P/1 – Doutor Osório, vamos começar pelo seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Osório Lutilis Silveira Martins, nascido em São Paulo, capital, aos 21 de fevereiro de 1943.
P/1 – Nome dos seus pais?
R - Abel da Silveira Martins e Marina Lutilis da Silveira Martins.
P/1 – Eles nasceram em São Paulo também?
R - Minha mãe, sim. Meu pai nasceu no interior, na cidade de Rio das Pedras.
P/1 – Interior de São Paulo?
R - Interior de São Paulo.
P/1 – E a atividade deles?
R - Meu pai era tabelião de notas, cartório. E minha mãe do lar, muito embora quando solteira tenha trabalhado em São Paulo como telefonista, na Companhia Telefônica Brasileira. Nos idos de 1936 ela começou a trabalhar.
P/1 – Na sua infância o senhor morava onde? Em que bairro?
R – Na verdade, eu nasci aqui em São Paulo por questões de afinidade da minha mãe com os pais dela, que moravam aqui em São Paulo. Em Rio das Pedras não tinha recursos e eu vim nascer aqui em São Paulo, mas eu me criei em Rio das Pedras. Com dois meses de idade fui para Rio das Pedras e lá me criei.
P/1 – E como foi sua infância lá? Como era a casa?
R – Minha infância foi muito boa. Nós morávamos numa casa com um quintal muito grande, meu pai plantava café no quintal e nós produzíamos café pra família toda. Tinha cerca de cem pés de café, que produziam três sacos de café em coco, que beneficiado dá um saco de café beneficiado. O suficiente para a família ter café o ano todo, a nossa e os irmãos dele.
Foi uma infância muito feliz, muito simples, mas muito agradável, numa cidade muito pequena.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho. Nós éramos cinco irmãos e uma irmã faleceu. Eu só tenho um irmão e, atualmente, duas irmãs. Meu irmão é oficial da Aeronáutica. Eu sou o mais velho de todos. Minha irmã trabalha em Brasília na FAAU e a outra irmã trabalha em Campinas, num...
Continuar leituraP/1 – Doutor Osório, vamos começar pelo seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Osório Lutilis Silveira Martins, nascido em São Paulo, capital, aos 21 de fevereiro de 1943.
P/1 – Nome dos seus pais?
R - Abel da Silveira Martins e Marina Lutilis da Silveira Martins.
P/1 – Eles nasceram em São Paulo também?
R - Minha mãe, sim. Meu pai nasceu no interior, na cidade de Rio das Pedras.
P/1 – Interior de São Paulo?
R - Interior de São Paulo.
P/1 – E a atividade deles?
R - Meu pai era tabelião de notas, cartório. E minha mãe do lar, muito embora quando solteira tenha trabalhado em São Paulo como telefonista, na Companhia Telefônica Brasileira. Nos idos de 1936 ela começou a trabalhar.
P/1 – Na sua infância o senhor morava onde? Em que bairro?
R – Na verdade, eu nasci aqui em São Paulo por questões de afinidade da minha mãe com os pais dela, que moravam aqui em São Paulo. Em Rio das Pedras não tinha recursos e eu vim nascer aqui em São Paulo, mas eu me criei em Rio das Pedras. Com dois meses de idade fui para Rio das Pedras e lá me criei.
P/1 – E como foi sua infância lá? Como era a casa?
R – Minha infância foi muito boa. Nós morávamos numa casa com um quintal muito grande, meu pai plantava café no quintal e nós produzíamos café pra família toda. Tinha cerca de cem pés de café, que produziam três sacos de café em coco, que beneficiado dá um saco de café beneficiado. O suficiente para a família ter café o ano todo, a nossa e os irmãos dele.
Foi uma infância muito feliz, muito simples, mas muito agradável, numa cidade muito pequena.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho. Nós éramos cinco irmãos e uma irmã faleceu. Eu só tenho um irmão e, atualmente, duas irmãs. Meu irmão é oficial da Aeronáutica. Eu sou o mais velho de todos. Minha irmã trabalha em Brasília na FAAU e a outra irmã trabalha em Campinas, num órgão do Ministério da Agricultura.
P/1 – Vamos voltar para sua infância. Como era? Tinha brincadeira com os irmãos? Como era o cotidiano da casa?
R – Ah, sim. Era uma infância muito tranquila. Numa cidade pequena, nós jogávamos bola, brincávamos. Foi uma infância muito gostosa. Andava com o pé descalço, vivia com a ponta do dedo do pé estourada, jogando futebol. (risos) Foi muito agradável.
Estudei sempre, todo meu estudo foi feito em escola pública. Antigamente era grupo escolar, depois ginásio, científico e universidade - tudo em escola pública. Muito bom. Os meus irmãos também fizeram escola pública, todos eles. E a escola pública naquela época era uma maravilha. Tinha um padrão maravilhoso, muito bom.
P/1 – Ainda voltando pra Rio das Pedras, quais as lembranças mais marcantes que o senhor tem da sua infância? Como eram as brincadeiras? O senhor era arteiro? Era bagunceiro? Conte um pouco.
R – Sim, era muito arteiro. Nós brincávamos muito e eu me lembro de um fato interessante. Foi uma traquinagem que nós fizemos. Um colega de grupo escolar - nós estávamos no quarto ano do grupo - tinha um tio que trouxe uma muda daquela laranja ponkan. Foi a primeira que apareceu, isso foi em 1953. Era uma novidade extraordinária. A laranjeira produziu no primeiro ano e tinha, talvez, uma dúzia de laranjas. Ele nos convidou pra ir buscar as laranjas do tio, e nós fomos. (risos)
Foi um problema danado, porque ele guardava aquelas laranjas, estava esperando amadurecer, e nós acabamos chupando as laranjas meio verdes ainda. Foi um problema terrível com o sumiço das laranjas. Essa foi a primeira grande traquinagem nossa.
P/1 – E muitas outras?
R – Houve outras, mas não tão graves como essa.
P/1 – O senhor falou que sempre estudou em escola pública. O senhor se lembra da primeira escola, do nome? Como era?
R – Ah sim! Lembro, lembro muito bem. Grupo Escolar Barão de Serra Negra, em Rio das Pedras, próximo da nossa casa. Era só atravessar a quadra, estava na quadra de jardim.
Minha primeira e única professora no grupo escolar é viva até hoje, tem 96 anos de idade: Idalina Andrade Leone. Estive com ela recentemente, uma pessoa maravilhosa. Eu estudava junto com os filhos dela, que eram meus contemporâneos no grupo escolar. Ela me ensinou as primeiras letras. E, diferentemente de hoje, naquela época a disciplina era extremamente rígida, tanto é que em casa nós tínhamos marmeleiro no quintal e ela pedia pra eu levar vara de marmelo, que ela usava como instrumento de educação. (risos)
P/1 – Instrumento de educação?
R – É, e efetivamente surtia um efeito danado, porque ninguém abria a boca na sala de aula.
P/1 – E o senhor levou alguma?
R – Levei também. Não muitas, mas levei. E conseguia-se manter uma disciplina maravilhosa, né? Efetivamente isso fazia com que os alunos aprendessem.
P/2 – Doutor Osório, que quintal maravilhoso era esse, que tinha café, marmelo?
R – Era um quintal muito grande. Tinha outras coisas, porque o café era plantado na sombra, embaixo das mangueiras, dos pessegueiros, das goiabeiras. O quintal era muito grande, tinha criação de galinhas também. Eu me lembro com muita saudade desse quintal.
P/2 – Então árvore pra subir tinha de sobra?
R – Tinha de sobra. Inclusive caí de mangueira, sem maior gravidade, mas era muito bom. Pena que as crianças de hoje não possam desfrutar de uma situação tão saudável e tão interessante como naquela época.
P/2 – E a mãe era brava? Como era?
R – Era rigorosa, sem ser brava. Era uma grande educadora - era e é, continua educando até hoje. Minha mãe ainda é viva.
