Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro - Banco Pan
Entrevista de Dirlene Silva
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 05/08/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1229
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Dirlene, vamos começar! ...Continuar leitura
Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro - Banco Pan
Entrevista de Dirlene Silva
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 05/08/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1229
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Dirlene, vamos começar! Primeiro, eu queria que você se apresentasse, dizendo o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Dirlene Regina da Silva, nasci em Canoas, no Rio Grande do Sul, no dia 18 de março de 1974, às 18 horas.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Minha mãe é a Vera Regina da Silva e o meu pai é Deoclécio da Silva, já falecido.
P/1 – E como você os descreveria?
R – A palavra que eu mais uso pra descrever a minha mãe é que ela é uma guerreira. Meu pai é o pai que eu precisei ter, para o desenvolvimento que eu tenho, para a mulher que eu sou hoje.
P/1 – E o que eles faziam?
R - Minha mãe, na época em que eu nasci, era empregada doméstica e meu pai era operário.
P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós? Você sabe um pouco da história deles?
R – Não, não conheço nenhum dos meus avós. A minha mãe é filha única de mãe solteira e o meu pai também é filho único de mãe solteira. Meu pai foi criado pela tia dele, que é irmã da mãe dele, então eu fui criada como se a minha tia fosse a minha avó, mas os meus avós verdadeiros eu não conheci. Minha mãe ficou órfã com sete anos de idade. E o meu pai também ficou órfão, acho que talvez com quinze anos, alguma coisa assim.
P/1 – Pensando na sua infância, na sua dinâmica familiar, tem algum cheiro, algum sabor, alguma data comemorativa que lembra a sua infância?
R – Ai, Bruna! ‘Pegou’ agora num ‘ponto’! Eu deixei a minha filha na escola hoje de manhã e estava justamente lembrando disso, porque eu estou escrevendo um livro e estava lembrando justamente da infância, porque há pouco eu participei de uma dinâmica na escola que eu dou aula, que era uma conversa de professores e tal e me perguntaram justamente da questão da infância, lembrando da infância e eu me deparei que eu não tenho recordações boas da minha infância. Quase que eu não consigo ter recordações boas da minha infância, então é muito complicado falar dela. Eu tenho muitos momentos tristes na minha infância. Eu não consigo lembrar dos bons. Mas a primeira memória que eu tenho, com três anos de idade, foi a cena da separação do meu pai e da minha mãe. Meu pai ameaçou bater na minha mãe e eu estava no colo dela. A primeira lembrança já é essa. E aí, depois, eu lembro que a minha mãe foi para Novo Hamburgo, para o único tio que ela lembrava, conhecia, única pessoa, único parente e aí tenho recordações de quando eu entrei na escola, que eu passei um momento muito complicado, de discriminação racial. Eu não tenho, sabe, fico pensando, colocando na minha mente, para ver se eu lembro de coisas boas, é muito difícil, eu não consigo lembrar de coisas boas.
P/1 – E você tem irmãs, né? Eu queria saber o nome delas e qual é a sua relação com elas.
R – Sim. Com certeza, minhas irmãs são a coisa boa da infância, mas pouco eu consigo lembrar, porque elas começaram a trabalhar muito cedo. Elas são mais velhas do que eu e começaram a trabalhar cedo, cada uma com treze anos de idade. E aí, com sete anos de idade, eu já ficava sozinha em casa. Por isso que eu tenho poucas, realmente, recordações dessa infância, mas eu sei que elas sempre estiveram presentes na minha infância. Então, a minha irmã mais velha chama-se Márcia Regina da Silva e a do meio é a Marta Regina da Silva.
P/1 – E você sabe por que você chama Dirlene?
R – Ah, claro, sei. Tem toda uma história, também. Minha mãe já tinha tido duas gravidezes, meninas e bom, naquela época, se existia, eu não sei se existia ecografia, até eu costumo dizer que não existia, mas talvez existisse, mas não era pra pobre. Certeza, tá? (risos) Pobre não fazia ecografia. Então, as mulheres ficavam naquela: “Porque a barriga é assim, é assada, eu sinto enjoo assim, eu não sinto” e aí determinava que era um determinado sexo. Então, a minha mãe já tinha tido duas. E a minha gravidez foi totalmente diferente. Ela dizia que a barriga parecia mais redonda, os sintomas eram outros e fizeram aqueles testezinhos da agulha, vários testezinhos caseiros e sempre dava que era menino. Então, era um menino. E aí eu teria o nome do meu pai, Deoclécio. Se fosse menino, teria o nome dele. Então, meu pai estava muito animado de ter um filho homem e o que aconteceu? Ah, tem também uma história muito engraçada que, como as minhas irmãs já eram nascidas, a mais velha tinha oito anos, a do meio tinha sete, elas acompanhavam essa gravidez, a expectativa do bebê nascer. Eu estava prevista para nascer em fevereiro. Então, minha mãe sentia alguma coisinha, ia lá no hospital e levava as minhas duas irmãs juntas. “Não é hora ainda”. Volta para casa. Sentia alguma coisa de novo, ia para o hospital, não era a hora, voltava para casa. Eu sei que isso foi um mês. Então, inclusive, dizem que eu sou filha de burro, que nasci de dez meses, porque eu nasci só em 18 de março, ainda. E as minhas irmãs contam essa história, essa saga delas acompanhando a minha mãe até o hospital e é muito engraçado. E aí, o que aconteceu? Quando finalmente chegou o dia que era, a mãe foi ao hospital e agora, sim, está na hora da criança nascer, para a surpresa geral, quando tiraram, parto normal, naquela época também pobre não fazia cesárea e era outra menina. E aí todo o meu enxoval, que minha mãe ganhou de uma patroa, de uma casa de família que ela trabalhava, era azul. O nome já estava, era Deoclécio. E a única coisa que a mãe pegou, tirou uma fitinha azul, que tinha numa roupinha, bordada e colou com sabonete, porque eu era careca também, não tinha cabelo, na minha cabeça, pra dizer que era uma menina e começou a pensar no nome. Aí ela lembrou de uma novela de rádio, que tinha uma personagem que era Darlene. Ela pensou: “Vou trocar o A pelo I, fica Dirlene e é com D também, para o meu marido ficar, sei lá, mais, talvez, satisfeito, porque ia ser Deoclécio”, então ficou Dirlene. Daí que surgiu o nome Dirlene.
P/1 – Dirlene, se você se sentir confortável, eu queria saber como era a sua casa na infância.
R – A primeira casa que eu lembro... assim: nós mudamos muitas e muitas vezes, aí eu ia precisar até das minhas irmãs, para lembrar das casas que a gente morou. Eu vou te falar das que eu me lembro. Eu lembro dessa que eu te falei que eu estava no colo da minha mãe, que o meu pai ameaçou bater nela, que foi a cena da separação que eu tenho, era uma casa muito simples, de madeira, sem pintura. Aqui, no Rio Grande do Sul, a gente não tem a estrutura das comunidades que a gente vê nos morros, é muito mais plano, mas seria a estrutura de uma comunidade dessas que a gente vê na TV. Mas essas que a gente vê na TV é de alvenaria, aquela era de madeira, aquelas madeiras velhas, uma por cima da outra. Então, era uma casinha muito, muito, muito, muito simples. Essa é a primeira casa que eu lembro. Ah, uma coisa: ontem a minha filha ainda me perguntou, não sei de onde ela tirou isso, ela falou: “Alguém mora dentro do banheiro?” Eu falei: “Sim, a mamãe já morou dentro do banheiro”. Quando a minha mãe se separou do meu pai, eu falei que ela foi pra Novo Hamburgo, para a casa desse tio, que era o único parente que ela tinha, que ela conhecia, e eles estavam fazendo construção, uma reforma na casa e construindo um banheiro, então esse banheiro não estava terminado e foi ali, nesse banheiro, que a gente viveu acho que, pelo menos, um mês, até a minha mãe conseguir alugar uma casa, alguma coisa assim, nós vivemos dentro de um banheiro. Então, todo mundo dormia, fazia de tudo ali dentro de um banheiro que estava em construção. Eu lembro das paredes, era um cubículo, tenho essa lembrança. Tenho uma lembrança também quando eu tinha seis anos, quando houve uma invasão de terras e a mãe viu oportunidade de conseguir uma casa própria e não pagar mais aluguel. E aí a mãe foi pra essa invasão, ela conseguiu madeiras, acho que, hoje em dia, seria um lixão, mas eu lembro que ela conseguiu umas madeiras, chamou pessoas para construir a casa, um pouco ela mesma martelava lá a casa e, assim, era uma casinha de dois cômodos. Aí, depois, com o tempo, ela conseguiu aumentar essa casinha, mas também, eram aquelas madeiras bem velhas e a gente morou ali, essa é a casa que eu mais lembro, dos meus seis aos dez anos, que essa morada que eu relato em todos os meus relatos que eu escrevo, vai estar no meu livro também, que é uma vila de chão batido, não tinha luz, não tinha água, saneamento básico tampouco, se não tinha água é óbvio que não tinha saneamento básico. Existia patente, que hoje em dia a nova geração nunca vai conhecer, saber o que é uma patente, mas a patente era o que tinha. Essa é a casa que eu realmente mais lembro, da minha infância. A minha mãe sempre foi muito, é muito caprichosa e ela sempre disse: “Ser pobre não é vergonha, vergonha é ser relaxado”. Então, assim: ela separava os cômodos da casa com cortinas e não eram cortinas bonitas como a gente vê hoje, eram panos. Então, eu lembro do quarto separado da sala, da cozinha, tudo com aquele panos, assim. Uma poltrona velha, doada por alguém e aí ela colocava flores artificiais, para enfeitar o ambiente. Eu tenho essas lembranças. Cachorro, a gente tinha muito cachorro. Eu não sei por que quanto mais pobre, as pessoas gostam mais de ter cachorro. Então, a gente tinha muito cachorro, também, na época. Eu costumo chamar que era cachorro raiz, que se alimentava com restos de comidas, nada a ver com ração, o resto de comida que sobra o cachorro comia. Era assim.
P/1 – E você lembra do bairro, como era? A cidade, nessa época. Que lembranças você tem do bairro, da cidade?
R – Sim, eu lembro do bairro. O apelido da vila, inclusive, era Barro Preto. Então, chão de terra batido e era, realmente, terra preta. E quando chovia, alagava tudo. Então, a gente ficava, para sair, era água até o joelho. A gente também não tinha dinheiro para comprar aquela bota de borracha, então o que a gente fazia? Erguia a calça até acima do joelho, ia até o final da vila, para onde já tinha rua asfaltada e secava a água e levava um sapato numa sacolinha, então a gente ia de chinelo, levava o sapato numa sacolinha e era isso que a gente fazia. Tinha uma toalhinha dentro da sacola, e mais um sapato, para chegar aonde realmente acabava essa enchente, essa água, secava ali os pés e vestia o sapato. Tem essa lembrança da vila que, hoje, graças a Deus, a minha mãe já voltou lá e disse que está tudo asfaltado, tudo bonito. Eu lembro que para gente ir ao Centro da cidade era um acontecimento. E, há pouco também, escrevi uma história de Porto Alegre, onde morava, em Canoas. Embora eu esteja em Pernambuco, eu tenho o hábito de dizer que eu moro em Canoas. Moro em Pernambuco hoje em dia, mas a gente morava em Canoas e, para ir à Porto Alegre, era um super acontecimento! A gente costumava dizer ‘viajar para Porto Alegre’. Só que, de Canoas para Porto Alegre, são apenas 15 quilômetros. Canoas é a cidade mais próxima a Porto Alegre, da região metropolitana. Só que naquela época, pra nós, era um acontecimento. O próprio Centro da cidade já era um marco, então imagina ir à Porto Alegre, capital do estado. E uma coisa que me chama muito a atenção, por exemplo, em relação a hoje, com a minha época, da minha infância: a minha mãe sempre teve muita consciência do quão pobre a gente era e ela tentava bloquear o nosso contato com esse mundo externo, em que as pessoas têm as coisas, com abundância. Eu lembro, muitas vezes, de a gente passar, quando ia ao Centro da cidade, como a gente passava por restaurante, a minha mãe virava o nosso rosto e dizia: “Não olha”. Se a gente via uma criança, alguém tomando um sorvete, por exemplo, um prato bonito, minha mãe virava nosso rosto e dizia: “Não olha”, para gente não ficar com vontade. Então, tinha muito disso. E hoje a gente vê muito a questão: “Nossa, as pessoas que não têm condições, têm vontade”. Talvez essa vontade de ter, muitas vezes, a gente não tinha, porque a minha mãe já protegia, nesse sentido. E aí, por isso, muitas coisas eu digo, eu tenho uma amiga que diz assim: “A gente não pode sonhar com aquilo que a gente não vê” e eu digo pra ela: “No meu caso, eu sonhei com o que eu não vi”. (risos)
P/1 – Você percebia o que ela estava querendo fazer, quando ela virava o rosto de vocês, ou isso foi uma percepção que você foi ter mais tarde?
R – Ah, certeza. Na época eu não percebia, porque criança não consegue ter essa percepção. Eu fui perceber isso muito, muito, muito mais tarde, mesmo. Eu te diria que talvez... olha, porque a vida da gente passa de uma maneira que chega um ponto que tu não percebe, a gente só vai perceber quando realmente para pra analisar, para pensar. Eu tive esse grande momento de pensar sobre todo meu passado, repensar o meu passado, muito, dar nome ao título do livro que eu estou escrevendo, que é Do Lixo à Paris. Quando eu cheguei à Paris e avistei a Torre Eiffel foi como se a minha história voltasse toda, revi, parece que colocaram uma TV na minha frente e eu revi toda essa história, e a partir dali, comecei a refletir por todas essas coisas que aconteceram. Então, por isso que eu digo, acho que foi muito pouco tempo. Hoje em dia, eu tenho 48 anos, na época que eu estive em Paris, eu devia, talvez, ter 38, sei lá, 37. Eu me formei no mestrado com 39, são dois anos, eu comecei com 37. Então, eu fui à Paris quando eu tinha 38, exatamente dez anos. Somente há dez anos que eu consegui ter toda essa noção do quanto as coisas aconteceram, o porquê que a minha mãe virava o nosso rosto, sabe? Todas essas coisas. Antes não tinha, realmente, percebido.
P/1 – E você lembra o que você pensava, quais eram as suas impressões, quando você ia para a cidade, para Porto Alegre, se era muito diferente?
R – Nossa! É o que eu falei: pra nós era um acontecimento muito grandioso. Aí vem o momento, certeza, de felicidade, mas o próprio momento de felicidade tinha nuances ruins, porque era assim: quando eu ia para Porto Alegre, era para ajudar minha mãe no trabalho. Então, uma faxina numa casa de família. Aí eu já tenho lembranças ruins. Eu lembro de uma casa de família que ela me levou onde me negaram comida. Falaram assim: “Não pode trazer sua filha, porque ela não pode comer aqui”. Lembro de faxinas que eu fui ajudar a mãe, depois terminou a faxina ali e eu vi as crianças na pracinha e fui pedir pra brincar com as crianças e me disseram: “Não, você é filha da empregada, preta e tem o cabelo duro”. Então, assim: ao mesmo tempo que tem uma lembrança boa, que é o fato de ir à Porto Alegre, vem essa lembrança ruim, desses acontecimentos.
P/1 – Eu ia perguntar do que você brincava, nessa época, quando você era pequena? Se tinha brincadeiras, como elas eram? O que você mais gostava de brincar?
R – Por isso que eu disse que eu tenho poucas lembranças boas, porque eu não me lembro brincando. Lembro aquela brincadeira de roda, muito pouco. Bonecas eu tinha muito poucas, também, doadas. E a lembrança que eu tenho mais nítida, mesmo, é de mim desenhando, porque uma coisa que eu gostava muito de fazer, era desenhar. Então, tem tudo a ver: eu tinha poucos brinquedos, eu morava numa rua de chão batido, sem luz elétrica, não assistia TV, livros a gente não... porque a minha família não tem tradição de estudo, então eu nem conhecia livros, eu fui conhecer muito depois, mais tarde. E, pra mim, ter um caderno para desenhar, era um passatempo. Então, a minha irmã acho que tem alguns desenhos meus. Eu gostava de desenhar as pessoas.
P/1 – Nessa época da infância e até um pouco de adolescência, você sonhava em ser alguma coisa, ter alguma profissão, ou não era nem uma coisa que passava pela sua cabeça? Como era?
R – Sim, passava, porque eu passei, cresci vendo minha mãe trabalhando muito, muito, muito, muito. Ela sempre trabalhou e depois que ela se separou, ela trabalhava dia e noite, para sustentar as filhas. Então, o meu pai foi um pai que se divorciou da mulher e das filhas também. Ele foi preso diversas vezes, por não pagar a pensão, sendo que a última vez que ele foi preso, minha mãe foi lá soltá-lo, porque ela sabia que ele ia ficar preso pro resto da vida, porque ele não ia pagar, ele não trabalhava. Então, realmente, minha mãe assumiu a criação das filhas, então ela trabalhava muito. Então, isso, pra eu trabalhar era uma coisa natural, sonhar em trabalhar. Então, as minhas irmãs começaram a trabalhar muito cedo, com 13 anos cada uma delas, em casas de família. Eu tinha sete, quando elas começaram a trabalhar. Então, pra mim foi muito natural, porque o meu sonho era trabalhar. Com sete anos, eu queria trabalhar, inclusive. Sete, oito anos. E eu ficava pensando o que eu poderia fazer com oito anos, por exemplo. Qual trabalho eu poderia ter? E aí me veio uma ideia, (risos) coisa de uma criança de oito anos, porque como na vila era chão batido, então é claro que não tinha coleta de lixo, eu pensei: “Eu posso passar de porta em porta, coletando o lixo das pessoas, faço uma fogueira no fundo da minha casa, queimo e ganho um dinheiro por isso”. Então, eu costumo dizer: “O meu primeiro sonho foi ser lixeira”. E aí claro que a minha mãe disse: “Não, não vai fazer isso, de jeito nenhum”. (risos) Então, o meu primeiro sonho foi esse, de recolher o lixo e tal, mas foi pra trabalhar, pra ter um dinheiro. Na verdade, foi esse: trabalhar, pra ter um dinheiro. Esse era meu sonho, durante bastante tempo, foi esse, de recolher o lixo. Aí depois veio o sonho de ser cabeleireira, professora. Aí, conforme ia passando, na primeira série, na segunda série, terceira série, foram evoluindo esses sonhos.
P/1 – E onde você estudou?
