Entrevista de Marília Ponte
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 17/08/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Entrevista número: PSCH_HV1006
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá! Marília, queria que v...Continuar leitura
Entrevista de Marília Ponte
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 17/08/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Entrevista número: PSCH_HV1006
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá! Marília, queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R -
Meu nome é Marília Dias Ponte, eu nasci no dia quatorze de maio de 1994, em São Paulo.
P/1 - Quais os nomes dos seus pais?
R -
Meu pai se chama Roberto Santos Ponte e a minha mãe Dalva Dias da Silva.
P/1 - E o que eles fazem, no que eles trabalham?
R -
A minha mãe é dentista e hoje tem sessenta e sete anos, quase setenta, mas quando ela ver isso, ela vai ficar muito chateada que eu falei quase setenta. Então claro que sessenta e sete. Ela é dentista e hoje está aposentada. Depois da pandemia ela ficou muito em casa e está nesse processo de entender se ela vai voltar ou não vai voltar. Estudando muito e trabalhando muito em casa. E o meu pai é arquiteto de formação, mas ele trabalha muito tempo como empreendedor, na própria empresa. E ele trabalha com regulamentação e documentação de fábricas, com papelada e burocracia, basicamente.
P/1 - E como você os descreveria, como é a sua relação...?
R -
Acho que a minha relação com os meus pais começou antes de eu nascer, no caso, assim. Então a minha mãe me teve com quarenta e um anos, depois de perder a minha irmã que, assim, ficou... teve um dia de vida. E eu fui uma criança muito esperada e chamada de milagre. Então a minha relação é um pouco mimada, principalmente pelo lado do meu pai. É uma relação muito boa e eu percebo que quanto mais eu vou amadurecendo, ficando mais velha e me vendo, principalmente como mulher, a minha relação com a minha mãe fica de um outro lugar, com muito mais empatia, muito mais próximo. E a minha relação com o meu pai também, um pouco mais madura, mas a gente se dá bem e está nesse processo. Acabei de me mudar, sair de casa oficialmente, e a gente tem uma relação de conversar por vídeo, mandar mensagem, de comemorar as coisas e uma relação próxima.
P/1 - E você sabe a história do seu nascimento, a escolha do seu nome?
R -
Um pouco, não tanto, mas eu sei que o meu nascimento não foi 100% programado, assim, esperado. A minha mãe conta, nas palavras dela, que ela queria dar uma menina pro meu pai e aí várias questões, anos de análise, pra analisar essa frase. Mas tem um pouco disso de eu ver o meu nascimento ser um presente. A minha mãe sempre fala desse lugar, e o meu pai muito de um lugar de quase filha única, que na verdade eu acabei sendo. Eu nasci no segundo casamento da minha mãe. Então do primeiro casamento a minha mãe teve um filho, que é meu irmão Felipe, ele tem 39 anos. E eu nasci, ele já tinha treze anos, estava em outro lugar. Então o meu nascimento veio tipo meio “raspinha do tacho” e essa coisa de muito esperado, muito planejado, uma boa surpresa. É o que me contam, essa parte. E é isso. Na minha família... eu nasci em São Paulo. A minha mãe é de Natal e o meu pai é de Pernambuco. A minha mãe veio pra São Paulo depois de formada, com vinte e poucos anos, sustentar a vida em São Paulo, pra trabalhar. E o meu pai veio muito bebezinho, com os meus avós, pra São Paulo e também pra trabalhar, pra família buscar oportunidade. Então eu fui meio a primeira geração a nascer em São Paulo, colher os frutos de muita “ralação” assim, de gerações anteriores. Então a minha mãe foi a primeira da família a entrar na faculdade. Isso, na minha vinda, na minha adolescência, nem era uma questão assim: se eu ia conseguir fazer faculdade. Então eu já vim colhendo vários frutos dessa “ralação”, que eu chamo, e a minha vinda, por mais que tiveram perrengues, tudo mais, veio desse lugar um pouco mais calmo, a minha mãe já mais madura. Eu acho que a minha adolescência, principalmente, foi um pouco mais tranquila porque, sim, eu acho que vim com tempo.
P/1 - E você sabe como seus pais se conheceram?
R -
Sei. Meus pais se conheceram num aniversário de uma amiga em comum, num bar em São Paulo. Então a minha mãe veio pra São Paulo e morava tipo em república e tudo mais. Meu pai morava com os meus avós e eles se conheceram... minha mãe morava no Centro de São Paulo, era jovem, por mais que meu irmão já tinha uns sete anos quando eles se conheceram. Mas ela foi nesse aniversário de uma amiga em comum e aí, conheceu meu pai. Aí eles falam que ele a convidou pra um aniversário dele e a minha mãe já era bem mais assim: tinha filho, trabalhava, responsável. Não que meu pai não seja responsável, mas ele estava em outro lugar. E o meu pai é sete anos mais novo que a minha mãe. E aí eles se conheceram nesse bar e aí eles contam que o meu pai a convidou pro aniversário dele, que era tempos depois, assim, em pouco tempo, num bar. E aí ela foi, deu só uma passadinha e aí ficou aquele “trelelê” e eles foram se conhecendo, assim. A minha mãe falou que a primeira vez que, depois de um tempo que eles já estavam saindo, quando o meu pai foi conhecer o Fê, o meu irmão, o Felipe perguntou se ele podia dormir lá em casa com ele, no primeiro dia. A minha mãe conta isso rindo. Então teve essa relação muito próxima, eles ficaram juntos assim e o meu irmão não tinha uma figura paterna próxima. Então já se juntaram. E até hoje os meus pais... acho que na minha família nunca teve casamento, essa coisa de formalizar, de festa. Então eles se juntaram e estão juntos até hoje. Eles se separaram no meio do caminho, posso contar sobre isso também. Eles se separaram no meio do caminho, mas eles se juntaram e a relação foi assim. Isso que eu sei, né, dessa saída, bar, no Centro, imagino que deve ter vários outros detalhes.
P/1 - E você conheceu os seus avós?
R -
Conheci. Eu não conheci o meu avô materno porque, como muitos avós... não tão antigamente assim, mas ele abandonou a minha mãe, minha avó e minha tia. Então eu não tive muita relação, depois que a gente viu algumas fotos e soube de algumas histórias. Mas os outros avós: a minha avó materna e meus avós paternos eu conheci e tive oportunidade de ficar muito próxima. Então a minha avó materna é de Natal, a Juvita, ela faleceu faz alguns anos. E eu tinha uma relação de ir de férias lá e conviver pouco. Quando a gente viajava, conseguia ir pra Natal, eu tinha essa relação, mas eu a conheço muito pelas histórias que a minha mãe conta. Então a minha avó eu acho que é um exemplo dessa “ralação” que eu digo, da minha família. Ela foi mãe solo, com vinte e poucos anos, ela nunca aprendeu a ler e escrever. Ela trabalhava como empregada doméstica, passando roupa. E, assim, a história dela com as meninas, com a minha mãe e com a minha tia, foi uma história de muito perrengue assim, de pobreza e tal. E aí ela investiu muito, o investimento da vida dela era a minha mãe estudar. Então a minha mãe sempre foi nerd, o que ajudou muito. Ela pegou essa missão e completou com muito êxito. Então a minha mãe sempre estudou, trabalhou muito jovem, trabalhava na escola como bibliotecária, novinha. Passou numa faculdade federal, em Odontologia, na época. E a minha vó sempre teve orgulho disso, e minha mãe sempre, por outro lado, veio pra São Paulo e ajudava a minha vó. Quando não tinha telefone, elas se falavam todo domingo, todo domingo era dia de ligar, até hoje agora, um ano e meio fora de casa, dos meus pais, a minha mãe tem um pouco isso ainda, de: “Vamos se falar pelo menos domingo, uma ligação longa”. E aí os meus avós paternos também são do nordeste. O meu avô é de Fortaleza e a minha avó é de Pernambuco e é uma história incrível também. Eles estão vivos, com noventa anos, até hoje. E também são figuras, porque a minha avó é de Pernambuco, também tem uma origem mais simples, mas ela foi apadrinhada por uma tia, que investiu nos estudos dela. E minha vó se formou em Medicina, lá em Pernambuco, antes de conhecer o meu avô, conheceu o meu avô na faculdade. Meu vô também é médico, só que o meu avô é uma figura também, ele é muito engraçado. Fala muito, estuda, lê, ele é uma figura à parte. E ele, o meu avô, se chama José e minha vó Olga, por parte de mãe. E ele fazia Medicina em Fortaleza e ele falava que era a primeira turma, que a faculdade era muito fraca. E ele conta a história de que ele achou um dinheiro no chão, comprou a passagem de ônibus, inspirado na história de um amigo que tinha acabado de pedir transferência pra faculdade federal de Medicina de Pernambuco, ele fez transferência e foi pra Pernambuco, meio por acaso, assim... acaso. E aí conheceu a minha avó, caiu na sala da minha avó, conheceu. E eles contam a parte bonita. Não sei muitos detalhes. Mas aí eles se casaram, tiveram o meu pai, o meu pai foi o primeiro de cinco filhos e aí vieram com o meu pai pra São Paulo, meu avô mais novo tinha essas coisas, assim, de meio que ir atrás e mudar tudo, porque ele achava melhor a faculdade. Então mudava de cidade, achava melhor a vida em São Paulo, com mais oportunidades de emprego que, de fato, na época devia ser. E aí ele vinha pra São Paulo, começou trabalhando como anestesista, depois como psiquiatra. E eles trabalharam... a minha avó começou a trabalhar, na verdade, depois de parir e de criar os cinco filhos. Então ela foi exercer a Medicina um pouco mais velha, mas ela ficou por muitos anos trabalhando no SUS, ela chegou a ser diretora de um hospital e era a funcionária mais velha. Ela ficou, sei lá, deve ter ficado quarenta, cinquenta anos trabalhando. Ela parou de trabalhar com oitenta e poucos anos, assim como o meu avô. E aí eles pararam de trabalhar e muito rápido eles foram ficando velhinhos, assim, né? Eles já tinham oitenta e poucos anos, mas eles eram muito ativos. E aíum pouco antes da pandemia teve esse movimento de começar adoecer, de precisar parar, porque a cabeça já não estava muito boa. E as poucas memórias hoje que a minha vó tem, que ela guarda, são memórias antigas da história de vida dela. Então de vez em quando a gente está junto, ela esquece das coisas que acabaram de acontecer e ela não tem esse registro das últimas coisas, das coisas mais recentes. Mas se você pergunta pra ela de coisas muito antigas, da vida dela na adolescência, ela lembra. Isso marcou muito, que é bem bonito. Eu fico pensando: “O que será que eu vou lembrar, nos meus noventa anos? Dessas poucas coisas que lembraria, o que será que vai ser, assim?” E aí eu tive a oportunidade de, principalmente com os meus avós paternos, que são aqui de São Paulo, ficar muito próxima, porque quando eu era criança, eu ia todo final semana dormir na casa dos meus avós, a minha família tinha uma coisa, que eu achava que era normal, que toda família tinha, até perceber que não, que era todo final de semana se encontrar, a família inteira. Então todo domingo, a minha família inteira ia na casa da minha vó, e era meio que regra. E virava um almoço muito doido, que tinha de tudo, discussões, brigas. Na maioria era mais tranquilo, mas muita fofoca, tenho memórias muito boas. E os meus avós, principalmente a minha avó, ficava muito me acolhendo, e comigo no final de semana, principalmente quando meus pais se separaram, pra dar uma folga pra minha mãe, que eu fiquei morando com minha mãe e meu pai eu via muitas vezes durante a semana, mas de fato quem estava ali segurando a onda do dia a dia, do cuidar, era a minha mãe. E aí de final de semana eu ia pra casa dos meus avós e ficava lá, assim. Eu era a criança mais nova, muito tempo depois, na minha adolescência, que eu fui ter primos e tal. E aí eu ficava fazendo essa companhia de ir no mercado com a minha vó, de ficar ali, junto. Na minha vó, era uma casa que tudo podia, assim, se não matasse, podia, ela falava: “Não mata, não”. Aí, eu tomava Yakult à vontade, aquelas coisas de vó. Entã é um pouco disso assim, eu tenho memórias muito boas e eu tive a sorte de conviver com os meus avós, assim, bastante, na minha infância.
P/1 - E, Marília, você lembra da sua casa, onde você passou a sua infância e o bairro?
R -
Lembro.
P/1 - Como que era?
