Entrevista de Janete Rozenbaum (Chana Rozenbaum)
Entrevistado por Jonas Worcman
Rio de janeiro, 28 de Junho de 2022
Projeto Conte Sua História
Código da entrevista: PSCH_HV1284
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:00:20) P1 - Queria pedir para você começar falando, ...Continuar leitura
Entrevista de Janete Rozenbaum (Chana Rozenbaum)
Entrevistado por Jonas Worcman
Rio de janeiro, 28 de Junho de 2022
Projeto Conte Sua História
Código da entrevista: PSCH_HV1284
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:00:20) P1 - Queria pedir para você começar falando, o que você… a coisa mais antiga que você lembra, assim, lá da Polônia, o lugar que você nasceu.
R1 - Eu sei o que eu lembro.
(00:00:34) P1 - É?
R1 - Bom. Nós somos gêmeas, né? Então, nascemos, a gente fazia tudo junto. E quando começou a ver coisas da guerra, aí, a gente _____. Aí, minha mãe… o meu pai… minha mãe era muito mais atirada que o meu pai, queria sair da Polônia por causa da guerra. Aí ela… e tanto foi assim: mandou o meu pai para cá, para o Brasil. Mandou, porque tinha parente aqui. Aí, eles se mexeram lá, mexeram lá, que a gente conseguiu uma passagem. Eu fui a mais nova, o de ____ tinha quatro anos. Quatro… seis anos. Aí… porque teve muito antissemitismo lá na Polônia, o judeu não tinha direito a nada. Então, quando minha mãe viu isso, minha mãe era muito atirada, mais que meu pai, aí batalhou, batalhou, e conseguiu uma passagem para ele, para vir para cá. Eu me lembro que ele estava ansioso, com medo. Ela pegou o navio com ele até a Inglaterra, que da Inglaterra ele viria pra cá, e ela ia voltar, por causa dos filhos. Então ela foi fazer companhia para ele e ela voltou pra Polônia. Pois, então, ela levou ele até a Inglaterra, que saiu o navio de lá. Aí foi isso.
(00:02:37) P1 - O que que você lembra lá da Polônia, da… quando você era… o que é que você…
R1 - Eu lembro do antissemitismo que tinha lá, horrível. Os alunos judeus sentavam lá no fundo. Eu me lembro de toda sexta-feira, porque o meu avô era muito religioso, toda sexta-feira a gente levava chalá. Sabe o que é chalá? _______, mas ele levava uma cesta para distribuir. Aí tinha uns garotos que eram antissemitas e sempre pegavam da gente. Eu estava com eles, me lembro. Bom, e toda sexta-feira tinha isso. Aí, depois, minha mãe viu que o negócio tava feio… que ela tinha um irmão aqui, o Bernardo. Tinha um irmão aqui que estava muito bem, então ele conseguiu trazer a gente. Aí foi isso.
(00:03:51) P1 - Conta mais, você falou que o Dimi brigava muito com os meninos. Como era isso? Quem que puxava a briga? Você lembra de alguma…?
R1 - Quem? Os dois irmãos?
(00:03:59) P1 - É, o… você disse que vinham os meninos tentar pegar chalá, como é que era?
R1 - Ah, isso é na Polônia.
(00:04:08) P1 - Na Polônia, é.
R1 - Os meninos esperavam nas espreitas a gente passar com aquelas cestas. Eu, a Nina e o Dimi distribuíamos para as casas, porque era shabat, sexta-feira, dedicada aos mais pobres. Os meninos já sabiam que a gente ia passar lá, e então sempre tinha briga. E tem o antissemitismo. Eu me lembro que na escola, os judeus sentaram lá no fundo da sala. E éramos muito, assim, menosprezados.
(00:04:47) P1 - Eram menosprezados como? Pelos professores, pelos alunos?
R1 - Tinha alunos, professores também. Eu saí de lá com, em 1950… quando a guerra começou? Hein? 1959?
(00:05:16) P1 - 1939.
R1 - Nós saímos de lá em 1939 e chegamos aqui.
(00:05:24) P1 - E você lembra, o seu avô… você diz que o seu avô era muito religioso.