R – Estudei em várias escolas. A minha primeira série foi numa escola que era particular, inclusive. Esses dias, eu estava falando sobre isso e eu fiquei pensando: “Por que será que a mãe optou por uma escola particular?” Fiquei pensando. Ela não consegue lembrar, mas eu acredito que seja porque a gente morava nessa vila, era muito distante de tudo, e a escola mais próxima que tinha era essa. E ela conseguiu, sei lá, algum desconto, que era uma escola particular, mas ela não ficava no bairro, então, certeza que fazia alguns projetos sociais e a minha mãe conseguiu nos colocar nessa escola. O que aconteceu aí? Tinha um preconceito racial muito forte, porque as crianças, eu era a única negra da turma e da escola, talvez, tivesse pouquíssimas. Então, nessa escola eu fui rechaçada pelas colegas, olhavam pra mim e diziam: “Não pode brincar, tu é preta e tem cabelo duro”. Fui rechaçada pela professora, inclusive, porque ela não me acolhia, via isso acontecer e não me acolhia. Realmente, ela me questionava por que eu estava mal vestida, ela dizia que eu tinha cheiro ruim, ela me dizia isso. Era muito doloroso, realmente, para uma criança de sete anos. Chegava nas épocas de festinha, São João, no nosso caso, no Rio Grande do Sul, tem a festa da Farroupilha, era normal mandar bilhete, a escola, pedindo contribuição dos pais, a minha mãe respondia nada simpática, eu lembro de um bilhete que ela respondeu uma vez, ela disse assim: “Eu não tenho dinheiro nem para o pão, eu não vou dar dinheiro para escola”. E eu ficava com muita, muita vergonha. Eu sentia muita vergonha daquilo. E aí, claro, a professora lia aquilo, ela me tolhia, como se ela me punisse por aquilo ali, por aquele bilhete. Então, eu ficava mais ‘de lado’ ainda. Eu tinha um pavor quando tinha essas festividades, na escola. Para começar, eu não tinha roupa de festa junina, não tinha roupa de festa da Farroupilha, não tinha roupa nenhuma. O que eu tinha era roupinha doada das pessoas que, muitas vezes, minha professora falava que eu estava suja, amassada, que eu era malcheirosa. É claro que eu não tinha um chuveiro para tomar banho, a gente tomava banho de bacia, a água do caminhão-pipa. Então, eu fico imaginando: claro, por mais caprichosa que a minha mãe fosse, realmente eu não deveria ter o melhor odor do mundo, mas o problema é falar isso para uma criança de sete anos, isso é muito duro. Coisas que, na época, eu não entendia, que não se faz, de maneira alguma, isso para uma criança. Então talvez chame os pais, responsáveis, mas, naquela época, eu não entendia. Eu realmente entendia que o problema estava comigo. Eu cresci me achando uma criança muito feia. Eu não lembro de alguém ter olhado pra mim e dizer: “Nossa, como tu é bonita!” Coisas que eu revivo hoje com a minha filha, que tem sete anos hoje, eu coloco sempre que os momentos, o período mais complicado da minha história eu vivi nessa época, com sete anos, quando eu entrei na escola. E eu busco fazer totalmente diferente com a minha filha. Eu falo todo momento para ela que ela é a menina mais linda do mundo, que os cabelos dela são lindos, que os cachos dela são maravilhosos, porque eu não lembro, realmente, de alguém ter dito que eu era bonita, com sete anos. Então, realmente, eu cresci me achando uma criança muito feia, suja, com todos os adjetivos ruins que alguém pode ter. (choro) Desculpa, você perguntou da escola. Essa foi a minha primeira escola. Depois dessa escola eu fui para uma escola do município, que aí, como eu te falei, refletindo, muitas vezes... a minha mãe é uma pessoa muito simples, ela não tem muitas respostas, então eu tento buscar as minhas próprias respostas. Então, aí, eu refletindo porque a gente foi para essa escola, que era, na verdade, particular, cheguei a essa conclusão que era uma vila, as escolas eram muito distantes e eu lembro que quando criaram, fundaram uma escola nessa vila, mais próxima, eu fui para essa escola, que é do município. Nessa escola eu fui muito mais acolhida, eu lembro de uma professora, tenho um carinho por ela, enorme, Eunice, que ela me acolheu muito. Ela passou a ser a minha referência, sabe, de pessoa, no mundo. Tanto que, depois, quando a gente se mudou, quando eu tinha dez anos, para uma casa mais estruturada, eu tentei achar, encontrar essa professora, mas era uma época que não existia internet, telefone era uma coisa muito rara, mas eu lembro muito dela. Até hoje, eu fechando os olhos, lembro dessa professora Eunice, era uma mulher branca, com cabelos lisos, longos. Para mim, era muito linda. E ela me incentiva muito, dizia que eu era uma menina muito inteligente. Certeza que acho que foi a primeira vez que eu ouvi que eu era bonita. Então, essa professora me fez muito bem. Eu tinha oito anos quando eu fui para essa escola, que era do município. Então, dessa escola eu tenho boas lembranças. Também teve episódio de racismo nessa escola, eu lembro de duas irmãs gêmeas, inclusive, as falas delas, de preta, de macaca, mas o meu bálsamo nessa escola era essa professora. Certeza. Bom, quer que eu continue na escola? Porque aí tem a ver também, eu fiquei nessa escola três anos, houve o fato marcante que foi a minha saída da vila, que aí eu fui para outra escola. Mas essa saída da vila foi marcada pela conquista de um outro trabalho, pela minha mãe. Então, até os dez anos, eu tive o rótulo de filha da empregada, porque minha mãe era uma empregada doméstica, semianalfabeta. Faxineira, empregada doméstica e aí ela foi demitida da casa de família que ela trabalhava, ficou desempregada, obviamente e a gente tinha uma vizinha nessa vila, que era gari da prefeitura da cidade de Canoas e ela falou para minha mãe que lá na prefeitura estavam chamando outras garis e perguntou se a mãe não queria o emprego. A mãe disse: “Olha, tenho três filhas para criar, vou”. Foi lá, preencheu a ficha, tal, foi chamada e começou a trabalhar de gari, na prefeitura. E o salário que ela recebia de gari era mais do que o dobro do salário de uma empregada doméstica. A primeira coisa que ela fez foi sair da vila. Então, ela alugou uma casa num bairro da cidade, que tinha uma estrutura, pelo menos que tinha água, luz elétrica, rua asfaltada, e a gente saiu dessa vila e foi pra esse bairro e então eu troquei novamente de escola. Fui pra uma escola pública, do estado, estava no quarto ano, com dez anos e essa escola também foi mais acolhedora, também teve seus episódios de racismo, mas tenho lembranças também de professores, colegas. Perdi o contato, mas há pouco tempo, até então, eu tinha contato com colegas desta escola, mas perdi o contato, faz pouco tempo, com esses colegas. Então, tenho lembranças melhores dessa escola. E pra nós esse momento foi muito marcante, quando a gente sai da vila e vai para um bairro estruturado, para mim e paras minhas irmãs significou, o termo que a gente usava, é: “Eu estou no paraíso. Nós temos vida de rico”. Porque para uma pessoa... eu sempre digo: tem gente que não consegue, realmente, imaginar a realidade que a gente viveu, que eu e minhas irmãs vivemos porque, para nós, estar naquela casa, ter quatro paredes, ter as estruturas, os cômodos da casa divididos por paredes de alvenaria, era incrível. Abrir a torneira e sair água, meu Deus, era um acontecimento. E tomar banho de chuveiro, para nós, era realmente um paraíso. E ter um endereço, porque naquela época telefone era realmente coisa de rico. Internet, óbvio, não se falava, não existia mesmo. Qual era a maneira que a gente tinha de comunicação? Carta. E como nós morávamos na vila, a vila não tinha um endereço. Então, a gente não podia receber uma carta. Então, a gente foi pra um bairro, que era uma casa, que tinha uma rua, que tinha um número, então a gente passava a receber cartas. A gente dizia assim: “Agora eu tenho um endereço, moro numa rua asfaltada, recebo carta”. Foi um marco muito grande, mesmo, na nossa vida, na vida das minhas irmãs, da minha mãe, na minha mesmo, foi essa mudança, a saída da vila, significou que a gente pôde ter televisão, eu lembro da nossa primeira televisão, uma TV preta e branca. E eu fui para essa escola. Ah, uma coisa também, muito importante, desse momento, que eu lembro pela primeira vez ter amigas. Tu tinha perguntado de brincadeira, eu não tinha amigas, amigos. E quando eu me mudei, pela primeira vez, eu tive amigos, amigas, tinha um grupinho de amigas, aí eu lembro de brincadeiras, de brincar de Amarelinha, de andar de bicicleta. Eu não tinha bicicleta, mas eu tinha uma vizinha que me emprestava e depois, inclusive, ela comprou, os pais dela deram uma bicicleta nova para ela, ela me deu aquela bicicleta usada. Eu lembro da gente jogando vôlei. Então, tem muitas, muitas, muitas lembranças e inclusive essas amigas eu tenho, as conservo até hoje. Então, eu lembro da primeira vez, de ter essas amigas, realmente de atividades, de brincadeiras, embora eu já tivesse dez anos. E já tinha aquela paixão pelos estudos. A questão dos estudos aconteceu na minha vida, a paixão pelos estudos. Por isso que eu costumo dizer, Bruna, que eu consegui sonhar com o que eu não via. Que na minha família ninguém tinha tradição nenhuma de estudo, não sabia o que poderia acontecer comigo estudando. Então, eu credito muito a questão de morar na vila de chão batido que, pra mim, significava um passatempo, porque não tinha outra coisa para fazer, então pegar os caderninhos, fazer os exercícios e tal, acho que era um passatempo. Então, eu fui criando um gosto pelo estudo, muito forte. Inclusive esse gosto, a partir do momento que a gente se mudou, foi pra esse bairro, tem um fato muito marcante, que também eu só fui entender isso muito mais tarde. Eu tinha onze anos e a gente foi convidada pra uma festa. A nossa vizinha da frente, a minha mãe falou: “A Zete está fazendo uma festa”. Todo mundo foi lá para casa da Zete, para a casa da festa. Aí eu lembro até hoje a música que estava tocando, que era Paralamas do Sucesso, aquele “Entrei de gaiato no navio. Ah, entrei, entrei, entrei pelo cano”. Todo mundo dançando e tal, se divertindo, daqui a pouco eu penso assim: “Mas essa festa é do quê? Por que tem essa festa? É aniversário da Zete?” Aí perguntei para as minhas irmãs: “Não sei”, perguntei pra minha mãe: “Não sei”, perguntei para a sobrinha da aniversariante, que era minha amiga, da mesma idade que eu, ali, onze anos: “É aniversário da Zete, da sua tia?” “Não é” E eu: “Mas por que é essa festa?” “Não sei”. Eu disse: “Não, mas a gente tem que saber por que é”. Fui lá na Zete, dona da festa, perguntei: “Zete, é seu aniversário hoje? Pra que essa festa? A Elizângela disse que não é seu aniversário” “Realmente, não é meu aniversário” “Então por que tem essa festa hoje?” “Porque hoje eu estou comemorando a minha formatura” “Formatura, mas o que é isso?” “Formatura é quando a gente termina de estudar” “Quando a gente termina de estudar?” Porque eu nem sabia quando a gente terminava de estudar. Ela disse: “Eu fiz uma faculdade” “Mas o que é isso?” “Faculdade é algo que a gente faz depois do colégio” “Tá. E você se formou em quê?” “Eu me formei em Contabilidade, Ciências Contábeis” “Mas o que é isso?” Aí ela começou a me explicar: “Ciências Contábeis é o profissional contador, ele faz as contas da empresa, cuida dos números, do dinheiro e tal”. Eu disse: “Ah, legal”. Fiquei com aquilo na cabeça, não saiu mais da minha cabeça. Então, é um fato que me chamou atenção depois, que eu fui conectar os dados desse fato da Zete, porque todo mundo estava na festa, ninguém sabia por que, ninguém se interessou em saber e eu, com onze anos, me interessei. Então, curiosidade sempre foi algo latente minha, eu chego à conclusão. Realmente, eu sempre fui uma criança curiosa. E nessa época eu lembro de muitos fatos históricos. Tem muita ligação com a questão de poder ter televisão, de poder assistir uma televisão, porque a gente já tinha, daí, luz elétrica, mas eu lembro, eu tenho muitas lembranças, eu lembro da campanha das Diretas Já, do fim da Ditadura Militar, da eleição do Tancredo Neves, posteriormente a morte dele, o Sarney que assumiu, o Plano Cruzado, as fiscais do Sarney e aí tem uma lembrança, que é boa, no sentido que, para mim, foi um marco, porque até então eu nunca tinha visto um negro na posição de destaque. Quando eu falo isso, muitas vezes as pessoas me chamam atenção: “Não, deveria ter mais gente. Já tinha”, mas só que eu estou falando da minha lembrança, da minha história. Eu estou falando da Deise Nunes, gaúcha, que foi eleita Miss Brasil em 1986, eu tinha doze anos. Pra mim, é a primeira vez que eu vi uma negra na televisão, ganhando alguma coisa. Foi a primeira vez que eu vi uma negra numa capa de revista, no jornal, que não seja nas páginas policiais. Então, foi a primeira vez que eu vi alguém, as pessoas falando: “Nossa, como ela é bonita!” Porque naquela época, nos anos 1980, uma mulher negra era feia só pela cor da pele. Assim: eu sabia que eu era feia, por causa da minha cor. E ver uma mulher negra sendo considerada bonita e conquistando algo, aquilo me deu uma certeza de que eu poderia fazer alguma coisa diferente da realidade que eu vivia, que as pessoas como eu, negras como eu, viviam. Inclusive, a gente não falava a palavra negro. Eu não lembro de ninguém falar: “Eu sou negro”. Não. Inclusive eu tenho um primo, que é engraçado: a minha mãe é filha única de mãe solteira e o meu pai também, mas a gente tem primos, eu costumo dizer que a gente tem primos, mas são aqueles primos segundos, terceiros. Tem uma história também que, depois, os parentes do meu pai foram surgindo, eu já tinha trinta e poucos anos e da minha mãe foram surgindo há pouco tempo. Os parentes da minha mãe eu fui conhecer ano passado. Esse ano, eu conheci os parentes da minha mãe por parte de pai. Mas eu cresci não tendo parentes de sangue. Mas tenho esse primo segundo, terceiro e ele dizia, na época do Correio Amoroso, que tinha nos jornais, seria hoje os Tinders da vida, aí eu lembro que ele escrevia ali: “Meu nome é fulano de tal, tenho tal idade, sou moreno, de cor não clara”, porque ninguém falava negro. A minha mãe, até hoje, tem 77 anos, ela tem muita dificuldade de falar a palavra negro. Ela simplesmente aponta aqui, pra cor da pele e diz: “Dessa cor aqui, moreninha. Essas morenas”. Hoje em dia eu digo pra ela: “Não, mãe, não somos morenas, somos negras. Não precisa ter vergonha nenhuma de falar”. Mas naquela época não se falava.
P/1 – Eu ia perguntar sobre como foi essa transição da infância para a adolescência. O que você estava pensando, nessa época, quais foram as mudanças?