R - Eu me mudei pouco, assim, na minha infância. Então na minha vida toda eu morei em quatro apartamentos, bem paulistana, criada no carpete. Eu morei em quatro apartamentos e eu lembro do apartamento que meus pais contam onde eu nasci, que não foi de fato onde eu nasci, eu nasci no hospital, mas que foi a nossa primeira casa, que era um apartamento, na Zona Leste de São Paulo. Eu moro a minha vida inteira na Zona Leste, no Tatuapé. Então sempre foi: Tatuapé, Vila Formosa, que são bairros da Zona Leste. E esse primeiro apartamento, eu acho que eu lembro muito por causa das fotos, assim. Eu era muito pequena, eu acho que eu saí - eu tinha acabado de nascer, a gente foi pra lá - com cinco anos, seis anos, acho. E era um apartamento que eu achava... eu acho que descobri há pouco tempo que eu não tinha um quarto, que eu via a foto de um canto, assim, que tinha todo arrumadinho: bercinho rosa e coisinhas e cômoda e tãnãnã, que eu via na foto e achava que era meu quarto. E aí, há pouco tempo, conversando com os meus pais, falei assim: “Não, não tinha um quarto, ele era um canto no nosso quarto e tal, né”? Mas era tão arrumado, decorado... isso das memórias e das histórias que a gente conta, né? E aí foi uma surpresa e eu fiquei: “Ah”! Então, o que eu lembro, eu lembro de algumas coisas assim, da disposição: era um apartamento pequenininho, o meu irmão tinha um quarto, que eu lembro das histórias dele ter liberdade de riscar a parede, de pichar a parede, porque minha mãe falava: “Melhor ele riscar aqui do que riscar uma parede na rua ou alguma coisa, tipo sei lá, um ônibus. Então pode pichar aqui, o seu quarto” E aí ele pichava e tal. E eu lembro de ter poucas memórias. Eu lembro de um dia estar pulando na cama da minha mãe e pisar com tudo no pente de madeira dela. Eu conto pra ela essa história e ela nem lembra. Mas eu lembro da sensação, da minha mãe chateada que eu quebrei o pente de madeira dela. Eu tenho poucas memórias e alguns registros fotográficos, que às vezes eu não consigo lembrar o que está por trás, tipo o canto do meu quarto, que eu sempre achei que era um quarto, de fato. E aí depois desse apartamento a gente se mudou pra outro apartamento próximo, só que já era um apartamento que não era alugado, que meus pais financiaram. Esse primeiro apartamento, meu pai conta a história que quando eles pegaram a chave, eles foram visitar e estava infestado, não sei se é pulga, é alguma coisa assim, é algum bicho que a minha mãe fala: “Nossa, seu pai se vestiu de saco plástico e ficou passando veneno naquele apartamento e tal”. Eles devem ter passado muito perrengue. Hoje em dia eu fico pensando nisso, penso na vida adulta, né? E aí eu fico pensando nesses perrengues que a gente, quando é criança, não sabe muito bem o que está rolando. E depois desse apartamento, teve esse outro que, de fato, financiou, comprou, eu participei disso com os meus pais. Minha mãe sempre conta que eu ficava desenhando prédio, que eu devia ir lá ver com eles. E tinha um anúncio, que era um apartamento com três quartos, uma placa gigante, em cima do prédio. E ela fala que sempre que eu desenhava prédio, eu colocava aquele número lá em cima, da propaganda, aquele número três. E aí a gente também se mudou: eu, a minha mãe e o meu irmão, a gente morou lá por muito tempo. Eu acho que lá foi onde eu mais morei. Foi com cinco, seis anos, até eu ter dezesseis anos. E foi um apartamento que, quando o meu irmão saiu de casa, quando meus pais se separaram, foi tudo nesse novo apartamento que eu estava até vendo, esses dias, as fotos de um apartamento nesse prédio, que tinha pra vender, que eram baratos, assim. Era um apartamento que tinha um banheiro, era também pequeninho, mas que, enfim. Muita história, foi onde eu passei mais tempo. Depois disso me mudei de novo, com os meus pais, pra outro apartamento e aí já era outro momento da família, assim, com mais conforto, um apartamento... tipo, eu tive um quarto, eu pude decorar o quarto. E foi o apartamento que teve essas mudanças já, tirar uma cama de solteiro e colocar uma de casal, eu já estava namorando, junto com o Marcelo, eu tô noiva agora, mas a gente está junto há onze anos, acho. E aí esse apartamento foi esse apartamento de mudar, de tirar o quarto meu de criança, adolescente e já ter um quarto, de fato, de começar a trabalhar, tudo foi nesse apartamento. Até a pandemia eu fiquei lá também. Agora eu acabei de me mudar de novo, mas também pra “ZL”, por aqui.
P/1 - E na infância, você lembra de brincadeiras favoritas? Você brincava no prédio? Não sei como era isso. Ou com o seu irmão, acho que talvez nem tanto, né, por essa diferença. Como era essa questão de brincar?
R -
Brincar, assim, eu com o meu irmão eu era muito mais ‘café com leite’ com ele, sabe? Não tínhamos brincadeira de igual pra igual. A gente ficava na TV e aí aquelas coisas de irmão, eu lembro quando ele começou a deixar eu assistir Rebelde, eu era uma criança que assistia Rebelde, que era difícil mesmo, eu fico pensando: é uma coisa difícil de se deixar. Mas era um pouco disso, não tinha muita brincadeira, assim, o meu irmão sempre foi de esporte radical. Então o meu irmão não jogava bola, ele... eu não sei se é que fala, jogar hóquei? Ele jogava hóquei, ele fazia skate e aí skate era o mountainboard, não era um skate de rua, urbano. Ele não surfava, ele fazia kite, kitefull, kitesurf. Então ele sempre foi muito da aventura e eu não sou essa pessoa (risos). Então quando eu tô... até hoje, mais velha, quando a gente está junto, ele faz caiaque havaiano pra remar no mar e eu fico assim: não é o meu lugar, sabe? Eu vou pra experimentar mesmo, mas é outro estilo de vida. Então as brincadeiras não eram do mesmo momento, assim. O meu irmão, muito novo, já saía de casa, ele já estava adolescente. Mas a gente tinha - assim, não tinha uma proximidade, uma cumplicidade gigante - um carinho, assim e ainda tem, mesmo que hoje ele esteja morando na Argentina e a gente se vê muito menos. Mas eu brincava, assim: nunca fui de descer, eu era criança do apartamento, mas eu não era a criança que descia super, eu tinha meio vergonha, assim, de descer e de super brincar. Então as minhas brincadeiras eram mais... eu ia muito pra casa da minha vó, era um... sei lá, não era tão da bagunça, assim. Fora a escola, né? Uma coisa que eu amava muito era ir pra escola pra socializar. Então a escola, pra mim, era esse lugar. Eu também não ficava muito no prédio, porque eu não ficava muito sozinha em casa. Como meus pais trabalhavam muito, eu ficava no integral sempre. Então o meu lugar de brincar e de fazer amizade sempre foi a escola. Depois da aula almoçava e ficava no integral, eu fiquei muitos anos assim. Até quando eu era mais nova, meus pais contam que, às vezes... sabe essas escolas que abrem colônia de férias? Aí eu ia pra escola, pra ir pras férias na escola e eu gostava, assim. Hoje... meu pai comentou um dia, do tipo: “Ai, que dózinha quando eu te deixei aqui”, que era uma escola que nem era minha, eu fui só pras férias, mesmo. (risos) E aí ele falou: “Ai, me deu uma dózinha quando eu te deixei aqui e tal” e eu estava: “Quê”? Pra mim era tudo... eu gostava assim desses lugares, era onde eu brincava. E eu sempre acompanhei muito meus pais, a minha mãe principalmente, como dentista, eu tenho memória de acompanhá-la em congresso, por exemplo. E aí nos congressos tem um espaço pra criança, espaço kids, que são aquelas gaiolas que tem um monte de criança e colocam um brinquedo inflável e um monitor pra chamar de tio. Só que eu gostava, eu era essa criança, sabe? Não brincava na rua, eu brincava nesses espaços kids e na escola. E eu, principalmente na escola, estudei numa escola católica a vida inteira, aqui na Zona Leste e, na infância, eu era uma das poucas meninas. Eu lembro que, já um pouco mais velha, tipo uns doze anos, o integral tinha pouca gente, tinha menos de dez adolescentes, crianças e eu era uma das únicas meninas. Então era umas brincadeiras de moleque, que eu adorava também, achava ótimo. E eu sempre fui uma criança com muita atividade, acho que um pouco disso de ser de classe média, de “tacar” a criança... não “tacar”, eu experimentava. A minha mãe falava que, por exemplo, eu dançava balé, que hoje eu falo: “Não tinha muito a ver comigo”. Nas apresentações eu ficava com a boca travada, tensa, não estava legal, mas eu fiz por muitos anos balé. E aí eu fiz balé, fazia natação, fazia handebol, aí experimentei fazer piano, aí não gostei. Sempre tive muitas atividades mais nova. Isso era um pouco que me dava entretenimento e que eu gostava. E a parte sempre que eu gostava dessas coisas, era estar com as pessoas. Então o balé, o que eu mais gostava não era a aula de balé, era daquela sala que a gente ficava tipo a tarde inteira: saía da escola e ia direto. E aí eu ficava com as minhas amigas a tarde inteira conversando, zoando (risos). Essa era eu de bailarina, era um pouco disso. Na escola também, na minha vó também, os finais de semana que eu mais gostava, assim... eu sempre tive esse “zoião” assim e meu pai fala: “Quer matar papai, zoião?” Porque sempre eu era uma criança que ficava ligada no que as pessoas estavam falando, na conversa, gostava de sentar na mesa dos adultos. Era um pouco disso. Sempre, essas brincadeiras eram um pouco mais de estar com outras pessoas, sabe?
P/1 - E, na escola, que memórias você tem assim, com professores, teve algum que te marcou?
R -
Eu era uma criança muito quieta. Assim, quando eu era pequena, eu era muito quieta, porque eu nunca quis dar trabalho, assim. Até hoje, eu faço terapia e eu falo pra minha analista que eu não quero ser o caso difícil dela. Quero ser o caso leve, ficar de boa, não dar trabalho. E eu tinha um pouco disso nova, de ser boa menina. Então eu tenho algumas memórias que ilustram bem o quanto eu era quieta, quanto eu ficava quieta, porque eu acho que eu sempre fui mais de falar e tudo mais, mas quando eu ficava assim, mais quietinha, nesse lugar de ser a boa menina e tal. Eu lembro que, numa das minhas primeiras escolas, que era uma escola de bairro, pequena, de educação infantil, a minha mãe conta que o primeiro dia que ela foi me deixar pra adaptação das crianças, que eu entrei, eu nem olhei pra trás, (risos) eu só fui e ela nem entrou e foi isso a minha entrada na escola. E eu tinha disso, de não querer dar trabalho. O meu irmão foi uma criança e um adolescente que deu muito trabalho, e aí eu só queria sorrir e acenar, sabe? Vim desse lugar de ser o presente, então eu não queria desagradar e eu acho que desde nova eu tenho um pouco disso, assim, pelo menos é a história que eu conto, né? A minha interpretação. E aí, essa primeira escola, novinha, eu devia ter uns cinco anos quando... eu sempre fui e voltei de perua, né? Então, isso, de novo: meus pais trabalhavam pra caramba e tal e eu voltava de perua escolar, né? E teve um dia que eu fiquei de última criança, assim, pra ser deixada e eu fui esquecida no carro. Eu devia ter uns cinco anos, não lembro direito, que era essa primeira escola de bairro. E aí eu lembro de... isso é uma das poucas memórias que eu lembro e que não tem foto e que não me contaram, porque eu estava sozinha e fui esquecida no carro. Então não tinha ninguém pra mostrar pra mim. E essa, eu acho que é uma das minhas primeiras memórias, assim. A perueira parou a perua na frente do supermercado e foi fazer compras, porque ela achou que já tinha deixado todas as crianças e eu fiquei na calçada, assim, era um estacionamento que para na frente, sabe, do supermercado. Pelo menos ela não parou num lugar muito isolado, pelo menos ela não foi pra casa dormir, ela só foi fazer as compras. E aí eu lembro de sensação, assim, de estar no carro e começar chorar, mas ao mesmo tempo eu não gritei, não bati, não chamei ninguém, eu chorei quietinha, assim e ver os movimentos das pessoas entrando no mercado, saindo do mercado. E na minha cabeça, eu não entendi que eu tinha sido esquecida, eu achei que ela parou pra fazer compras, fiquei com medo e tudo, mas eu não entendi muito a situação. Depois que eu fui ver a seriedade de deixar uma criança no carro, na rua, mas por sorte ela foi fazer compras e ela voltou pra deixar as compras e, quando ela foi abrir, com aquelas portas de correr, assim, a van, pra deixar as compras, ela me viu ali. Eu lembro que ela me perguntou: “O que você está fazendo aí?” e eu: “Ah, eu fiquei aqui”. E, assim, fiquei quieta e fiquei ali sofrendo sozinha. Aí ela... minha mãe já... não era uma época que tinha WhatsApp, né? Então meus pais estavam bem preocupados e aí, enfim. Depois ela, infelizmente, foi demitida ou felizmente, né, porque a próxima ela deixaria a criança não sei onde. E aí eu lembro que depois eu mudei de escola e tal, mas essa foi uma das primeiras memórias escolares e depois disso, mais velha, na minha segunda história, é uma história meio nojenta essa, mas eu quero que fique marcada no meu legado, mas eu vou contar pra dar o exemplo (risos). A segunda história, nessa segunda escola... eu sempre tive o intestino super preso, e eu lembro que eu já era um pouco... tipo, eu já tinha seis, sete anos e estava na natação e eu era uma criança tão quieta que eu não pedia pra ir no banheiro, porque eu não queria incomodar ou, se eu pedisse e a pessoa falasse: “Ai, espera um pouquinho”, eu esperava o máximo que eu conseguisse. Eu tenho a memória de estar nessa escola fazendo natação e durante a aula, assim, que era o final da aula. Então só tinha que mergulhar na piscina e nadar até o final da piscina, sair andando e aí dar um mergulho e uma fila de crianças fazendo isso. Eu lembro que eu não aguentei segurar, estava com muita vontade de ir no banheiro, o professor falou: “Não, está no final, daqui a pouco eu vou gritar chuveiro e vai dar tudo certo”. Só que ele não combinou com o meu intestino e aí eu lembro de fazer cocô, assim, na piscina da escola, quieta e não contar pra ninguém e ficar tipo com o maiô sujo e depois foram descobrir só no momento do chuveiro, porque tinha umas auxiliares que ajudavam as crianças a tomar banho, e aí no momento que ela tirou o meu maiô, ele caiu mais pesado do que o normal. E aí eu lembro dessas situações, do quanto que eu era quieta, assim e eu não era uma criança que queria desobedecer, eu sempre fui essa criança que entrava no elevador e dava oi: “Oi”, bem fininho, quase afinava a voz, assim: “Oi, tudo bem?”, para ser fofa, uma boa menina. E aí com o tempo não foi rolando, né, porque eu fui ficando mais velha e eu não era essa pessoa super quieta, delicada, fofa e que não queria atrapalhar. Eu tinha um monte de coisa que eu queria fazer e tinha um monte de desejo, e eu fui ficando mais leve e aceitando e tendo um pouco mais de coragem pra colocá-los no mundo, com a idade e com o tempo. Então, na minha adolescência, as minhas memórias com professores eram muito de um lugar que eu era, eu não gostava tanto... não é que eu não gostava, eu acho que eu não me identificava muito com o ensino de onde eu estudava, de um lugar muito... esse formato de escola muito quadrado e não sei quantas matérias e a prova com oitenta questões. Então eu sempre fui uma criança e uma adolescente que não ia mal, mas eu ia na média, assim. Então eu ia mediana. E eu sempre gostava mais dessa parte de socializar, de conversar. Então eu fazia amizade com todo mundo. Eu lembro mais nova, assim, de isso ser uma questão com os professores. Então tinha professores que me marcavam e eles ficavam, às vezes: “Marília, você vai precisar sair da sala”, na adolescência. Eu virei essa pessoa, sabe, perto da que não falava nada. Então eu lembro de nova, enfim, algumas memórias. Eu lembro de uma aula de Religião, um professor levava violão e cantava músicas que tinha a ver com o tema religioso, e eu lembro meio de fazer graça, de ser expulsa da sala. Ou ter um dia que uma professora falou pra mim que eu tinha uma qualidade muito grande, que era fazer amizade onde quer que ela colocasse no mapa de sala. E aí que a última alternativa era me colocar pra assistir aula do chão. E aí ela, então, me colocou sentada no chão, na frente da sala, num tablado, que tinha tipo um palco pros professores, assim, na frente da lousa. E ela me colocou pra assistir aula de lá, assim. E aí eu lembro que eu fiquei virada pra sala inteira, porque eu sentei assim e ela estava aqui dando aula e eu fiquei que nem ela, virada pra sala inteira e pra mim eu fiquei: “Legal, agora eu tenho trinta pessoas pra olhar e não só duas”. Era muito desse lugar assim de, eu tentava respeitar o máximo, nunca fui de desrespeitar, tratar mal o professor, mas era esse lugar de não conseguir parar quieta, adolescente, assim. E fazer amizade, às vezes o professor: “Marília, eu vou ter que te retirar da sala, porque você falou palavrão muito alto. Então vai pra diretoria”. E aí, de novo, uma escola, de um lugar que era: “Olha, palavrão fica muito pior na sua boca”, porque eu sou uma menina e etc. Então eu fui mais pra um lugar muito mais extrovertido e desobediente do que antes, do que eu mais nova, sabe? Ao mesmo tempo, eu nunca queria trazer essas coisas pra casa. Então eu tentava resolver ao máximo sozinha na escola, pra não dar trabalho pros meus pais. Então eu dava meus pulos, meus jeitos, pra não levar problema pra casa, por mais que eu fosse... o ano inteiro eu não fosse muito bem de nota, mas quando precisava, eu estudava e dava um jeito. E eu acho que foi no colegial que eu virei um pouco a chavinha, assim. Sempre me envolvi muito nas atividades que não eram tradicionais, acadêmicas. Então se tinha gincana, eu era a pessoa que super me engajava na gincana, ia comprar coisa e juntava gente. E eu tinha uma performance acadêmica de um outro lugar que não era tão valorizado no boletim do final do ano, mas que eu acho que, de alguma forma, era sentido também. Sempre que eu precisava de opinião ou de conselho dos professores, eles reconheciam isso, sabe? Então passava de ano sempre. São essas memórias, até no colegial, eu comecei a entender as matérias que eu gostava e ser um pouco mais estratégica nos estudos e aí, no final, eu como uma aluna mediana da escola, passei em décima quarta na minha faculdade, em todos os cursos, eu fui vendo que era... que o problema não era comigo. Se eu quisesse estudar, que eu era bem capaz e inteligente, talvez as matérias, o jeito que estava ali formatado, que não funcionavam tanto pra mim.