P/2 – Voltando pra escola, até que época o senhor ficou em Rio das Pedras estudando?
R – Eu fiquei em Rio das Pedras estudando até a conclusão do grupo escolar. Em seguida eu fui pra Piracicaba, cidade próxima, [a] doze quilômetros, onde eu fiz o ginásio e o científico no Instituto de Educação Sul de _____. Era uma escola extremamente bem reconhecida àquela época. Lá eu fiz ginásio e científico.
P/1 – E o senhor morava em Piracicaba? Mudou para essa cidade?
R – Não, não mudei. Viajava diariamente.
P/1 – De ônibus? Como é que o senhor fazia?
R – Havia um ônibus escolar.
P/1 – Da própria escola?
R – Não. O ônibus era da prefeitura. Naquela época não existia ginásio em Rio das Pedras, então ginásio só em Piracicaba. E eu fiz o ginásio no Sul de ______, o conhecido Sul de _______, que foi uma escola, uma base extraordinária. Foi muito interessante também o período em que eu passei por lá.
[O] ensino [era] extremamente rigoroso. Eu tive uma professora de português [de] nome Zelinda Carmona, extremamente rigorosa. Para você ter uma ideia, àquela época, um garoto com doze anos… Nós preenchíamos um caderno, dois cadernos de duzentas páginas de exercício por ano. Aprendia-se português àquela época.
P/2 – De verdade, né?
R – De verdade, tanto é que no segundo ano, o ensino dela era tão rigoroso que ela reprovou, em três salas de aula, 95% dos alunos, inclusive eu. Eu repeti o segundo ano do ginásio e aí eu resolvi aprender português. Terminei o quarto ano de ginásio com média 9,4.
P/1 – Estudou mesmo?
R – Estudei. Com ela mesmo, né? Com a mesma professora.
P/1 – Mas ela era bem rígida? Porque reprovar noventa e tantos porcento...
R – Extremamente rígida. Foi uma época… Foi até um caso, naquele instante, em que houve terceira época. A secretaria de educação interveio e fez com que houvesse mais um exame de segunda época, ou seja, terceira época. E o resultado fez com que se fosse mantida a reprovação, o alto índice de reprovação. E eu fiz novamente a segunda série do ginásio.
P/1 – E não se arrepende, porque aí foi estudar.
R – Não, de forma alguma. Fui estudar.
P/1 – E de lá, do ginásio, o científico também?
R – Do ginásio eu fiz o científico lá mesmo, no mesmo colégio. Fiz três anos de científico, já com intenção de fazer Engenharia. Foi um fato curioso, porque no terceiro ano do científico havia um programa oficial da escola de visita a diversos tipos de faculdades, até para testar tendências dos alunos. Eu cheguei a pensar em fazer Medicina, mas fomos visitar a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e eu levei um choque danado quando visitei a faculdade.
P/1 – Assustou?
R – Assustei e me convenci de que medicina não era o melhor ramo para mim. Foi quando definitivamente eu optei e resolvi fazer Engenharia.
P/1 – Alguém na família influenciou nessa escolha, não?
R – Não, ninguém. Foi escolha minha, apenas.
P/1 – E o senhor fez a faculdade em que lugar?
R – Eu fiz a faculdade na Universidade de São Paulo, [na] Escola Politécnica. Eu cursei a faculdade durante os anos de chumbo, da ditadura, né? Eu estive presente na Praça da República, quando houve uma carga de cavalaria em cima de estudantes, eu estava lá. Foi um tempo para se pensar.
P/1 – E o senhor participava das manifestações?
R – Muito pouco, mas ao final do curso… Ah, eu morei na Cidade Universitária, no antigo CRUSP - pra quem conhece, é o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo. Eu morei, naquela primeira fase, do primeiro ao último dia.
Nós entramos brigando com a polícia e saímos de lá presos pelo exército, em 68. Nós fomos todos detidos, inclusive eu. Fomos lá para… Fiquei detido no presídio da Tiradentes. Passei por um processo de identificação e fui liberado em seguida. Passei uma ou duas, uma noite lá.
P/1 – E eles prenderam todos?
R – É, foram todos. O CRUSP foi cercado por tropas do Batalhão de Infantaria Blindada, tanques, e prenderam todo mundo. Foram 1500 presos.
P/1 – E o senhor já trabalhava?
R – Trabalhava e estagiava em alguns escritórios de engenharia. Lecionava, dava aula de recuperação para alunos. Aulas particulares.
P/1 – Seus colegas mesmo?
R – Não. Pra jovens de ginásio, científico, àquela época. Lecionei matemática, química, física, até português também.
P/1 – Tinha que estar o português, né?
R – É, português também.
P/1 – E o senhor se lembra do seu primeiro emprego? Como foi? O que o senhor se recorda dessa época?
R – Pois é, meu primeiro emprego.. É um pouco difícil dizer qual foi o primeiro emprego porque desde o tempo de faculdade eu exerci diversas atividades, sem vínculo empregatício. Emprego mesmo, [o] primeiro documentado foi na empresa chamada SAMBRA. SAMBRA S/A Mármores Brasileiros. São pedras decorativas.
Nessa oportunidade eu visitava as minerações. Havia minerações no estado do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e também uma pesquisa que foi feita na Serra da Bodoquena, no Mato Grosso. Eu participei disso. Depois eu estive também na mineração do Paranapanema, em Rondônia, oportunidade em que contraí malária.
P/1 – Ah, o senhor pegou malária?
R – Peguei malária, a pior delas. Foi muito triste a malária, porque eu perdi peso, cheguei a ficar com pouco acima de cinqüenta quilos, quase morri. E é um processo muito violento de desidratação. Você perde água por todos os poros, por todos os meios possíveis e imagináveis, e não consegue se alimentar. O único alimento que eu aceitei, e não havia como recusar, foi o soro na veia. Esse soro, além da sacarose, tinha também glicose. Tinha também quatro remédios cujo nome nunca mais vou esquecer, que me salvaram a vida: Daraprim, Fanasulf, Aralem e Primaquina; era feito um coquetel e injetado. Eu tomei esse soro durante 72 horas sem parar, foi o que me salvou.
P/1 – E nada de alimentação?
R – Nada, absolutamente nada. Não parava nada no estômago, nem sequer água.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, só pra entender. Então o senhor, da Poli, foi pra SAMBRA, que era em São Paulo?
R – SAMBRA. São Paulo. É uma empresa aqui em São Paulo, não existe mais.
P/1 – O senhor lembra o ano, mais ou menos?
R – Ah, foi no final, porque na SAMBRA eu já trabalhava enquanto estudante. Fazia alguns trabalhos avulsos. Foi ao final de 68, 69.
P/1 – Por quanto tempo?
R – Foi um ano e pouco.
P/1 – E aí o senhor já foi pra Rondônia?
R - Aí fui pra Rondônia. Em Rondônia fiquei pouco tempo. Eu fui disposto a ficar em Rondônia, fiquei lá uns três meses e voltei.
P/1 – E essa mudança de São Paulo para Rondônia, como foi?
R – Foi, de uma certa forma, traumática porque naquela época o garimpo de cassiterita em Rondônia estava no auge e os recursos eram mínimos. Os aviões faziam coisas inacreditáveis, aqueles pequenos aviões. Tanto é que eles chegavam... Pra ganhar peso, ou melhor, pra liberar mais capacidade de carga nos aviões, chegavam a tirar os bancos do avião, tiravam o revestimento. Tinha avião que até a porta eles tiravam, então, era uma situação de extremo risco. Pequenos aviões, monomotores.
P/1 – E o senhor voava nesses aviões?
R – Voava. Voei bastante nesses aviões e é muito difícil, sabe? Esses aviões voavam com pouquíssimo recurso de navegação, de instrumentação, com pouco combustível também. O combustível suficiente para algum tempo de sobrevoo, porque também o combustível é peso e eles precisavam de capacidade de carga. Transportar minério, víveres, transportar pessoas.