R1 - Muito religioso. Ele não trabalhava, quem trabalhava era minha avó. A minha avó tinha uma lojinha de armarinho, fitas, coisas assim, coisas de armarinho, e o meu avô ficava rezando o dia inteiro. Também tinha, eu acho, estudantes que davam aula de religião para eles.
(00:05:50) P1 - Ele era rabino?
R1 - Não era rabino, era quase. Acho que não chegou… eu acho que não. Ou pode ser que sim, sei lá.
(00:06:03) P1 - Você tinha muito contato com o seu avô e com a sua avó?
R1 - Eu tinha, porque eu morava em lote, mas quando alguém apertou… a minha mãe foi com os quatro filhos para a casa do meu avô. Nós éramos quatro, né, e ficamos morando lá até viajar, aí a gente tinha… uma irmã da minha mãe [era] solteira, então ela veio ajudando a gente, para ajudar a gente na travessia. A minha mãe, com os quatro pequenos, era difícil, então ela ficou aqui, não voltou mais.
(00:06:49) P1 - Como foi a vinda pra cá?
R1 - Foi bom, só que, “bom”, na terceira classe, né? Aí o Diduch fez amizade com um garoto da primeira classe - era um navio inglês -, aí eu ficava lá em cima. Minha mãe morria com isso, eu sumia o dia todo no navio. Aí ele pegou, parece, catapora, aí minha mãe dava graças a Deus que ele estava deitado na cama, doente, porque pelo menos eu não ficava pelo navio. Eu tinha uma foto dele. Você conheceu o Diduch, lógico.
(00:07:42) P1 - Sim. O que é que você lembra dos seus irmãos?
R1 - Do que eu me lembro?
(00:07:50) P1 - De história, assim. Teve alguma história com o Diduch, com o Dimi, nessa viagem?
R1 - Nessa viagem, eles eram pequenos, né? Aí eu me lembro que a gente, foi em Londres que a gente pegou [o navio]. Depois, quando nós viajamos. Meu pai foi, a minha mãe voltou, né, pra Polónia. Aí quando resolvemos ir para lá (Inglaterra), aí minha mãe trouxe uma irmã para ajudar com as crianças, que é a Célia, que ela foi na _____ e acabou casando aqui. Também não voltou mais pra Polônia, não dava pra voltar. Aí… então foi assim, o Dimi… o Dimi, o Diduch, você conheceu, né? Muito cabeça, né?
(00:08:55) P1 - E aí você lembra como… você ficou muitos dias no mar ou foi uma viagem rápida?
R1 - Não, foi de Londres pra Israel, pra Tel Aviv. Ainda bem que eu vim. Quando voltou, [o navio] foi bombardeado.
(00:09:17) P1 - E o que você lembra de como você achou o Brasil na hora que você chegou?
R1 - Eu achei… a gente chegou perto do Carnaval, aí viu o Carnaval, aquele pessoal fantasiado na rua, achou tão estranho. Depois eu me ambientei. Estudei aqui, aí, com nove anos, já entrei, já tinha feito o primário. Num instante eu aprendi o português. Aí, tem coisas…
(00:10:07) P1 - O que você lembra da sua relação com a sua mãe?
R1 - Com quem?
(00:10:14) P1 - Com a sua mãe.
R1 - Era boa.
(00:10:18) P1 - Era boa. Mas você lembra de alguma história com ela, algum dia que foi marcante?
R1 - Deixa eu me lembrar. Tinha muita história. Minha mãe era muito pra frente. Ah, teve [um] caso, eu acho que tem um italiano, eu acho que ele se apaixonou por ela no navio. Como… um dia ele bateu lá na porta, meu pai tinha acompanhado, alugado acho uma casa na Vila, em Botafogo, aí ele apareceu lá.
(00:11:02) P1 - E aí?
R1 - E aí a gente enxotou ele. Mas ele não tinha nada, ele se apaixonou por ela. E a minha tia também casou aqui e teve dois filhos… o Frederico você conhece, né, que é médico de rim.
(00:11:34) P1 - E quando você chegou aqui, você achou muito diferente da Polônia?