R – Sim. Eu falei bastante das mudanças, certeza que o marco foi essa mudança, da saída da vila e descobertas de muitas coisas novas, que até então não se conhecia. Hoje eu consigo fazer esse link com a descoberta dessa pessoa, que se formou numa faculdade, com esses fatos históricos. Como eu gosto de história, porque pouquíssimas pessoas têm essas lembranças que eu tenho. E, dessa época, me chama atenção o quanto eu assistia telejornais e gostava de ouvir as notícias econômicas, coisas que os adolescentes da minha época ‘não estavam nem aí’. Então, como eu falei: o Plano Cruzado, a política me chamava muita atenção, então se falava bastante o termo, na época, de hiperinflação, a inflação chegou a ‘bater’ 80% ao mês. Então, aumento dos preços, fiscais do Sarney, que eu já citei e eu era já formada em Economia quando eu percebi que com doze anos de idade, eu já pensava em Economia. Então, foi algo, também, que veio, eu fiz esse link muito depois. E nessa época, o que aconteceu? Como a minha era gari, eu passei a ser chamada de filha da lixeira. Eu lembro até a pessoa que me colocou esse apelido. Só que esse apelido ganhou, assim, uma proporção gigante. Eu, que já era chamada filha da empregada, então meu rótulo foi trocado para filha da lixeira. Então, as pessoas me viam, a minha mãe, claro, varria a rua mesmo, eu lembro que eu ia levar lanche para minha mãe, chegava na escola e a pessoa dizia assim: “Eu te vi lá falando com aquela mulher lixeira”. As pessoas não falavam gari, falavam lixeira. E aí, o que acontece? A minha mãe, trabalhando como gari, mesmo assim, ela continuava fazendo faxinas, para complementar o orçamento. E uma dessas faxinas que ela fez foi para uma pessoa, eu não me lembro o nome da pessoa, eu sou muito grata, mas eu não lembro mais o nome dela, eu não sei se ela está viva, enfim, que era secretária de ensino do município de Canoas. Minha mãe sempre foi uma pessoa, até hoje, muito expansiva e aí, conversando com essa mulher, ela começou a falar sobre educação, ensino, estava falando da questão de bolsas de estudo e ela falou: “Estou com bolsa de estudo lá para distribuir, mas tem critérios, tem que ser pra melhores alunos de escola públicas” e a minha mãe ouviu aquilo e falou: “Nossa, mas a minha filha é muito estudiosa, minha filha menor, gosta muito de estudar” e a pessoa disse para mãe: “Olha, então inscreve - vai lá na Secretaria de Ensino – sua filha”, falou para a minha mãe quais documentos que tinha que levar, os boletins, notas, essas coisas e a mãe foi lá, fez a minha inscrição e eu fui contemplada, realmente, com a bolsa de estudos. Na época, era a melhor escola da cidade. Então, com doze anos eu fui pra essa melhor escola da cidade, com uma bolsa de estudos, mas com o rótulo de filha da lixeira. E isso foi muito complicado. Então, eu voltei a ser a única negra da turma, pouquíssimos negros que tinha na escola. Pra mim isso significou também um marco na minha vida e eu costumo dizer que, nessa escola, eu vivi o céu e o inferno. O céu era porque era um ambiente muito grandioso. Eu não sei como está a escola pública hoje, mas na minha época era suja, sucateada, os banheiros eram horríveis, com um odor realmente horrível e chegar numa escola enorme, um prédio com escada, bem pintado, arquitetonicamente lindos, com esculturas na parede, isso era muito grandioso. Um jardim maravilhoso, eu lembro do jardim – depois minha filha estudou nessa escola também – das escadas, aquilo tudo era muito grandioso. Então, eu lembro daquilo maravilhosamente. E o fato é que, dentro dessa escola, pela primeira vez eu entendi o que estudar poderia me levar, onde o estudo poderia me levar. Embora eu tenha tido esse episódio da minha vizinha, que falou da faculdade, foi efetivamente quando eu tomei consciência, porque essa coisa da vizinha eu tomei consciência muito depois, que teve uma ligação, uma mensagem subliminar, ali. Mas de uma maneira muito nítida, foi a primeira vez que eu entendi: “Eu posso fazer tal coisa, através do meu estudo”. Foi a primeira vez que eu tive conhecimento de profissões que não sejam as operacionais. Médico, dentista, advogado, enfim. E eu gostava muito de estar lá, dentro da escola. Mas o que aconteceu? O inferno vinha no sentido de que eu amava estudar, isso já era um gosto que eu tinha, então dentro da escola eu comecei a ver outras possibilidades para mim, mas todos os dias, chegar até a sala de aula era um desafio. Eu enfrentava um grupo de meninos descendo as escadarias, todos os dias, fazendo som de macaca, quando eu passava. Mais uma vez eu fecho os olhos, eu consigo ver esses meninos fazendo uhuhuh hahaha e coçando a cabeça, fazendo som de macaco, rindo e a minha atitude era, simplesmente, chorar. Abaixar a cabeça e chorar. Eu chegava, realmente, na sala de aula chorando e aí, na sala, aí era um inferno e chegando na sala de aula eu realmente ‘vivia o céu’, porque eu amava estudar e amo até hoje. Algo assim, conhecendo coisas novas e aprendendo, pra mim, é algo que me marca muito, sempre. Tanto que durante muito tempo e até hoje são meus ídolos, são professores. Eu amo professores. Uma das minhas profissões, que é ser professora, eu tenho muito orgulho, porque eu sempre admirei muito os professores saberem. Hoje em dia eu sei que professor tem as suas falhas, mas na época eles eram deuses pra mim, porque eles sabiam. O conhecimento sempre me encantou muito. E aí eu vivia o meu paraíso, o meu céu. Mas antes de chegar ao céu, eu tinha esse inferno. E esse inferno durou, no mínimo, uns dois anos, que eu passei por isso. E muitas pessoas me perguntam: “Mas como é que eles sabiam que tu era filha da lixeira, que tu era pobre?” Gente, numa escola com mais de cinco mil alunos, uma criança negra já é diferente. Então, na nossa sociedade, se ainda hoje um negro é rechaçado e passa, porque não tem dinheiro, imagina como era naquele tempo! Realmente, era sinônimo de ser pobre e ser pobre era sinônimo de ser ruim. E é uma coisa, inclusive, que eu busco muito, tirar isso, que ser pobre não é ruim. Ser pobre é um estado. Ninguém é pobre. A gente está pobre. Mas pobre de dinheiro. Tu pode ser pobre de dinheiro e rico dentro do seu espírito, rico de conhecimento. Então, hoje eu sei que eu estava pobre, mas só de dinheiro. E não é um defeito. Mas naquela época ser pobre era visto como um defeito e ser negro era sinônimo de ser pobre. Então, não era difícil para esses meninos entenderem que eu era, realmente, pobre. Então, negro era sinônimo de macaco. O meu uniforme pra escola, foi muito importante sempre dizer, quando a gente pensa teve uma bolsa de estudos, ‘nossa, é maravilhoso’. Mas só que tem todo um entorno para conseguir se manter na escola. Então, já vinha a questão do uniforme. Como é que eu ia conseguir o uniforme? Não tinha dinheiro pra comprar. Então, a minha madrinha trabalhava, por sorte, numa casa de família onde as crianças estudavam na mesma escola que eu, então ela conseguia os uniformes doados. Mas é óbvio que não eram uniformes novos. Então, a minha camiseta, que acho que na época todos os uniformes de escola naquela época eram camiseta branca, hoje em dia tem coloridas, a minha camiseta não era branca, como dos outros coleguinhas. O meu abrigo não era aquele azul marinho lindo, brilhante, como dos outros colegas. O meu tênis, na época estava na moda o Bamba, eu nunca tive, mesmo, um Bamba. Eu usava Conga. Então, estava ‘na cara’ que eu era, realmente, muito pobre e aí a questão da filha da lixeira, a mesma coisa. As pessoas me viam na rua conversando com a minha mãe, levando lanche, tal. Vou confessar, já confessei, inclusive, para a minha própria mãe que, naquela época, eu tinha vergonha dela. Mas igual eu ia até ela, conversava, falava, mas o que acontecia? Cada vez que eu ia conversar com ela, eu chegava no outro dia na sala de aula, as pessoas riam, eu virava mais piada: “Te vi conversando com aquela lixeira lá”. Por isso todo mundo sabia que eu era filha da lixeira. Não tinha como, realmente, guardar esse segredo. E nessa época eu tinha, realmente, vergonha da minha mãe, da minha casa, do bairro que eu morava, porque a casa, daí, eu já tinha saído da vila, para ter uma casa, sei lá, de quatro cômodos, já era um progresso, mas em relação à escola que eu estava estudando, era uma casa que não era legal frente aos meus amigos, colegas, que amigos eu não tinha, na verdade, mas os colegas que moravam em condomínios, mansões, aí eu já passei a ter vergonha de novo, da minha casa, da minha mãe, das coisas. E isso durou, como eu te falei, pelo menos dois anos, esse inferno. Isso eu só conseguir resolver a partir do momento que eu me resolvi. Então, eu chamei a atenção dos professores, por ser boa aluna e professor gosta de boa aluna, então sempre tirando boas notas e os professores começaram a prestar atenção em mim. Hoje eu acredito que, principalmente, vivi uma época que não se falava de racismo, mas eu acredito hoje que eles entendiam o que acontecia comigo, porque eu chegava na sala de aula transtornada e o que eles fizeram? Eles começaram a se aproximar de mim, mas eles não perguntavam o que acontecia comigo. Mas eles começaram a se aproximar, a me indicar coisas, para que eu pudesse ser cada vez melhor aluna, me destacar. Então, eu comecei a ler livros, coisa que na minha família não tinha tradição nenhuma, não conhecia. Eu lembro até hoje do primeiro livro que eu li, que é Éramos Seis, da Maria José Dupré. Eu lembro que teve uma fase, eu estava na sétima série, que a gente tinha aula pela manhã e pela tarde. Eu não tinha dinheiro para ir em casa, almoçar e voltar à tarde. E, também, morava em um bairro muito distante, já não ia dar tempo. E aí foi através de um professor, que me deu a seguinte ideia: “Olha só, porque tu não sai da aula da parte da manhã, come alguma coisa aqui por perto, vai para a biblioteca, faz os seus temas e depois volta para a aula, à tarde”. Eu gostei da ideia, tal e foi aí que eu virei ‘rata de biblioteca’. Então, eu fazia isso, ia ali pra escola pela manhã, ia pro trabalho da mãe e a gente dividia uma marmita, ali e depois eu ia para biblioteca e, num desses dias na biblioteca, eu lembro que eu lia de tudo, fazia meu tema e sobrava tempo e ficava olhando os livros da prateleira da biblioteca, até que um dia eu me deparei com um seção de livros de Psicologia. Nem existia o termo ‘autoajuda’. Simplesmente eram livros de Psicologia. E aí eu fiquei pensando ‘Psicologia’ e eu lembrei de um assunto com colegas, ali, que a colega falou que a mãe dela era psicóloga. E a Dirlene foi sempre muito curiosa, perguntei: “Pra que é psicólogo?” e ela disse assim: “É um tipo de médico que cuida da mente”. Quando eu vi esse livro, Psicologia, eu pensei: “Nossa, mente tem a ver”, porque eu tinha em mim esse episódio, que é muito marcante, que acontecia com os meninos de manhã, eu chamava que ‘eu quero parar de sofrer’. Eu queria que aquilo parasse, mas simplesmente eu gritar pra eles: “Parem” não ia adiantar. Eu queria realmente que alguma coisa acontecesse na minha vida e aí, quando eu vi aquele livro de Psicologia e aí fiz esse link, a pessoa falou: “Um médico que cuida da mente”, eu achei: “Nossa, pode ser interessante pra mim”. E peguei o primeiro livro de Psicologia que eu li, que esse eu lembro, os demais eu não lembro mais, mas o primeiro foi O Poder do Subconsciente, de Joseph Murphy. Eu devorei esse livro, eu li todos os outros livros que tinha desse autor, na biblioteca. E comecei a ler outros autores também. Um outro autor que eu lembro foi o Lauro Trevisan e outros realmente não lembro os nomes. Mas depois de ler muito, eu comecei a entender muitas coisas. Imagina essa pessoa: as coisas, para mim, todas, sempre têm muito significado. Tem pessoas que as coisas acontecem, ‘aconteceu por acontecer’. Não. Para mim, as coisas sempre têm um significado. Eu sempre sou aquela de buscar o porquê do porquê. Então, eu pensei: “Esses livros chegaram até a mim, isso que tal autor falou”. Ia realmente sempre refletindo sobre e o Joseph Murphy em especial, tanto que até hoje eu o chamo de meu psicólogo. Eu já tive condições de ir a vários psicólogos de verdade, mas eu dou crédito a ele, o título de meu psicólogo. Então, ele falava muito da questão do autoconhecimento. Que a gente, eu não posso mudar o outro, mas eu posso mudar a minha atitude em relação ao que o outro faz comigo. Aí, lembrando, o Joseph Murphy, ‘batia’ muito. Vira e mexe, estava de novo lá, autoconhecimento, autoconhecimento. E eu fiquei pensando: “Mas como eu posso mudar o que eu pensava: eu quero parar de sofrer”. E aí, como? Através de mim. E aí comecei a traçar um plano, mesmo. O que eu vou fazer com esse fato, desses meninos fazendo som de macaco? E aí fiquei pensando: “Ele disse isso, eu tenho que mudar a minha atitude em relação ao que os outros fazem comigo” e aí eu cheguei à conclusão: “O que eu faço? Quando eles fazem o som de macaco, eu baixo a cabeça, choro e saio correndo. Eu tenho que reagir de maneira diferente. Eu tinha certeza que dizer ‘parem’ não ia dar em nada, ia ser pior. E aí eu comecei, testei, foi um teste, eu fiz a primeira vez, foi: eu passei por eles e levantei a cabeça e cumprimentei. Quando eu levantei a cabeça e cumprimentei, eles se espantaram, ficaram sem reação, pararam de fazer o som de macaco, porque eles se espantaram demais. Não esperavam aquela reação. Ok, fui para minha sala de aula, plena, rindo por dentro, feliz. No outro dia eu passei e eles começaram a fazer de novo o som. Eu levantei a cabeça, ainda olhei pra eles assim: “Vocês estão fazendo som de macaco, por que o Homem evoluiu do macaco? É por isso?” Risada geral. Eles começaram a rir. Aí um disse pro outro assim: “Viu, eu disse que não fazia mais sentido, não estava mais engraçado fazer isso com ela”. No outro dia que eu passei, cumprimentei, eles me cumprimentaram e, enfim, o resto do ano foi isso. Eles me cumprimentaram e nada mais aconteceu. Então, a partir desse momento, hoje eu trago: aos quinze anos de idade, eu me tornei protagonista da minha vida. Na época eu não tinha essa fala, não existia, na época, mas eu criei depois. Mas a verdade foi essa, porque eu realmente entendi - o que eu lia lá nos livros do Joseph Murphy, que ele ‘batia’ na tecla do autoconhecimento – que autoconhecimento é a mãe do conhecimento. Então, eu trago comigo, depois você vai ver em relação a minha profissão, que eu sou economista, mas eu trago estudar pessoas de uma maneira muito forte. Então, eu costumo dizer que eu estudo inteligência emocional antes de ter esse nome, porque eu trouxe comigo esse estudo, realmente, do eu. Então, eu consegui entender que a ‘chave’ estava em mim. E foi nessa mesma época do autoconhecimento que eu entendi também que autoaceitação é algo muito importante e que eu não me aceitava, de maneira nenhuma. Então, a questão da cor da minha pele: eu cresci ouvindo que ser negra era feio, eu realmente me incomodava ser chamada de negra e aí, muitos momentos depois, por mais protagonista que eu fosse, da minha vida, as pessoas continuavam me chamando de negra. Não imitando som de macaco, mas continuavam me chamando de negra. Mas quando isso acontecia eu pegava, olhava e dizia assim: “Sim, eu sou negra, tenho muito orgulho disso. Que problema tem? Tu é branco, tu quer que eu te chame de branco? Acho que não precisa estar me lembrando toda hora que eu sou negra, mas tu quer que eu te chame de branco? Eu posso te chamar. Aí tu me chama de negra e eu te chamo de branco. O que tu acha?” Sabe, eu comecei a revidar. Então, de uma pessoa tímida, que eu era, hoje em dia eu sei que eu não era tímida, eu fui silenciada, simplesmente, mas eu passei a realmente reagir, mas não falando como aconteceu esse episódio da Gio [Giovanna Ewbank], que falou palavrão e tal e todo mundo sabe: se fosse uma mulher negra, seria totalmente diferente. Então, certeza. Nunca falei palavrão, nunca xinguei ninguém, mas simplesmente eu trazia os questionamentos. Confrontava com categoria, falando: “Eu sou negra, sim, com muito orgulho”. Essa autoaceitação também me ‘salvou’. A partir do momento que a gente se aceita... me ‘salvou’ e hoje eu trago para as pessoas a importância de se auto aceitar.
P/1 – Dirlene, eu ia perguntar como foi a escolha de fazer Economia e como você chegou à conclusão que você queria ir para a faculdade, como foi esse momento na faculdade?
R – Sim. Como eu te falei, eu fui muito ajudada por professores, então, no momento que eu comecei a chamar a atenção dos professores, eles passaram a ter um cuidado comigo. Aquele fato que eu tive lá na minha infância, a professora de primeira série que me rechaçou, aconteceu o contrário, então os professores tinham muito cuidado, especial, comigo. E quando chegou... hoje em dia tem o nono ano, mas na época era a oitava série, as pessoas estavam pensando - na época era segundo grau, hoje é Ensino Médio – o que já vão fazer no Ensino Médio, eu estava pensando até em faculdade. Então, estando nessa escola particular, eu tive esses conhecimentos, de que daí existia o Ensino Médio, que eu poderia fazer um Técnico, depois era faculdade. Dentro da escola, existia esse conhecimento forte e eu tinha, adquiri, ‘botei’ na minha mente que eu não queria ser como as minhas irmãs, que começaram a trabalhar como ‘do lar’, em casas de família. Então, eu já tinha colocado que não, eu quero ter uma profissão. E como eu já tinha noção de profissão, que veio da escola, obviamente, a escola me trouxe essa noção, eu tinha que eu queria ter uma profissão, que eu queria começar a trabalhar já com a minha profissão. Inclusive, depois dos quinze anos, que eu terminei o Ensino Fundamental, a minha mãe, por ser uma pessoa de origem muito humilde, que não conhecia estudos, na cabeça dela, ela achava que já estava o suficiente pra mim, que eu poderia parar de estudar e ir trabalhar. Eu lembro que ela falava muito de empacotadora de supermercado e as minhas irmãs têm um papel muito importante na minha vida, sempre tiveram, porque elas me criaram, mas nesse momento foi muito especial, que elas disseram para a minha mãe assim: “Mãe, deixa a Dirlene estudar. A gente continua ajudando em casa”. Eu já trabalhava desde muito cedo. “Deixa a Dirlene estudar. A gente ajuda na escola, comprando materiais, roupas, enfim, consegue ajudar em casa, mas a deixa estudar”. Então, eu consegui fazer um Ensino Técnico Médio, muito pelas minhas irmãs. Dessa escolha, saindo do Fundamental, no Médio eu sabia que eu queria um Técnico, para ter uma profissão. E aí, conversando com os professores, como eu falei, como eles me davam muita atenção, eu procurava, realmente, chamava de senhor, senhora, naquela época: “O que o senhor acha? O que a senhora acha? O que a senhora pensa?” E aí um professor me disse assim: “Olha, tu gosta de tudo”, porque eu gostava de todas as matérias, menos Educação Física. As minhas notas eram nove, nove e meio e dez, mas Educação Física era sete. Era pra passar. Eu acho que até os professores tinham uma certa pena: “Pô, aluna nota dez, vai ‘rodar’ em Educação Física?” Então, me davam nota. Nunca gostei de exercícios. É complicado. Mas eu gostava de muitas coisas. Eles me disseram: “Mas embora tu goste de muitas coisas, busca fazer alguma coisa que vá te diferenciar. Busca algum gosto que tu tenha, que pode ser diferente das outras pessoas”. E aí veio o professor de Matemática e disse: “Você é ótima em Matemática. A maioria das pessoas odeia Matemática. Então, faz alguma coisa ligada a Matemática”. Tá bom. Saí dali, dessa conversa, e na época, os cursos técnicos eram muito poucos, eram Magistério, Contabilidade, eu lembro que tinha Eletrônica, Mecatrônica, acho que Física e Química já existiam, mas dentro do que eu conhecia e que tinha alguma coisa a ver com Matemática, me veio técnico em Contabilidade. Aí foi muito importante, eu lembrei daquela minha vizinha lá, que falou Contabilidade. Tinha uma outra vizinha, que morava do lado da minha casa, que também era Técnica de Contabilidade. Nessa época também é legal colocar: a minha mãe já não estava mais varrendo ruas. Quando veio, em 1988, a lei, a Constituição, trouxe ali a lei do concurso público, então ela viu uma oportunidade de deixar de ser gari. Ela chamava de ‘largar a vassoura’. Então, ela, que era semianalfabeta, foi pra escola, fez até a quarta série do ensino fundamental, para fazer o concurso público de guarda municipal. Então, nessa