P/1 - E como foi esse momento pra você? Acho que pensando agora fica um pouco mais fácil, mas de se apoderar dos desejos, de entender que você queria coisas, enfim, de sair desse lugar de boa menina. O que você acha que... como você acha que surgiu isso? Foi uma junção de escola, sociedade, pais, enfim, educação, de maneira geral? Como foi essa transição?
R -
Eu acho que é uma transição que está sendo, assim. Eu fui percebendo que a gente está dentro de armários de vidro, sabe? Eu li isso em algum lugar e eu fui me identificando muito com isso, que fica muito... assim, que não existe tanto essa capacidade de disfarçar, quando você não está à vontade na própria pele, sabe? Isso de disfarçar e de segurar e guardar pra mim, e achar que sorrir e acenar e que está tudo bem, vai passar e ninguém vai perceber. Ou vai agradar e as pessoas vão ficar mais satisfeitas, sei lá quem eu tô querendo agradar. Eu fui vendo que isso não existia muito, que esse meu desconforto e esse incômodo de não me reconhecer nesse lugar de boa menina, de falar “oi” fininho, de ser fofa, que estava esquisito, não estava dando mais, não estava cabendo. E, ao mesmo tempo, eu fui vendo que era uma expectativa muito que eu achava, sabe? Eu estava querendo agradar, achando que eu queria agradar sei lá quem, porque a gente não vem com isso, né? Ninguém me disse que eu precisaria ser uma boa menina, foi a minha estratégia (risos) utilizada. Foi uma estratégia que me foi útil por muito tempo, quando eu era mais nova, eu contei esses episódios mais - como eu posso dizer? – caricatos, assim, mas em várias outras situações me foi útil e me fez bem por muito tempo. E eu acho que eu comecei a querer não me colocar nesse lugar, quando já não estava útil, já não estava cabendo mais e eu fui vendo exemplos de muitas outras mulheres, de outras formas de ser. Eu sempre tinha uma coisa de: “O que eu tenho que fazer?”, sabe? “Me dá um checklist, que eu vou completar o checklist. O que tenho? Ah, eu tenho que fazer faculdade, eu gosto de Publicidade. Então qual é a melhor faculdade de Publicidade que tem hoje, assim? Então vou fazer essa. E onde que os publicitários trabalham?” Então, eu sempre tive um pouco disso, de uma lista de ‘tem que’, assim. “Ah, tem que ser assim, tem que fazer isso, nesse ritmo, nessa ordem”. E eu fui vendo que tem outras formas de ser. E o que me ajudou muito foi começar a ler, a estudar, principalmente a fazer terapia, o poder das histórias. E a olhar e cavoucar a minha história e também me inspirar em histórias de outras mulheres, de outras pessoas, principalmente de outras mulheres. Quando eu comecei a me cavoucar e entender o que não servia mais, não servia mais esse lugar de boa menina, porque não cabia e não era útil pro que eu queria, me fez também ter uma outra relação com as mulheres e com as pessoas da minha vida, assim. Por isso que eu falo da minha relação com a minha mãe, de vê-la de um outro lugar e com outras pessoas também, com as pessoas mais íntimas. Então está sendo uma transição, eu acho que é uma coisa que eu sempre vou carregar comigo, mas que ela não precisa ser o meu modus operandi mais, assim, sabe? Porque eu não preciso mais disso, de fato.
P/1 - E me conta uma coisa, nesse momento de transição entre infância e adolescência, juventude, você conversava com a sua mãe sobre educação sexual? Desde a menstruação, até a sexualidade. Se você falava disso com os seus pais, cuidadores ou com amigos, na escola. Isso era um assunto, entrava no debate, assim?
R -
Não era um assunto, né? Assim, eu falo que é um tema sempre presente, tipo, a gente acha que a gente não fala do erótico, desse lugar estereotipado, da pornografia, mas a gente liga a televisão e tem um filme e vê uma novela, a gente ouve uma música, a gente escuta o discurso de um político. Assim, está tudo carregado, carregado, carregado de repertório erótico, que eu não tô falando de sexo, mas eu tô falando da nossa sexualidade estar presente, assim, muito. Então sempre foi presente e eu acho que quando eu era criança, eu falava com muito mais naturalidade, e perguntava por curiosidade. Então mesmo estudando numa escola católica, eu tinha um pouco desse lugar, que era essa minha essência fora dessa forma de boa menina, que eu percebia que era um assunto que deixava as pessoas um pouco sem jeito, sem graça. E eu acho que aí que eu achava engraçado, achava mais engraçado de falar. Então quando eu fui expulsa da aula de Religião, era porque na música tinha uma palavra que era pinto, pinto de galinha assim. E quando chegava nessa parte, eu criança, nova, eu falava mais alto. E aí o professor de Religião me tirou da sala, colocou a mão na minha cabeça e falou que sentia maldade dentro de mim, porque eu estava falando assim. Então eu percebi... e eu lembro de ouvir aquilo e falar: “Não, não é maldade”. Mas saber que eu tinha falado pra fazer graça e todas as crianças riam e tal. Então tinha um pouco desse lugar. Eu lembro de pegar o dicionário, e é uma história que eu acho um barato, que eu fui resgatando depois que eu comecei a estudar mais sobre sexualidade, porque em casa minha mãe sempre teve uma coisa de quando a gente não sabia a palavra, quando a gente falava alguma coisa errada gramaticalmente ou quando a gente perguntava: “Ai, o que significa essa palavra?”, aí ela tinha um Aurélio, assim, dessa grossura, que era uma coisa que depois eu fui perceber que as pessoas não têm em casa um Aurélio daquele tamanho. Era um dicionário grande e aí ela pegava: “Não sei, vamos ver” e ela pegava a definição, assim, o jeito certo de escrever e falar, enfim. E aí, eu lembro que sempre teve isso com o dicionário e eu tinha o meu dicionário que estava ali na lista do meu material escolar, que eu comecei a circular as palavras relacionadas a sexualidade. Então eu fiz um sumário do dicionário, um sumário que na página tal, está a palavra vagina; na página tal, está a palavra sexo. Eu não sabia que chamava vulva na época, porque não tinha acesso, mas eu tinha, ali, uma curiosidade. Eu lembro de um dia estar fazendo lição de casa com a minha mãe e ela ter esse impulso de pegar o dicionário, só que ela pegou o meu dicionário e viu ali que estava - eu nem lembrava que aquilo estava riscado - escrito aquele sumário. E eu lembro que ela encontrou e a reação dela foi me explicar que ali não era o lugar de eu buscar aquele conhecimento, mas estava na época da Bienal e ela me levou na Bienal e comprou um livro sobre educação e segurança íntima para crianças. E aí, assim, era um livro que eu lembro de consultar, tinha as informações básicas que deveria ser senso comum, que é, a informação do nosso corpo e a diferença de um, corpo macho do corpo fêmea e fotinhos de criança e tal. Não tinha nada sobre a anatomia do clitóris, provavelmente não tinha a palavra vulva, mas tinha minimamente ali esse lugar de que é uma coisa natural e a gente pode conversar. E a minha mãe, por mais que ela sempre falou assim: “Eu não sou sua amiga, eu sou a sua mãe”. Então é muito mais, a gente tem outra relação, eu nunca tive essa coisa de ficar contando pra ela na adolescência, tipo: “Ai, mãe, aconteceu isso aqui e tal”. Nunca foi uma relação assim, mas sempre foi... acho que a minha mãe conversava mais comigo sobre segurança íntima e educação sexual do que a mãe das minhas amigas, que super conversavam sobre ‘ficantes’ e meninos, sabe? Era de um outro lugar, assim, eu percebo hoje. Então eu lembro: a minha mãe andava muito sozinha de ônibus em São Paulo, no Centro e tal. Então ela era assediada, ela sentava no ônibus e tinha um cara mostrando o pênis do lado dela. Então ela sempre passou por muitas situações, em que eu acho que ela falava muito mais desse lugar pra mim, sabe? Tipo assim: eu ando numa rua hoje sozinha, eu lembro da minha mãe falando: “Má, nunca anda muito colada no muro, se tiver escuro, se tiver com árvore. Anda no meio da rua, porque as pessoas podem minimamente te ver. Se acontecer alguma coisa, você grita. Ela falava muito sobre... muito não, mas eu lembro das poucas vezes que ela falava sobre camisinha. E eu lembro dela falando de sexo, de um lugar: “Ó, Marília, não está na hora, né? Não está no momento, tudo tem seu tempo. Mas, quando tiver, vai ser muito bom e você vai adorar. Tipo: é pra ser um negócio prazeroso”. E eu lembro que eu ficava: “Nossa, mãe”. Eu era muito quadrada, adolescente, eu fico vendo agora tipo: “Que besteira!”, assim. Mas eu tinha tipo: “Ai, mãe, tá bom, não, ai, não vamos falar disso”. Então tinha muito esse lugar de... eu lembro que minha mãe chegou a dar um exemplo, assim: “Olha, tem mulheres que andam com camisinha, com preservativo na bolsa sempre, por trás, se tiver alguma relação” e eu lembro que ela falou de violência sexual e de estupro e sobre o preservativo eu lembro que eu ficava: “Não, mãe, tá bom, entendi”, mas eu escutava, sabe? Ainda bem que ela não deixava de ter essas conversas. E, ao mesmo tempo, ela reforçava esse lugar do sexo é algo natural e era pra ser prazeroso e era pra eu gostar. Então, eu acho que, obviamente, eu sempre cresci com culpa, com vergonha como mulher, mas ela me ajudou um pouco a tirar, sabe, a questionar isso. E eu lembro da menstruação, eu lembro quando desceu a minha primeira... a menarca, assim, eu estava fazendo lição de casa, na sala desse apartamento que a gente morava e aí eu comecei a chorar. Eu comecei a ficar angustiada e aí eu comecei a chorar e aí a minha mãe sentou do lado e falou: “Por que você está chorando?” e aí: “Eu não sei porque eu tô chorando”. Ela: “Não?” “Não” “Tem que ter motivo. Ficar chorando, me conta”. E ela achou que eu estava escondendo: “Mas me conta pra eu te ajudar”. E eu não sei, de fato eu não sabia, né? Era TPM (risos). E aí eu fui ao banheiro e aí sangrou. Assim, eu não lembro de ter muitas conversas antes, mas eu lembro que a minha primeira coisa que eu pensei foi: “Todo mês, todo mês, pra sempre eu vou passar por isso? Quando eu não estiver sangrando, eu vou estar tipo nesse ciclo assim de TPM e tal”. E eu lembro que isso me pegou muito, eu fiquei: “Nossa, todo mês”, aí minha mãe: “Não, porque tu vai entrar em menopausa e aí vai parar” (risos). Mas, assim, por muitos meses, né? Que surreal! E eu lembro que eu fiquei tipo: “Meu, todo mês isso vai acontecer, assim”. Isso me pegou muito nesse lugar e eu tinha uma coisa de uma relação com o meu próprio corpo, de sentir vergonha. Então muita vergonha de pelo, eu achava que eu tinha muito pelo no braço. E aí o meu nariz, na adolescência. São várias fases que eu passei também, mas tinha um pouco... falando de sexualidade, eu acho que, nessa minha criação eu tive algumas dicas de que sexualidade era muito mais do que sexo e que depois me foram muito úteis e me economizou um tempo assim, sabe, dessa desconstrução.