P/1 – O cargo do senhor nessa empresa era engenheiro de minas?
R – Era engenheiro de minas.
P/1 – E por quanto tempo o senhor ficou lá?
R – Três meses.
P/1 – Só?
R - É, por causa da malária. A malária me expulsou de lá. Eu voltei.
P/1 – Voltou contente?
R – Voltei.
P/1 - De estar vivo, pelo menos?
R - É, de estar vivo sim, certamente. Consegui recuperar um pouco do peso, mas voltei muito magro de lá.
P/1 – E depois dessa empresa?
R – Depois dessa empresa trabalhei algum tempo em um pequeno escritório de engenharia aqui em São Paulo. Em 1971, eu fui entrevistado, fui procurar emprego na Cimento Rio Branco, Paraná. Fui entrevistado pelo senhor Castorino Augusto Rodrigues e fui contratado pra trabalhar em Itajaí, na Companhia Cimento Portland. Isso foi no início, no dia onze de outubro de 1971.
P/1 – E como foi essa ideia? O senhor estava em São Paulo e resolveu...?
R – Resolvi procurar alguma coisa nova e fui pra lá.
P/1 – Fora daqui?
R – Fora daqui e sem qualquer tipo de indicação de quem quer que seja, simplesmente por iniciativa minha.
P/1 – E como foi essa entrevista?
R – Foi extremamente interessante. A entrevista de admissão, você diz, né?
P/1 – Isso.
R – O senhor Castorino, já naquela época, era um antigo diretor da Votorantim. Era uma pessoa autodidata, ele só havia feito o equivalente ao ginásio. [Uma] pessoa extremamente inteligente, sagaz ao extremo. Ele era índio.
P/1 – Índio?
R – Índio e não fazia questão nenhuma de esconder isso. Era índio e ao longo dos anos que eu trabalhei com ele foi uma pessoa extremamente amiga e me orientou muito no início da minha carreira na empresa. Pelo exemplo, pela dedicação, pela honestidade e pelo conhecimento também. Era um conhecimento, evidentemente, muito mais restrito do que o que existe hoje, até o conhecimento técnico, mas extremamente valioso pra aquele momento.
P/1 – E que idade o senhor tinha nessa época, dessa entrevista?
R – Da entrevista? Eu tinha 28 anos.
P/1 – E como foi chegar a um diretor? Como o senhor conseguiu? Como é que foi falar?
R – Chegar a ele? Foi muito simples. Eu cheguei no escritório, falei com a secretária dele e disse da minha pretensão. Ela esperou, agendou uma reunião com ele e eu fui contratado.
P/1 – E como foi a entrevista? Vamos lá. O senhor falou que foi muito interessante, por quê?
R – Porque além do conhecimento, do meu modesto currículo aquela época, e ainda hoje, ele se interessou pela minha maneira de ser. Acho que houve uma afinidade muito grande de ambas as partes e eu fui contratado.
P/1 – Nós estávamos conversando ali, vocês estavam falando que ele era muito brincalhão.
R – O seu Castorino?
P/1 – É.
R – Era extremamente brincalhão e [de] um bom humor constante. Era muito... [Em] mais de dez anos que trabalhei com ele, pouquíssimas vezes eu vi o seu Castorino ficar nervoso, ele conseguia se controlar muito bem. Não que não houvesse razões para tal, mas ele conseguia se controlar e fazia com que as coisas aflorassem com naturalidade, sem pressão, sem pressões violentas.
P/1 – Aí o senhor mudou para Itajaí?
R – Mudei pra Itajaí.
P/1 – Foi contratado como engenheiro de minas também?
R – Engenheiro de minas. Mudei pra Itajaí. E a fábrica tinha uma peculiaridade: era uma fábrica antiga. Dois fornos, via úmida. Dois fornos de trezentas toneladas por dia de capacidade. Um deles tinha sido retirado de Santa Helena. O forno mais novo de Itajaí era o primeiro forno da Votorantim, o forno de Santa Helena, que foi desmontado e levado pra lá. O primeiro ou segundo.
P/1 – O mais antigo daqui?
R – Era o mais antigo daqui e foi ser o mais moderno de lá. Eram fornos muito pequenos, via úmida. Além dessa dificuldade no processo, existia também uma dificuldade muito grande com as jazidas de calcário. Dificuldade essa motivada não só pela qualidade um tanto quanto ruim do calcário, deficiente, como também pela distância e acesso das minas. A mina mais próxima ficava a 37 quilômetros e a mais distante, 92 quilômetros. Todo o transporte rodoviário, caminhões em pedra bruta, sem britagem. Dá para imaginar a dificuldade em estrada de terra. A estrada de Ribeirão do Ouro, da jazida mais distante, era tão estreita que em largos trechos os caminhões não cruzavam, então havia pontos onde os caminhões paravam e esperavam outro caminhão passar para poder cruzar, seguir em frente.
P/1 – Nossa, tinha que passar de um pro outro?
R – Não, não. Os caminhões paravam. Um parava, não cruzava ao longo da via. O caminhão parava e esperava o outro, aí quando o outro passasse, ele ia em frente. Dificuldade muito grande.
Calcário de baixa qualidade também, mas foi interessante, porque se havia muita dificuldade, havia muita criatividade e vontade de fazer as coisas. Isso foi uma escola muito boa, onde os recursos eram muito poucos e a vontade de fazer as coisas era muito grande. Havia dificuldade de comunicação, dificuldade de se conseguir peças de reposição, então incentivava-se muito a criatividade, a inovação e o desenvolvimento de outras soluções que não as tradicionais.
P/1 – Essa escola, o senhor atribui a quem exatamente? Na Votorantim?
R – Bom, aos diretores da época, lá da fábrica. Eram dois diretores, Celso Pereira da Silva e Vismar Costa Lima Filho. Aprendi muita coisa com eles. E com o seu Castorino, que era o diretor maior, o diretor superintendente, que ficava em Curitiba. A fábrica de Itajaí era subordinada à fábrica de Curitiba, então havia ligações diárias. Apesar de toda dificuldade do sistema telefônico na época, havia aquelas ligações diárias de Curitiba onde eram relatados os dados de produção, controle de qualidade e tudo mais.
P/1 – Como era nessa época o processo todo do cimento? Como é hoje? O que mudou?
R – Bom, mudou muita coisa. Como eu tive oportunidade de dizer, aquela fábrica era de via úmida. No processo de via úmida o consumo térmico é muito elevado, o consumo de combustíveis é muito elevado, porque há que se evaporar toda a água contida na pasta. É produzida uma lama. Esse processo não existe mais no Brasil, acho que em nenhuma fábrica do Brasil ainda tem esse processo. O calcário era moído, argila, moído com água; faz-se uma pasta, essa pasta é injetada no forno. O forno é muito longo, exatamente pra propiciar condições de evaporação dessa água. E o processo em si é mais simples do que o processo moderno, hoje via seca, mas os custos operacionais são extremamente elevados, não justificam mais, tanto é que não existe mais processo de via úmida.
No mais, a partir do clínquer o processo mudou pouca coisa. O processo consiste numa moagem do clínquer com seus aditivos. No processo de moagem é que houve algumas modificações. Hoje em dia existem moinhos de muito maior capacidade, mais modernos, de consumo energético menor, mas o princípio da fabricação continua o mesmo, o clínquer moído com seus aditivos: gesso, calcário e posolanas. No caso de Itajaí usava-se cinza posolânica.
No mais, o princípio de produção continua o mesmo. O cimento não mudou muito, o que mudou são os aditivos, algumas especificações, mas o princípio do processo é o mesmo.