época ela já era guarda municipal e trabalhava na Câmara de Vereadores. Então, ela tinha um colega da Câmara, minha mãe tinha vários, mas tinha esse um especial, que ela se dava bem, conversava, que era técnico em Contabilidade, também. Então, quando chegou essa consciência em mim: “O que eu vou fazer?”, que veio a possibilidade de técnico em Contabilidade, eu fui conversar com pessoas que eram técnicas em Contabilidade. Eu lembro de mim, conversando com esse colega da minha mãe, com essas duas vizinhas e decidi que eu faria o técnico e fui para o curso técnico. Na minha cidade, naquela época, não existia o curso Técnico em Contabilidade gratuito. Eu permaneci na escola que eu estava. Não tinha mais a bolsa, porque era só até o Ensino Fundamental e eu decidi trabalhar, para conseguir pagar os meus estudos. Então, meu primeiro emprego remunerado foi para político. Eu fazia trabalhos para os políticos. Datilografia, na época, era, nossa, algo... então eu também tinha o curso de Datilografia, passei em primeiro lugar no curso, eu ia lá, datilografava documentos, arquivava, fazia campanha política na época das campanhas, entregando ‘santinhos’, enfim, então era a remuneração que eu tinha, para pagar a minha escola. E aí, em determinados momentos, consegui auxílio dos vereadores ali, de repente se inscrevia, conseguia um dinheiro que não pagava todo o curso, mas conseguia pagar algumas mensalidades e aí era o que eu fazia. Então, o primeiro ano do Ensino Médio foi assim que eu passei, do técnico de Contabilidade. E aí, no segundo ano, eu lembro que a gente tinha, as ‘cadeiras’, realmente, disciplinas técnicas e eu lembro que, no segundo ano, eu tinha dezesseis para dezessete anos, eu tinha uma disciplina de Economia e aí eu lembro da aula de Economia. Quando o professor começou a falar de inflação, de preços, de alta dos preços, porque existia inflação, o que era, o que não era, eu fiquei ‘vidrada’ naquela aula, porque eu lembrei do gosto que eu tinha de assistir Jornal Nacional, mas até então eu não sabia o que aquilo era, que eu tinha interesse em Economia, eu não tinha linkado, não tinha feito esse link, que aquele gosto daquelas coisas que eu gostava, que eu me interessava, era Economia e que o profissional que cuidava disso era economista. Então, foi nesse momento, dentro dessa aula do curso técnico de Contabilidade, que eu saí dessa aula dizendo que eu seria Economista. Então, a minha profissão foi decidida ali. Então, hoje em dia, também, outra coisa que eu adquiri consciência posterior, tem um amigo meu que diz que o talento surge ainda no Ensino Fundamental e eu digo para ele: “Nossa, eu sou a total prova disso”. Eu descobri meu talento muito cedo e consegui transformar esse talento em propósito e realmente em profissão. Eu saí dali, disse que seria economista e fui. Virei motivo de piada de novo, porque as pessoas olhavam e diziam: “Mas como essa criatura de origem muito humilde, muito pobre, vai ser economista?” As pessoas linkam muito Economia com o fato de ter o dinheiro. “Essa pessoa não tem dinheiro pra nada, como é que ela vai gerenciar, lidar com dinheiro?” Mas eu já tinha colocado na minha cabeça que eu seria economista, foi ali que eu decidi. Então, continuei fazendo Curso Técnico, consegui um trabalho de Menor Aprendiz, numa multinacional, então já tinha aquele sonho de ser economista e lá na multinacional, na empresa, eu via os executivos de pastinha e eu achava lindo! E é engraçado, hoje também eu entendo que eu me inspirei em homens, porque eu não via mulheres lá, mas eu os via de terno e gravata e aquelas pastinhas e eu achava aquilo muito elegante e eu decidi: “Eu vou ser economista e executiva de empresa. É isso que eu quero pra mim”. E continuei lá no meu curso técnico. Quando terminou o curso técnico, eu fui para universidade federal, fazer vestibular, porque pra mim era muito fácil passar, eu era a melhor aluna da escola, como que eu não vou passar? E aí fiz o primeiro vestibular, ‘rodei’, não passei. Foi um momento muito complicado da minha vida, porque eu não conseguia entender, realmente, porque primeiro, como criança, eu tinha o estigma da preta, todo preto é burro, enfim, tal, mas a partir que eu entrei nessa escola, depois que os professores começaram a me dar essa atenção, eu percebi que eu era muito inteligente. Então, eu passei a me achar muito inteligente. A minha competência era a inteligência. A minha diferenciação era a inteligência. E aí eu faço um vestibular e não consigo passar. Inclusive meus amigos me questionaram: “Como você não passou?” Para mim foi muito complicado, mesmo. Então, aquele ano ‘rodei’, fiquei e aí disse: “Vou fazer um cursinho pré-vestibular”, porque eu saí da escola e fui fazer o vestibular. Então, fui fazer um cursinho pré-vestibular. Trabalhava o dia todo e ia para o cursinho à noite. Fazendo a preparação ali, chegou na época das provas de vestibular, fazendo as provas eu vi que estava horrível, muito difícil e eu fiz uma reflexão. Naquela época, a gente não usava a palavra equidade. Não conhecia essa palavra, equidade. Mas hoje eu sei que o que eu consegui entender foi isso: equidade. Porque eu cheguei à reflexão: “Nossa, os meus colegas de cursinho, que são meus concorrentes, estudam o dia todo, de manhã e de tarde na escola, à noite, vêm para o cursinho. Eu trabalho o dia inteirinho e, à noite, venho para o cursinho. Não tem condições de competir. E isso aconteceu depois que eu não consegui passar. Aliás, eu passei, na universidade federal significa média ponderada: a gente passa, atinge a média, mas tu tem que classificar. Então, digamos que eram cinquenta vagas, eu fiquei lá em sexagésimo. Aí passei, mas não consegui a classificação necessária para entrar no curso de Economia. E aí eu fiz, posteriormente fui de novo ao ‘fundo do poço’, houve todo aquele questionamento interno e, dentro desse questionamento interno, eu fiz essa reflexão: “Eu não tenho como competir com as pessoas. Não dá, mesmo”. E ainda muito mais tarde, eu fui entender que, na universidade pública, naquela época, nos anos 1990, as pessoas que estavam lá eram ‘filhinhas de papai’, elite. Apenas 3% das pessoas que estavam na universidade federal, naquela época, eram pobres. Então, quando se fala em negros, se fala em recorte pro negro, sei lá, menos de 1%. Então, tudo isso eram questões que eu fui entendendo. Essas, eu fui entendendo depois. Mas essa que eu não tinha condições de competir eu consegui entender ali, naquele próprio ano e não pensei muito, eu sabia que eu queria ser economista, esse foi um sonho que me moveu durante muitos anos. Realmente, se me perguntasse naquela época, o meu sonho já era esse, ser economista e aí eu passei a trabalhar pra isso. Fiz uma caderneta de poupança, para fazer o vestibular numa universidade particular. Fiz a caderneta de poupança, fiz o vestibular, passei e fui fazer a minha matrícula, toda feliz, com dezoito anos, fiz a matrícula, falaram assim, que pra fazer a matrícula tinha que ser em todas as disciplinas, aí poderia cancelar duas e ficar com três, que aí a mensalidade seria um pouco menor. Foi isso que eu fiz. Fiz a matrícula em cinco, que era obrigatório, cancelei duas, para ficar com três, que era o que eu podia pagar, o meu salário conseguia pagar. Em nenhum momento, eu cursei essas cinco disciplinas. Eu lembro, eu fiz num guichê a matrícula e num outro guichê fiz o cancelamento. Quando começou as aulas, comecei com três disciplinas. Ok. Daqui a pouco, chega na minha casa, o boleto cobrando as cinco disciplinas. Eu fui à universidade, falei: “Olha só!” - expliquei tudo de novo: “Eu fiz a matrícula, como vocês dizem que têm que fazer, em todas as disciplinas, fui ao outro guichê, fiz o cancelamento, quando começou as aulas eu comecei com três disciplinas eu nunca cursei cinco, eu preciso que seja estornado essas duas disciplinas daqui” e aí eu comecei a passar, de um para outro. “Não, fala lá com a fulaninha”. Passei com um monte de pessoas, explicando sempre a mesma situação. Até que uma pessoa me passou para o pró-reitor de Assuntos Comunitários. Cheguei, também tenho lembrança dessa sala do pró-reitor, a universidade muito linda, realmente, ambiente muito grandioso, a sala dele luxuosa, lembro da cadeira que eu me sentei, a mesa dele maravilhosa, o detalhe da mesa, eu explicando a situação e aí ele falou assim: “Não tem problema, minha filha, paga esse boleto e aí, depois, no próximo, a gente te ressarce”. Aí eu falei: “É que eu não tenho condições de pagar esse valor aqui. Eu consigo pagar o valor de três disciplinas, mas esse aqui eu não tenho”. Quando eu falei isso, que eu não tinha condições, não tinha dinheiro, ele se transformou, o rosto dele se transformou, a expressão facial, ele se levantou da cadeira, aquelas cadeiras de diretores, assim, toda bonita, que era próxima à janela e eu estava do outro lado da cadeira, ele me chamou até a janela e falou: “Vem aqui, minha filha, eu quero te mostrar uma coisa”. Eu levantei e fui e ele disse assim: “Você está vendo esse campus aqui, como é grande, como é bonito, quantos carros no estacionamento”. Eu disse: “Estou vendo” “Aqui, as pessoas que estão aqui são porque elas têm condições de estar. Se tu não tem condições, tu não pode, minha filha, fazer uma coisa que está além das suas posses, além das suas condições. Tu não pode estudar aqui. Não pode”. Eu saí dali, assim, destruída, destruída, destruída, destruída mesmo. Foi outro momento muito difícil da minha vida, tinha dezoito anos, cheguei na minha casa arrasada, contei pra minha mãe em lágrimas o que tinha acontecido e a minha mãe realmente é uma ‘leoa’, muito parecida com a... claro, uma mulher branca, loira, a Gio, tem todo o privilégio de fazer isso, mas a minha mãe é uma ‘leoa’, mesmo sendo uma mulher preta, com muitas ameaças de ser, sei lá, presa, até, mas ela é realmente essa ‘leoa’ e queria ir lá, falar com o homem e tal, eu disse: “Não, mãe, não vai. Não adianta nada!” “Mas não adianta tu ficar chorando, reclamando, que é pior, vai ser muito pior, não tem, deixa assim”. Mas a minha mãe pegou, falei, ela trabalhava de Guarda Municipal na Câmara dos Vereadores, ela começou a falar com os vereadores ali, com a pessoa, realmente, que tinha contato com ela. E aí surgiu a possibilidade de colocar a universidade na Justiça. Enfim, eu sei que a minha mãe conseguiu, através de advogados, não sei o quê e tal, que eu pagasse somente aquele valor das três disciplinas. Aí a minha mãe conseguiu, fiz aquele semestre nessa universidade e aí terminou o semestre, eu falei para ela assim: “Mãe, olha só, eu não quero continuar lá porque, embora eu esteja conseguindo pagar, eu não esqueço do que eu ouvi, do que o pró-reitor me disse, que ali não era o meu lugar. Eu não quero ficar num lugar onde não sou bem-vinda. Eu não quero dar o meu dinheiro ‘suado’ para essas pessoas, porque é isso que eu estou fazendo: eu estou dando o meu dinheiro ‘suado’ pra uma pessoa que disse que o meu lugar não é lá. Eu fui rejeitada e mesmo assim eu continuo e estou dando dinheiro para essas pessoas? Não quero isso, não vou fazer isso. Eu fiz, realmente, esse semestre porque, se eu desistisse, eu ia colocar meu dinheiro fora”. Sempre tive esse pensamento do dinheiro, eu não ia colocar meu dinheiro fora, eles não iam devolver a minha matrícula, então significa ‘dinheiro fora’. Então continuei, fiz o semestre, tal e aí terminou o semestre, eu saí, fui procurar outra universidade, faculdade, que tivesse curso de Economia, não consegui, por que o que acontecia? Tinha um momento, anos 1990, as universidades eram poucas, era uma aqui, outra acolá. Na minha cidade, mesmo, era uma, que era essa que eu estava, tive essa acolhida e, nas outras cidades, não teria condições de eu chegar em casa: ônibus, trem, saía da faculdade quinze pras onze da noite, até chegar em casa não ia ter ônibus, trem, para conseguir chegar até em casa, enfim. Onde eu fiz o meu Ensino Fundamental, Técnico, tal, tinha alguns cursos de faculdade. E eu lembro que eu peguei e matriculei no curso de Letras, que era um curso que também eu gostava, de Português, tal, fiz ali um semestre de Letras, vi que, por mais que eu goste, para profissão não era o que eu queria. Aí conversei com as pessoas da faculdade, eles disseram: “Olha só, no ano que vem está chegando cursos na área de negócios: Administração, Contábeis, Economia”. Fiquei bem feliz. Aí eu lembro que eu peguei, ‘tranquei’ um semestre e esperei vir o curso de Economia, que se tornou depois um centro universitário e, hoje em dia, é a universidade. Veio o curso de Economia em 1997, eu sou da primeira turma. Aliás, eu não sou formada com a primeira turma, porque eu não consegui fazer todas as disciplinas, mas eu me matriculei junto com as pessoas da primeira turma, quando veio o curso de Economia e ali significou, pra mim, que não era de graça, óbvio, eu tinha que pagar, mas, pelo menos, ninguém chegava em mim e dizia assim: “Aqui não é teu lugar”. Eu fazia uma ‘cadeira’, fazia duas, eu podia fazer o que eu pudesse pagar, desde que eu pudesse pagar, mas ninguém me dizia que eu não poderia estar ali, então era isso que acontecia: eu fazia uma disciplina, fazia duas, quando o dinheiro dava, fazia três. Acontecia de eu ficar doente, aí eu tinha que comprar remédio e tal, não tinha o dinheiro para pagar uma mensalidade, chegava no final do semestre eu ‘trancava’, também não tinha como negociar a mensalidade, como hoje tinha, ‘trancava’ o semestre, pagava aquela pendência que eu tinha, depois voltava, me matriculava. Era assim, mas, pelo menos, ninguém dizia: “Tu não pode estar aqui. Tu não deve estar aqui, por isso, por isso e por isso”. E foi, eu fui fazendo no meu ritmo. E chegou um determinado momento, eu estava no quinto semestre, me veio na cabeça uma coisa assim: “Nossa, eu preciso trocar de trabalho”, porque eu estava numa empresa já há quase nove anos, oito anos, numa empresa familiar, eu já tinha um cargo de gestão, um bom cargo, conseguia pagar ali as minhas três disciplinas, mas não era uma grande empresa, não era o salário ainda que eu imaginava, porque uma das coisas que eu sonhava era ser economista, e aí tem um porquê que era ter essa profissão: eu cresci vendo a minha mãe tendo empregos, que era simplesmente para ganhar dinheiro, até subempregos, as minhas irmãs também. Então, para mim, ter uma profissão e poder viver de uma maneira confortável, tendo tudo que a gente imagina: casa, carro, poder viajar, do meu salário, vindo dessa profissão, esse era meu sonho. Então, quando eu estava já, poxa, no quinto semestre de Economia, estava trabalhando, mas não era um salário suficiente ainda para me manter e eu vi isso: “Não, eu preciso de mais e é possível”. Então, eu tinha essa questão: Dirlene é sinônimo de competência, Dirlene é sinônimo de perfeccionismo, para mim, as coisas têm que ser muito perfeitas, então mais uma vez eu entendi: “Não, é isso que eu tenho que utilizar: esse meu perfeccionismo, inteligência. Eu sou inteligente? Então, tá, vou utilizar a minha inteligência”. Então, foi justamente aí que eu tive esse start: “Não, eu tenho que buscar um outro trabalho, realmente, que vai me dar uma remuneração que eu vá adiante”. Eu lembro que minha mãe ficou louca, quando eu falei que eu ia pedir demissão do local onde eu trabalhava: “Mas tu está louca? Eles gostam de ti. Não sei o que, bababa”. O sonho dela era que eu fosse funcionária pública. Eu não lembro se nessa época eu já tinha feito concurso público. Eu fiz um curso, passei, mas também não fui chamada, enfim. Eu não lembro se nessa época eu já tinha feito, mas a mãe sempre achou que eu tinha que ter pelo menos um emprego ou dois, na carteira profissional. E se gostam do seu trabalho, tu tem que ficar lá. E aí foi um momento que eu briguei com ela. Minha irmã do meio foi muito importante, também, nesse momento, porque ela chegou e me disse assim: “Eu estou contigo, eu te apoio, o que tu quiser fazer”. Minha irmã já era funcionária pública, ela é funcionária pública até hoje, é Guarda Municipal e realmente eu pedi demissão dessa empresa. Aí eu falei com a proprietária da empresa, seis meses antes, tive um aviso prévio de seis meses, ela fez um acordo comigo e tal, saí da empresa, fui fazer um estágio no Banco do Brasil. O que acontecia? Eu pegava o seguro-desemprego, mais a bolsa-auxílio do estágio, conseguia pagar a faculdade e continuava procurando um trabalho. Eu costumava dizer que era o trabalho dos meus sonhos. Nesse momento, eu fui muito criteriosa, mesmo, porque daí algumas empresas me chamavam, eu selecionava, eu dizia assim: “Não, nessa empresa eu não vou ter futuro. Não, não é aqui que eu quero”. Até realmente ser chamada numa empresa que eu disse: “Aqui realmente é um lugar interessante, eu vou poder ter progressões de carreira”. Eu fui para essa empresa com mais do que o dobro do salário que eu recebia na outra e realmente tinha chances de progredir na carreira. E aí, nessa empresa, com mais do que o dobro do salário, a primeira coisa que eu fiz foi fazer todas as disciplinas da faculdade. E aí, em questão de quê? Dois anos, eu me formei. Então, eu entrei nessa empresa em 2002, em 2003, no final do ano eu me formei. Então, minha formatura foi em 2004. E foi justamente por essa, também... por isso que eu digo que eu sou uma pessoa, embora não tenha religião, de muita fé. Eu acredito mesmo que eu sou uma pessoa muito abençoada, que simplesmente um dia, sei lá, eu acho que eu acordei com aquela coisa na cabeça: “Não, pô, eu estou num trabalho há oito anos, tive progressões na carreira, mas o salário ainda não é tudo aquilo, eu tenho condições de mais, sabe?” Foi isso que aconteceu comigo. Um determinado dia acordei com isso e fui buscar. Então, a partir desse momento, que eu troquei de emprego, também houve essa grande virada, de conseguir fazer todas as disciplinas da faculdade, já conseguia realmente ter um salário que eu pagava a faculdade e sobrava, para eu poder comprar algumas coisas, passei a ter uma vida muito melhor.
P/1 – Dirlene, você estava contando sobre toda sua trajetória na faculdade de Economia e eu fiquei curiosa em saber como foi a sua formatura. Como foi esse momento, se você se recorda, qual foi a reação da sua família.
R – Nossa! Esse, realmente, é um momento sempre que eu trago, quando me pedem um momento marcante, feliz da sua vida, realmente foi a minha formatura. Hoje em dia, eu sou mãe, então claro que trago o nascimento da minha filha, mas esse momento da formatura, é um momento só meu. É único. Ele significou a realização, realmente, de um sonho de uma vida, porque a minha vida adulta foi esse sonho, de ser Economista. Na verdade, começou lá na adolescência, com esse objetivo, por ter crescido vendo a minha mãe no subemprego, as minhas irmãs no subemprego, eu coloquei que ter uma profissão e realmente eu ter, com essa profissão, um ganho que eu possa ter uma vida tranquila, digna, numa casa que eu não tenha vergonha de trazer pessoas, que eu possa ter carro, casa, viajar, que é algo também que eu amo fazer, realmente foi a realização desse sonho. Inclusive, eu sou uma pessoa que até hoje não gosto de festa para mim. Eu gosto de festa para os outros, eu vou na festa dos outros, eu adoro fazer festa para minha filha, mas realmente, para mim, eu não gosto. Eu não gosto de aparecer em vídeos, filmagens. E, na minha formatura, foi toda essa exceção. É um vídeo que eu amo assistir, da minha formatura, eu fui oradora... não, fui juramentista na minha formatura, fiz o juramento, me destaquei por ser a única juramentista que não leu o juramento, eu decorei, falei. Então, foi um momento muito único. Eu paguei ali a cerimônia da formatura com muito orgulho em pagar. Fiz uma festinha num restaurante, depois da colação de grau, comprei o vestido dos meus sonhos, um vestido vermelho, lindo, que eu tenho até hoje, pra essa formatura. Então, foi um momento maravilhoso, mesmo, na minha vida. E aí esse momento marcou pra mim o que eu chamo de ‘viver cinquenta anos em cinco’. Realmente eu tive um progresso nesses cinco anos posteriores à minha formatura, que eu costumo dizer que foi acho que a compensação por eu ter passado dez anos na faculdade. Foram esses cinco anos posteriores que, realmente, eu credito à realização desse sonho, porque eu tive um único sonho só, na vida. E aí, depois que eu conquistei esse sonho, aí sim eu comecei a ter outros sonhos.