P/1 - E como foi o momento do colegial, de se formar, fechar um ciclo e pensar no que você queria fazer, com o que você queria trabalhar?
R -
Assim, eu não tinha uma profissão desde criança, que eu sempre sonhei. Eu lembro que eu falava, quando eu era nova, que eu queria ser médica, que eu queria ser pediatra, que nem a minha avó, porque eu adorava criança e era a minha referência. E aí eu lembro que teve um pouco disso, aí quando eu fazia balé, por mais que eu não levasse jeito, assim, vendo vídeos. Nossa, se a gente resgatar alguma foto dessas, se eu estiver vendo essa história muitos anos... assim, era esquisito, sabe? Eu estava desconfortável naquela ponta, não era natural. Mesmo assim, eu tinha um colo de pé, que é uma curvatura, eu tinha muito alongamento e tal, que chamavam um pouco a atenção, principalmente colo de pé e alongamento no pé, que é uma coisa muito específica. Esse era o meu ponto forte na adolescência, o colo de pé. E aí eu lembro que a minha mãe, por exemplo, me levou na escola municipal, no Centro de São Paulo, pra fazer um teste e aí era um teste com centenas de meninas e uma pianista na sala e elas só falavam o nome em francês, dos passos. A gente tinha que fazer os passos. Foi muito legal como experiência porque foi um outro lugar. Eu estava acostumada com balé na escola de bairro, onde ela apertava o rádio do play e a gente dançava, assim. E tinha a apresentação no final do ano, onde as fantasias eram caríssimas e tinha que tirar, tinha um ensaio de foto. Era isso a experiência do balé. E aí na escola, nesse teste pro Teatro Municipal, era um outro balé assim, era um negócio muito mais artístico. E eu lembro que eu achei um barato, que minha mãe falou assim: “Ah, daqui a um tempo, daqui a muitos anos, eu não quero que a gente se arrependa”. Tipo assim: a gente poderia ter tentado, porque era uma coisa que eu, sei lá, que eu amava fazer, que não foi, eu não passei no teste. Mas assim, ela falou desse lugar, tipo: “Eu não quero, eu quero que a gente tente agora e aí você vê o que acha, se você gosta ou não”. E nunca foi num lugar que precisa fazer isso, tanto que eu não passei no teste, eu acho que, de trezentas meninas, uma menina passou e não era pra ser, nem foi uma questão, mas foi esse lugar que, na época quando minha mãe disse isso, eu não entendi muito bem, e hoje eu falo: “Caraca, ela é foda”. E aí tem isso e, no colegial, eu nunca tive muita certeza do que eu queria fazer. Então eu lembro que, às vezes, a minha professora de biologia, por exemplo, falava que eu devia fazer alguma coisa de stand up, (risos) esse era o meu potencial, que ela via, porque ela me achava engraçada e eu lembro que a Publicidade era um meio do caminho pra mim, assim, que tinha um pouco de comportamento de consumo, de psicologia, uma parte mais de ciências sociais, mesmo. E, ao mesmo tempo, tinha uma coisa de mercado, de marketing, que eu achava legal também. Sempre achei muito legal isso de marca, de produto, de criar um negócio que as pessoas vão consumir, eu achava muito doido e interessante essa parte. Então eu tenho uma lembrança de estar no carro com meu pai, e ele precisar de um lenço pra assoar o nariz, alguma coisa. E aí eu lembro que eu fiz uma piada - e eu já estava nessa época de colegial - com a caixa de lenços e depois ele falou: “Nossa, você devia pesquisar Publicidade porque, nossa, é mais ou menos isso que você fez”. (risos) É isso, né? Eu era tipo a filha única esperada. Então tudo que eu fazia, era muito legal. E aí eu lembro dessa pincelada, e eu estava em dúvida em fazer Jornalismo e fazer Publicidade e as minhas amigas fizeram... Eu acho que eu cheguei a prestar Jornalismo e era a minha segunda opção. Então eu lembro que eu estava no colegial, no segundo pro terceiro colegial, eu já estava com uma cabeça muito do ‘tem que’, da lista, tipo: “Agora eu tenho que passar no vestibular. Então vou tirar ótimas notas. E o que precisa fazer? Atividades extracurriculares, participar de palestra, fazer trabalho voluntário”. Então estava mais nessa cabeça e aí eu comecei a visitar faculdades, pesquisar mesmo e eu vi que Publicidade era o que eu curtia mais, o que eu gostava. E aí eu cheguei a fazer cursinho, fazia cursinho à noite no terceiro colegial. E aí eu fazia um cursinho aqui no Tatuapé e aí eu não passei nas faculdades que eu queria. E aí eu queria fazer na ESPM e aí fiz, estudei mais seis meses e passei. E aí foi isso, esse fim de ciclo de colegial. Teve um... foram os três anos mais, assim, focados, eu acho e um pouco mais maduros do que os anos anteriores. E eu acho que começou a pegar essa lista do ‘tem que’, talvez tenha nascido aí.
P/1 - Como foi entrar na faculdade e começar esse novo ciclo? Quais foram as descobertas? Você começou a construir expectativas de carreira, nessa época? Como foi esse momento?
R -
Eu entrei na faculdade... eu acho que eu falei muito em cima de você. Eu entrei na faculdade e aí na ESPM eram dois anos de manhã e dois anos à noite, pros últimos dois anos facilitar pra trabalhar, e conseguir estágio. E aí, eu acho que foram esses quatro anos que eu vi o que eu não queria, talvez, assim. Então, eu comecei a fazer Publicidade, eu gostava muito mais das matérias de Psicologia e Comportamento de Consumo e Sociologia e Ciências Comportamentais. Eu gostava muito mais desse lado assim, de pesquisa. E eu acho que eu amei na faculdade, que não tinha na escola, eram os trabalhos. Tinha provas, claro, mas como era um curso mais criativo tinha muito trabalho assim, trabalho bem generalista. Então tinha trabalhos onde a gente tinha que aprender a gravar, editar, a escrever, de fato, o roteiro. Então eu acho que foi muito mais gostoso e muito mais minha cara isso de pegar e fazer as coisas, sem ficar tão numa caixinha. Então eu acho que eu me descobri aí. E, ao mesmo tempo, eu percebi que eu não gostava tanto. Eu comecei a trabalhar, comecei a fazer os estágios e comecei a perceber que uma ideia que eu tinha assim, de: “Nossa. Então eu vou ser uma executiva e entrar num estágio trainee”, que era o caminho dos meus sonhos assim, que eu ficava mais fantasiando e imaginando, que não era talvez a única possibilidade, né? E aí, por um acaso, assim, muito interessante, eu fui trabalhar numa ONG chamada Endeavor. Então eu cheguei a trabalhar por seis meses assim, numa editora grande, na área de marketing, vi que não era aquilo que eu queria. E aí fui trabalhar na Endeavor, que é uma ONG de apoio ao empreendedorismo. E aí foi sensacional, pra mim, foi uma escola, fiquei por quatro anos lá. E aí na metade da faculdade, eu já estava efetivada, eu estava muito mais numa cabeça de trabalhar mesmo, sabe? Então eu não estava mais tanto... enfim. Os trabalhos, aí foram mais difíceis pra mim. Fazer monografia, que eu cheguei a fazer o trabalho de conclusão, que eu queria fazer bem e passar e fiz bem esses últimos trabalhos, mas eu já estava com uma cabeça do tipo, de trabalhar assim, mais fora da faculdade. E eu já sabia que eu não ia trabalhar na área, né? Também não ia trabalhar como publicitária. Eu estava trabalhando numa ONG e eu fiquei quatro anos, cada ano numa área e aprendendo coisas diferentes e não na minha área de formação, que era o que eu achava que eu ia fazer, saindo da faculdade.
P/1 - Como foi começar a trabalhar nesse período da sua vida? Você tem recordação da sua rotina? E como foi essa experiência de estar mais próxima do empreendedorismo, mas ainda não sendo empreendedora, talvez, né? Tipo: meio auxiliando outras pessoas com os seus negócios. Foi aí que surgiu essa vontade? Como foi esse momento?
R -
A primeira pergunta, espera.
P/1 - Desculpa.
R -
Ah, as entrevistas. Eu vou responder. Interessante falar disso, porque essa parte das entrevistas, era um momento que eu ficava muito insegura, assim. E aí eu participei de muitos processos seletivos, que eu achava que quanto mais eu participasse nova, mais experiência eu ia ter e melhor eu ia sair, porque eu tinha muita dificuldade em fazer dinâmica de grupo. Eu ficava incomodada com aquela situação, de tipo, as pessoas meio que fazendo a dinâmica pra ser avaliado. E eu achava meio o “uó” assim, eu ficava super incomodada e, vindo nesse lugar de boa menina, eu ficava muito travada. Então eu lembro que eu chegava a fazer... nossa, eu me inscrevia em todos os processos seletivos que eu achava que tinha a ver, principalmente de estágio, né? E aí eu ia fazer e eu fazia as primeiras provas. Aí tinha algumas entrevistas que colocavam jogos online, assim. E aí dinâmica de grupo e tinha que viajar pra sede da empresa, pra fazer a entrevista final. Lembro que foi uma fase que eu fazia muito assim, era o meu hobby: “O que você faz?” “Participo de processo seletivo”. E sempre, no final, não rolava, tipo: “Ai”. Adoravam e aí não rolava na entrevista final e eu ficava... eu lembro de participar de entrevista, uma das primeiras que eu participei, o entrevistador falou assim: “Ah, legal, aqui no seu currículo tem que você fala inglês, né?”, aí eu: “Ah, eu falo um pouco de inglês, assim, intermediário, mais ou menos”, né? Aí ele: “Ah, então vamos continuar essa entrevista em inglês” e aí eu lembro que eu fiquei... (risos) era cada uma, assim. E aí e eu sempre ficava tensa, tentando passar uma impressão e eu acho que estava meio no armário de vidro, sabe? Dava pra ver que eu estava desconfortável etc. E aí foi um processo, acho que mais... não tão difícil, mas o processo de vestibular, de estudar e de estudar pra uma prova e não saber se vai passar etc é um desafio, né? Mas esse foi outro grande, assim, que era isso de encontrar o emprego e tudo mais. E aí quando eu comecei a perceber que eu tinha que ser 100% eu, porque eu estava ali, morando com os meus pais, não era uma questão de vida ou morte. Eu não tinha filho pra bancar, eu estava trabalhando e já estava procurando emprego na minha área e que eu tinha, de fato, que gostar. Esse era um critério pra mim e era um privilégio gigante ter esse critério. Então eu vou ser mais eu, no caso e, se não for pra rolar, não é pra rolar e não é pra ser. E aí as coisas começaram a andar. Eu consegui essa primeira vaga na editora e aí fiquei seis meses lá e aí eu vi que eu não gostava, só que eu só sairia de lá se eu já tivesse outra coisa mais definida, que eu não queria sair e ficar desempregada no meu primeiro ano trabalhando. E aí eu lembro que, por uma coincidência, assim, a Endeavor é super pequena, mas na minha sala tinham outras duas pessoas que já tinham trabalhado lá e era uma vaga, que era pra mim, era exatamente o que eu fazia na editora, era uma coisa super específica, que era preparar propostas comerciais, fazer apresentação e tal. E precisava ter, minimamente, um senso estético, mas não era uma vaga de designer e tal, tinham várias coisas que eram muito a minha cara. E aí eu fui e acabou rolando, e lá eu já tinha uma ideia do empreendedorismo, pelo meu pai, de ver. Eu via o meu pai trabalhando, os perrengues. Eu vi todo o processo dele de construir a empresa, até dar certo, até virar. Mas tipo muito antes eu fui acompanhando perto e ele contava as histórias. Então ele foi uma das primeiras referências pra mim, de empreendedorismo. E na Endeavor eu comecei a sentar na mesa, assim. Então, eu estagiária até analista, mas muito nova, ainda na faculdade, eu tive a oportunidade de sentar e participar como ouvinte e fazendo notas de uma reunião de Conselho numa empresa. E aí eu ficava: “Nossa! É outro mundo”. Eu tinha a oportunidade de... eu fiquei responsável pela rede de mentores da Endeavor no Brasil. No último ano, estava levando os empreendedores pra China e eu indo pra China também. Então, eu, com vinte e poucos anos, tive a oportunidade de crescer rápido e ter um contato com a nata do empreendedorismo no Brasil, não de um lugar, que nem eu disse: eu estava muito mais sentada, organizando e ouvindo, mas eu estava num lugar de esponjinha. E lá tinha muito isso da gente, dos empreendedores conseguirem conquistar alguma coisa individualmente, mas gerarem emprego e multiplicarem isso em impacto pra futura geração de empreendedores, pro país e deixar minimamente um legado. Isso foi me inspirando e eu fui vendo que, nossa, antes eu achava: “Não, só vou empreender quando eu tiver saído como diretora de alguma empresa, porque só aí eu vou ter, minimamente, uma experiência. O que eu, com vinte e poucos anos, vou empreender? Como assim, né? Não sei nada”. E aí eu comecei a ter contato com histórias incríveis, histórias de negócios com propósito, que começaram do nada, sem ter muita noção do que aquilo ia levar, né? Esses grandes cases que a gente ouve no Brasil, sei lá, uma Natura, começou um dia com ele vendendo numa portinha. A Amazon começou vendendo um livro. Então, estar, um pouco, no backstage desses negócios, falando palavras em inglês, jogando palavras de brainstorming etc, me fez entrar nesse mundo que eu contei a minha história. Ninguém sabia, a minha mãe não sabia o que eu fazia direito (risos). O meu avô, quando eu fazia Publicidade, até entender que não era Jornalismo, demorou. Ele me dava livros, todo final de semana ele me dava uns livros, assim, com dedicatória e era umas dedicatórias assim: “Marília” e aí eram uns livros, sei lá, Foucault. Umas coisas super densas e complexas. E aí ele falava: “Fulano foi referência no século tal, espero que seja útil. Se não for, você desconsidere”, aí José tal e a data. E era uma biblioteca sobre jornalismo, que ele achava... Antigamente era misturado Comunicação, depois você decidia se era Publicidade ou Jornalismo. E aí eu acho que ele... eu fiquei pensando na minha colação, eu os levei na minha colação. Eu falei: “Gente, vai ser agora que meu vô vai descobrir que eu fiz Publicidade, que está sendo enganado por todos esses anos”. E, na época da Endeavor, por mais que, por exemplo, em casa, meu pai era empreendedor, mas antigamente não tinha muito essa visão assim, né? Pelo menos no Brasil, há trinta anos, essa ideia de startup e de negócios de alto crescimento, não era muito falado. Então quando eu comecei: “Ah, você trabalha na Endeavor? Empreendedorismo, startup. Sim, o que você faz?” e eu lembro que a minha mãe perguntava: “Ah, Má, mas o que você faz no dia a dia?” E aí eu tentava explicar tudo, ela: “Nossa”. E eles não sabiam o que eu estava fazendo, mas eles viam que eu estava feliz e achavam que era legal, e com o tempo eles foram entendendo. E agora eu empreendendo, é um pouco disso também, né? Eu ficava - antes de lançar a Lilit - trabalhando. Eu fiquei fazendo pesquisa, estudando e minha mãe via: “Mas, Má, o que você está fazendo, assim? Porque, o que é, o que você faz?” Então, tem um pouco disso, de um lugar que não é óbvio porque, sei lá, talvez, se eu tivesse continuado na carreira que eu comecei lá, seria mais óbvio, mais simples de entender e tudo mais, mas as minhas experiências com emprego foram assim: esse lugar de, com o tempo ir ficando confortável e vendo o que eu queria, também foi tirando um pouco desse peso do começo, que eu tinha, dessa tensão de dar certo e de, enfim, conseguir as aprovações e promoções e ser selecionada. Eu fui vendo que, se eu estivesse muito comprada pelo que eu estava fazendo, as coisas viriam, que eu precisava encontrar esse lugar de fato, que eu queria muito, uma coisa que eu quero muito fazer, que eu sou comprometida, eu vou fazer bem-feito, mas é difícil. Então esse processo de entender o que, de fato, eu queria fazer, foi e está sendo, assim, um processo mesmo, uma jornada.