R1 - Lógico. A gente chegou perto do Carnaval, né? Achei diferente que... a gente morava em lote, e eu me lembro ______________. Agora _______ é 22. Então, a gente chegou lá, quando chegou… aí depois, uns anos depois… uns anos, não; uns cinco, seis anos - isso eu me lembro -, que a gente foi para a Polônia, passear. Foi o Frederico, fui eu e a Nina. A gente foi, então, ver a casa onde a gente morava. Isso já depois de casada. Aí tinha lá um morador, que a gente quis entrar para ver a casa e ele deixou. Também me marcou.
(00:12:42) P1 - Mas ainda criança, você lembra quando sua mãe decidiu fugir para cá? Como foi que você ficou sabendo?
R1 - Eu fiquei sabendo… ela quem disse: “Tá na hora da gente sair daqui”. Estava muita perseguição aos judeus. “Tá na hora de sair”. Lembro que a minha mãe era (parentona?), era a cabeça da família. E me lembro que ela levou o meu pai até a Inglaterra, quando ele foi sozinho, que ele já estava desistindo e embarcou ele, e ela voltou e nós ficávamos na casa da avó [durante] esse tempo.
(00:13:35) P1 - E os seus avós não quiseram vir?
R1 - Não, meu avô… ninguém acreditava que ia acontecer isso. Tinha boi, tinha uns seis irmãos da minha mãe. O Leon você conhece?
(00:13:56) P1 - Ela tinha seis irmãos e só ela foi embora?
R1 - Quem?
(00:14:03) P1 - Da sua mãe.
R1 - O senhor que é (bochman?)?
(00:14:07) P1 - Não. Só ela que foi embora? Ou os outros irmãos resolveram…
R1 - Não, foi ela e essa irmã que veio ajudar na travessia. Ninguém acreditava que ia ficar assim.
(00:14:21) P1 - E eles sobreviveram depois, os irmãos dela?
R1 - Só o Leon, que o cachorro, aquele, fugiu. Ele teve uma história também: ele casou com uma polonesa que se apaixonou por ele, que não era judia, né, e trabalhou de jardineiro na casa desse casal. Não sei como é que ele conheceu a esposa dele, só que era uma família, assim, nobre aqui no Brasil e casou com ela.
(00:15:08) P1 - Você lembra de algum, lá na Polônia, de alguma festa de Pessach (páscoa judaica)? Vocês faziam as festas ainda? O Pessach, o Rosh Hashaná (ano-novo judaico)?
R1 - Muito. Meu avô era muito religioso. Mas a gente morava em lote e ele morava numa (ostroviat?), numa cidade pequena. Aí enquanto o meu pai viajou, nós fomos morar com a minha avó.
(00:15:41) P1 - E essas festas, fazia escondido ou aberto? Como é que era?
R1 - É, fazia mais ou menos assim. Passavam uns, atiravam pedra na casa. A garotada que não era judia, fazia… muito antissemitas. Eu me lembro na escola, lá, a gente, as crianças judias sentavam lá no fundo.
(00:16:16) P1 - E você lembra, você chegou a ver isso acontecendo ou você lembra que sempre foi inserido ou você foi vendo os nazistas entrarem na Polônia?
R1 - Não, não, não foi sempre assim. Quando eu saí de lá, eles não tinham entrado ainda.
(00:16:37) P1 - Ah, não tinham entrado. Quem era antissemita eram os próprios…
R1 - Mães, uns alunos, os professores. Todo mundo.
(00:16:46) P1 - Poloneses mesmo, né? E tinha alguma coisa boa na Polônia? Você gostava de alguma coisa ou só achava ruim?
R1 - Eu não conhecia outra coisa, eu não estava vendo a normalidade da situação. O meu pai estava muito bem de situação, tinha uma fábrica de linho, de tecido de linho. Aí, mas a gente não podia… sem ser... judeu não podia ter, assim, propriedade, não podia ter negócio. ______ que, deixa eu ver… meu pai tinha… eu não sei, ele tinha uns papéis e nem me lembro o que era, alguma coisa aí importante de negócio, não sei o que, e trabalhava com, tinha, fazia linho. Eu já falei, né?
(00:17:55) P1 - Pode falar. Ele fazia linho?
R1 - É, e trabalhava com linho. Um judeu não podia ter negócios naquela época.
(00:18:05) P1 - E aí, como é que ele fazia para…?