P/1 – Eu queria saber como foi esse momento do mestrado.
R – Do mestrado, aí muitas coisas aconteceram, até chegar o mestrado. Aí, falando um pouquinho da construção, da vontade de fazer o mestrado, porque as coisas sempre surgiram na minha vida por uma questão, muito, de curiosidade. A partir do momento que eu consegui me formar, aí eu fui ter outros sonhos e projetos. Então, eu saí da graduação, fui fazer inglês e espanhol. Até então eu não tinha idiomas. Uma das questões que eu costumo dizer é que eu não tenho multinacional no meu currículo, eu nunca fui estagiária de banco, que era também algo que eu queria, porque eu não tinha inglês. Trainee também nunca fui, porque não tinha inglês. Então, eu fui conseguir estudar línguas depois que eu me formei. Esse primeiro ano depois da formatura eu me dediquei a línguas, fiz intercâmbio, fui pra Buenos Aires. Inclusive recebi uma proposta de trabalho, de novo, com mais que o dobro do salário, a minha vida teve um super salto de qualidade de vida, nesse momento. Eu lembro que eu comprei casa na praia, comprei um carro e aí, quando eu comprei o carro, o meu sonho era colocar a minha família dentro do carro, a minha mãe e as minhas irmãs e poder viajar. Então, fiz isso, nesse momento. Viajei pra caramba. E fui fazer um MBA, primeiro, de Finanças Corporativas, que era minha especialização e, nesse emprego que eu troquei de trabalho, era uma empresa grande, conceituada, eu recebi um feedback que eu era ótima tecnicamente, mas eu tinha um problema com pessoas. Eu costumo dizer que até então eu era chefe e foi nessa empresa que eu me tornei líder. Eu conheci o conceito e a prática da liderança. E aí eu fui fazer um MBA em Gestão de Pessoas. Então, tem esse grande marco, desse MBA em Gestão de Pessoas, que marcou o meu retorno ao estudo de pessoas, como eu falei, eu sempre fui essa pessoa de estudar eu mesma, autoconhecimento. Já tinha um grau de autoconhecimento bem forte e, a partir dali, eu fui buscar conhecimento sobre as outras pessoas. Eu lembro que nesse MBA eu era a única pessoa que não era de RH. E aí me questionavam: “Nossa, o que tu, uma economista, das Exatas, está fazendo aqui?” E a primeira coisa que eu respondi: “Economia não é uma ciência exata e sim uma ciência social aplicada, feita por pessoas e para as pessoas. Então, economista estuda questões da sociedade e tem a ver com pessoas. A gente está falando de sociedade, tem a ver com pessoas”. Eu já dava esse conceito para as pessoas. E depois eu sou uma líder – já me colocava como líder – eu preciso entender de gente. E esse MBA me transformou muito enquanto pessoa, no sentido de profissional. Tem algo que eu gosto sempre de trazer, ainda mais quando eu falo na questão de mulher, no mercado de trabalho que, para ser aceita no mercado de trabalho uma mulher já é complicado e uma mulher negra muito mais ainda, eu me masculinizei. Eu adquiri muitas características masculinas, para realmente poder trabalhar e eu tratava as pessoas com essa dureza, frieza. Eu não chorava dentro de uma empresa, eu não demonstrava sentimento nenhum, emoção nenhuma. Eu era um robô. A verdade era essa. Então, óbvio que a minha relação com as pessoas não era boa, né? Um robô lidar com pessoas não é bom. E dentro desse MBA eu comecei a entender isso e me questionar, sabe, dessa minha robotização, minha masculinização. Então, foi muito importante, também, esse período. Quando chegou a ideia de fazer um mestrado, o que aconteceu? Eu sou life long learning. Eu costumo dizer que antes de existir a palavra, que eu nem conhecia essa palavra, eu sou essa pessoa que nunca parei de estudar. Desde que eu entrei lá, na primeira série, com sete anos, eu não parei de estudar. Eu estou sempre estudando. E aí eu fico pensando: “Tá, mas o que eu vou fazer, depois? O que eu vou fazer depois? O que eu vou fazer, depois?” Então, eu já tinha feito a graduação, eu já tinha feito línguas, uma coisa que até hoje eu estudo, para a gente manter a língua. Para mim é complicado, eu fui aprender inglês e espanhol, eu tinha mais de trinta anos, já. Então, para eu manter, eu preciso estar sempre estudando, mas eu estou sempre naquela inquietação: “O que eu vou fazer agora? O que eu vou fazer agora?" E aí chegou um momento, eu já tinha trocado daquela empresa que eu falei, que eu me formei, recebi uma proposta de trabalho, eu estava trabalhando nessa empresa da minha formatura, recebi uma proposta de trabalho de uma outra, fui, com esse salário, foi onde eu me deparei com essa questão de ter que gerenciar o meu pessoal, fui fazer o MBA de Gestão de Pessoas e já estava há cinco anos nessa empresa, quando de novo eu pensei: “Não estou bem aqui, eu quero sair, conhecer outras coisas”. Eu era muito workaholic, eu queria mudar minha relação com o trabalho, nessa empresa eu me deparei com algo também bem importante na minha vida, que foi a morte. Pela primeira vez eu tive consciência da morte. Eu tinha uma colega de trabalho, que se tornou minha melhor amiga, que, aos 29 anos, teve um câncer e a gente era muito amiga, ela era espírita e ela sabia que ia morrer. Ela era casada, o marido era uma pessoa maravilhosa e ela me pediu pra fazer o funeral dela, porque ela sabia que... ela era uma pessoa que fazia de tudo pro marido. Sabe aquelas mulheres que fazem tudo, são secretárias do marido. Ela sabia: “Isso ele não vai conseguir fazer. Faça pra mim, por favor”. Então, eu me tornei procuradora dela e vivenciei toda aquela questão trágica da doença com ela, declínio, até a morte dela. E, depois que ela morreu, eu realmente comecei a repensar a minha vida, no sentido de qualidade, mesmo, de vida. Porque até então eu só trabalhava, mesmo. Tinha alguns momentos de lazer, quando eu tirava férias, mas, mesmo assim, as férias que eu tirava eram dez, quinze dias, mas eu estava sempre no telefone, parecia que todo mundo precisava de mim e depois eu entendi que eu era muito centralizadora, enfim, perfeccionista. Eu comecei a me questionar isso. Eu não queria ser mãe. A maternidade foi surgir na minha vida muito depois. E veio muito desse período que eu comecei a me questionar. E aí eu passei a entender que eu precisava mudar essa minha relação no trabalho. Eu era uma pessoa que chegava na empresa às oito horas da manhã e saía às onze horas da noite. Teve uma vez que eu quase fiquei trancada dentro da empresa, num feriadão. O que aconteceu? Todo mundo saiu, foi embora e eu continuei trabalhando. Trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando. Quando eu ‘botei’ a mão na maçaneta da porta, tinha uma porta no corredor para, realmente, sair, para poder pegar o elevador, para descer do prédio e a porta estava trancada. Aí eu peguei, liguei para a administradora ali da logística, que cuidava de fechar a porta, abrir porta, tal, tal, tal e ela disse assim: “Dirlene, eu estou na rodoviária, para pegar o ônibus, para ir viajar”. Era véspera de um feriadão. Ela disse: “Bom, ainda bem que faltam alguns minutos ainda para o ônibus, eu vou abrir a porta”. Eu ia ficar o feriadão todo trancada dentro do trabalho, de tão workaholic que eu era, então eu comecei a questionar essa minha postura em relação ao trabalho e foi justamente depois do falecimento dessa minha amiga. E cheguei à conclusão de que eu queria mudar essa minha relação com o trabalho. Eu poderia continuar sendo uma profissional competente, que era meu rótulo: uma profissional extremamente competente, perfeccionista e tal. Poderia continuar sendo essa pessoa, mas dando limites. E aí, eu estando nessa empresa, o pessoal vai dizer que eu enlouqueci. Se eu ficava até onze horas trabalhando, como é daqui a pouco eu não vou mais ficar, como é que eu vou dizer esse ‘não’? E aí eu comecei a buscar, realmente, outra oportunidade de trabalho, quando consegui, pedi demissão dessa e fui pra outra. Então, fui pra essa outra empresa e, a partir dali, eu me tornei uma generalista. Antes eu era uma especialista em finanças, então cuidava da área financeira das empresas e nessa empresa eu fui com título de head administrativo financeiro. Então, eu tinha toda a área administrativa. Então, além das Finanças, eu tinha o Jurídico, a Logística, depois veio uma Controladoria, tinha até TI comigo e tinha um DP, fazendo folha de pagamento. Então, tinha várias coisas. E aí eu já tinha terminado, como falei, o MBA em Finanças, em Gestão de Pessoas, já tinha feito outros cursos, ali, livres, na área de pessoas e aí eu queria fazer uma outra coisa. E aí eu comecei a pesquisar ali: “Mas o que eu vou fazer?” Aí fiquei pensando: “Um outro MBA não vai agregar no meu currículo, porque justamente a minha ascensão social se deu através do estudo, de trabalhos e o que sempre salientava, que me diferenciava nos trabalhos, quando eu ia buscar uma oportunidade profissional, era o meu currículo. Meu currículo sempre era o melhor entre os candidatos. Eu era quem tinha mais títulos, mais experiência. Sempre era o melhor. Eu ficava pensando: “Mas como é que eu vou me diferenciar?” e eu pensei: “Outro MBA não vai trazer uma grande diferenciação” e aí foi daí que veio a questão do mestrado e aí tentei dois programas de mestrado, porque a gente tem que fazer seleção, prova, tal, entrevista e não dava, o feedback que eu recebia era o seguinte: “Olha, tu é profissional demais para fazer um mestrado acadêmico. No acadêmico, a gente precisa de pesquisadores, que tenham tempo para pesquisa”. Eu não teria esse tempo. Eram esses os retornos que eu recebia. Tá. Continuei ali a fazer os meus cursos livres, até que um dia eu recebi um e-mail dessa universidade que eu já tinha concorrido a duas vagas em programas de mestrado, dizendo que eles estavam lançando o primeiro mestrado profissional da universidade e que estavam me convidando pra participar da seleção, que eu tinha essa característica, de ser uma profissional. Ok, fui participar da seleção do mestrado de Gestão em Negócios. Então, eu sou da primeira turma do mestrado profissional de Gestão em Negócios e, pra minha surpresa, eu nem sabia disso, que era o primeiro mestrado em dupla titulação do Brasil. Então, é um mestrado que eu tenho, na verdade, dois diplomas. Muitas pessoas perguntam: “É sanduíche?” Não, não é o mestrado sanduíche, é diferente. Acho que, hoje em dia, já devem ter outros no Brasil, mas na época ele foi o primeiro, eu tenho dois diplomas: um diploma emitido pela universidade brasileira e tem um diploma emitido pela universidade da França, que é a de Poitiers, que é válido na União Europeia. Então, o que acontece? A gente tem estudos aqui no Brasil, tem professores franceses que vêm ao Brasil e nos dão aula e, depois, a gente passa o mês inteiro na França, na Universidade de Poitiers, estudando. Estuda de manhã, tarde e noite na universidade, é bem intensivo, mesmo, para cumprir a carga horária do mestrado. Mas quando eu cheguei no mestrado, já era essa profissional, head administrativo financeira, eu já tinha conquistado os meus bens materiais, já tinha muitas conquistas. Ainda me chama atenção, porque eu sou uma pessoa que as coisas, pra mim, por mais que eu seja essa mulher que fala de finanças, de dinheiro, eu sempre coloco que as coisas servem para nos servir. O dinheiro serve para nos servir e não o contrário. Então, eu tenho muito, em mente, a utilidade das coisas. Então, por exemplo: eu tinha um carro - em 2011 – 1999, um Corsa 1999. E não tinha problema nenhum em chegar no estacionamento e só ter carrões do ano e o meu Corsinha de doze anos, porque servia para me deslocar, ok, mas muitas pessoas me olhavam ‘torto’, pelo meu carro. Não utilizo roupa de marca também, sabe? É algo que não me chama atenção. Mas, enfim, isso, para mim, passava, sem problemas nenhum. Uma das coisas que me chamou atenção, quando eu estava estudando lá na Universidade de Poitiers, um dia a gente foi para o hotel e tudo, alguns colegas combinavam de sair pra jantar, almoçar e eu não, eu tinha combinado com a minha colega de quarto, que ela gosta muito de cozinhar e é toda fitness e tal, que a gente ia dividir as despesas ali, para que ela cozinhasse. Eu odeio cozinhar e ela adora, então uniu o útil ao agradável. Eu não gosto de cozinhar, mas eu adoro comer comida saudável. (risos) Então, a gente dividia os custos dentro de casa. Aí um colega, um dia, me perguntou assim: “Tu está com algum problema?” Eu disse: “Não. Por quê?” “Porque tu não vai jantar, almoçar junto com a gente. Está precisando de dinheiro?” Eu disse: “Não. Inclusive, estou super bem”. Eu achava que a gente teria que custear a nossa viagem pra França. Na verdade, o custo já estava incluso na mensalidade, que era muito cara. Então, aquele dinheiro que eu já tinha juntado, eu utilizei para gastar, gastei pra caramba, comprei pra caramba na França. Eu disse: “Não, estou superbem, tal” e saí e depois eu me ‘toquei’: “Por que ele veio perguntar isso pra mim?” Aí eu fui até a minha colega de quarto, uma mulher loira, olhos claros, tal e perguntei pra ela: “Tal pessoa te perguntou se estava com algum problema de dinheiro? Porque, assim como eu não saio pra almoçar e jantar fora, tu também não, porque a gente combinou, nós duas ficamos aqui”. Ela disse: “Não, não veio me perguntar”. Eu disse: “Então tá, entendi por que ele veio perguntar isso”, mas no mais transcorreu muito bem e também foi outro fato muito marcante na minha vida o mestrado, porque eu estava na França, era algo que não foi um sonho - eu costumo dizer hoje que eu sou maior que os meus sonhos. Tem coisas que eu não sonhei e aconteceram – um desejo meu conhecer a França. Tenho sonho de conhecer a Grécia, o México, mas a França não estava no meu radar, mas como eu estava buscando mestrado e deu a coincidência do mestrado ser dupla titulação e ter que ir pra França, pensei: “Já que eu estou na França, eu quero conhecer Paris”, é óbvio. Então, aí separei um final de semana, que eram os finais de semana que a gente realmente tinha livre, porque o restante era estudar o tempo todo: manhã, tarde e noite e aí peguei o trem-bala deles e fui pra Paris. Uma hora e meia de viagem. Quando eu desembarquei em Paris, na estação Montparnasse e aí subi a torre de Montparnasse, que é a única torre que tem no mesmo nível da Torre Eiffel e avistei a Torre Eiffel, foi algo muito impressionante, mesmo. Era como se tivesse uma TV ligada na minha frente, porque tem um momento da vida da gente que as coisas já passam no piloto automático. Eu não ficava o tempo todo lembrando o que eu passei. Não, já não lembrava mais. Por mais que eu não tinha mais, já, vergonha da minha mãe, já tinha entendido tudo isso, a questão da filha da lixeira já não era mais um problema. Foi nesse momento que eu revi tudo isso e relembrei tudo isso, todas as dificuldades, o quanto foi difícil passar esses dez anos na faculdade, acho que a infância foi pior ainda, enfim, tudo isso, sabe, lembrei e veio muito à mente essa questão da filha da lixeira, que me marcou muito. Hoje em dia eu entendo por que me marcou tanto, porque eu passei muito mais tempo sendo filha da empregada, do que da lixeira, mas marcou tanto, porque foi bem na adolescência. Uma adolescente ser chamada assim, realmente, deve ter sido muito complicado. E aí eu olhei para a Torre Eiffel e pensei assim: “Nossa, a filha da lixeira chegou à Paris. Quantas pessoas conseguem chegar a Paris? As pessoas da minha relação, que viveram comigo, meus colegas, meus amigos, eu não conheço ninguém que chegou à Paris”. E foi daí que surgiu, que se tornou um título de um artigo meu e agora vai ser um livro, que a filha da lixeira chegou a Paris. Isso que eu pensei, não tinha ninguém, quando foi aquele momento, eu falei: “Nossa, não tem ninguém para dividir esse momento”. Foi um momento muito só, eu olhei tudo aquilo em volta, aquela grandiosidade, aquele símbolo do que é Paris, o símbolo do sucesso, da beleza, que eu tinha chego à Paris e também pensei e adaptei o pensamento do filme Titanic, que é um dos filmes que eu mais amo, tem uma fala que a Rose diz sobre o Jack: “Esse homem me salvou de todas as formas que uma mulher pode ser salva” e aí eu adaptei essa fala, pensando assim: “Nossa, os livros e os professores me salvaram de todas as maneiras que uma mulher pode ser salva” e realmente decretei que a filha da lixeira chegou à Paris. Aí comecei, eu lembro que eu comecei a falar muito isso. Eu comecei a trazer muito à tona, porque durante muito tempo isso me incomodou, a filha da lixeira e eu consegui ressignificar isso, que a filha da lixeira havia, realmente, chegado à Paris. E voltei de Paris, realmente, de novo, com essa consciência muito forte do meu papel social, como profissional, mas social, porque eu passei um tempo grande, depois da formatura, até chegar esse momento, só pensando no profissional. Teve o momento que eu falei da morte dessa minha melhor amiga, que eu tive realmente um pensamento: “Eu sou uma pessoa, não sou uma máquina, não sou um robô”, comecei a pensar outras coisas. Inclusive, quando eu estava nesse trabalho, com essa minha amiga, era viva ainda, eu lembro que eu tive um sonho de uma mulher que me pedia pra nascer. Ela disse: “Eu te escolhi pra ser minha mãe”. O nome dela era Inês. Eu lembro até hoje, o sonho é muito nítido e ela me disse que eu teria cinco anos pra pensar. Então, a minha chegada a Paris estava dentro desses cinco anos, eu já estava pensando na questão da maternidade, porque eu estava me questionando também por que eu tinha optado por não ser mãe. E aí me veio muito forte duas questões: primeiro, a cor da minha pele. Eu não queria, de maneira nenhuma, que um filho meu passasse tudo que eu passei em relação a minha cor. E a questão profissional, porque eu havia conquistado tudo que eu queria. Eu tinha conquistado o meu sonho de ser economista, de ser uma executiva de empresa, era bem-sucedida, dentro do... como dizem: “Sucesso é uma coisa relativa”. Para uns eu não sou bem-sucedida, para outros sim, só que pra mim eu sou muito bem-sucedida, porque o meu sonho eu conquistei e o meu objetivo de viver de uma maneira tranquila, com o rendimento da minha profissão, sim, conquistei, então sou bem-sucedida. E eu não via mulheres na minha posição, com filhos. Então, eram duas questões muito fortes, por isso que eu tinha decidido, optado por não ser mãe. Só que eu não tinha parado pra