P/1 - E, Marília, como foi tomar a decisão de sair da Endeavor? E você consegue identificar os principais motivos que despertaram essa vontade de empreender e como foi te levando pra esse nicho de sex tech?
R -
Eu estava na Endeavor já há três anos, e eu comecei a - foi até em algumas rodadas de feedback, assim - a perceber que não sabia muito bem o que eu queria mais. Eu já estava ali de próximo passo. E aí eu me reunia com os meus gestores, os gestores falavam: “Nossa, mas o que você quer na Endeavor no ano que vem e tal”? e eu ficava: “Não faço ideia, não sei o que eu quero fazer”. E aí, eu sempre, quando... acho que lá no fundo eu sabia, assim, mas faltava coragem. E aí, eu sempre vou muito pra esse lugar: “Eu não sei, eu não tenho a resposta”. Às vezes eu não consigo interpretar, mesmo. Eu precisava de tempo e mais disposição pra me cavoucar um pouco mais e encontrar essas respostas. E aí eu comecei a ver que, de fato, eu não estava, eu não tinha certeza assim, nem uma pista, na verdade, não era nem certeza, estava bem uma névoa, eu não sabia muito bem o que eu queria fazer. E aí, isso é uma pontinha do iceberg, né? Eu ficava: “Nossa, não é sobre o que eu quero fazer, mas quem que eu sou mesmo, o que eu gosto, o que me dá tesão, assim, na vida? Qual que é a minha cor preferida?” E aí foi pra um lugar muito mais, tipo de verdade, lá no fundo, assim: “O que eu tô fazendo com tudo isso?” E eu sempre tive isso, de ter todos os meus privilégios, que não foram conquistados há muito tempo, sabe? A minha mãe não teve isso, as minhas avós. Parece muito tempo, mas assim, a minha avó materna não sabia ler e escrever. Olha onde eu tô assim, esse acesso que eu tô tendo e o que eu tô fazendo com isso, sabe? Eu tô gastando só aqui, tô gastando esse espaço e respirando, o que é que tô fazendo de diferente? Então veio muito esse lugar de propósito, que obviamente eu só consigo acessar por já ter comida na mesa, eu tinha tempo pra ter crise existencial. E aí eu comecei a me questionar nessas coisas assim, tipo: “Puts, eu tô num lugar superlegal, faz muito sentido assim, a Endeavor. Eu tenho essas oportunidades muito loucas, que eu acabei de sair da faculdade e os meus amigos tipo... assim, faz sentido onde eu tô, é legal. Por que eu não tô pulando de alegria, por que não é isso?”, sabe? Eu já estava no final daquele checklist, que é: ah, você cresce, você faz escola, aí você vai pra faculdade, aí você sai da faculdade e você começa a trabalhar. E aí? Tipo: se você não morrer antes disso, você não ter nada precoce, o que é o checklist? Eu não tinha me preparado muito pra essas viradas de página do meu caderno, do ‘tem que’ fazer, estava meio vazio. E aí foi esse momento, de tipo: “Então, não faço ideia, preciso entender o que é”. E aí eu fiquei procurando respostas e eu fui, enquanto eu não encontrava a certa, me enganando com as erradas. Então, eu falava: “Ah, não, então eu acho que o futuro é a tecnologia. Eu preciso trabalhar com tecnologia. Então vou atrás de empresas de tecnologia aqui, pra conversar. Quero trabalhar numa empresa de tecnologia”. Não tinha nada a ver, assim, mas eu precisava achar que era alguma coisa e testar. Então eu fui me questionando, fui fazer psicanálise, porque eu comecei a entrar nesse lugar de: “Então eu não sei quem eu sou e porque eu sou. O que é que eu vou fazer?” E eu acho que eu fui só indo e me ajudou muito a dar voz, narrativa pra essa história e falar em voz alta, se ouvir. Muito poderoso, que eu continuo fazendo e quero fazer pelo resto da minha vida, que eu acho que me ajuda muito, muito, muito, muito, muito. E, ao mesmo tempo, eu, na Endeavor, sempre fui... acho que até na psicanálise eu fui resgatando esse lugar da minha infância, de curiosidade, pra falar de sexualidade. Eu me via muito como uma mulher bem resolvida, assim. Não, porque eu tive um livro de educação sexual quando eu era criança. Tipo assim: eu não sei das coisas, sabe? Eu não tenho nada pra resolver com isso, sabe? Eu tenho intimidade com o meu próprio corpo, tô numa relação ótima, há doze anos, com o Marcelo e nossa, sério. Não tenho o que falar da minha sexualidade, não tenho nada pra trabalhar isso, eu tô muito bem resolvida. E aí eu fui vendo que não era assim, né? Tipo assim: coitada. Não tem como ser bem resolvida, só se eu fosse um ET. E aí eu fui, principalmente, vendo que esses meus questionamentos de quem eu era, era muito que mulher eu era. Então: “Eu sou mulher, é isso? Eu virei mulher, assim?”, sabe? Eu tinha aquele: “Taí, eu tenho vinte e pouquinhos anos, menstruei, tãnãnã, tenho essa relação e tal. Então é isso aqui que é?” E aí, é aquilo do: você se torna mulher, da nossa Simone, maravilhosa. A gente vai percebendo e eu já tinha essas pistas, assim, eu tinha essas pistas que saíam no trabalho, mas de fato mostravam que as coisas não estavam bem resolvidas, como eu achava que estava. E aí eu acho que eu fui começar a estudar sexualidade muito pra mim, pra minha própria jornada, na análise. Então eu comecei a querer, de fato, ver o que eu desejava e o que eu queria. Será que eu não sabia, mesmo. Será que eu não tinha coragem? Será que eu não sabia o que eu realmente queria e desejava? E começar a olhar muito desse lugar assim, íntimo pra mim, porque me dava tesão na vida, sempre com essa visão de sexualidade muito maior do que a relação em si. E, ao mesmo tempo, eu estava na Endeavor, com a oportunidade de ter contatos com muitos empreendedores e eu tinha um pouco essa visão de negócio. Então eu já tinha tido uma experiência mais nova de entrar num sex shop e de comprar um vibrador e de me sentir super esquisita e parecia que eu estava fazendo alguma coisa errada, estava traficando alguma coisa, de eu entrar e ficava morrendo de vergonha. Aí vinha aquela vendedora e aí eu comprei o produto, aí eu usei o produto, aí foi horrível, assim, eu falei: “Nossa, não é pra mim isso aqui”. E aí já tinha tido essa experiência ruim, assim, mais frustrante e, de um outro lado, com essa visão de negócio, comecei a falar: “Meu, não é possível, olha o tamanho desse mercado. Olha, 30% das mulheres do Brasil já consumiram vibrador e ninguém fala disso”. E a gente já tinha, há uns dois, três anos atrás os dados do que a gente chama de pleasure gap, que é desigualdade do prazer na relação entre pessoas com vulva e pessoas sem vulva, entre homens e mulheres, resumindo, principalmente cisgênero e heterossexuais, que é: as mulheres não sentem prazer, mesmo tendo o único órgão do corpo humano dedicado ao prazer, que é o clitóris. Aí,eu comecei a trabalhar na Endeavor de manhã e à noite eu lia essas pesquisas e ficava: “Mano, nossa, não é possível”. E eu ficava lendo e vendo as referências, começando a ver as empreendedoras, principalmente em outros países, criando negócios, empreendedoras muito bem formadas. Engenheira do MIT fazendo vibrador, porque já estava com essa cabeça de: não é só sobre o vibrador, não é um produto gostosinho e pra distrair e pra salvar sua relação. É um produto de bem-estar e de saúde, porque as mulheres não estão sentindo essa potência que, quando a gente acessa no quarto, na relação, abre chaves, assim, pra nossa vida. Quando a gente não aceita essas migalhas no sexo, dificilmente a gente fica aceitando as migalhas nas outras áreas da nossa vida. E aí eu comecei a ficar indignada. A Lilit nasceu de uma indignação. Eu lembro que eu trabalhava e tinha na Endeavor sempre um time muito feminino, até as lideranças. Na minha época, de cinco lideranças, quatro eram mulheres, mas era um time muito jovem. A maioria eram mulheres que não tinham filhos, mulheres muito privilegiadas, de uma bolha, de Pinheiros e uma rede muito masculina. Então os cases de negócios, eram negócios muito grandes, que já estavam dando certo e a maioria eram liderados por homens. Então começou a me incomodar, né? “Nossa, mas o que está acontecendo aqui? Ninguém está falando. Tem um negócio aqui, que não estão falando por medo, por tabu”. E aí começou a me interessar muito e aí começou muito, mas eu não sabia que eu ia trabalhar com isso. Então começou muito um tema que me interessa, que eu estudo de vez em quando, só que aí eu comecei a conversar com as minhas amigas e ver que, tipo assim: “Nossa, tenho vinte e poucos anos e eu não sabia que vulva era vulva. E eu não sabia que a anatomia do prazer, o nosso corpo, né?” Se você me perguntar: “Marília, desenha um rim”, desenha um feijão, o rim é meio isso. “Ah, Marília, desenha um intestino grosso”. E aí, se você me falasse: “Marília, desenha um clitóris, onze centímetros, com as cruas, com o corpo cavernoso”, eu não ia conseguir desenhar um clitóris, que é um órgão do corpo humano, que a gente descobriu no começo dos anos 2000 e eu comecei... assim, esse incômodo eu comecei a pensar: “Não, não é possível, será que só eu?” Assim, todos esses acessos que eu tive, eu nunca tive acesso a essa informação? E aí eu fui a conversar com as mulheres à minha volta. Eu conversava com a minha chefe na Endeavor, na hora do almoço, sabe? “Fulana, escuta aí: você sabe o tamanho do clitóris, que é onze centímetros?” e ela falava: “Ah, não, achava que era uma bolinha e tal”. E aí eu ficava muito num lugar: se você sabia, por que você não me disse? Assim, pras mulheres, pras minhas amigas. “Cara, você sabia que chamava vulva?” E aí quando você abre espaço num lugar seguro, pra falar com intimidade, você percebe que as suas amigas estão tendo relação e estão chorando de dor, que estão tendo desconforto, que nunca sentiram prazer. E aí eu fico: “Será que quando eu fui feita, na relação dos meus pais, minha mãe sentiu prazer, será que...” e aí está entrando numa questão de um interesse muito meu e eu ver que não é só meu, assim, é uma dor muito compartilhada. Então como eu poderia ser uma mulher bem resolvida, porque eu me auto estimulava, tinha uma relação e já tinha sentido prazer, se eu não sabia nada disso, né? Não tem como, a conta não fecha. E aí eu conversava com as mulheres do meu trabalho, por exemplo, e eu via que elas também não sabiam. E eram mulheres inteligentíssimas, com acesso, fazendo, acompanhando, fazendo curso em Harvard, que não se olhava no espelho, e que numa relação sentia desconforto. Sei lá, vários casos assim, conversando com amigas minhas da infância. E aí quando eu conversava com as mulheres mais velhas, com a minha mãe, quando eu conversava com a Marlene, que trabalha na casa da minha mãe, ela não sabia também a anatomia do clitóris, não sabia o desenho. Então eu comecei a ver que era uma coisa que atravessava a gente, essas mulheres muito privilegiadas e as mulheres que estão com trabalho, assim, ganhando o salário mínimo, também não sabem. Por que isso? Isso começou a me indignar muito assim: em perceber que a gente colocar e resumir essa potência erótica, principalmente da sexualidade feminina, pra esse lugar de medo, tabu e vergonha, era uma forma muito violenta de controlar e da gente continuar com essa realidade, onde a minha educação sexual era pra eu andar no meio da rua, porque precisava ter luz. Que, se alguém me assediasse no ônibus, que eu já tinha que estar meio preparada pro que eu ia fazer, sabe? Então eu só quero falar disso, entendeu? Eu me apaixonei, eu comecei a perceber que me motivava muito, mas foi uma saída do armário. Eu pedi demissão pra empreender com sexualidade. E aí foi uma saída do armário, que não era tão de vidro, porque ninguém sabia muito desse meu interesse, além do Marcelo, que é meu companheiro. Então uma das principais perguntas que faziam no começo, era: “Nossa, Marília, mas o que seu parceiro acha disso?” O Marcelo é meu primeiro namorado e eu sou a primeira namorada dele, high school sweetheart, a gente começou a namorar na escola, estamos juntados e morando juntos há dois anos e há muito tempo. E a gente passou por muitas fases e ele foi uma das pessoas que, quando eu comecei a falar, eu nem lembro. Às vezes eu converso: “Como foi que eu falei? Que conversa foi essa que a gente teve?” E a gente não lembra muito bem, assim, só teve um dia que eu falei assim: “Olha, quero sair da Endeavor e eu vou empreender na Lilit e a Lilit vai começar como uma marca de vibrador, assim”. Não teve isso, ele foi acompanhando esse processo todo. E, assim, foi ele que me apoiou muito, ele que abriu a carteira e emprestou dinheiro, literalmente. Ele me apoiou em todos os sentidos possíveis e é hoje até quem me apoia, quem embalava os produtos comigo, quem ia buscar no fornecedor e eu vendi meu carro, né, pra empreender. E aí ele que me levava, assim. Então essa era uma das primeiras perguntas, eu tinha esse apoio em casa. E aí, além do Marcelo, eu tinha os meus pais, né? Então muitas mulheres perguntavam: “Nossa, mas você... não é algo que foi natural ir pra indústria erótica, não é que a sua família tinha empresa no ramo ou que...”, sei lá, como se fosse algo natural. Então, como que foi contar, né? E eu acho que eu encontrei um lugar, uma forma de me conectar, tanto com o meu pai, quanto com a minha mãe. Então, o meu pai é sempre... fora a explicação da anatomia e tudo mais, sempre foi uma conversa muito de oportunidade de mercado, de negócio, que é um fato inegável, que é um mercado bilionário, que as pessoas consomem os dados sobre violência. E comecei a explicar assim, foi uma oportunidade dele também comprar a ideia e me apoiar e falar: “Nossa, não”, apoiar incondicionalmente. E a minha mãe também, mas de um lugar muito mais como mulher, de eu enxergá-la como mulher, não só como minha mãe, que eu acho que, quando eu era mais nova, tinha uma coisa tipo: “Ah, não, é minha mãe e tal, mas qual que é a história dela”, né? Minha mãe se casou, se separou, teve filho, perdeu a Marina quando ela tinha um ano... um dia de vida. Então quem que é, a história dela? Então eu comecei a me interessar muito mais pelas mulheres da minha família. E hoje, a Lilit começou... e eu posso contar mais em detalhe da Lilit, mas ela começou muito de uma jornada íntima minha e começou a fazer sentido quando eu vi que era algo que a gente tinha em comum. E até hoje, conversando com as mulheres, eu faço entrevistas, né? Semana passada, estava conversando com quatro mulheres em reuniões por Zoom e eu continuo me impressionando pelo que me impressionava há um ano, que é um problema real a gente não olhar pra intimidade, como uma forma de bem-estar e saudável. E a gente tem mulheres incríveis, fortes, inteligentes, que estão aceitando muito pouco, e não têm acesso à informação que poderia mudar a relação delas com outras mulheres, com o próprio corpo. Então é um pouco disso: essa transição de Endeavor pra Lilit.