Em Itajaí, nós tivemos uma oportunidade ímpar de fazer aquisição de uma empresa do Governo do Estado, detentora das jazidas de calcário, no município de Videl Ramos, a 125 quilômetros de Itajaí. Essas jazidas estão com a Votorantim até hoje, constituem uma reserva estratégica da Votorantim no Sul do Brasil. Constituem a maior reserva de calcário, além da Rio Branco. Foi um processo de compra desenvolvido por nós naquela época, evidentemente com o apoio da alta direção, Doutor José, principalmente. E conseguimos chegar a bom termo, comprando todos os ativos da empresa. Hoje, estão em nome da Cimento Rio Branco.
Outra iniciativa interessante lá no Sul, em Itajaí, foi o rompimento de um contrato que existia de exclusividade de compra de cinza de carvão, cinza de termoelétrica. Esse contrato era detido por um… Era de concessão de um engenheiro, Ariovaldo Burico. E toda a cinza através da qual… Toda cinza que nós consumíamos, que nós fazíamos cimento posolânico em Itajaí, tinha que passar pela mão dele. Era um contrato muito difícil de ser vinculado, era um intermediário. Após inúmeras negociações, nós conseguimos fazer a compra direta e até hoje essa situação existe lá. A Rio Branco compra a cinza diretamente, hoje, do ________, antiga Eletrosul.
P/1 – E o senhor trabalhava nas jazidas ou tinha um trabalho nas _______?
R – Trabalhava nas jazidas, até 1975. Em 75, eu passei a diretor da empresa e continuei em Itajaí até janeiro de 84.
Janeiro de 84 foi o último mês de operação do forno de Itajaí. [Em] 31 de janeiro de 84 o forno foi desligado e está desligado até hoje, evidentemente não vai mais operar. Nesse momento eu fui transferido para o Paraná, [para] trabalhar na Cimento Rio Branco e na Cimento…
Ah, estava me esquecendo, em 83, da grande enchente que houve em Itajaí. Foi a maior enchente que a história registra no Rio Itajaí-Açu. A fábrica é situada à margem direita do Rio Itajaí. Nunca a água do rio subiu tanto, inundou completamente a fábrica a ponto de entrar água dentro dos moinhos de cimento. Foi um episódio, eu diria que dantesco. Eu tenho fotos dessa inundação, onde há um barco ancorado ao lado, exatamente ao lado do moinho de cimento. A água subiu muito rapidamente e só baixou cinco ou seis dias depois.
P/1 – Foi atribuído a alguma coisa?
R – Foi uma conjunção de fenômenos. Uma precipitação pluviométrica extremamente intensa nas cabeceiras do Rio Itajaí e uma maré alta. Houve a conjunção desses dois fatores. Maré alta, extremamente alta e prolongada no oceano, porque a fábrica fica muito próxima do mar. O mar represou, o rio subiu demais e inundou tudo.
As perdas foram terríveis. Em minha casa - eu morava na fábrica, na vila residencial - dentro da casa, nós tivemos um metro e trinta e seis de água, durante cinco dias.
P/1 – O senhor perdeu tudo?
R – Perdi tudo, absolutamente tudo.
P/1 – O senhor já era casado?
R – Já, já era casado.
P/1 – Tinha filhos?
R – Já tinha filhos. Inclusive o meu filho e minha esposa saíram de casa já com muita água, e eu só consegui sair de casa com o carro porque eu fui atrás de um caminhão que foi abrindo a água, eu consegui sair. Mas eu voltei, e depois saí de lá na caçamba de uma pá carregadeira, porque a água subiu demais e existia risco de morte, inclusive. Além de ter um nível muito alto, a água tinha uma correnteza muito violenta.
P/1 – Afetou a cidade inteira?
R – A cidade de Itajaí não, mas os bairros ao montante sim. Tinha água por tudo.
P/1 – E o senhor morava na vila residencial?
R – Na vila residencial.
P/1 – Como era essa vila? Ela foi criada em torno da empresa?
R – Foi criada com as dificuldades daquela época. A maioria das fábricas tinham vilas residenciais, onde moravam os engenheiros e alguns funcionários mais graduados, de manutenção, de administração também. Era uma vila com… Devia ter aproximadamente umas 22 casas, por aí.
P/1 – Quantos funcionários tinham em Itajaí? O senhor se recorda?
R – Lembro. Éramos 330 funcionários, no total.
P/1 – Faziam tudo?
R – Fazíamos tudo e os processos não eram automatizados, processos totalmente manuais. Muito pouca instrumentação e, embora os equipamentos fossem de pequeno porte, demandavam uma mão de obra muito intensiva pra operação, então éramos 330 funcionários, incluindo os da mineração também. Nós tínhamos duas minas em operação, uma mina no município de Camboriú, e outra em Videl Ramos.
P/1 – E essa enchente afetou também a fábrica em Itajaí?
R – Ah, sim. Afetou porque nós paramos a fábrica. Para você ter uma ideia, praticamente todos os motores da fábrica ficaram mergulhados na água. Escaparam da inundação alguns motores, como motores de ponte rolante, motores de acionamento do forno, motor do britador. Todos os outros motores ficaram embaixo da água, inclusive de… Ah, o motor da ensacadeira também ficou fora da água, mas os outros motores todos embaixo da água.
A retomada de operações da fábrica se fez em sentido inverso. Nós reativamos primeiro a ensacadeira, depois fomos reativando ao contrário. Deu um trabalho muito grande, porque o motor de grande porte, para ser secado… E tem que ser necessariamente secado, caso contrário ele entra em curto-circuito. Deram um trabalho danado para serem secados. Nós tivemos que fazer umas casinhas em cima deles, colocar aquecedores, e ficar dias e dias e dias aquecendo, até evaporar toda aquela água.
(PAUSA)
P/1 – Retomando, como foi a reativação da fábrica após a enchente da vila residencial? As pessoas se ajudaram, como foi isso?
R – Foi um movimento, um momento de muita solidariedade. Clientes de cimento trouxeram pessoas pra ajudar, emprestaram equipamentos. Houve uma união muito grande entre os funcionários, aliás foi o que possibilitou a retomada rápida da operação da fábrica. Nós conseguimos voltar a expedir cimento, porque o cimento estava pronto, estocado, em silo.
À medida que o nível de água subiu, o cimento que estava abaixo do nível atingido pela água concretou, hidratou e formou um tampão, isolou o restante do silo. O que nós fizemos? Nós rompemos esse tampão com rompedores de concreto e liberamos o cimento que estava preservado no interior do silo. E começamos a expedir. Dois dias depois que abaixou a água, nós estávamos expedindo cimento. Evidentemente não estávamos moendo ainda, mas estávamos expedindo cimento. E foi muito mais rápida a retomada do que nós imaginávamos inicialmente. Nós tínhamos receio de que demorasse quinze a vinte dias pra retomar a fábrica mas não, [em] uma semana nós estávamos com tudo operando normalmente.
P/1 – E na vila residencial também?
R – Na vila residencial também houve um… Eu perdi tudo em casa, livros. Tanto é que brinco com minha esposa, porque nós não temos nenhum registro do nosso casamento, nenhuma foto, nada. (risos) Eu digo pra ela que nós não casamos. Foi tudo, perdemos tudo. Com um metro e trinta todos os seus bens, dentro de uma casa, vão embora. A única coisa que sobrou foi o que estava em cima de armário. Geladeira, TV, tudo isso se perdeu.
P/1 – E também houve dos colegas uma...?
R – Também houve, né? Muita solidariedade, pessoas ajudando, recuperando o possível de ser recuperado. Alguns livros eu consegui recuperar, inclusive um livro muito antigo francês que eu tenho, [um] dicionário de matemática aplicada de 1879. Esse livro eu consegui recuperar, um dos poucos.
P/1 – Voltando um pouco para sua trajetória na Votorantim. O senhor ficou em Itajaí, mesmo depois da enchente?
R – Mesmo depois da enchente, por um período.
Nesse período eu mudei pra Camboriu, porque a casa ficou sem condições de habitação. Soltou todos os tacos, as portas estragaram, então eu mudei para Camboriú. Morei em Camboriú cerca de seis meses, depois eu vim pra Curitiba.