pensar. Então, esse sonho que eu tive me fez repensar. Então, nesse momento que eu estava em Paris, eu também estava pensando nisso. E o que aconteceu? Voltei para Porto Alegre, continuei ali fazendo os estudos do mestrado e aí, quando chega no último ano, no mestrado tem que fazer a dissertação. E como o mestrado era profissional, a gente precisa aplicar dentro de uma empresa. Então, aí as empresas, no curso, lá, se apresentavam, a gente apresentava o nosso projeto de pesquisa para esses empresários, enfim, e inclusive duas empresas se interessaram pelo meu projeto, que era alinhamento estratégico entre pessoas e organizações. E dentro dessas duas empresas, uma, não sei por que ‘cargas d’água’, me chamou atenção, talvez questão de identificação, enfim, era uma mulher executiva e a outra era um homem, eu optei por essa empresa. E aí, fazendo as pesquisas na empresa, pelo menos uma vez por mês eu ia pra lá, ela me falou que tinha quatro filhos. Inclusive, antes, nessa última empresa que eu já estava trabalhando, fui selecionada por uma diretora que tinha dois filhos. Tinha filhos gêmeos. Então, já é algo que também me chamou atenção e aí essa tinha quatro. Uma executiva, diretora de uma empresa internacionalizada. Dali eu comecei a entender: sim, é possível. E aí ficou ainda a questão racial. Que aí eu comecei a pensar muito e pensei: “Nossa, mas a condição que eu tenho hoje é muito diferente da que a minha mãe tinha. Ela não tinha de uma maneira nítida que ela tinha que se aceitar, que ela não conseguiu passar pra mim. Eu consigo passar pra minha filha de uma maneira diferente, o mundo também está diferente”. Foi um momento também que eu comecei a me aproximar muito - tudo aconteceu depois desse sonho – dos adolescentes, das crianças, fiz trabalho voluntário com adolescentes, para começar a entender esse universo, o que hoje em dia os adolescentes pensam. Então, tudo isso foi uma construção que me levou à maternidade. Então, quando eu me formei no mestrado, também minha formatura foi muito marcante. Como eu falei, normalmente cursos de pós-graduação não têm formatura, o meu teve, por ser o primeiro mestrado de dupla titulação, então vieram os franceses aqui, pra minha formatura, saiu no jornal, tal, da universidade e a formatura também foi em francês. Eu já tinha o objetivo de ser mãe, da maternidade. Então, disse: “Vou terminar o mestrado e realmente vou tentar engravidar” e foi isso que eu fiz. Terminei o mestrado, minha formatura de mestrado foi em 1º de novembro de 2013, a minha filha nasceu em dezembro de 2014, então certamente eu engravidei lá em março de 2014. Também outro fato marcante que eu te falei: primeiro eu me deparei com a diretora, que me admitiu que tem filhos gêmeos; a pessoa que eu fui fazer lá a dissertação do mestrado tem quatro filhos; e na empresa que eu trabalhava, na época, que é presidencialista, o presidente que assumiu lá, no final de 2013, em novembro de 2013, tinha a seguinte fala: “Se nós tirarmos o direito das mulheres serem mães, seria o mesmo que decretar o final do mundo”, que é algo também que me levou a pensar: “Nossa, se todas as mulheres do mundo pensassem como eu, que não querem ser mães, para não prejudicar suas carreiras, realmente o mundo vai acabar”. Então, algo também que me levou a fazer essa construção da maternidade. Então, engravidei ali, certamente em março, eu fui descobrir que estava grávida em abril, eu lembro até o dia que eu fiz o teste de gravidez: dia 23 de abril, que é o dia de São Jorge, aí fiz um teste de farmácia e depois, em maio, realmente fiz um teste, um exame de sangue, já fiz ecografia, tal e comuniquei à empresa e nessa empresa era algo muito legal, que a gente... não sei como está hoje, se a gente comemora, mas na época que eu estava lá era assim: gravidez era uma coisa comemorada. Até por esse pensamento do presidente. Então, a gravidez era comemorada, lá. A gente comemorava quando uma ficava grávida. Aí, normalmente, quando uma fica grávida, a outra acaba aparecendo grávida. Normalmente tinha duplas de grávidas. Aí a gente fazia ‘chá de fraldas’, para criança. Realmente, era maravilhoso. Então, saí da minha licença-maternidade, foi a primeira vez que eu fiquei tanto tempo longe da empresa. Aí eu estava com oito meses de gravidez e ali também foi importante na minha carreira, de entender que as coisas poderiam ‘andar’ sem que eu estivesse lá, que as pessoas podem trabalhar sem ter ali o líder dizendo pra elas o que tem que fazer. Então, eu lembro de três pessoas que eu deleguei as minhas tarefas, dividi ali realmente o mais importante que tinha que fazer nesses cinco meses, quatro meses de licença, mais um mês de férias e deleguei pra elas. Quando eu voltei de licença-maternidade, duas coisas me chamaram atenção: quando eu saí teve festa da minha saída, do ‘chá de fraldas’, não sei o que, tal, tal, tal, e quando eu voltei, nada e a questão das tarefas: tudo ‘andou’ perfeitamente. Uma das coisas: eu tinha o RH comigo e disse: “Eu vou fazer alguma coisa, para que essas mães, quando retornem de licença-maternidade, não retornem assim, no vácuo. Porque é muito doloroso deixar seu filho em casa, a gente sai com uma ‘dor no coração’, horrível, a sensação do retorno ao trabalho. Ao mesmo tempo que você quer trabalhar, você não quer deixar seu filho e a gente chega na empresa, não tem nada. Eu voltei pra minha empresa, não tinha nem mesa para me sentar, porque o meu setor tinha trocado de sala, estava fazendo reforma lá e aí, como eu não estava lá durante esses cinco meses, não pensaram em uma mesa, de um ambiente. Tiraram minhas coisas, ‘botaram’ numa caixa e aí, quando eu voltei, não tinha nem mesa para me sentar. E eu achei aquilo muito traumático pra mim, então eu criei um programa, posteriormente, para as mães, pra fazer um fechamento: quando elas saíssem, tem a festa do ‘chá de fraldas’ e quando elas voltassem, tivesse um acolhimento. Criei uma sala de amamentação. Fiz, vários, realmente, projetos, depois, pra que essas mães não passassem o mesmo que eu. E outra coisa muito importante, que eu fiz a seguinte reflexão: olha só, se durante cinco meses as coisas ‘andaram’ enquanto eu não estava aqui... claro que perfeccionista como eu sou, eu revisei tudo, achei vários erros, mas eu consegui pensar o seguinte: se isso passou pelo diretor, que é um ‘cri-cri’; pelo presidente; pela auditoria e esses três não encontraram erro nenhum, para eles estava tudo perfeito e maravilhoso, eu realmente sou uma pessoa que acho ‘pelo em ovo’. Mas eu consegui entender isso e desapeguei. As tarefas que eu tinha delegado para as pessoas, eu não peguei novamente. E isso, profissionalmente, para mim, foi algo, uma descoberta fantástica, porque o que aconteceu, tanto pra mim, quanto pra empresa? E eu fiquei dez anos nessa empresa. Cinco anos não sendo mãe e cinco anos sendo mãe. Os projetos que eu desenvolvi dentro da empresa, no período em que eu era mãe, foram o triplo. Inclusive esse RH que eu implementei em 2014, antes de sair de licença-maternidade, se tornou GPTW, lá em 2017. Tudo em prol desses programas que foram criados. É claro que teve o aval do presidente, mas é como eu falei: o presidente era esse ‘cara’ que pensava em pessoas, tanto que defendia a maternidade. Então, houve esse aval da parte dele e eu comecei a trabalhar, realmente, para gerenciar o negócio de uma maneira estratégica, realmente pensando no negócio. Implementei dois programas estratégicos dentro da empresa, implementei área de controladoria, coloquei compliance dentro do Jurídico, que já existia. Inclusive, o Jurídico, é engraçado: eu sou uma economista e eu faço Jurídico, como não tem advogado? Então tinha advogado externo, era assessor externo, mas quem era responsável, na verdade, pelo Jurídico, era eu. E aí eu conversava com advogado externo, assessor, eu disse: “Não, isso não é certo. Temos que colocar um advogado aqui dentro, realmente criar o Departamento Jurídico, um advogado interno, coloquei compliance dentro do Jurídico e claro que tinha esse advogado externo para apoiar”. Enfim, foi, falei da Controladoria, falei do Jurídico, auditoria interna implementei dentro da empresa e fiz vários outros projetos, esse da GPTW, que chegamos três anos, o tempo todo que eu fiquei na empresa, os três anos posteriores continuaram estando na GPTW e chegou um momento que eu comecei a me sentir assim: “Nossa, eu já realizei tanta coisa!”, eu estava meio ‘esvaziada’ e esse presidente já havia saído, em determinado momento pediu: “Fica até o final da minha gestão, gostaria que tu ficasse até o final da minha gestão”. Realmente foi uma pessoa que nós trabalhamos juntos, sabe aquela pessoa que realmente essa pessoa eu gosto de trabalhar com ela? Era esse o caso. Então, a gente trabalhava muito bem juntos e depois que ele saiu, que entregou a presidência, que era normal, estatutário, estava no estatuto que o presidente era eleito por três anos, podia ficar mais três, podia ser reeleito por três e ficava, no máximo, seis. Não tinha como ficar mais. Depois que ele saiu, eu comecei a repensar: “Nossa, o que eu quero fazer da minha carreira?” e eu cheguei à conclusão de que eu não queria mais estar dentro daquela empresa. Eu já estava meio, assim, cansada, dez anos, tal e eu lembro que eu confidenciei pra uma amiga que eu queria fazer outra coisa na minha carreira, mas eu não sabia o quê. Isso já era 2020, eu lembro que eu saí em férias no finalzinho de fevereiro e ainda falei pra essa minha amiga assim: “Eu vou sair em férias e, na volta das férias, eu vou pensar o que eu vou fazer, mas certeza de que eu não vou ficar aqui o ano que vem”. E o que aconteceu? Eu saí de férias, fui para Salvador, que é o lugar que eu mais amo do Brasil, lá eu fui em uma coisa que eu sabia... Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, fui numa missa lá, com atabaque, nossa, foi muito significativo e lá, na missa, eu lembro quando o padre falou que ‘saúdo o fulano de tal, professor da Universidade da Bahia’. Eu olhei as pessoas, pessoas negras, e era algo que eu queria atuar como docente, não estava acontecendo, desde 2013, quando eu me formei no mestrado, já era 2020 e uma das coisas que eu tinha pensado: “Nossa, eu nunca vi uma professora negra numa universidade particular”. Na universidade pública a gente tem, porque é por concurso, tem corte, na universidade particular não. E aí eu fiquei pensando: “Vou apostar na minha carreira como docente, é uma das coisas que eu vou fazer, eu vou buscar isso” e uma coisa que eu pensei: “Eu vou fazer um curso na Universidade da Bahia”. Naquela época era tudo presencial, eu fiquei pensando: “Eu não sei como, mas eu vou fazer”. Bom, eu me deparei com a pandemia no aeroporto. Por pouco eu teria ficado ‘trancada’ em Salvador, porque um dia depois que eu voltei, fecharam todos os aeroportos. Eu lembro quando eu saí do hotel, estava eu, minhas irmãs, uma amiga e minha filha e a gente viu o hotel lotado de carros de imprensa e uma pessoa toda engravatada passou por mim, cumprimentou e a minha amiga perguntou: “Você conhece?” Eu disse: “Não conheço, deve ser político, político cumprimenta todo mundo”. Pra minha surpresa, quando eu cheguei em casa - que já estava aquele sufoco no aeroporto, meu marido, quando foi me buscar, eu fiquei perguntando: “O que está acontecendo?”, ele falou da pandemia, tal - liguei a TV, vi o hotel que eu estava em Salvador e o homem que eu tinha visto cumprimentando todo mundo, que era o Rui Costa, governador da Bahia, tomando as medidas dos fechamentos ali, do estado. Então, o que aconteceu? As minhas férias acabaram, eu retornei ao trabalho já em home office. Simplesmente me mandaram meu equipamento de trabalho pra minha casa, eu era procuradora da empresa, mandaram as coisas, para continuar trabalhando. Aí eu lembro que eu refiz todo o planejamento financeiro da empresa, vi realmente que eles estariam em uma situação complicada, uma instituição de ensino... foi naquele momento, os salários reduzindo, aquele sufoco, certeza que tu viveu e aí as pessoas, quando a gente está num ‘aperto’, tu tem que comer, o que tu faz? Vai tirar o supérfluo. Estudar é supérfluo. Muitas pessoas’ trancando’ a faculdade. Naquele momento me passou pela cabeça: “Eu posso ser demitida” e, realmente, eu fiquei três meses trabalhando ainda e me chamaram pra uma reunião presencial, enquanto estava todo mundo em home office. Já desconfiei. Eu lembro que eu saí de casa já com o notebook da empresa, com os materiais da empresa, liguei pros gerentes dos bancos os quais eu era procuradora, falei com eles e perguntei: “Eu acredito que eu vou ser demitida” e eles falaram: “Não”. Eu sou uma pessoa muito consciente: “Se acontecer, o que eu faço pra tirar o meu nome, que eu não quero que continue utilizando o meu nome”, aí eles me orientaram o que eu faria, ok, fui para reunião, realmente fui demitida, fiz os procedimentos que os gerentes dos bancos me orientaram e aí eu fui pra casa e eu lembro que eu senti uma sensação de vazio e depois identifiquei que aquilo era ‘orgulho ferido’, porque foi a minha primeira demissão da carreira. Trinta anos de carreira, eu nunca tinha sido demitida. Até então era eu que decidia: “Não, não quero mais estar nessa empresa”, fazia um processo seletivo, ou era indicada, inclusive, para outra, pedia demissão e ia embora. Essa questão... eu me sentia muito plena, sempre: “Não, eu sou uma profissional muito maravilhosa, eu decido onde eu quero estar, não vou passar dificuldade de ficar desempregada”, era isso. Então, eu estava me sentindo com ‘orgulho ferido’ mesmo. E a questão da pandemia eu ficava pensando: “Nossa, mas como é que eu vou me recolocar? Ninguém vê ninguém, a gente está num momento, como é que eu vou...”. Sempre fui muito de network, sempre fui muito de pessoas. Eu conhecia uma pessoa num ambiente corporativo, já trocava cartões, já perguntava se tinha LinkedIn, sempre fui essa pessoa do corpo a corpo, de gostar de pessoas, mesmo. Por isso que hoje em dia eu entendo que eu não era tímida, eu só fui silenciada, que eu gosto de gente. E aí eu pensava nessa pandemia: “Como é que eu vou fazer?” Foi onde surgiu a questão do LinkedIn, porque eu utilizava muito o LinkedIn como profissional. Então, chegou um currículo em minhas mãos, era muito normal eu olhar o LinkedIn do candidato. Tinha momentos, como eu tinha o RH comigo, vinham outros gestores e dizia assim: “Eu preciso abrir uma vaga, mas em, sei lá, no máximo duas semanas tem que ter uma pessoa aqui, trabalhando”. Eu mesma ia lá no LinkedIn, selecionava alguns candidatos, passava pro pessoal do RH e dizia: “Chama esses quatro, cinco pessoas e faz seleção com esses”. Então, eu tinha essa relação, já, com o LinkedIn, então conhecia bastante a rede nesse sentido, mas eu era uma consumidora de conteúdo. Então, sempre gostei de ler notícias pelo LinkedIn, porque eu já estava num momento que eu não assistia muito televisão, já achava televisão muito ‘viciada’ nas notícias, com muitos vieses políticos. Eu costumo dizer até hoje que eu gosto muito da economia pura, sem viés político. Então, já gostava do LinkedIn, por esse sentido: sem esses vieses políticos. Então, era consumidora de conteúdo, aí quando surgiu a demissão, eu ficava refletindo: “Agora como é que eu vou fazer pra ter contato com as pessoas?”, me surgiu o LinkedIn na cabeça e um fato que eu fiz um curso, em 2019, que uma pessoa se apresentou como especialista no LinkedIn. Naquela época eu não precisava e aí me veio ela, contatei essa pessoa e comecei a fazer uma mentoria de LinkedIn. Ela disse: “Não, exatamente, pensou certo, tu vai fortalecer sua marca pessoal, vai se colocar como autoridade no assunto, vai ver que as empresas vão começar a te chamar”. E foi isso: comecei, realmente, fortalecer a minha marca pessoal, me colocar como autoridade, escrevendo sobre Economia e Finanças. Meu primeiro artigo teve 17 visualizações e 3 curtidas, mas eu continuei persistindo, porque escrever é algo que eu sempre gostei, então pra mim era natural, mesmo se ninguém lesse, eu continuava escrevendo. Mas ali o meu engajamento começou a aumentar, a minha visibilidade começou a aumentar, me deparei com algo que foi bem importante, no LinkedIn: com outros profissionais negros. Até então eu era a única negra nos ambientes. Então, assim: as empresas que eu trabalhava tinha outros negros, mas em posição operacional. Então, assim: uma negra na executiva eu que era sempre a única. Então, eu costumo dizer, inclusive, que no ambiente de trabalho eu sou inesquecível, porque quem ‘cruzou’ comigo no mundo corporativo não esquece: uma mulher negra executiva de uma empresa. Não tem. Claro que hoje a gente sabe que tem, mas naquele ambiente que eu vivia, não tinha. E aí, no LinkedIn eu comecei a ver esses outros profissionais negros de sucesso e eu começava: “Nossa, mas que legal isso, que maravilhoso!” E aí veio aquele momento do boom da gente começar a falar de diversidade, que foi o assassinato do George Floyd nos Estados Unidos. Aí teve o assassinato do George Floyd, culminou – hoje em dia eu sei – com a questão do trainee da Magazine Luiza, de vagas afirmativas pra negros, depois a Luiza Helena colocou que não é que foi por isso, já estava programado e aconteceu. E eu, por ser uma profissional negra, eu era muito chamada para comentar. As pessoas faziam as postagens no LinkedIn e chamavam a Dirlene pra comentar: “O que tu acha disso?” e eu ia lá, comentava, dava meu ponto de vista, sempre de uma maneira muito positiva, uma visão sempre muito positiva das coisas. Eu pegava e me posicionava. E aí, durante esse período no LinkedIn, eu conversei com muita gente. Eu comecei a ser chamada para muitos processos seletivos. O que acontecia, que foi determinante para o empreendedorismo? Foi o fato de eu ver que eu não me ‘encaixava’ mais nas empresas, como o lugar que eu não quero estar. Foi muito parecido com a questão lá da faculdade. Na faculdade me disseram: “Não é seu lugar”. Mas nesse caso eu via que não era o local que eu queria estar, até porque a empresa é muito assim: ou é Financeiro, ou é RH, ou é Marketing e eu trabalhava, já, de uma maneira muito generalista. Então, eu queria continuar dessa maneira generalista e via que eu não estava mais me ‘encaixando’ nas empresas e não queria.