P/1 - Então, queria te perguntar como foi escolher esse nome, tem alguma simbologia por trás? Por que Lilit?
R -
Tem, Lilith é o mito da primeira mulher do mundo criada, assim como o homem, do barro, à semelhança de Deus. E é um mito. Então, dependendo, uma mesma história pode ser contada de várias formas, né? Algumas pessoas falam que ela é serpente, que é o demônio. E, pra gente, ela é o símbolo da primeira feminista, da primeira mulher livre, que não aceitou menos, assim. Tem alguns trechos da história, que mostra que Lilith foi a primeira esposa de Adão e ela não aceitava ficar abaixo na relação sexual e abrir mão dos próprios desejos. E aí ela foi expulsa. A gente fala que ela voou e saiu por vontade própria do paraíso. E aí veio a representação de uma mulher pra ajudar, uma ajudante, pra auxiliar parte que saiu da costela e etc, que é Eva. Então, Lilith se escreve com H no final, né? A nossa marca a gente tirou o H, porque é L i l i t, é o símbolo da liberdade, da intimidade que a gente acredita, assim. Então a gente tem uma comunicação muito cuidadosa pra tentar ajudar a tirar esse erótico desse lugar muito estereotipado e muito superficial. Tem um texto que eu gosto muito também, que é outra referência, além de Lilith, que é um texto do uso do “[Usos do Erótico:] O Erótico Como Poder”, da Audre Lorde, que ela fala que o erótico é uma medida pra vida. É o quanto intensamente você vive e uma vez que você acessa essa potência e você sabe, de fato, que você é capaz, é como se fosse antigamente, vou dar exemplo de uma manteiguinha, na época da guerra, que era uma manteiga e tinha uma cápsula de óleo. E aí você fura o óleo pra misturar com a manteiga e ela fala que a nossa potência erótica é como essa cápsula, que ela transborda e invade pra nossa vida toda. Então acho que Lilit é símbolo de liberdade, antes de qualquer coisa e a gente começa falando na nossa marca, dessa liberdade sexual. Mas porque a gente acredita que ela é ferramenta pra nossa liberdade como indivíduo.
P/1 - E, nesse início, como foi esse momento de pesquisa? Como você desenvolveu isso? Como foram essas descobertas? Entrevistas que você fazia com mulheres? Como foi esse momento?
R -
A gente sabia que a Lilit ia começar como uma marca de vibradores, e a gente queria desenvolver os nossos próprios vibradores e precisava ser de uma forma coletiva e ouvindo outras mulheres, porque a gente sabia que a nossa experiência era muito restrita e limitada, pra gente conseguir, de fato, resolver um problema que é muito grande e é extremamente democrático, como eu disse, que é a falta de intimidade que a gente tem com os nossos próprios corpos. E aí a gente começou fazendo pesquisas online, em formato de questionário, com milhares de mulheres e foi um primeiro momento “Aha”, assim como empreendedora, porque eu lembro de ficar emocionada lendo as respostas, porque a gente mandou um questionário, conseguiu uma ajuda pra divulgação, mais de três mil mulheres responderam. E eram perguntas extremamente íntimas, que provavelmente aquelas mulheres não tinham compartilhado com ninguém próximo, com nenhuma amiga, com ninguém da família, que tinha a ver com que elas desejavam, o que elas sentiam falta, como elas se comportavam na intimidade, quais que eram as práticas de autocuidado e de prazer. E elas compartilhavam isso em formulários online, que ajudou e direcionou muito a gente pra produção de conteúdo e criação da marca, em si. E também a gente começou fazer pesquisas que eram como quiz, assim: será que as mulheres conseguem identificar e nomear as partes do corpo? A gente teve dados alarmantes, que mostrava que a maioria de nós não consegue identificar por onde que a gente faz xixi e por onde que sai a menstruação, que normalmente tem essa confusão. E a gente foi pegando vários insights de pesquisa pra modelar o nosso modelo de negócio e também pra desenvolver produto. Então a gente começou a desenvolver produto com uma designer industrial brasileira, com impressão 3D, em parceria com um time de engenharia do nosso fabricante, que fica na China. 99% das fábricas de vibradores hoje ficam na China, com exceção de uma, que fica na Alemanha. E aí foi um processo muito lindo, que eu acho que o principal momento que eu quero lembrar por muito tempo foi o momento de teste de usabilidade desses vibradores. Então, a gente fez um protótipo funcional e trouxe outros dois modelos de vibradores pra testar e a gente selecionou dez mulheres: algumas eram médicas, fisioterapeutas, mulheres de idades diversas, assim. E essas dez mulheres ganhariam, numa tarde, uma aula de auto estimulação com uma terapeuta corporal e teriam a oportunidade de provar e experimentar os nossos vibradores. E foi uma experiência incrível, que acho que o principal aprendizado foi que não é sobre o produto, não é sobre os vibradores, que é sobre a capacidade que elas têm de sentir, sabe? Então, essas mulheres que chegavam com medo: “Mas como assim, eu vou entrar numa sala e testar vibrador? E alguém vai me ver?”, enfim. Elas ficavam individualmente com uma terapeuta explicando, uma aula sobre anatomia, basicamente, individual e a terapeuta... a principal preocupação de todas era elas ficarem sozinhas no momento que elas iam testar os vibradores. E aí, pra minha surpresa, das dez que a gente entrevistou, nove pediram pra terapeuta continuar na sala e mostrar como elas se auto estimulavam com vibrador e tirar dúvidas práticas, assim, né? “Como que faz? Onde que coloca?” E aí as nove pediram pra ela continuar na sala e, no final, quando elas falavam comigo: “Ai, Marília, o vibrador é superlegal, é uma ferramenta, mas assim, você sabia que eu sou capaz de sentir assim? Eu tive alguns orgasmos, não sabia que era isso. É isso?”, então o que é o orgasmo e elas saíram muito mais contentes e impressionadas com que elas tinham capacidade de sentir. E, assim, é um tipo de experiência que você não consegue ‘desver’, uma vez que você sente e sabe até onde você pode sentir e transbordar, você não consegue, depois, se acostumar com menos e sentir aquilo. Então foi uma das experiências mais legais que hoje, no dia a dia do negócio, depois que a gente lançou, vendendo produto, desenvolvendo novos produtos, pensando nessa experiência que foi pré pandemia, a gente lançou no meio da pandemia, que a gente não ia conseguir fazer esses experimentos pessoais. A gente tem feito outras pesquisas, por videoconferência, por call e é incrível, acho que me dá um pouco o gostinho da motivação que eu queria sentir no começo dessas conversas e de perceber o quanto que tem problema pra resolver. Porque, no final do dia, eu acho que a Lilit não ia existir se não tivesse tanto desafio assim, ela não precisaria existir se o que a gente deseja já tivesse sido conquistado. Então, ter essas conversas, principalmente com clientes atuais, mostra que a gente tem conseguido, uma mulher de cada vez, devagarzinho o passinho. E que esse é o começo dessas outras marcas grandes, né? Elas começaram assim: uma de cada vez e ouvindo e essa proximidade, é uma proximidade assim: “Não sei se eu vou conseguir manter por muitos anos, mas agora eu posso” e tem várias coisas boas de ser pequeno e essa é uma delas: conversar. Então esse processo de pesquisa foi muito legal.
P/1 - E por que desenvolver um próprio produto visando o bem-estar feminino? Por que o próprio?
R -
A gente tem várias marcas já conhecidas, consolidadas, de vibradores e a gente poderia muito bem ter aberto uma loja, por exemplo: um sex shop, que tem sex shops incríveis liderados por mulheres, que fazem uma curadoria de produtos e olham pra esse lugar como lugar de educação e de comunicação muito potente, que é muito importante, mas a gente sempre se inspirou muito em negócios que eram criados pela comunidade, né? Uma marca que tem uma base da própria comunidade, que consegue conversar com elas e pegar, de fato, fazer pesquisa, fazer insights pra desenvolver os próprios produtos, porque é diferente. Quando você desenvolve e conecta de um lado os consumidores e de outro lado, direto, a fábrica, é muito mais fácil de você fazer as mudanças que você gostaria de fazer. Então, por exemplo: a gente começou, por causa de todas as dificuldades da pandemia, de um jeito mais simples que a gente poderia ter começado. Então, a gente sabe que a primeira experiência com vibrador, normalmente, é muito frustrante. E a gente gostaria de criar uma experiência muito mais legal, muito mais educativa de introdução desses produtos, sem focar neles e focando na educação. Então qual é o vibrador mais simples que a gente poderia criar, pra gente focar de fato no que interessa? Porque a gente sabe que o vibrador, em si, você pode usar um vibrador e não olhar a sua vulva no espelho, não conseguir se tocar com a mão, em continuar num relacionamento abusivo e sair na rua e ser assediada. Então a minha primeira hipótese de que o vibrador ia acabar com o patriarcado, caiu por terra porque, no começo, eu estava tipo apaixonada pelo produto: “E é isso e todo mundo precisa ter o vibrador e tudo mais”. Conforme eu fui entendendo mais e vendo, de fato, o aspecto técnico com que faz esse produto, fez muita diferença ter mulheres desenvolvendo do outro lado e não só com a barriga no balcão e vendendo. Porque a gente sabe de vários vibradores que ganharam prêmio de design e não tinham, na banca, nenhuma mulher que experimentou de fato os produtos, que eram produtos lindos, com estética perfeita, que parecia anatômico. Se não fosse a gente do outro lado, se não fosse a gente produzindo os produtos, estudando e, de fato, conquistando esse conhecimento, a gente não teria descoberto a anatomia do clitóris, sabe? Foi preciso uma mulher, uma urologista australiana, no começo dos anos 2000, pra fazer o primeiro ultrassom numa mulher viva, pra mostrar a anatomia do complexo do clitóris, que é um órgão. Então eu acho que a gente precisa estar do outro lado e estar olhando para o desenvolvimento de produto e para pesquisa porque, infelizmente, senão a gente vai mais facilmente cair numa cilada de reproduzir o que a gente acha. Então, reproduzir, por exemplo, produtos que lembram um falo, que foquem na penetração, sem que a gente sabe que não existe, não tem comprovação científica de ponto G. Então se a gente não tivesse estudado, a gente não teria descoberto o clitóris e, se as mulheres não tivessem se envolvido no desenvolvimento desses produtos pra criar os próprios, a gente não teria desenvolvido os vibradores pro clitóris, que é o órgão do prazer do corpo humano. Então, a gente acredita nisso. Agora, começando, fica muito mais sutil. Então a gente desenvolvendo o nosso primeiro produto, a gente consegue escolher os padrões, a anatomia. Mais pra frente vai fazer cada vez mais sentido pra gente conseguir democratizar essas informações, fazer estudos sérios e ter um embasamento científico muito mais cuidadoso, que só a gente estando do outro lado, a gente vai ser capaz de ter empatia e se preocupar com esses detalhes, que não são detalhes.
P/1 - E, Marília, a Lilit vai além do vibrador, né? Eu queria saber o que representa pra você, oferecer conteúdo informativo, educacional, de temas tão importantes, que muitas vezes são tão negligenciados? E também oferecer espaço nas redes, na internet, pra justamente essa troca de experiências, oferecer diálogo e até [espaço] pra tirar dúvidas. Fazendo mesmo um convite à reflexão sobre esses temas, o que isso significa pra você?
