei o que e tal.” Falei: “Para dar aula desse troço eu preciso de imagem.” E aí fui para a internet em função da história e dos pintores eu fui coletando imagens, cheguei a coletar mais de 1600 imagens, relativo a um período da Renascença até hoje, envolvendo mais de 400 pintores. E produzi um CD, que eu estou tentando até comercializá-lo, vamos ver o que dá, não sei se vai dar alguma coisa não.
P/2 - Com a história da pintura?
R - Com a história da pintura e as imagens relativas a essa história e a cada pintor que participou dessa história.
P/1 - Da Renascença para cá?
R - Isso.
P/1 - Como se chama esse CD?
R - História da pintura.
P/1 - Ainda não está lançado?
R - Não, eu não vou lançar no varejo, eu estou lançando para empresas que querem dar como brinde e tal… No varejo você precisa ter dinheiro para bancar e eu não tenho, então sem chance.
P/2 - Isso aí, de onde o senhor acha que vem essa paixão pela música, pela pintura, da onde surgiu isso?
R - Muito difícil de dizer, porque quando você tem muito tempo, você começa dar tratos à bola, né, então diz assim: “Eu vou fazer o que eu gosto.” E eu, depois que eu me separei a primeira vez, só me separei uma vez, então quando eu me separei, eu fui morar sozinho, então falei: “Eu preciso arrumar uma coisa com que me ocupar.” E foi com música. Bom, quando você esgota esse assunto, pelo menos dentro de suas possibilidades de desenvolver, você procura uma outra alternativa, aliás o que eu achei foi pintura, entendeu, quer dizer, eu quero aprender mais esse troço, quero conhecer mais, né, tal, então, aí foi indo. Agora eu estou escultura.
P/2 - Escultura agora?
R - É.
P/1 - Quer passar por todos, né?
R - É, mas vou também, já já vai acabar, né, não tem lá muito assunto não.
P/1 - E faz quanto tempo que você fez o segundo casamento?
R - Tem 18 anos, né, eu me separei com 23 anos de casado, com quatro filhos, e tinham quatro homens, do segundo casamento tem uma moça, está com 14 anos, vai fazer 15 daqui a um mês, então já dura 18 anos.
P/2 - E os filhos fazem o que, os quatro filhos?
R - Um trabalha em Vitória com um pessoal lá, ele está na área de agrícola, palmito, né, dois moram com a mãe na Bahia e o outro está aqui no Rio em informática, mexendo com informática.
P/2 - E seu cotidiano hoje, senhor Arildo, como é que é, como é que é seu dia a dia?
R - 90% em casa, no micro.
P/2 - No micro?
R - Basicamente isso.
P/2 - E como é que foi o aprendizado?
R - Em tênis, eu jogo, pratico esporte, né, jogo tênis.
P/2 - O senhor joga tênis também?
R - Quatro vezes por semana para ir lá fazer um exerciciozinho, né, fora disso mais nada.
P/1 - Aonde é que o senhor joga tênis?
R - No Ítalo-brasileiro lá em Vitória.
P/1 - O senhor tem netos?
R - Tenho um neto só, porque homem custa casar, né, (risos) homem é jogo duro.
P/1 - Quando casa, né?
P/2 - É isso aí. O senhor fizesse uma avaliação da sua trajetória de vida, o senhor mudaria alguma coisa nela?
R - Eu não costumo me arrepender de nada que eu faço não, sabe, mas realmente eu acho que se eu tivesse que voltar atrás, né, eu não vi meus filhos crescerem, porque naquela época pelo que eu falei aqui dá para vocês entenderem que era 98% para o trabalho e 2% para a família, então a mulher que cuidava de tudo, eu não vi meus filhos crescerem, comecei a dialogar com meus filhos quando tinham 20 anos de idade. Sentar, bater um papo, o que você está sentindo, não sei o que, porque não tinha tempo para nada, quer dizer, isso foi ruim. Isso foi ruim porque eu podia ter usufruído mais da evolução deles, né, e até participado mais e até eu diria ajudado mais, isso aí foi ruim, porque não aconteceu quando eu tive mais tempo para, a moça, então aí você está acompanhando desde pequeno e tal, né, foi muito legal. Isso aí é uma coisa que eu me ressinto, né, de eu não ter tido a visão na ocasião de poder equilibrar, era difícil equilibrar porque você estava muito envolvido no serviço, né. Mas de qualquer maneira eu acho eu se tivesse que voltar atrás, eu queria suprir essa lacuna, né?
P/2 - E o senhor tem sonhos, seu Arildo?
R - Eu? Sonho não, sonhar mais com quê?
P/1 - Objetivos ainda a frente?
R - Não, não tem mais nada, acabou.
P/1 - Como acabou, o senhor faz tanta coisa ainda.
R - Não, é o que eu estou dizendo, eu faço isso mais por uma satisfação pessoal e para uma terapia ocupacional, do que para alimentar qualquer sonho.
P/1 - Não teriam sido os objetivos lá atrás, esses da música e da pintura?
R - Não.
P/1 - Aproveitar o seu tempo agora para fazer o que o senhor gosta?
R - É isso, isso aí está certo, mas não como sonho, mais como terapia ocupacional e pelo menos você aumenta um pouco a sua cultura em geral, né, mas fora disso eu nem sei se vai vender nenhum CD desse aí.
P/1 - E viagem, o senhor não sonha em viajar?
R - Não tenho mais dinheiro para viajar, acabou, já viajei tudo que tinha que viajar, já fiz mais de 20 viagens ao exterior. Então hoje em dia não tem grana, né, acabou, aposentadoria e duas famílias, aposentadoria e eu saí numa época pior, né, em termos de, então tem, por exemplo, eu fui superintendente geral, então tem gente que saiu pouco depois de mim também nessa função e ganha 60% mais. E então você bota duas famílias em cima disso, já viu. Então a coisa não é fácil assim sonhar com nada, né, se for sonhar vai ter pesadelo, então é preferível não sonhar.
P/2 - Então vou fazer uma última pergunta para o senhor, o que o senhor achou de participar desse Projeto Memória da Vale do Rio Doce?
R - Não sei o que vai dar, mas tudo bem, eu acho legal. (risos)
P/2 - Tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar, que a gente perguntava, que o senhor acha importante colocar?
R - Não, acho que não, eu acho que já perguntaram tudo que vocês tinham direito e que eu podia responder, né?
P/2 - Então eu agradeço demais.
R - De nada.
FIM DA ENTREVISTARecolher