P/1 – E lá o senhor já era diretor, em Itajaí?
R – Certo, era diretor da fábrica em Itajaí. E aí eu vim pra Curitiba, trabalhei na Cimento Itaú e na Cimento Rio Branco. E fazia também outras atividades, por exemplo a compra da área de carvão do Rio Grande do Sul, a área B12, que a Votorantim comprou. Também teve uma participação nossa na definição da compra.
Outro trabalho interessante na Cimento Rio Branco foi o início de atividades da Mina do Saiuá, que é a principal mina da Cimento Rio Branco. Eu trabalhei lá naquele momento, [na] implantação de britagem e tudo mais. Foi gratificante esse trabalho.
P/1 – Como foi? Conte um pouco pra gente como foi esse trabalho.
R – Com as dificuldades naturais do pioneirismo. De abertura, porque foi uma época em que chovia demais e no momento de abertura da mina, praticamente a quantidade de rocha exposta é pequena. Há que se retirar aquela cobertura de solo e dá para imaginar caminhões de grande porte transitando em cima de solo não compactado, consolidado ainda. Oferecem, com chuva também, uma dificuldade muito grande.
A chuva, ainda hoje, é o grande dificultador da mineração a céu aberto. No momento em que corta o pneu, há risco de desabamentos, é um momento extremamente difícil. E quando a mina é nova, da, na abertura de mina a situação é mais difícil ainda.
P/1 – Nessa época o senhor trabalhava na mina?
R – Trabalhei na mina. Estive lá na mina também, na mina de Saiuá.
P/1 – E nesse período, retomando um pouquinho, o senhor saiu de Itajaí e foi pra Itaú?
R – Inicialmente, Itaú do Paraná.
P/1 – Curitiba?
R – É, já naquela época estava sob administração direta da Cimento Rio Branco. Embora preservasse o nome Itaú ainda, a administração era da Rio Branco.
P/1 – E como foi esse período na Itaú?
R – Ah! Foi um período interessante porque foi o momento em que eu tomei contato com o processo de via seca, fabricação de cimento que eu não conhecia. Já conhecia de literatura, conhecia de ter visto, visitado fábricas, mas não no dia a dia. Foi também um momento de grandes desafios, porque com [a] crise energética que nós vivenciávamos naquela época, nós tivemos que usar carvões do Rio Grande do Sul, carvões de baixíssimo teor - o chamado carvão da Caebe 3300. Era um carvão com um teor de cinza muito elevado, vinha pra fábrica em grandes blocos e impunha uma dificuldade de manuseio, de utilização muito grande. Foi um desafio incrível que a Votorantim venceu naquela época e a utilização desse carvão trouxe uns resultados muito interessantes pra empresa. Embora tenha causado inicialmente, pelo menos, dificuldades de processo, e dificuldades muito grandes, foram vencidas.
P/1 – O senhor permaneceu por quanto tempo? O senhor era diretor também na Itaú?
R – Nesse momento, ainda era diretor, sim.
P/1 – E de lá o senhor foi...?
R – Fui pra mina da Rio Branco, estava em processo de treinamento. Estive trabalhando na Rio Branco no ano de 85 e foi um período de muito aprendizado. Eu estava trabalhando, nessa altura, com o engenheiro Vilar, que foi um grande orientador nesse período.
P/1 – Quais os grandes aprendizados nessa época?
R – Aprendizados?
P/1 – É.
R – Uma série de aprendizados, não só técnicos, porque a Rio Branco aquela época era - era e ainda é - detentora de grande conhecimento tecnológico. Também aprendizagem de vida, de comportamento, aprendizado de como vencer desafios. Foi um momento de muita transformação. Foi muito bom.
P/1 – O senhor se lembra das grandes transformações? O que houve? Como foi?
R – Sim. Foi um momento em que se começou, com muito vigor, a implantar automação nas indústrias de cimento. Essa automação provocou mudanças: mudanças de nível de qualificação funcional, de comportamento, tecnológicas. E foi um momento em que se passou a olhar com muito mais cuidado o mercado, o cliente, então houve uma série de mudanças, todas elas ocorrendo de forma simultânea.
Foi um momento e como hoje também continua, esse processo não tem fim. Mas foram mudanças muito rápidas. Adequação de quadro funcional.
P/1 – E nessa trajetória, depois da Rio Branco?
R – Depois da Rio Branco eu vim pra fábrica Santa Helena. Eu estive em Santa Helena de 86 até julho de 88. Foi um momento particularmente complexo, porque a fábrica Santa Helena àquela época era uma fábrica que estava tecnologicamente num nível, principalmente do ponto de vista de automação, anterior ao da Rio Branco.
Houve uma adaptação muito rápida em Santa Helena. Uma redução de efetivos, era um momento de crise de venda de cimento. Operava-se apenas com um forno naquele momento.
P/1 – Em Santa Helena, apenas um?
R – Apenas um forno.
Fiquei em Santa Helena até, como lhe disse, julho de 88, aí fui para Cubatão. Cubatão foi uma experiência muito interessante e gratificante ao mesmo tempo. Naquela época estava no auge, em 88, a questão de controle ambiental de Cubatão. A CETESB [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo] estava, e não podia ser de outra maneira, com grande efetivo de técnicos e inspetores monitorando todas as indústrias de Cubatão, no sentido de reverter aquele quadro dantesco que existia lá - quadro de poluição. Esse quadro de poluição, de uma certa forma, era generalizado em todas as 22 indústrias do pólo de Cubatão, inclusive na nossa fábrica também, embora nossa fábrica fosse uma fábrica mais modesta. Nada comparado com uma COSIPA [Companhia Siderúrgica Paulista] , com uma refinaria, mas também tinha seus problemas.
Foi um momento de muito trabalho, no sentido de se controlarem as fontes de poluição, e nós conseguimos um êxito, a ponto de a nossa fábrica de Cubatão ter sido, naquela época, a primeira fábrica de Cubatão a receber a licença operacional. Nós conseguimos sair na frente, controlando todas as nossa fontes, antes das demais empresas de Cubatão.
Foi um trabalho interessante, porque nós conseguimos controlar ponto por ponto. Inclusive houve um desenvolvimento - e esse desenvolvimento foi feito lá - de um sistema de limpeza de correias. Quem trabalha em fábrica sabe da dificuldade de se limpar correia transportadora; é um dos pontos mais difíceis de se controlar, porque as correias transportam material sólido, pulverulento em grandes volumes, só que quando chega no ponto de destino a parte da correia afasta a correia que estava em contato com o material, fica voltada para baixo, então um pouquinho do material que existe cai.
P/1 – Cai?
R – Cai 24 horas por dia, por pouco que seja; no final do dia você tem lá uma batelada de material. Nós conseguimos controlar, evitar isso através do desenvolvimento de um raspador constituído por uma escova rotativa acoplada ao término da correia. Esse sistema, depois de testado e consagrado lá em Cubatão, foi copiado e patenteado pela ________ internacional, americana.
P/1 – Mas vocês que desenvolveram? E foi patenteado por eles?
R – Nós que desenvolvemos e eles roubaram nossa ideia, fizeram patente mundial. Eu tive oportunidade, depois de algum tempo, de dizer para o presidente da _______ do Brasil que ele era um ladrão de ideias. Falei na cara dele.
P/1 – Que coisa! E nessa época, em Cubatão, já havia acontecido aquele acidente? Acho que foi em 84, né?
R – Acidente?
P/1 – É, vários acidentes.
R – Bom, Cubatão notabilizou-se por acidentes terríveis. Aquele da vila Socó?
P/1 – Isso.
R – Vila Socó foi em 1985, se não me engano. Eu não estava lá, então já tinha acontecido.
P/1 – Essa preocupação com a poluição, tudo começou um pouco ali também?