R -
A gente está muito no começo, né? A gente tem um ano de marca e eu acho que, diferente de empreender em outras áreas, eu não posso me dar o luxo de falar sobre as dificuldades de se empreender no Brasil, no meio de uma pandemia, sendo uma empresa sem investimento externo, só mulheres, com uma fundadora mulher, mas eu nem entro - normalmente, quando eu falo dos desafios - nesse lado, assim. Normalmente, quando eu falo dos desafios, eu falo que a gente não consegue ter uma conta corporativa business no WhatsApp, porque a gente foi banida, por ser uma marca de vibrador. A gente não consegue escrever sexualidade no nosso Instagram, uma palavra censurada, porque cai num limbo de conteúdos que falam de sexo e pornografia, cai tudo no mesmo limbo, na mesma caixinha. E a gente não consegue ter uma liberdade pra falar sobre educação sexual. A gente, nesse primeiro ano de marca, com um único produto, entendendo como é ter um e-commerce e validando, fazendo as primeiras vendas e tudo mais, tem vários outros desafios, onde eu queria estar muito mais avançada nessa parte de educação, do que fato a gente está. Porque ainda tem muita coisa pra fazer. Mas, quando eu digo que a gente, em pesquisas, percebeu que não é sobre o produto, o produto é uma partezinha da solução, que de fato o maior desafio é como a gente faz pra replicar esse ambiente seguro, onde uma mulher se sente à vontade de perguntar pra outra, como que ela faz pra sentir prazer, o que é a anatomia, como que usa o vibrador, porque só assim ela consegue ter repertório pra acessar a potência dela e isso vai respingar pra todas áreas da vida dela. Eu tô falando muito mais desse lugar de a gente precisa replicar em comunidade, incentivar essas conversas, dar informação. Então, a gente, de fato, tem o vibrador e é muito simplificado quanto a gente fala: “Ah, a gente é uma empresa de vibrador”, porque eu acredito que a gente é uma empresa de intimidade e a gente quer, cada vez mais, olhar pra esse lado de educação, com tanto carinho. Mas é importante, porque o pouco que a gente já faz, faz muita diferença. Então, a gente ouve, por exemplo, feedbacks de mulheres que se sentiram à vontade comprando pra elas, mulheres mais jovens e como é uma marca que traz essa conversa pra sala, que não é uma coisa que você tem vontade de esconder e você precisa se fantasiar, pra se imaginar usando, é uma coisa mais simples do cotidiano, elas se sentem à vontade em voltar e comprar pra mãe, presentear a mãe. A gente tem mães que compram e voltam e presenteiam as filhas, porque tem um pouco disso e é um pouco do que fez a Lilit existir. Quando a gente acessa e a gente sente na gente, tipo assim: “Ah, era isso, é isso que é ter intimidade com o próprio corpo, é isso que é prazer, eu entendi, né?”, a gente tem vontade de voltar e compartilhar com outras mulheres. Eu ouço muito isso. E a gente quer ser esse espaço pra compartilhar essas informações reais, essa jornada de outras mulheres. Então, a gente já faz um pouco de conteúdo pro blog, Instagram, essas conversas, essas pesquisas que a gente faz. E é tão importante, porque a gente sabe, de fato, que a gente não vai resolver o problema com vibradores, fica muito mais simples e talvez mais divertido, se a gente conseguisse resolver os problemas só com os vibradores, a gente já teria resolvido porque já tem muitas opções. Então, a gente acha que a diferença vai ser esse lugar de educação, assim. E a gente percebe, nesse primeiro ano da Lilit, a idade média de clientes, são mulheres de trinta e nove, quarenta anos que consomem. E é uma surpresa, que a gente começou muito mais falando com público de vinte e poucos anos, trinta anos, que eram a nossa idade, quando a gente estava fundando. As amigas eram as primeiras pessoas que tinham que sentar na mesa e ouvir eu falando, apaixonada sobre o tema. E a gente percebe, por exemplo, que a gente consegue chegar pra essas mulheres numa relação muito mais madura com a intimidade, que nunca tiveram esse espaço pra falar com naturalidade e seguir uma página do Instagram que dê informações, que mostre a anatomia do clitóris. Então, eu espero que, assim, nos próximos anos a gente evolua muito mais, mas a gente já percebeu que a gente não vai chegar no nosso propósito, se a gente não olhar pra esse lugar de ressignificar. A gente conversa com as mulheres, um último exemplo, foi muito bom, eu estava conversando semana passada com uma delas e ela falou assim... eu falei: “Onde você guarda o seu Bullet Lilit, o seu vibrador?”, ela falou: “Eu não guardo, eu coloco no meu altar”. E aí eu dei muita risada: “Como assim”? Ela falou: “Não, eu comprei a ilustração de uma artista e aí eu coloquei com outro óleo, de outra marca nacional, que é a Feel, de uma mulher que está empreendendo outra marca pequena, assim, incrível. Coloco do lado do meu lubrificante da Feel e tal e fica ali”. E aí, resumindo isso de conteúdo e da educação, ter essa importância de ressignificar. A gente aprendeu tanto que sexo é uma coisa que não é sexo, que a gente precisa quase que ressignificar a experiência toda, pra gente conseguir acessar de um lugar onde a gente fique em paz, sabe assim? A gente ouve de mulheres que quando elas estão sozinhas no quarto, se auto estimulando, elas ficam com medo de ter alguma câmera filmando-as, no quarto delas, na casa delas. Então é de um lugar tão machucado, assim, que a gente está falando, que é importante a comunicação ser diferente. É importante chamar de ritual, é importante sim falar que é autocuidado, porque dá permissão do tipo: “Ah, não, então não é isso?” Que é uma coisa que eu vejo meus pais, minha mãe, quando fala: “A Marília tem uma marca de vibrador, mas não é vibrador, vibrador. Não é sex shop, sex shoooooop assim. É um negócio diferente”. Então eu sinto que essa comunicação e esse posicionamento diferente dá licença pra gente começar com uma página um pouco mais em branco, com um pouco mais de espaço pra gente colocar os nossos desejos.
P/1 - Você já deu uma cantada na bola, que os desafios foram vários. Se você quiser falar um pouquinho sobre isso, quais foram os principais desafios que você encontrou nesse caminho?
R -
Os desafios foram vários e eu também tive várias facilidades. Então, aquela história: eu tinha um carro pra vender, pra empreender, sabe assim? Eu tinha dinheiro que me emprestaram, pra eu começar. Então, eu acho sempre bom lembrar que eu não acredito nisso, que eu comecei do zero e que foi muito desafiador e eu fui com um facão abrindo mato. Talvez a minha avó tenha ido com um facão. E a minha mãe, um pouco menos. Eu já fui, eu já estava muito mais trilhada, eu já estava asfaltada, já estava andando de carro. Então é sempre bom lembrar isso. Mas, assim, tem dificuldades. E, pra mim, as dificuldades ainda ficam nesse lugar de se falar de sexualidade feminina. Então, quando foi no momento de eu pedir demissão, eu lembro a primeira pessoa que eu consegui falar em voz alta, tipo assim: “Eu não sei o que eu vou fazer direito, mas você já ouviu... você sabe o que é sex tech”? Eu sempre começava assim. É do tipo: aquelas ligações de telemarketing ou aquelas pessoas que ficam na Paulista, falando: “Você gosta de criança?” Que aí você fica, né: “Como assim? É óbvio que eu gosto de criança, não sou um monstro”. Então eu começava as reuniões assim e isso me ajudava muito: “Você já ouviu sobre sex tech? Você sabe o que é sex tech?” E aí ia de novo pra esse lugar de ressignificando, tipo assim: “Então, olha esse movimento que está acontecendo no mundo, olha o tamanho, olha esses números, não é a indústria erótica tradicional”. E aí me protegeu um pouco dos desafios, mas os desafios vieram. Então, eu recebi desde convite pra jantar, aí eu ficava: “Nossa, fazer reunião, um jantar? Esquisito”, mas aí validava com pessoa que trabalhava comigo: “Vocês acham que tem problema?” “Não, imagina, vai. Tipo: natural e tal”. E aí, eu chegava lá, era um cara querendo saber porque eu tinha tanta dificuldade pra gozar, a ponto de abrir uma empresa sobre isso. E aí querendo saber da minha intimidade. Então sempre fica uma linha, assim. E aí eu fui aprendendo a como eu consigo falar sobre intimidade, sem falar da minha intimidade e colocar esses limites do que é assédio e o que não é. O que é um interesse legítimo sobre o problema, tal. Então tiveram esses primeiros desafios, de eu falar e aí, quando eu falar, entender essas respostas tortas e falar assim, tipo: “Não, espera aí, isso não tem nada a ver, o que você está falando não é legal, não é por aí”. E aí, os desafios, também, mais de negócios. Então isso de não conseguir provar ou você não conseguir falar com naturalidade. Dependendo de com quem você está falando, a pessoa fica super sem graça e, de fato, não entende o problema. Tudo vira uma questão, quando você trabalha com vibrador. Então você vai fazer uma reunião ou você vai abrir uma conta no Banco, eu lembro que eu tive muito problema pra abrir uma conta no Banco e pra contratar câmbio, pra fazer importação e toda essa parte burocrática do começo da empresa, eu ia no Banco semanalmente pra resolver. E aí era tipo: “A menina que quer vender vibrador, chegou no Banco”. E aí na hora de fazer o cadastro, eles sempre: “Ah, e qual é o ramo, quais são os produtos?” “Vibradores”. Aí, eles ficavam: “Aqui ó, essa menina que faz o vibrador”. Sempre foi uma questão. Você vai contratar um fornecedor de logística e aí vira piada e tal. Então, tem essa barreira cultural, que se não tivesse isso, eu não estaria precisando fazer isso. Ó, tá vendo, é por isso que eu preciso, né? (risos) Não estava lidando mais uma vez aqui, o quanto é um assunto ainda super tabu. E aí, o que me ajudou, foi lembrar que é uma coisa natural, assim, que a mesma pessoa que se sente muito desconfortável, dá risada e não leva a sério, é uma pessoa que tem intimidade e que provavelmente tem vários desafios, que às vezes consome esses produtos. O conteúdo mais consumido da internet é pornografia. Então era muito mais o jeito que eu estava falando, que gerava assim um estranhamento, mas precisava ser falado. E hoje eu tô percebendo que, por falar e ter várias empreendedoras como referência no Brasil, que estão falando, é um assunto que está muito mais em pauta. E aí, acho que com o tempo vai gerando menos estranhamento e quem sabe a gente consegue diminuir um pouco esses desafios pra gente conseguir focar nas questões fiscais de empreender, na entrega, na logística do Brasil, nesses outros desafios também, que de fato pegam pra gente, também.
P/1 - E os aprendizados dessa sua trajetória?
R -
Eu acho que o principal, nesse momento, que eu tô sentindo, tem muito a ver com o aprendizado no começo. Eu acho que eu tô percebendo que numa empresa pequena, a forma como eu tô comigo, impacta diretamente no negócio. Se eu tô desanimada, se eu tô mal, se eu não tô tão motivada, isso impacta diretamente na Lilit. É muito louco quando a empresa ainda está muito... não tem um time muito grande, não é uma empresa, um negócio gigante, que já tem processos. Então, como tudo, muito está sendo construído, eu sinto isso, que é cada vez mais eu vejo quão importante eu lembrar, tipo, apagar assim o barulho e lembrar, de fato, de mim e porque eu tô fazendo isso, pra não esquecer. Outra coisa é um pouco do que me trouxe no começo, assim, que é o quanto que... eu não precisava, eu poderia continuar trabalhando na Endeavor, trabalhando em outras coisas. Tem uma parte boa de eu conseguir tomar decisões e a Lilit não existe, ela está sendo criada. A minha cunhada de onze anos, assim... onze anos não, treze anos, fala: “Mas a Lilit não existia? Você que criou?” “É, mais ou menos isso”, aí ela: “Como assim você criou?” E ela fez essa pergunta, eu achei engraçado e é um pouco disso, sabe? Ela não existia. Eu posso ter a liberdade de ir aprendendo junto e vendo que, puts, o que mais faz sentido é a educação. Qual é o formato que faz e ir testando. Então isso de ser mais orgânico e ter menos um formato, nesse checklist, é uma coisa que, sabe, nesse meu caderninho, a primeira página era um checklist. Na segunda, era aquela página em branco, de desenho, que aí eu tô desenhando agora, um pouco mais livre pra mim, também. E um terceiro aprendizado, é que eu falo pra me ouvir e eu não posso esquecer isso, que assim, eu não tô nesse lugar de bem resolvida, eu continuo estudando, fazendo psicanálise, tô começando uma especialização em sexualidade. Continuo nesse lugar, porque esse tema é caro pra mim, porque eu tô nesse processo junto. Então a Lilit foi uma desculpa pra eu continuar muito próxima e podendo falar 24 horas por dia de um tema que eu sou apaixonada e me interessa. Então são esses três que eu listaria.
P/1 - E como foi, pra você, a experiência de começar a empreender, de oferecer esse nascimento da Lilit, lançar durante a pandemia?
