Precisei de aproximadamente quarenta e três anos para descobrir que não tenho mais dezoito...
Anos se passaram pela minha vida, mas meu coração não se dignou acompanhá-los.
Para ele, o cronômetro de minha vida zerou aos dezoito e, até hoje, revela-se no frescor da minha juventude.
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Precisei de aproximadamente quarenta e três anos para descobrir que não tenho mais dezoito...
Anos se passaram pela minha vida, mas meu coração não se dignou acompanhá-los.
Para ele, o cronômetro de
minha vida zerou aos dezoito e, até hoje, revela-se no frescor da minha juventude.
A fé do meu coração é tão forte, que é capaz de enganar meus olhos que, na maioria das vezes, ao olhar-me no espelho, ainda me vejo como tempos atrás. (Reservo aqui uma ressalva para os dias que nasce mais um cabelo branco, ou que os quilos a mais me deixam apertadas as roupas e a auto-imagem em frangalhos...)
Há uns dois anos atrás, portanto, já com quarenta e um, resolvi reunir a família para uma aventura: um passeio que fiz na juventude, uma das muitas histórias que tenho pra contar.
Subir a Pedra do Pedrão.
Tinha por volta dos dezessete, quando fiz este passeio pela primeira vez.
Na companhia de amigos fomos fazer um piquenique à nossa moda: pão com mortadela e tubaína! E para provar nossa disposição e fortaleza, um engraçadinho ainda resolveu subir a pedra levando algumas melancias.
Foi um passeio memorável e até hoje, quando nos juntamos, relembramos as risadas, as artes, momentos que se foram, mas que meu jovem coração resolveu partilhar com outros a beleza da vista do alto do Pedrão.
Uma vez combinados, todos em três carros, começamos a subir a primeira etapa do caminho.
Éramos ao todo dezesseis pessoas.
Meu coração, em suas artimanhas, convenceu todo meu corpo do prazer da aventura.
Tanto convenceu, que era eu a grande animadora da turma - até minha mãe do alto de
seus três infartos resolveu enfrentar o desafio. (Visto que iríamos de carro).
Na memória do meu coração, o caminho era fácil, curto, sem muitos obstáculos. Venceríamos sem dificuldades.
Na primeira subida mais íngreme, numa estradinha pedregosa, no meio dos bananais, o primeiro imprevisto: um carro a nossa frente fundiu o motor - não havia como ultrapassá-lo.
Nos vimos entalados, sem ter como subir ou descer.
Com muito custo e manobras arriscadas, à beira do precipício, conseguimos virar os carros.
Mamãe, minha cunhada grávida e meu irmão voltaram. Afinal, não havia porque arriscar...
Os fiéis sobreviventes eram cinco adultos e oito crianças e algumas coisinhas: um panelão de farofa de frango, várias garrafas de refrigerante, pães, bolachas, água e outros mais. (Muito mais que algumas melancias...)
Assim, nos colocamos em marcha. À pé!
Criança tem sete fôlegos.
Com todo gás, foram subindo com garrafas e sacolas à mão, sem sentir o cansaço e nem o calor das horas - já eram por volta das onze horas da manhã.
Nós cinco, íamos atrás, tropegamente.
Dimas, com o panelão de farofa. (Confessou que várias vezes quis jogar fora toda aquela farofa de frango caipira!)
Eu, arrastando meu filho mais novo (que detesta o calor), ainda iludida pelo meu coração que insistia em dizer que já, já, estaríamos
diante de toda beleza da vista
Só que meu coração não avaliou os anos a mais, os quilos a mais, a falta de preparo físico e tudo o mais.
O que o norteava era a antiga imagem da Anatália, quase menina, vencendo o percurso sem cansaço, nem desânimo.
Já arrastando, escondendo do sol pelas beiradas dos barrancos, escutamos os gritos das crianças que já anunciavam a vitória!
Quase engatinhando, chegamos ao fim da aventura!
Tanto céu azul, nuvens de várias formas, a vista de várias cidades, foram motivos suficientes para esquecer o cansaço.
Na bica de água pura, rosto lavado e corpo refrescado fomos explorar os arredores: flores, pedras, regiões de alpinismo, quantas belezas...
Feito o piquenique (Por sinal, a farofa da mamãe estava ótima e chegou ilesa graças à resistência feroz do Dimas!), fim do passeio: Hora da volta.
A descida foi a prova fatal para o meu coração, de que eu não era mais uma mocinha...
Pior que subir, foi descer.
O cansaço e a falta de preparo refletiram-se nos músculos da perna que se recusavam a ficar firmes. Eu não conseguia encarar a descida. ( Pelo menos não de pé!)
Precisei do amparo do meu companheiro literalmente. O apoio fiel da minha vida!
Hoje, faço quarenta e três.
E não sei porque,
relembrei este episódio pelo qual sou criticada e viro motivo de piada todas as vezes que avistamos de longe a Pedra do Pedrão.
Eu prefiro esquecer as entrelinhas e ficar com o presente maior: A beleza que só viu quem foi lá.
E eu fui. E melhor: Fui com aqueles de quem mais gosto!
Relembrar isto, hoje, coloriu de azul meu aniversário.
Acho até que acordou meu coração aventureiro!
Pois, depois disto, estou aqui matutando minha próxima empreitada: Chegar a Santos descendo à pé pela serra.
Mas não irei só!
Que graça tem ver o mar sem ninguém?
Portanto: Família, me aguarde!Recolher