R – Começou ali, também. Ali foi acentuada essa preocupação e hoje Cubatão melhorou extraordinariamente, todas as indústrias conseguiram controlar suas fontes de poluição. Mas quando eu cheguei lá era terrível. Para você ter uma ideia, existia um controle tão rigoroso que o controle de particulados em suspensão era feito de hora em hora. E por diversas vezes, ao longo desse período de adaptação, nós tivemos que paralisar completamente a fábrica, porque a CETESB controlava online esse índices de poluição. Nós tínhamos um acordo tácito com eles, [em] que à medida em que se atingissem, ou antes de atingir esses índices, quando se manifestava a tendência de atingimento do índice nós desligávamos - não só nós, como as outras empresas do pólo também desligavam - os equipamentos produtivos. Foi um período de muita dificuldade naquela época.
P/1 – E o senhor também estava em Cubatão como diretor?
R – Eu estava. Naquela época, era gerente.
P/1 – E por quanto tempo o senhor ficou ali?
R – Em Cubatão eu fiquei até… Deixe-me ver, foi janeiro de 98. Até janeiro de 98, aí eu fui convidado pra vir novamente para Sorocaba, na Votorantim. Eu voltei aqui pra Votorantim como gerente de meio ambiente da regional sudeste.
P/1 – Depois de o senhor implantar todas as coisas em Cubatão, o senhor foi mais pra essa área de meio ambiente?
R – Sim, de meio ambiente. Até foi uma vocação, né? Gostei do tema, foi muito interessante, e eu vim como gerente. Houve uma troca de diretoria e eu vim como gerente de meio ambiente da região sudeste.
P/1 – Na fábrica mesmo, em Santa Helena?
R – Não, era num centro administrativo que nós tínhamos lá. Posteriormente, um engenheiro de lá me convidou pra ser o gerente corporativo da Votorantim Cimentos, quando eu vim aqui pra São Paulo.
P/1 – Certo. E nessa área ainda de meio ambiente, quais as grandes mudanças? Claro que houve não só implantação, mas o que aconteceu?
R – Houve uma mudança, principalmente mudança comportamental, porque a questão de preservação do meio ambiente está intimamente voltada e interligada com uma questão de comportamento das pessoas. Não é só o investimento em controle ambiental que traz resultado; é necessário, evidente que é necessário, mas não é suficiente. Se as pessoas não tiverem um comportamento compatível com a preocupação ambiental, o investimento se perde.
A questão de filtros, por exemplo. Os filtros de controle de particulados são equipamentos caríssimos; no entanto, têm que ser operados condizentemente e mantidos também de uma maneira adequada. Aí é que entra o comportamento e a preocupação das pessoas. Houve uma mudança comportamental também, não só investimento da empresa, como também mudança comportamental dos seus funcionários, com a preocupação do meio ambiente.
Isso ocorreu e continua ocorrendo, cada vez mais. Houve pressão da sociedade, pressão dos órgãos ambientais, pressão da comunidade; isso forçou uma mudança muito grande.
P/1 – E o que seria uma fábrica de cimento funcionando perto do ideal, nessa área de meio ambiente? Mais próximo de não poluir, enfim, o que seria? O que precisaria ser feito?
R – Bom, eu diria para você que, hoje, nossas fábricas estão de uma maneira, todas elas, num nível muito bom de controle ambiental. Principalmente, o que se percebe, é aquilo que se enxerga, é a ponta do tubo, é o chaminé. As nossas fábricas, hoje, não têm mais emissões de particulados que sejam significativas, que sejam visíveis, então isso já foi controlado adequadamente, mas isso é o que se vê.
Há alguma coisa que não é vista pela comunidade, pelo governo público - por exemplo, os efluentes líquidos. Nós fazemos também um controle dos efluentes líquidos nossos, de tal sorte que não haja poluição, nem do lençol freático, nem dos corpos hídricos. Isso é uma preocupação e é uma realidade, hoje, na Votorantim. Nossas fábricas, hoje, são perfeitamente compatíveis com [o] convívio de comunidades.
P/1 – E a legislação, hoje, o senhor a considera eficiente?
R – A legislação brasileira é extremamente rigorosa, eficiente e suficiente para fazer com que sejam garantidas as condições de convívio harmonioso entre a indústria, comunidade e meio ambiente.
P/1 – E nessa área, ainda de meio ambiente, daqui para frente, o que o senhor acha que está faltando? O que precisa ser feito para que realmente isso seja controlado?
R – Veja, agora vamos falar em termos gerais.
P/1 – Não, ainda meio ambiente.
R – Sim, mas não específico para a empresa, né?
P/1 – Não, não.
R – O que falta é educação. Educação do povo. Isso é uma grande lacuna.
Ainda na semana passada eu fui ver a peça do Doutor Antônio. Espetacular, muito boa a peça. Ele fala claramente na peça da necessidade de se fazer, de se desenvolver os mecanismos de educação do povo. Ele foi muito feliz nessa peça também.
O que falta no Brasil é educação. Quando você vê uma pessoa jogando uma garrafa de refrigerante na rua, isso é uma coisa inimaginável, não pode acontecer. No entanto, é a causa maior desses desastres que nós temos habitualmente e repetidamente aqui na cidade de São Paulo, com as inundações do mês de março, abril - os bueiros todos entupidos com garrafas. O Rio Pinheiros tem hora que dá a impressão que a gente pode passar andando em cima, de tanta garrafa que tem. O que está faltando ali? Não é só o poder público também. Você tem que agir na origem dos problemas.
Aquelas garrafas não foram parar lá porque o poder público assim o quis. [Foi] porque alguém jogou em algum lugar e a lei da gravidade e a chuva se encarregam do resto, levar até o ponto mais baixo, que é a calha do rio.
P/1 – E para indústria cimenteira, especificamente, agora vamos segmentar?
R – Você diz o quê?
P/1 – O que precisaria? Tem alguma coisa ainda que precisa ser feita? Nessa área de meio ambiente, alguma [coisa] para se controlar?
R – O que se pode dizer é que as questões básicas, eu diria que já foram atendidas. Evidentemente, qualquer situação pode ser melhorada. Há um processo de melhoria contínua, que sempre você pode fazer alguma coisa melhor do que estava sendo feita. Aí é uma questão de refinamento. E volto a insistir, é uma questão de postura, de vontade das pessoas. Aí já não depende tanto de investimento, depende mais de postura individual, de cada gerente, de cada coordenador, de cada funcionário.
Mas são poucas coisas. Eu diria que nós já atingimos um nível muito bom.
P/1 – Esse processo de conscientização nas unidades têm várias diferenças regionais, de uma unidade para outra? O senhor percebe isso?
R – Diferenças regionais? Não, eu diria que, hoje…. O Brasil, na verdade, são diversos Brasis - Brasil do sul, Brasil do norte, Brasil do centro - mas graças a esses programas da Votorantim, já há um nível de equalização muito interessante. Não há mais grandes diferenças regionais. Não me atreveria a dizer isso, não.
São programas extremamente eficazes. Esses projetos da Votorantim, que estabeleceram uma linguagem comum em toda a empresa… Aliás, quando eu entrei na empresa era inimaginável. As unidades eram estanques, pouco se conhecia de uma fábrica e de outra. Hoje em dia não, nós somos uma única e grande empresa. Esse foi um trabalho hercúleo, muito grande.
P/1 – Existe essa unificação agora?
R – Já existe, sim.
P/1 – Como foi esse processo? O senhor certamente acompanhou bastante. Como foi isso?
R – Foi por etapas, evidentemente, porque é inimaginável se fazer uma unificação da empresa num passe de mágica, nem seria possível. Foi um processo longo, bem longo, conduzido com muita habilidade e com muita determinação. E passou por diversas etapas.
O aperfeiçoamento do uso da informática foi absolutamente indispensável para se chegar lá. A rede de computadores da Votorantim, seguramente, foi uma das grandes ferramentas e que propiciaram essa integração total, mas não só isso. Houve um processo longo e difícil mesmo, mas conduzido com muita habilidade, com muita determinação e que culminou com uma empresa única.