P/1 – Eu ia te perguntar exatamente nessa questão do LinkedIn, que você tinha aumentado sua participação e começado no seu empreendimento, pode falar mais sobre ele agora, mas eu queria perguntar se, nessa época, você começou a perceber se existiam outras mulheres nessas posições de empreendedoras, de CEOs dos próprios negócios e principalmente se tinham outras mulheres negras. Principalmente no setor financeiro, no mercado financeiro, no mercado da economia, de finanças. Como era?
R – Nessa época, um dos cursos que eu fiz, porque no momento era tudo online. Inclusive eu tinha, confesso, um preconceito em relação a cursos online. Realmente tudo que eu fazia era presencial. Naquele momento de pandemia eu, que sou essa life long learning, como é que eu vou estudar? Online também. Então, fazia muitos cursos online. Eu fiz um curso na FDC e me deparei com uma professora negra, Lisiane Lemos. Eu vi a Lisiane e eu fiquei encantada com aquela mulher. Negra, linda, inteligente e eu com aquele desejo também, de apostar na minha docência e eu simplesmente ‘colei’ nessa mulher. Durante vários meses, onde a Lisiane estava, a Dirlene estava também. Ela vai dar palestra em tal lugar, eu estava lá. Eu mandei convite pelo LinkedIn e assim era. Então, ‘colei’ muito na Lisiane. A Rachel Maia eu já sabia da existência, já a tinha visto várias na Você S/A. Meu marido assina a Você S/A, então eu lembro de receber a revista. Para mim, a Rachel era referência de mulher negra de sucesso no ambiente corporativo. Então, era a Rachel. A partir do LinkedIn, eu conheci a Lisi Lemos, a Jandaraci, conheci quem mais? Outra que me chamou atenção, a Maitê Lourenço. Nina Silva. E nesse momento que eu estava, que eu vi que eu não me ‘encaixava’ mais nas empresas, eu tenho a minha matriz swot pessoal, eu sou essa pessoa que estuda muito as pessoas, eu tenho uma formação em Coach de Gestão das Emoções e no coach eu desenhei meu pacote de vida, escrevi meu propósito de vida, que é evoluir sempre, proporcionando evolução ao próximo também, esse é meu propósito de vida, então eu fiz a minha matriz swot pessoal e estava com uma oportunidade do empreendedorismo, mas o meu objetivo principal seria ainda uma recolocação. E quando eu comecei a ver que eu não me ‘encaixava’ nas empresas, a minha oportunidade acabou virando o meu objetivo. Então, o que eu comecei a fazer? Comecei a falar com empreendedores, pessoas que já tinham feito, que eu estava pensando em fazer. Então, eu comecei a focar - essas minhas conversas, eu chamo cafés virtuais – para empreendedores. E um dos empreendedores que eu conversei... aliás, primeiro teve uma empreendedora que eu conversei, que sempre eu chamo que ela me deu um ‘tapa na cara’, que ela olhou pra mim e perguntou assim: “Por que tu ainda não empreendeu? O que tu está esperando?” Eu falei assim: “Eu tenho receio de não ter um salário no final do mês” “Sem ter salário no final do mês? Você não está trabalhando, não tem salário nenhum, o que tu está esperando? Se tu esperar mais um pouco, se tu se recolocar novamente numa empresa, tu não vai empreender. Vai ficar ‘empurrando com a barriga’, sempre com esse medo. Vai e faz”. Nossa, essa conversa com a Kely Pereira, que é o nome dela, foi muito determinante, eu chamo de ‘tapa na cara’, até hoje. E aí continuei ali, conversando com as pessoas, desenhando esse meu possível negócio. Até que uma pessoa me chamou no LinkedIn. Todos os contatos vieram através do LinkedIn, pelo fato de eu chamar atenção, de eu estar sempre conversando, comentando, realmente gerando, fomentando conversa. Então, essa pessoa me contatou e a gente começou a conversar: “O que tu faz? Não sei o quê. O que tu pretende?” Eu já estava com aquela ideia: “Eu pretendo empreender, mas ainda estou buscando desenhar exatamente o que eu quero fazer” e ele um homem negro e ele falou assim: “Tu conhece o afro empreendedorismo?” Eu disse: “Não”. Por isso que eu falei: era uma mulher negra num ambiente totalmente branco. Então, assim, eu não conhecia negro. E aí ele começou a me falar - e eu com um caderninho, aqui, vou sempre com meu caderninho, anotando – nome de pessoas e aí ele me falou do Black Money, da Nina Silva, do Alan Soares, da Grana Preta, o que mais? Dina Prates. Ele falou vários nomes de pessoas ligadas ao afroempreendedorismo. Tem a Adriana Barbosa, do Preta Hub. Ele foi me falando o nome das pessoas e eu ali fui anotando, fui anotando, fui anotando. E todas essas pessoas eu me conectei com elas, através do LinkedIn, algumas tive oportunidade de falar, tanto que o Alan Soares a gente conversou muito e hoje em dia, agora, dia 24, eu vou ministrar um curso de aceleração e empreendedorismo, com o Black Money. Então, aí que foi construindo essa relação e eu fui tendo conhecimento dessas outras mulheres também, no ambiente corporativo. Como eu disse: até então eu era a única ‘figurinha’ que eu conhecia, no meu universo, embora tivesse lá a Rachel de referência, mas a Rachel, pra mim, era uma pessoa muito distante, que estava nas revistas. Algo muito distante. Então, eu comecei a trazer pra perto de mim essas pessoas e, também, entender esse universo afro. Eu costumo dizer que o afro empreendedorismo é um universo à parte. É importante - ao mesmo tempo que a gente não pode criar uma ‘bolha’ – esse apoio. Então, eu defendo muito que o empreendedorismo não pode e não precisa ser solitário. Então, principalmente quando a gente está iniciando, a gente precisa desses apoios, que foi o exemplo que eu fiz e que deu muito certo. Também teve um outro momento, de uma conversa muito legal, que eu tive com uma colega economista, que fez algumas ‘cadeiras’ junto comigo. Ela é bem mais nova. Eu me formei e ela se formou bem depois, ali, talvez dois anos da pós, mas quando eu olhei no LinkedIn dela, eu vi professora e empreendedora. Então, ela tem duas coisas que eu quero: ser docente e empreendedora. Então, eu a chamei para conversar e ela foi muito legal comigo, conversou, tal e, no final da conversa, ela pegou e me disse assim: “Dirlene, você já pensou” – na minha mente, a minha empresa era uma consultoria, eu ia atender empresas, ia ser uma consultora de gestão estratégica e financeira, de empresas – “que tu poderia escalar o teu negócio muito mais, se tu trabalhasse também com mentorias para pessoas físicas?” Eu disse assim: “Não, não tinha pensado nisso. Eu tenho formação em mentora, porque eu sempre fiz muitos cursos: coach, mentoria, várias formações, mas eu nunca exerci” e ela disse: “Tu não quer vir mentorar, ser mentora aqui na minha empresa?” Ela tinha, tem ainda, um hub de tecnologia. Mentorar novos empreendedores na questão financeira. E aí, eu não tinha nem CNPJ, não tinha nada, então eu fui abrir um CNPJ e comecei prestando serviço para a empresa da minha amiga, a Vanessa. Uma das falas que eu sempre tenho é que ajudar um colega de profissão não gera concorrência e sim admiração, porque eu tenho uma admiração enorme por ela, até hoje. Foram poucos meses que eu fiquei prestando trabalho para empresa dela, porque daí, logo em seguida, o que aconteceu? Chegou novembro, eu estava na lista de top voices, junto com Lisiane Lemos, junto com Adriana Barbosa, com pessoas que, para mim, eram quase deuses. Eu estava junto com essas pessoas, na lista de top voices. Então, deu tão certo o meu objetivo de me colocar como uma referência no meu assunto, finanças e economia, que chegou a um top voice, que era algo que eu não conhecia, até setembro daquele ano, até então eu não sabia o que era top voice. Eu lembro que eu assisti uma palestra do Cristiano Santos, que é top voice, por causa da minha mentora, ela é apaixonada por ele: “Assiste uma palestra do Cristiano Santos, ele é maravilhoso”. Assisti à palestra dele, realmente ele é incrível. Um dos ‘caras’ também que eu tenho como referência, que eu lembro que eu mandei um convite de conexão no LinkedIn, pro Cristiano, na época eu não era conhecida. Acho que eu tinha, talvez, duas mil conexões, enfim. Ele aceitou, conversou, tal, aí eu lembro que, na palestra dele, uma pessoa perguntou a respeito: “Como faz para ser top voice?” E ele disse: “Top voice é um critério totalmente do LinkedIn, a gente não tem influência a respeito disso, mas continua publicando, interagindo com a rede, que pode ser que tu consiga”. Quando ele falou isso, pareceu uma coisa muito distante para mim, nem ‘tchum’. Simplesmente continuei fazendo. O que o LinkedIn significava para mim? Esses contatos, no momento que ninguém via ninguém presencialmente e significava, muito importante: antes eu dizia que o LinkedIn me deu voz, porque eu escrevia as minhas problemáticas. Escrevia tanto a questão de conhecimento de Finanças e Economia, mas eu escrevia coisas minhas também. E eu me sentia acolhida. E aí veio uma amiga, que também veio através do LinkedIn e disse assim: “Dirlene, dizer que te deu voz eu acho que não é legal, porque você sempre pôde falar, tu não tem deficiência auditiva, de fala, você sempre pôde falar. Então, na verdade, não é voz. É escuta”. Então, eu cheguei à conclusão de que o LinkedIn me deu essa escuta, de me sentir muito à vontade. E um dos convites que veio para ser colunista do blog Prateleira de Mulher, foi antes do top voice, inclusive. Então, eu comecei a escrever pro blog e isso me ajudou muito na construção do meu negócio, recebi esse convite para mentorar pessoas, teve empresas também que me procuraram, eu comecei a prestar consultoria para as empresas, mas o grande ganho foi na questão das pessoas. O que acontece? Eu tenho experiência profissional de trinta anos em empresas. Então, a questão das empresas, para mim, está dominada, mas a questão das pessoas foi o grande diferencial. Então, trabalhando com pessoas, eu fui entender o que as pessoas falam a respeito de finanças, de dinheiro e aí fui me deparar com as crenças sobre dinheiro de uma maneira muito forte, com o tabu de falar sobre dinheiro e aí entendi: “Nossa, aqui que eu posso ajudar as pessoas”. Demonstrar para as pessoas que falar de dinheiro não é feio. As crenças, a gente cresce ouvindo que dinheiro é sujo, ‘não dá em árvore’, não traz felicidade, mas a gente pode ressignificar isso. Tu pode utilizar o dinheiro para coisas boas. E comecei a contar a minha história, de escassez financeira, mas que eu consegui transformar a escassez em abundância, através do meu investimento em educação. E demonstrando sempre a relação que eu tive desde sempre com o dinheiro, muito saudável. Embora eu, minha mãe, minhas irmãs éramos muito pobres, o dinheiro que a gente tinha a gente conseguia dar muito valor pra ele, de maneira nenhuma a gente achava que o dinheiro era sujo. A gente não conseguia colocar esses valores negativos, que a maioria das pessoas coloca, no dinheiro. Então, houve sempre essa relação muito saudável com o dinheiro. Eu entendi que eu poderia passar para as pessoas essa relação, que eu sempre tive, saudável, demonstrar para elas o quanto o dinheiro pode ser saudável. E isso foi dando muito certo, de uma proporção que foi se tornando cada vez mais gigante. Aí veio essa premiação do top voice e, com essa premiação, eu já era empreendedora - eu costumo dizer que eu já era economista, ok, de formação – já era mentora e já era coaching. Só que o LinkedIn, o top voice me trouxe, ali, pelo menos mais dez, quase que dez, oito carreiras. Fui convidada para ser palestrante. Quando eu recebi o convite para primeira palestra, eu já recebi a encomenda, que era pra transformar o meu artigo Do Lixo à Paris, que eu já tinha escrito, numa palestra. Aí eu recebi o convite para ser embaixadora da Escola Conquer e do Clube Mulheres de Negócios. Quando aceitei o convite de ser embaixadora da Escola Conquer eu disse que um dos meus projetos era atuar na docência. Questão acho que de um mês depois a Conquer me convidou pra dar aula. E quando eu fui convidada pra dar aula, uma das coisas que veio era a disciplina de Diversidade e Inclusão. E ainda falei assim pra eles: “Nossa, mas eu não sou especialista em Diversidade e Inclusão”. Daqui a pouco eu mesma fiz a reflexão, assim: “Não sou especialista, mas acho que especialista mesmo ninguém é, porque é um assunto tão novo. Especialista acho que não tem, não existe especialista em Diversidade e Inclusão, que tem lá um mestrado, uma pós-graduação em Diversidade e Inclusão. E aí eu pensei: “Nossa, eu não sou especialista, mas eu sou a própria diversidade”. Tanto que eu me apresento nas minhas palestras e na aula: “Prazer, eu sou a diversidade” e eu trago um pouco dessa minha história. Posteriormente eu fui, realmente, estudar, fiz um letramento. Eu, uma mulher negra, fiz um letramento racial, de estudar essa visão. Eu sou ligada a uma agência de Diversidade, eu aprendi lá o tema A Visão do Colonizador. Porque o que a gente aprende, na escola, é a visão de quem colonizou o Brasil, em relação aos negros, aos indígenas, mas a gente não tem a visão própria. Então, consegui entender isso e fui estudar além da visão do colonizador. Então, essa questão da Diversidade foi uma construção que foi feita, mas a partir do entendimento que eu sou a própria diversidade também.
P/1 – Dirlene, queria saber como foi ser mãe, se tornar mãe e o que a maternidade representou, na sua vida.