R -
No começo, eu me questionava muito do quanto que eu deveria estar falando de prazer, numa pandemia e, assim, que não era o momento. Então eu já estava com as coisas do negócio mais adiantadas, pra lançar. Eu sou uma pessoa mais perfeccionista, que eu fiquei na caverna, fiquei um ano desenvolvendo produto, fazendo pesquisa, lançando a marca. Não saí fazendo, assim, que é uma coisa que falavam muito mais pra mim, do tipo: “Já vai lançando, vai fazendo”, mas era um ano muito meu. Eu precisava daquele um ano e poderia ter sido diferente, poderia ter sido mais rápido, mas foi desse jeito e eu não me arrependo. E aí a gente já estava desenvolvendo produto e com fornecedor na China. Então, as fábricas pararam lá primeiro. Eu já estava com visto pra ir pra China, porque eu tinha ido no ano anterior, pela Endeavor. Então eu estava planejando em março ir pra China, pra visitar fábrica e tudo mais e terminar o desenvolvimento do produto lá. E essa virada de chave de entender, tipo assim: “Tá, as fábricas estão paradas. A gente não vai conseguir lançar um produto que a gente estava desenvolvendo, com um design totalmente autoral. Mas a gente consegue lançar um produto mais simples”. E aí veio a ideia do primeiro vibrador e aí veio o Bullet Lilit, pra gente não deixar de lançar. E aí, ao mesmo tempo, essa minha preocupação de como a gente está em luto, a gente está num lugar, numa pandemia, como a gente vai falar de prazer? Sim, pra minha surpresa, nunca se vendeu tanto vibradores no mundo, nunca se falou tanto de bem-estar sexual e virou hype. Assim, as pessoas estão falando, estão entendendo, os grandes veículos querem falar sobre o tema, os grandes varejistas querem vender vibrador. Assim, foi muito rápido. Então, teve sim os seus desafios, a gente trabalha só por videoconferência. As meninas que trabalham comigo, eu não sei a altura delas, porque eu só as conheço assim. Nunca toquei. Não sei, assim, elas podem ter um pezão ou um pezinho. Eu não faço ideia porque a gente se fala só por vídeo, mas ao mesmo tempo não foi impossível, assim. E pessoalmente acho que me ajudou, porque eu coloco muito a minha libido no trabalho e eu ficar assim, isolada, sem ter família, sem ver amigos. Eu fiquei três meses sem ver o Marcelo, meu parceiro, porque eu fiquei isolada com os meus pais. E aí depois que eu vim pra ficar isolada com ele e tal. E aí foi muito doido, porque eu fiquei muito mais focada e colocando a minha energia na Lilit, em criar alguma coisa que eu amo e eu já tinha tido crise existencial antes. Então eu acho que foi um timing que me ajudou um pouco, no sentido de eu conseguir respirar e ver uma luzinha lá no fundo do túnel, que era a Lilit. Claro que foi angustiante e que gera um momento de desespero. Eu lembro que um dia antes de lançar a Lilit, eu fiquei chorando: “Não, não vai dar certo. Não e o preço, ninguém vai querer comprar, tãnãnã”. E, assim, só foi porque estava programado automaticamente o lançamento, porque apertar o botão mesmo, eu já estava: “Vai dar tudo errado, onde eu estava com a cabeça?”, sabe? Então tiveram vários momentos de desespero e isso agravou, [por] ser na pandemia. Mas eu fico feliz que eu não tenha deixado na gaveta, e que eu tenha insistido, porque agora a gente está num momento muito mais de esperança, de ver as pessoas se vacinando, de ver as pessoas saindo, né? Deveria estar começando a sair agora, mas a gente está vivendo um movimento de esperança. E a Lilit já vai fazer um ano. Então agradeço não ter esperado.
P/1 - E como foi esse momento da concretização, de poder colocar os vibradores na caixinha e enviar? Você lembra dessa sensação?
R -
Lembro. Eu trabalhava em ONG, né? Então eu lidava - tinham experiências super difíceis - eu lidava com experiência também, dos públicos-chave. Então eu já tinha lidado com o público e visto esses desafios, mas a Lilit era tipo, as pessoas estão abrindo a carteira e estão pagando, sabe? E, assim, todas as questões de segurança, de processo de qualidade e tal. Então eram muitos desafios e quando eu vi que as pessoas foram comprando, assim, sabe? A minha primeira cliente foi uma das minhas melhores amigas, a segunda foi meu pai e aí, depois, foi chegando, eu fui vendo que hoje... eu lembro nesse momento das primeiras caixinhas, de lançar, de produzir os primeiros conteúdos e eu ficava: “Nossa, tem trezentas pessoas assistindo. Agora tem vinte mil pessoas no Instagram” e eu fico: imagina vinte mil pessoas numa sala, né? Obviamente que a entrega do Instagram não é tão boa quanto isso, mas eu fico muito, ainda, encantada assim. Tem gente que eu não conhecia e chegou aqui pela Lilit mesmo, sabe? Pessoas que, enfim, eu converso e são mais próximas e contam depoimentos superpotentes e eu penso nisso no que a minha cunhada falou, que não existia antes. Talvez essas mulheres teriam demorado um pouco mais, talvez um pouco menos, mas com certeza teria sido diferente”. Então me dá um quentinho, assim, no coração, sabe?
P/1 - E, Marília, seu relacionamento, são muitos anos de história, mas como é pra você se relacionar com o Marcelo? Como agora está sendo morar junto, como foi noivar?
R -
Assim, várias questões, né? Eu ficava muito, principalmente em relação ao noivado: “Ai, credo, que delícia”. E aí eu não quero, porque é tão old school ou será que eu quero, que é uma coisa que eu acho que tem que ser feita e etc. E eu acho que o Marcelo me complementa muito, porque ele não fica problematizando tanto quanto eu, sabe? Então, às vezes eu fico pensando numas coisas e eu falo: “Sabe que eu tô pensando? Eu acho que eu sou assim porque, na minha infância...”, aí eu falo da análise e ele fica assim: “Aí, o que você estava pensando?” (risos) “Eu estava pensando, sei lá, pensando...”. Então, ele é uma das pessoas mais amorosas e carinhosas e afetuosas que eu conheço. Os pais dele falam que ele é o coração da casa. Ele tem três irmãos e, assim, eu tenho com ele a família, já tenho assim a família que eu não tinha de sangue, mas que eu escolhi. A gente é muito próximo e tem uma relação muito de amigo, ele é meu melhor amigo, eu tô percebendo isso com o tempo. Fora todos os benefícios de estar num relacionamento junto, em todos os desafios, a gente conversa muito e troca muito. Então isso do noivado foi uma coisa também, porque eu ficava: “Eu não quero noivar, tá, amor? Eu não quero, porque nada a ver noiva” e aí eu ficava: “Por favor, faz uma surpresa”. E, ao mesmo tempo, aí eu falava: “E aí, a gente não vai noivar? A gente está com dez anos”. E aí ele falava: “Mas, amor, você falava que não queria noivar”. (risos) Aí eu falava: “Mas agora eu quero”. Eu sou impaciente também. E a gente vai mudando, no processo. Então a gente começou a namorar, a gente estava na escola, depois foi passar na faculdade e aí começar a trabalhar e a gente meio que não morava junto há cinco anos, mas a gente já tinha uma... ele dormia lá em casa e eu sempre dormia na casa dele, a gente sempre teve uma convivência. E na pandemia acelerou um pouco, porque a gente foi morar junto na pandemia, há um ano e meio, mais ou menos, nesse processo que a gente estava se mudando e ir reformando aos poucos o nosso apartamento e tal. E agora, semana passada, a gente se mudou e aí está nesse momento de lua de mel, está muito bom. Depois eu vou ver essa história e vou falar: “Ai, que bonitinho, eu estava apaixonada, ainda”. Mas é isso, a gente tem uma cumplicidade assim, e ele, por exemplo, na Lilit e eu sei que qualquer coisa que eu invente fazer, ele vai me apoiar muito e ele também tem o meu apoio. E aí, esse jeito meu, mais de problematizar, de me questionar, enfim, ele vai acompanhando também, ele vai acompanhando e, enfim, a gente se diverte, a gente tem crise de riso junto, a gente tem muito prazer junto também, ele vai... sem detalhes, né, porque ele é uma pessoa mais encabulada que eu. Mas é isso, assim, a gente provavelmente vai casar daqui a um ano e aí vou morder a minha língua de novo e vou casar. Não só noiva, mas vou casar. Não uso aliança, não uso aliança, porque acho que chama muita atenção, mas eu começo a reconhecer que o quanto era importante pra mim também, sem saber a origem, provavelmente porque me falaram que era importante, mas não tira o fato de ser importante, sabe? E ir mudando também, eu tô tirando e colocando esses rótulos, com ele.
P/1 - E o que a Lilit vem representando na sua história?
R -
Eu acho que... nossa, ela é quase que uma utopia do que eu queria ser, sabe, a Lilit. Isso de ser uma mulher livre, tudo que ela representa, eu queria ser mais Lilit e representa, na minha vida, a história que eu gostaria de contar, de fato, assim. Se eu chegar um pouquinho perto de ser mais Lilit e se eu pudesse contribuir um pouquinho pra outras mulheres construírem isso comigo e multiplicarem esse sentimento em outras mulheres, a gente se questionar das coisas, sabe, que às vezes passa batido e como eu só colocava na minha lista de ‘tem que’, a gente continua reproduzindo essas coisas, ela representa um pouco a mulher que eu gostaria de me tornar.
P/1 - E quais são os meus maiores sonhos, hoje em dia, seja profissional ou pessoal também?
R -
Ah, antes de ter essa conversa, eu estava me imaginando velhinha, escutando isso, sabe? Então eu acho que essas histórias estão mais frescas, quero viver muito. Quero viver muito e não esquecer dessas histórias e assim como eu olho pra eu de dez anos atrás, eu falo: “Nossa, tinha coisa boa aí. Eu me achava tão bobinha, tão criança assim, mas eu já fazia tantas coisas legais”. Eu acho que eu quero ter orgulho da minha história, o meu sonho. Eu quero continuar nutrindo esses relacionamentos e aproveitando muito com a minha família, muito com o Marcelo, quero me tornar mãe num futuro próximo. E quero entender esse desafio de criar um ser humano e colocar um pouco, e conhecer essa pessoa nova. Eu tô muito nessa vibe, talvez de mudar. Então tô dando muita ênfase nisso. E não sei, eu quero sentir que eu tô aproveitando. Essa minha inquietação de estar só ocupando espaço, assim, eu não quero ter esse sentimento por muito tempo. Às vezes ele vai vir, mas eu quero que a minha vida tenha esse movimento, assim, que eu sinta que eu aproveitei, que eu de fato tive coragem de bancar os meus desejos, que eu ousei ser feliz. Ai, tá muito clichê, mas é um pouco disso.
P/1 - A gente tá encerrando, eu só tenho mais duas perguntas, mas eu teria muitas outras, muito bom. Queria saber se você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar alguma história que eu não tenha instigado ou deixar alguma mensagem, enfim.
R -
Eu posso só atender o interfone, senão não vai parar de tocar, rapidinho?
P/1 - Claro.
R -
Voltei. Eu acho que eu não nomeei, eu não falei o nome da minha irmã, eu gostaria de falar o nome da minha irmã, só que eu não vou soltar aqui: Marina. Não vou colocar tipo Jequiti, assim. Mas talvez eu possa falar um pouquinho, rapidamente, disso? Vocês estão me ouvindo?
P/1 - Claro, por favor.
R -
A minha mãe me teve com 41 anos, quatro anos antes ela teve a minha irmã, Marina, fruto do relacionamento com o meu pai. E eu, nesse processo também de psicanálise, eu tô resgatando o pouco que a gente tem de história da Marina, porque a Marina foi a minha irmã com um ano de vida e eu acho que eu carrego muito dela, do que ela representou e por muito tempo eu não falei, a gente não conversava muito em família. Então eu tenho investigado, nos últimos tempos, um pouco da história dela. Então, indo no cartório pegar o registro de nascimento dela, pra ver o hospital que ela nasceu, eu acho que ela seria de escorpião. Eu não entendo nada de signo, mas é a informação que eu tenho, que ela seria de escorpião, que é o signo do Marcelo, o meu parceiro. E ela nasceu em 1990, quatro anos antes de eu nascer. E tenho muito dessa relação minha como uma criança, que tem essa vontade de ser um case de sucesso, dar certo, que eu sempre achei que era muito por causa da minha relação com o meu irmão, porque o meu irmão sempre deu mais trabalho e eu não queria dar mais trabalho ainda. E eu tô percebendo, cada vez mais, que tem muito também da minha irmã, isso de aproveitar a minha vida. Isso que eu falo, várias vezes, eu percebo mais ainda aqui, contando a história, que eu falo várias vezes de não gastar esse espaço, de não ser só ocupar espaço, só emitir gases e gastar oxigênio, mas aproveitar isso. E eu acho que tem um pouco da história da minha irmã, dela não ter tido essa oportunidade de aproveitar, assim. Então queria reforçar e falar: a minha irmã chamava Marina e eu chamo Marília. Então um pouco do meu nome tem, com certeza, uma lembrança, uma homenagem pra ela também.
P/1 - Marília, como foi pra você ter contado a sua história, ter dividido aqui com a gente, como foi esse momento? Está sendo, né?
R -
Aham, assim, agora que eu falei um monte e peguei o tempo de vocês, acho que vocês estão aqui me ajudando, na verdade. É uma coisa que eu sempre tive vontade. Eu criança, mais nova até, mais nova do que agora, não tão criança, mas adolescente, sabe o que eu pedia pra minha mãe? Eu perguntava pra minha mãe de fotos e vídeos criança, eu falava: “Mãe, tem vídeo meu, criança, eu falando? Eu queria ouvir minha voz”. E aí a gente resgatou e pegou alguns vídeos desses. Então, pra mim, essas gravações são muito importantes, eu sou uma pessoa que eu amo registro, foto. Eu tenho uma biblioteca no meu celular, gigante, assim. E eu acho muito bom, porque eu também tenho uma memória muito visual. Então, se não fosse uma foto, eu provavelmente não lembraria do meu quartinho do primeiro apartamento, eu não lembraria de vários momentos muitos legais que eu gostaria de ter eternizado. E, quem sabe, eu com noventa anos, como a minha vó, vou lembrar só de poucas memórias, eu possa ter esse registro pra assistir e pra viver um pouco isso que eu tô passando agora, como hoje vejo a minha história. Talvez, se a gente conversasse daqui a dez anos, posso contar uma história totalmente diferente. Então pra mim é muito especial, muito especial mesmo compartilhar. Obrigada!
P/1 - Que manhã gostosa! Muito obrigada por dividir com a gente!
R -
Obrigada, gente!
P/1 - Foi muito gostoso. Quando tudo isso tiver pronto, a gente vai te enviar, obviamente, o link e aí dá pra divulgar. Também tem um certificado, mas queria agradecer você ter participado desse convite e ter passado essa manhã, foi muito gostoso.
R -
Ai, obrigada. Vão tomar água, vão ao banheiro. Eu me estendi, assim, eu espero que tenha sido proveitoso pra vocês e o que vocês precisarem, contem comigo. Vocês têm o meu contato, né, a Bruna estava comigo no WhatsApp. Mas parabéns pelo trabalho de vocês. Eu sou apaixonada, eu já conhecia e eu vou acompanhar e a admiração só aumentou. Obrigada por me ajudarem a colocar palavras e deixar esse registro.Recolher