P/1 – Ainda dentro da sua trajetória na Votorantim, o senhor depois foi convidado para ser diretor corporativo?
R – Não, não sou diretor corporativo.
P/1 – Não?
R – Sou gerente corporativo.
P/1 – Gerente. Como foi essa mudança? O senhor ainda estava em Santa Helena?
R – Sim, estava em Santa Helena e o engenheiro Vilar me convidou para ser o gerente corporativo - inicialmente, com uma série de atribuições muito grandes. Envolvia logística também, meio ambiente, coprocessamento. Era uma gama de trabalho enorme.
Na área de logística, nós tivemos oportunidade de enfrentar uma greve muito grande em Cantagalo. [Uma] greve de caminhoneiros que teve repercussão no âmbito nacional, inclusive. Foi no ano de 89, ou 99, ano 2000. E a Votorantim bancou.
(PAUSA)
P/1 – Então como gerente corporativo o senhor assumiu logística, meio ambiente. Como foi isso tudo? A greve que o senhor estava falando.
R – Pois é, essa greve foi uma greve que a Votorantim enfrentou. O transporte de cimento no estado do Rio de Janeiro era dominado por uma associação de caminhoneiros, quase um sindicato; eles tinham uma força muito grande e, na verdade, eles determinavam todo o ciclo de transporte de cimento nas três fábricas de Cantagalo: Votorantim, Lafarge e Ulsim. E era um trabalho ineficaz, porque eram caminhões muito pequenos, e cada vez mais caro, porque à medida que os caminhões são pequenos a capacidade de carga evidentemente é pequena e a remuneração também é pequena. Isso forçava um aumento contínuo das despesas da Votorantim e das outras empresas do local.
Era uma situação em que eles dominavam, tinham o domínio completo. Chegou um ponto em que nós decidimos romper esse ciclo vicioso e esse rompimento provocou uma greve. Essa greve se desdobrou e teve problemas muito sérios de agressões e tudo mais, mas com uma determinação muito firme e apoio da diretoria nós conseguimos romper isso e passamos a agenciar caminhões de grande porte. Simplesmente era impossível de se colocar lá caminhões de grande porte para transportar cimento e nós conseguimos romper isso.
A fábrica ficou parada durante, me parece, três semanas, mas conseguimos êxito ao final.
P/1 – Certo. Como gerente corporativo, cuidando de todas essas áreas, o que veio depois? Em que ano foi isso? Só pra me situar.
R – Isso foi no ano 2000... 2000, 2001, 2002.
P/1 – O cargo se chama gerente corporativo?
R – É, gerente corporativo. Depois foi desmembrado e eu fiquei só com a questão ambiental.
P/1 – Hoje, o senhor cuida só da questão ambiental?
R – Só da questão ambiental.
P/1 – Nesses anos de Votorantim, quais os maiores desafios e aprendizados do senhor, pessoalmente?
R – Pessoalmente? Bom, houve uma série de desafios, né? Como eu já disse, um dos grandes desafios pessoais foi a adaptação aos novos tempos, a esse torvelinho de mudanças Isso requereu uma capacidade de adaptação que teve que ser desenvolvida também. Essa foi uma… Um grande desafio enfrentado.
E o aprendizado também, em si, que tivemos que desenvolver novas capacidades e aptidões a outros tipos de atividades. Passei por diversas atividades completamente diferentes umas das outras.
P/1 – O que senhor considera o maior desafio e a maior mudança? Por tudo isso que o senhor já passou.
R – O maior desafio? Eu diria que um dos grandes desafios que existe, hoje, e por que a Votorantim toda está passando, diz respeito à questão do coprocessamento em si, coprocessamento de resíduos industriais perigosos. E, particularmente, dentro do processamento, a questão da utilização de pneus em ________. A Votorantim, hoje, é líder nacional na destinação de pneus, pneus usados e descartados. Nós somos, de longe, dentro do setor cimenteiro, os maiores destinadores de pneus; já temos níveis, eu diria, que são referência internacional já de queima de pneus.
Isso foi um trabalho que foi sendo desenvolvido ao longo do tempo e no qual eu tive uma participação também razoável. Isso foi muito importante para a empresa e para mim também, esse trabalho. E se desenvolve hoje ainda, continua.
P/1 – E dos valores da Votorantim: solidez, empreendedorismo, responsabilidade, ética, união - o SEREU, a sigla. O senhor sente isso presente no dia a dia do trabalho? Como é?
R – Sem dúvida. Eu não só sinto como valorizo esses preceitos, e valorizo ao extremo. Levo isso como uma verdadeira religião. Acho que não há nenhuma incompatibilidade com esses princípios e com essas mudanças que estão, como já disse, ocorrendo e cada vez deverão ocorrer mais.
É uma questão de simplesmente acrescentar mais alguma coisa àquilo que já existe. Os antigos devem continuar, esses que acabamos de citar devem continuar, porque eles constituíram o esteio, a estrutura da nossa empresa. A eles temos que acrescentar outros - espírito de inovação, mudanças e tudo mais - para empresa continuar crescendo. Essa é uma vontade muito grande de toda a empresa, isso percebe-se a todo instante. A empresa está crescendo, vai crescer e continuar crescendo.
P/1 – O senhor estava falando em logística, enfim, pessoas, transporte. O senhor trabalha com gestão de pessoas também, de alguma forma?
R – Hoje, não muito diretamente. Eu interajo com muitas pessoas, mas não diretamente, em nível de subordinação, não. São trabalhos que são feitos, trabalhos de convencimento, de esclarecimento, de orientação.
P/1 – O senhor participou do SLV? O sistema de liderança da Votorantim?
R – Ah! Eu participei daquele treinamento que houve.
P/1 – Tá. E o que o senhor achou?
R – Eu achei muito interessante, muito interessante mesmo. Concluí já o processo de avaliação com meu diretor. Foi oportuno e mostra a grande vontade da empresa de se unir, de aproveitar ao máximo os seus talentos, as suas lideranças; desenvolver, promover intercâmbios, que são uma forma de oxigenação da estrutura. Transferência de conhecimento. Foi muito oportuno esse trabalho do SLV.
P/1 – Isso também vem junto com essas mudanças, inovações todas que foram acontecendo?
R – Vem, porque à medida em que a empresa cresce ela precisa cada vez mais de desenvolver valores pessoais, lideranças e jovens, principalmente, para levar o barco pra frente.
P/1 – Na opinião do senhor, qual é a grande importância da Votorantim para história da indústria brasileira? Não só da cimenteira, mas da indústria toda. Fale um pouquinho disso para a gente.
R – Bom, sobre o meu ponto de vista, né? A importância da Votorantim, na minha opinião, é extremamente grande. Primeiro porque é um grupo essencialmente nacional. Está presente em atividades de base, sempre foram a principal área de interesse dos fundadores. São os metais, a indústria de cimento, a indústria química pesada. Sempre foram objeto de alguma atenção, toda especial, dos fundadores, que não se deixaram se seduzir por outros tipos de iniciativa de lucro imediato. Sempre foi alguma coisa de longo prazo e eu tive a grata oportunidade de ouvir do próprio Doutor José Filho também esse… Uma explicação a respeito disso.
Isso mostra uma responsabilidade muito grande e uma preocupação muito grande com o destino do país. A Votorantim é uma das grandes consumidoras de energia no país - não só energia elétrica, como também energia advinda de combustíveis fósseis e renováveis também. E isso mostra a grande responsabilidade que a Votorantim tem também na condução desses seus negócios. Para todos nós, é motivo de orgulho muito grande saber que trabalhamos numa empresa que tem esses princípios e tem tamanha responsabilidade econômica e social com os seus empreendimentos.