R – Nossa! Realmente, a maternidade representou essa mudança de fase de vida, pra mim. Teve, antes da própria maternidade, eu consegui enxergar essas questões da Dirlene pessoa, porque eu tinha optado por não ser mãe e que zelar pela vida de um ser humano realmente é algo transformador, a gente acompanhar as fases desse ser humano. Então, eu costumo dizer que a minha filha é mais minha mestre, do que a minha aprendiz. E isso aconteceu antes dela nascer, porque eu sonhei com ela, ela me pedia pra nascer. E através desse sonho muitas coisas, na minha vida, começaram. Eu comecei a repensar, a ‘encaixar’. E hoje em dia essa virada, porque eu costumo dizer que eu me reinventei, em plena pandemia. Eu era uma mulher que já me considerava bem-sucedida, alcancei a minha profissão, ser executiva de empresas, ter todos os bens materiais, aquela coisa e tal e eu estava com aquela inquietação, eu queria fazer outra coisa, não sabia o que e aí eu me reinvento, empreendo e hoje em dia eu tenho doze carreiras. E entre elas tem a questão da Diversidade e Inclusão, que eu nunca imaginei na minha vida. E isso tem tudo a ver com a minha filha. Tudo. Porque, como eu falei: eu fui essa mulher preta, nos ambientes com pessoas brancas e chegou um momento que isso, para mim, passou a ser natural, já. Não que eu não fosse mais alvo de racismo, mas já era um racismo velado. Era um racismo que já não me incomodava tanto. Antes eu era chamada de macaca. Se a pessoa só me olhar ‘torto’, para mim, não me atingia em nada. Uma vez, numa empresa, uma pessoa olhou para mim - eu tinha já um cargo de coordenação, ela era minha par, era também coordenadora, disse: “Até que tu não é tão preta!” Falei, conversei com ela: “Acho que tu está querendo falar isso de elogio, mas não é elogio”. Eu consegui explicar. Mas, enfim, isso não me incomodava tanto, a ponto de... quando vieram as cotas, eu comecei a ouvir piadinhas de que: “Tu está aí por cotas”. Eu dizia: “Nossa, realmente não é, porque eu sou da década de 1980”. Inclusive, em relação às cotas eu era contra. Uma professora minha, de Economia, eu estava no finalzinho do curso, quando veio a discussão das cotas, é engraçado, que eu sempre dizia: “Uma mulher branca que me explicou a importância das cotas, do débito histórico, enfim, comecei a defender as cotas, pela questão da oportunidade”. Eu consegui entender que o que aconteceu comigo foi por uma oportunidade. Então, eu conseguia defender as cotas. Eu consigo, eu sou uma pessoa que consegue não ficar olhando só para o ‘próprio umbigo’, dizendo assim: “Se eu consegui, todo mundo consegue”. Eu consigo ter isso muito presente, dizer que eu precisei de uma oportunidade. Todas as pessoas que vêm da diversidade precisam dessa oportunidade. Eu ‘agarrei com as duas mãos’. Então, é preciso a gente conscientizar e dar oportunidade para as pessoas, para que elas também ‘agarrem com essas duas mãos’. Então, esse momento de eu começar a repensar tudo isso, tem tudo a ver com a minha filha, porque ela é uma menina negra. A questão do preconceito social eu já ‘livrei’ minha filha. Ela tem uma mãe que tem uma profissão, que é bem-sucedida, tem um pai também que tem uma profissão, que é bem-sucedido, mas o preconceito racial não. Então, a minha filha foi alvo de preconceito racial aos três anos de idade, na escolinha. Simplesmente uma criança começou a excluir das brincadeiras e, ao contrário do que aconteceu comigo, na infância, que fui rechaçada, que eu que me senti culpada, graças a Deus ela foi muito acolhida pela escola. Inclusive a escola teve uma atitude muito louvável, que foi chamar a mãe e o pai da criança racista e explicar para esses pais e, junto com isso, eles começaram a adotar programas de conscientização, realmente, das diferenças, que todo mundo é diferente e é normal, dentro da escola. Então, foi algo também bem importante. Claro que é sempre lamentável o fato do racismo, mas a atitude da escola eu considero louvável e que na minha época de jeito maneira aconteceria. Quando ela foi para a escola grande, que começa o Ensino Fundamental, ela passou a ser a única negra. Aliás, ela já era a única negra na escolinha, antes e ela passou a ser a única negra numa escola grande, que inclusive foi a escola que eu recebi a bolsa de estudos. Por isso que eu disse que eu revivi muita coisa com ela. E ela já estava nessa sistemática de questionar, ela via as meninas com cabelo liso, ela já começava a não gostar mais do cabelo dela, não queria usar trança. Então, foi um momento muito importante que eu passei a conseguir passar pra minha filha essa importância da autoaceitação. Coisas que a minha mãe não conseguiu passar pra mim e eu também já estava muito preparada, justamente por esse meu novo momento, nova fase, para conseguir passar isso para a minha filha. Então, eu costumo dizer que tem coisas que acontecem na minha vida, também, que acontecem, assim, natural. Por exemplo: meu cabelo afro, hoje em dia. Eu utilizei muito cabelo alisado, relaxado. Quando eu engravidei, não tinha como, sabia que grávida não pode fazer química no cabelo, então passei a não fazer química. E aí, depois que ela nasceu, eu a amamentei durante muito tempo, ela mamou até um ano e três meses. Ela deixou de mamar, porque ela não quis mais. Até então, eu parei de fazer química no cabelo. E aí eu lembro que eu fazia escova no cabelo, chegou um momento que eu fui pra praia e falei: “Não faz sentido fazer escova na praia”. Eu não fiz escova, simplesmente deixei meu cabelo secar e aí eu olhei no espelho e disse: “Ficou legal”. Deixei o cabelo assim. Voltei a trabalhar. Uma coisa que eu sempre tinha muito receio era a questão de empresa, de trabalho. Inclusive uma vez que eu tentei lá deixar, tirar o alisamento do cabelo, não fui bem aceita na empresa. Tinha um certo receio. Voltei a trabalhar, depois dessas férias que eu lembro que eu tinha ido pra praia e tal, ninguém falou nada, deixei meu cabelo assim e aí, quando minha filha cresceu também, foi crescendo, eu fui entendendo a importância de ter um cabelo afro, natural, porque eu sempre fui muito contra alisar o cabelo das crianças e ela já cresceu com essa identificação. Então, eu sempre coloco que a minha filha mudou a minha maneira de ver o mundo. Então, se hoje em dia eu conto a minha história de vida, se hoje em dia eu estou aqui, por exemplo, contigo, é por causa dela. Porque durante mais de quarenta anos eu não contei a minha história. Primeiro eu tinha receio de ser colocada como vítima, que era uma posição que eu nunca quis, eu sempre falava assim: “Eu sou protagonista da minha vida, eu não sou vítima”. Então, ser vítima é algo que eu nunca quis. Poucas vezes que eu comecei a contar a minha história, eu lembro de uma vez, numa empresa, que a gente teve uma ação, que era doação para orfanato, a gente doava livros e eu me emocionei e falei um pouquinho: “Quando eu era criança, adolescente, não tinha condições de comprar livros e hoje em dia eu estou aqui, doando os livros”. Eu falei aquilo, me emocionei e eu lembro que uma pessoa em posição muito superior a mim pegou, depois, em outro momento, disse que eu não precisava fazer aquilo, que eu estava me fazendo de vítima. Que eu era uma profissional respeitada e não precisava estar se fazendo de vítima. Então, eu já não contava a minha história, quando ele me disse aquilo ali, eu bloqueei totalmente. Nunca mais eu abri a boca pra falar da minha história. E quando aconteceu de vir pro LinkedIn e eu fui convidada pra escrever no blog das mulheres, tem aquele momento que a gente fala, eu falei um pouquinho da minha história, mas uma fraçãozinha e falaram assim: “Nossa, você tem que contar a sua história”. Eu disse: “Não, não vou contar”. Contei esse episódio lá, do superior que me falou que eu estava me fazendo de vítima e a pessoa olhou pra mim e falou assim, psicóloga: “Desse episódio, quantas pessoas vieram conversar contigo depois e quantas te deram parabéns, te elogiaram, não sei o que e quantas falaram alguma coisa negativa?” Aí eu comecei a pensar, foram umas dez pessoas. Quem falou alguma coisa negativa? Uma. Então, sabe, esses pensamentos assim. E aí eu comecei a contar a minha história. Então, a primeira vez que eu contei a minha história foi o meu artigo Do Lixo à Paris e um ensaio sobre investimentos, que foi defendendo o investimento à educação e como plano de fundo eu utilizei minha história e aquilo teve uma repercussão enorme, das pessoas vindo até a mim, falando: “Nossa, foi maravilhoso ter contado sua história, me identifiquei”, outro: “Eu voltei a estudar por causa disso”, outro: “Eu estava quase que desistindo” e aí aquilo me trouxe a consciência: “Esse é o legado que eu posso deixar pra minha filha” e aí eu continuei contando a minha história, pelo legado que eu posso deixar pra minha filha, que hoje em dia eu vejo que esse legado pode ser muito maior. Não só para a minha filha, mas para muitas outras pessoas, tanto que a minha história vai estar aí, no Museu. Então, é certeza que é um legado pro mundo e para as pessoas. E claro que eu comecei a fazer tudo isso primeiro pensando na minha filha. Então, por isso que eu digo que realmente ela representa muito nessa mudança, nessa ‘virada de chave’, nessa mudança de momento da minha vida, de compreender qual é o meu papel na sociedade, o que eu posso fazer. Tanto que a palavra que eu utilizo é atuar como agente de mudança pro mundo que eu quero, porque antes eu vivia conformada de ser a mulher negra no ambiente branco, mas eu não posso fazer nada por isso. Agora eu me vejo como um agente de transformação, eu posso sim ajudar nessa mudança, eu posso sim defender o quanto é importante a gente olhar pro outro. Tenho a cor da pele diferente, mas não significa que eu tenha menos ou mais capacidade que tu, que é branco. Hoje em dia eu ouço muito: “Nossa, tu é genial! Como tu tem pensamentos inovadores! Tu é uma pessoa muito estratégica!” Só que quantas Dirlenes existem ainda nas favelas e nas vilas, que também são pessoas geniais, só que elas não tiveram a oportunidade que eu tive? Então, eu consigo demonstrar o quanto é importante dar oportunidade para as pessoas. Então, capacidade a gente tem, a gente precisa de oportunidade. Então, é, realmente, ‘tirar esse véu’ que a gente tem, do nosso viés inconsciente, como eu falei: eu fui estudar depois os termos da diversidade, fui estudar inclusive a origem do racismo. Até então o mais antigo que eu cheguei foi na Bíblia, lá no Velho Testamento, da maldição de Cam. Enfim, várias coisas que vieram nesse momento da maternidade, que foi muito importante, importantíssimo eu saber, para poder educar a minha filha.
P/1 – Quer contar o nome da sua filha?
R – O nome da minha filha é Joana. Inclusive, nas minhas palestras e eventos que eu participo, eu começo me apresentando assim: “Eu sou a Dirlene Silva, a mãe da Joana, a filha da Vera, irmã da Márcia e da Marta” e eu realmente acredito, o que eu já acreditava antes e aí lendo o livro da Michelle Obama, Minha História, ela diz assim, que a pergunta mais idiota que a gente pode fazer pra uma criança é o que você vai ser, quando crescer. O que parece, para a criança? Parece que a gente só vai ser alguém na vida, depois de ter uma profissão. Então, eu sou apaixonada, apaixonada mesmo, tanto que eu nunca fiz um outro curso de graduação. Eu tenho trezentos cursos de pós-graduação, mas graduação eu nunca fiz, porque eu não quero tirar meu título de economista. Eu não quero ‘Dirlene Silva e tal coisa’. Não, eu quero só economista, de tanto que eu sou apaixonada por essa profissão. Então, ela é muito importante na minha vida. Mas só que, para chegar a ser economista, eu tenho que ser alguém. Então, nós somos seres humanos únicos, insubstituíveis. Então, é importante entender que os meus títulos eu tenho, mas eu sou uma pessoa antes do título. Então, antes do título, eu sou a filha da Vera, a irmã da Márcia e da Marta, mas a maternidade sobrepõe qualquer outra coisa, então por isso eu trago a Joana na frente. (risos)
P/1 – E quais são os seus maiores sonhos, hoje?
R – Nossa! O meu sonho, mais uma coisa que a Joana me trouxe, essa consciência de sucesso, de sonho. Porque até então eu me considerava muito bem-sucedida e eu, um dia, vi uma amiga que tem a minha idade, mas ela já tem filhos adultos, que é muito comum, eu fui mãe aos quarenta anos. Então, na idade que eu fui mãe, eu tenho amigas que já são avós, que têm filhos adultos. E ela com a filha, ia se formar, tal e eu fiquei pensando: “Nossa, eu acho que eu vou me considerar bem-sucedida de novo quando eu tiver a minha filha totalmente encaminhada, na vida. Então, o meu grande sonho é ter a minha filha encaminhada, com uma profissão, ela sendo uma mulher reconhecida, respeitada, não dependendo de marido. Eu tenho um certo receio, assim: “Nossa, será que a Joana vai ser daquelas mulheres que ‘correm atrás’ de homem, que dá tudo por amor, tal?” Tenho esse receio. Então, acho que o meu grande sonho é ver realmente a minha filha bem encaminhada na vida, sendo respeitada por ela mesma, entendendo que o fato dela ser mulher não a reduz em nada; o fato dela ser uma mulher e negra não a reduz em nada. Eu trabalho muito a questão da autoestima dela. Como eu disse, eu não tenho lembrança da minha infância, nunca fui chamada de criança bonita. Eu faço totalmente ao contrário com ela. Ela se levanta de manhã, eu pergunto pra ela: “Quem é a menina mais linda do mundo? Quem é a menina mais amada do mundo?” Então, eu faço muitas afirmações. Então, ela ama aquele cabelo crespo dela, adora passar creme no cabelo. Então, realmente, ela se ama muito. Então, eu trabalho muito essas afirmações nela, de criar realmente uma criança e é algo que eu sempre trago também: é importante a gente ter a consciência de que uma criança se transforma numa adulta, uma criança é um ser humano. Muitas vezes a gente tem a ideia de que parece que a gente está criando um bonequinho. Não, não é. Só que não. A gente está criando um futuro cidadão, cidadã. Então, essa responsabilidade. Isso é muito importante.
P/1 – Dirlene, finalmente a gente está chegando ao fim, fico muito feliz de ter ouvido sua história, mas eu queria te perguntar agora se você quer acrescentar alguma coisa que eu não tenha te perguntado, se você gostaria de deixar alguma mensagem. Esse momento é bem livre, pra você falar o que você quiser.
R – Nossa! Bom, eu acho que eu vou fazer alguns recortes, aqui. Eu tenho algumas falas, hoje em dia, que o impossível não existe e que eu sou muito maior do que os meus sonhos. Então, coisas na vida que eu achava que nunca ia acontecer. Como eu falei, eu me formei com 29 anos, eu fui fazer inglês e espanhol com trinta. Então, eu nunca tive um estágio em multinacional, fui Menor Aprendiz, mas estagiária eu não fui, porque tinha que falar inglês. Trainee também não fui, porque tinha que ter inglês. Contatos que eu recebi, eu lembro que em dezembro de 2020 eu recebi um contato do BID, Banco Interamericano. Que é algo que me deixou, assim, perplexa. Nossa, o que o BID quer comigo? Então, eles estavam trabalhando um programa de diversidade e inclusão e eles queriam ouvir influenciadores negros e me procuraram. O BID, inclusive, me colocou em contato com a Maitê Lourenço, então a partir daí eu conheci a Maitê e aí, posteriormente, em 2021 tive um reportagem na Marie Claire, que uma jornalista da Marie Claire viu a minha história no LinkedIn, me contatou e eu saí numa reportagem. Dessa reportagem a Alexandra Loras, do Shark Tank, teve contato com a minha história, tenho contato com ela até hoje também e falou a meu respeito para o Bradesco. Então, chegou um dia que eu entrei no LinkedIn e tinha um in box do Fernando Honorato, que é economista-chefe do Bradesco. Bom, foi algo, pra mim, assim... eu conversei com o Fernando chorando o tempo todo. Foi essa a conversa que eu tive com o Fernando, ele me convidou, a gente tem um podcast juntos e eu falei pra ele: “Fernando, olha só, desculpe, eu estou realmente chorando, porque eu nunca consegui ser nem estagiária do seu banco e hoje tu está aqui, falando comigo. Quantas pessoas trabalham no Bradesco e não te conhecem, não têm oportunidade de conhecer o economista-chefe? E eu estou aqui, falando contigo. E tu que veio me procurar, para fazer um podcast contigo”. Então, são coisas muito marcantes pra mim e eu sempre trago isso. Realmente, o impossível não existe. São coisas que eu não sonhei e estão acontecendo. Eu nunca sonhei em participar de um programa de televisão e participei do programa da Luciana Gimenez, embora eu adore, desde criança, brincar de programa de entrevista. Eu, até, depois que eu tive as amigas lá, com dez anos, a gente dizia que era o Frente a Frente com Dirlene. Tem o Frente a Frente com Gabi, era o Frente a Frente com Dirlene, que eu adoro entrevistar as pessoas, mas sempre eu como entrevistadora. Então, aconteceu já de eu ser entrevistada. Imagina, na televisão, sendo entrevistada. Então, muitas coisas aconteceram, que eu não sonhei. Então, inclusive esse título Eu Sou Maior que o Meu Sonho, também veio quando eu fui pra uma empresa, que eu era coordenadora, já, era uma empresa que tinha congressos e vinham palestrantes internacionais, então eu lembro que veio o César Souza e ele tinha recém-lançado o livro Você é do Tamanho do Seus Sonhos. O livro é maravilhoso, super indico, inclusive e eu ganhei esse livro do próprio César Souza e aquilo ficou sempre na minha cabeça. Hoje em dia, eu realizei tantas coisas que eu não tinha sonhado, por isso eu criei essa palavra: “Eu sou maior que os meus sonhos e, assim como eu sou maior que os meus sonhos, todo mundo pode”. Então, as minhas palestras, principalmente quando eu falo pra mulheres, eu sempre começo falando que mulheres empoderadas empoderam outras. Não que eu seja mais empoderada que uma ou outra, mas é porque eu já descobri meu superpoder. Então, a partir do momento que a gente descobre o superpoder... todo mundo tem um poder especial, uma potência especial, aí a gente consegue, sabendo qual é o meu, eu consigo ‘despertar’ em ti também esse teu poder. Essa é minha mensagem: “Nós podemos ser maiores que os nossos sonhos”. E aí muitos me perguntam qual é a receita do sucesso e eu costumo dizer, até já falei aqui, que eu entendo que o sucesso é muito relativo. O que é sucesso para um, não é para outro. Inclusive eu participei, no evento do Banco Pan eu estive com a Nath Finanças e houve muitas comparações, naquele momento, entre a Nath Finanças e a Dirlene, eu disse: “Gente, são coisas incomparáveis. A Nath é uma fofa, uma querida, tem 23 anos, eu tenho o dobro da idade dela, ela serve pra ser minha filha, só que nós somos de características diferentes, épocas totalmente diferentes, então sucesso na época dela é uma coisa e na minha época era uma outra. Claro que eu só conquistei visibilidade agora, só que esse não era meu sonho. Meu sonho, na época, era outro e isso eu conquistei. Não dá para comparar. Saibam disso. Então, sai disso, não fica comparando”. Então, tem muito... eu costumo dizer que não tem receita o sucesso, mas ele tem caminhos, eu coloco os meus caminhos. Eu apresento sempre para as pessoas os meus caminhos pro sucesso, embora eu não acredite em receita. Então, o meu caminho passou por ter um propósito. Desse propósito, exercer a sua profissão com excelência, mas ser excelência realmente buscando ser referência na sua área. E sobretudo amar pessoas, gostar de gente. Porque entender de pessoas, pra mim, é o grande diferencial dos profissionais de sucesso. Nesse sentido, assim, eu cheguei um dia a conhecer muitas pessoas e tu consegue ver que as pessoas que são mais sucedidas, têm melhores posições, são pessoas que conseguem entender de gente, mesmo, conseguem ‘tocar’ os seres humanos. Esse exemplo do presidente que eu trabalhei, que é pessoa que é uma grande referência até hoje, o quanto ele gosta genuinamente das pessoas!
P/1 – Dirlene, eu queria perguntar pra você como foi ser chamada pra participar do Amigo do Dinheiro, do Banco Pan.
R – Foi outra surpresa, também um sonho que eu não sonhei, mas através de algo que eu gosto muito, que é escrever. Eu já era colunista de dois blogs, do Prateleira de Mulher e do Black Collab, que é dedicado a negros. E aí, o que aconteceu? Daqui a pouco me contata alguém do Banco Pan. É característica minha, de atender a todos. Marquei reunião e aí eles me falaram que estava com esse projeto, do blog Amigos do Dinheiro, que tinha artigos de opinião, tanto que o blog tem os artigos próprios, do banco e tem colunista de opinião. E claro, já conhecia o Banco Pan e adoro o slogan deles: “Juntos a gente vai lá e PAN”. Sério, eu sou apaixonada por isso. E aí, o que aconteceu? Eu comecei a escrever o meu primeiro artigo no Pan, inclusive foi contando um pouco da minha história, o nome do artigo é Só Precisamos de Oportunidade. Também houve uma feliz coincidência ali, que a gente estava na época das Olimpíadas, então a Rebeca Andrade ganhou a primeira medalha olímpica na ginástica feminina e uma mulher negra. Então, ela também teve toda uma trajetória ali, a oportunidade dela foi dentro da ginástica: a tia dela que trabalhava num clube de ginástica, levou a menina, enfim, alguém, uma professora de ginástica viu a menina fazendo exercício ali, de brincadeira, nos aparelhos e conseguiu uma bolsa de estudos pra essa menina fazer ginástica. Então, aquilo também me remeteu muito à minha história e aí acabei escrevendo um artigo, Só Precisamos de Oportunidade. E foi algo transformador. Eu recebo cada contato através do banco, dos meus artigos. Eu sempre termino: “Juntos vamos lá e PAN”, todos os meus artigos são terminados assim, do Banco Pan e coloco: “Me siga nas redes sociais e mande sua sugestão, comentário e tal”. Então, eu recebo nas redes sociais comentários de pessoas que leram os artigos do Banco Pan e me contatam, para tirar dúvidas, sugestões. O último artigo que eu escrevi, inclusive, está publicado agora, é O Empreendedorismo Não Precisa ser Solitário, foi justamente de pessoas que são empreendedoras e, muitas vezes, elas não se enxergam, quando a gente fala em finanças pessoais. Elas enxergam finanças pessoais só pessoas que trabalham CLT, que têm salário no final do mês. Então, escrevi um artigo específico para elas. É outra maneira de ter esse contato com o público e mais uma coisa inimaginável na minha vida. Quando que eu ia imaginar que eu poderia ser colunista de um banco? E só posso dizer mais uma vez: “Sou maior que os meus sonhos e, assim como eu sou maior que os meus sonhos, isso sim todo mundo pode, no sentido de que a gente precisa, sim, de oportunidades e ter condições de ‘agarrar’ essa oportunidade”. Uma das coisas que eu faço também é ser coaching de carreira pra negros. E demonstrar que, se tiveram essa oportunidade, precisam realmente ‘agarrar’ essa oportunidade e ir avante.
P/1 – Muito obrigada, Dirlene, foi ótimo! Agradeço muito.
[Fim da Entrevista]Recolher