P/1 – Voltando um pouquinho, também nessa área de meio ambiente, a Votorantim tem uma importância… Inclusive o senhor estava falando que a Rio Branco é uma das campeãs de coprocessamento. O senhor pode falar um pouco sobre isso?
R – Sim. A Rio Branco, dentro da Votorantim, foi a empresa pioneira no coprocessamento de resíduos industriais perigosos. Lá estão sendo co-processados resíduos da indústria de alumínio, da indústria automobilística, da petroquímica, da indústria metalúrgica e alguma coisa de siderurgia também.
O coprocessamento é uma atividade que eu reputo de maior importância, não só sobre o ponto de vista econômico, como do ponto de vista também ambiental. O coprocessamento parte do pressuposto que são aproveitados os conteúdos energéticos nos resíduos, resíduos de industriais diversos e os materiais incombustíveis que lá existem, que não são queimados, são quimicamente incorporados ao cimento. É uma maneira de se aproveitar não só o conteúdo energético como também os minerais lá existentes, poupando reservas, poupando o dispêndio de combustíveis fósseis não renováveis.
Evidentemente, há uma série de responsabilidade da empresa, do gerador de resíduos, com o coprocessamento, porque como se disse, são resíduos perigosos. Isso impõe uma série de controles e extremamente rigorosos pra se evitar problemas ambientais. Existem normas estaduais e normas federais que regulamentam o coprocessamento em si. Esse regulamento impõe limites de restrições, restrições de emissão de gases e de participação de metais nesses resíduos e vetam totalmente a possibilidade de serem processados resíduos agrotóxicos, resíduos hospitalares, resíduos urbanos e explosivos. Basicamente, são esses quatro tipos de resíduos que não podem ser coprocessados.
P/1 – Nós falamos de desafios, mudanças e aprendizados, ou seja, de tudo que já aconteceu. Qual a expectativa do senhor para os próximos doze anos da Votorantim, quando ela vai completar cem anos?
R – Os cem anos? Crescer, não é? A Votorantim tem que crescer muito mais ainda. Não só tem, como pode e deve crescer. A empresa foi organizada para isso, foi arrumada pra crescer e esses indícios são muito claros. Houve uma vontade dos acionistas em crescer, diversificar.
Eu acredito que, hoje, a Votorantim deva se diversificar também. Isso já é patente por outras atividades que há pouco tempo seriam impensáveis, como os investimentos que estão sendo feitos na área de desenvolvimento genético. Eu acho simplesmente maravilhoso isso que está sendo feito, é admirável. E é um caminho muito amplo a ser aberto, ser pesquisado e ser trilhado.
A Votorantim tem que crescer, crescer e muito.
P/1 – E se o senhor fosse deixar uma mensagem para os setenta anos da VC? O que o senhor falaria pra ela?
R – O que eu falaria? Ah, uma coisa muito simples: parabéns! E é um motivo de orgulho para todos nós - não só para os funcionários, para os acionistas, como para própria nação. A nação pode se orgulhar de ter uma empresa com essa característica.
P/1 – E sobre o nosso projeto, o projeto Memória Votorantim, qual é a importância que o senhor dá à memória do grupo, à memória em geral?
R – Antes de mais nada, eu gostaria de parabenizar a iniciativa da empresa em registrar os fatos passados, porque o futuro nada mais é do que uma continuação do passado. E o futuro, necessariamente, tem que estar alicerçado em fortes raízes. Essas raízes têm que ser conhecidas, para serem respeitadas e aproveitadas, para suportar um crescimento que a empresa precisa ter.
P/1 – E a importância da memória para o senhor?
R – Eu diria que é uma forma da empresa até fazer um registro de seu passado. Não deixa de ser um reconhecimento também pelo trabalho de todo mundo.
P/1 – Nessa história toda, nessa trajetória do senhor, tem alguma coisa que gostaria de contar, que esteja nessa memória?
R – Alguma coisa?
P/1 – É.
R – Bom, tem alguns fatos. Um deles, que me lembro, além dos que já foram relatados, foi o momento em que o Doutor José Filho autorizou a construção dos dois fornos da Cimento Rio Branco, o forno 6 e o forno 7. Eu estava presente nessa reunião e eram cinco pessoas na sala.
Foi de uma simplicidade muito grande. Esse momento [foi] extremamente importante, né? A decisão de se construir simultaneamente dois fornos, aqui no Brasil, certamente foi inédita. E foi um momento muito simples. O Doutor José só perguntou para o seu Castorino se nós tínhamos dinheiros pra começar. Aí o Castorino falou: “Temos.” “Então pode começar.” Foi assim, bem simples. Isso foi no ano de 1978, janeiro de 1978.
P/1 – E há algum outro fato que o senhor queira relatar aqui?
R – Há um outro fato, algumas curiosidades. Um deles diz respeito à curiosidade e a memória fantástica do Doutor José Filho que, particularmente, gostava de registrar índices pluviométricos. Ele tinha um registro de todas as fábricas, mês a mês, dos índices pluviométricos e aconteceu um fato muito curioso a esse respeito. Ele recebia os dados de todas as fábricas e um belo dia ele me ligou me cobrando - eu estava em Cubatão - por um determinado índice pluviométrico que tinha escapado, e era um índice extremamente elevado. Um funcionário tinha passado um relatório, que chegou à mão dele, sobre um índice absolutamente incompatível. Ele me questionou. Eu disse: “Vou verificar, de fato está um pouco elevado.” “Mas veja o que foi que aconteceu.”
O que aconteceu foi um fato muito simples. O nosso pluviômetro ficava instalado ao lado do jardim e o jardineiro colocou um sistema de aspersão, que jogava água diretamente dentro do pluviômetro e isso passou despercebido. Evidentemente que o índice não tinha nada a ver com a realidade, então fomos em busca de um índice correto, de uma fábrica ao lado para passar pra ele. Aí ele ficou todo feliz: “Agora está certo.”
P/1 – E ele ficou sabendo do que aconteceu ou não?
R – Ficou sabendo. Depois eu contei para ele o porquê do desvio, mas [isso] mostrava a atenção com que ele cuidava dos menores detalhes e uma memória prodigiosa, porque ele percebeu de imediato que aquilo não era absolutamente incompatível com os dados históricos que ele [tinha].
P/1 – Fantástico!
R – É.
P/1 – O senhor já conhecia o Projeto Memória Votorantim?
R – Já, já.
P/1 – Já acessou o portal? Já viu alguma coisa?
R – Não, eu conhecia por conversas e por insistência em que eu fizesse o depoimento também.
P/1 – Nós insistimos, né?
R – É, na verdade, eu estou fazendo Votorantim metade - o meu tempo de Votorantim é metade do tempo de vida da empresa.
P/1 – Na sua opinião, de que maneira o projeto poderia interagir com a área do senhor? Por exemplo, com o meio ambiente. De que forma o portal poderia interagir?
R – Eu acho que seria interessante - evidentemente, da forma como está sendo conduzida - vocês, na medida do possível, entrevistarem outras pessoas dessas áreas porque hoje nós temos, a Votorantim tem a área de meio ambiente já estruturada em cada unidade. Seria interessante entrevistar essas pessoas. Embora sejam pessoas novas, eles têm alguma memória a respeito de fatos que ocorreram. Acho que seria interessante isso.
P/1 – Aguardamos as suas sugestões.
R – Que sugestões?
P/1 – Das pessoas a serem entrevistadas.
R – Ah! Eu já dei para a Inês. Já indiquei algumas pessoas, inclusive uma pessoa de outra área, da área de tecidos, que vai ser entrevistada oportunamente também.
P/1 – E o que o senhor achou de dar esse depoimento, depois de toda a nossa insistência?
R – Foi bom. Foi interessante. Gostei!
P/1 – Que bom, então.
R – Espero que tenha colaborado de alguma forma.
P/1 – Com certeza. Então em nome do Memória Votorantim e do Museu da Pessoa eu agradeço também. Obrigada.
R – Obrigado também.
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