R1 - Ele disse que não tinha. Me lembro que o Dimi… tinha inspetores que iam visitar a casa para ver como é que estava, aí o meu avô tinha um lugar que tinha os documentos de compra, venda no cofre. Aí os inspetores iam visitar as casas pra ver e pediu, assim: “Me dá a chave do cofre”. Aí ele disse: “Eu não sei onde está a chave, eu não tenho a chave”. Aí o Dimi disse assim: “A chave tá aqui”, ele era inocente. São coisas que me lembro.
(00:19:09) P1 - (risos) Entregou a chave lá?
R1 - É. Eu sei onde está, sei a chave de todo… ____ que achou a chave. Aí foram, tiraram a mercadoria toda. E foi assim. Se não fosse minha mãe, a gente não iria sair de lá, meu pai não acreditava que iria ter esse, essa situação assim.
(00:19:44) P1 - E você… o seu pai não acreditava, e os irmãos dela acreditaram ou ela foi a única que…?
R1 - Ela e a irmã, que veio ajudar a gente, que [se] salvou. E aí a irmã que veio ajudar na travessia.
(00:19:58) P1 - E aí quando vocês chegaram aqui, que você lembra da vida aqui? Vocês foram morar onde?
R1 - Aí, nós chegamos aqui porque minha mãe tinha um irmão muito rico aqui, o Bernardo. Já ouviu falar? Então… eu acho que a gente saiu do navio e fomos almoçar na casa dele. Agora eu me lembro. Ele morava aqui no Leblon.
(00:20:27) P1 - E como era aqui naquela época?
R1 - A casa?
(00:20:33) P1 - Não, o Rio de Janeiro.
R1 - Eles moravam numa casa boa. Em 1939?
(00:20:45) P1 - E quando você chegou aqui no Rio, você achava que eles eram antissemitas também, ou não?
R1 - Que quem era antissemita?
(00:20:57) P1 - Os brasileiros.
R1 - Não, não, sabia que não. Aí foi…
(00:21:12) P1 - E aí seus pais foram fazer o que quando eles chegaram, para trabalhar aqui, você lembra?
R1 - Eu me lembro que o meu pai… minha mãe, não trabalhava, não. A gente foi morar em São Clemente, conhece? Aí meu pai vendia, sempre, antigamente, carregava esses negócios ______ e vendia boneca. Aí tinha o rapaz que puxava com a carroça e ele vinha atrás, vendendo boneca. Me lembro. Depois ele foi trabalhar com o meu tio Bernardo. Tio Bernardo tinha uma fábrica de moto. Você conhece o Bernardo, não?
(00:22:14) P1 - Não.
R1 - Ah, não, ele faleceu há muito tempo.
(00:22:18) P1 - E a escola, você chegou a ir na escola aqui?
R1 - Eu fui na escola. Quando cheguei, fui no primário, no terceiro ano primário.
(00:22:34) P1 - O que você lembra?
R1 - Também tinha um pouco de antissemitismo na escola. Deixa eu me lembrar… a gente aprendeu português rápido lá.
(00:22:53) P1 - Como era o antissemitismo aqui? Era diferente da Polônia, era parecido?
R1 - O quê? O estudo?
(00:22:58) P1 - O antissemitismo.
R1 - O quê?
(00:23:04) P1 - O problema com os judeus, o antissemitismo. Aqui no Brasil era parecido com como era na Polônia?
R1 - O quê? O ensino?
(00:23:13) P1 - Não, o antissemitismo. Não foi isso que você falou, que aqui tinha antissemitismo?
R1 - Que é o quê?
(00:23:24) P1 - Me conta um pouco, então, de como era a escola. O que você lembra?
R1 - Aqui?
(00:23:28) P1 - É, aqui.
R1 - Era a mesma coisa, mas não tinha antissemitismo.
(00:23:32) P1 - Ah, não tinha!
R1 - Não tinha. Você conheceu minha irmã? Você não teve em Israel?
(00:23:46) P1 - Sim.
R1 - Você não conheceu ela lá?
(00:23:49) P1 - Conheci. Eu vou gravar com ela também.
R1 - Com quem?
(00:23:57) P1 - Com ela, com a Nina.
R1 - Com a Nina?
(00:24:00) P1 - É.
R1 - Mas ela mora em Israel.
(00:24:05) P1 - A gente vai fazer online.
R1 - Ah, você vai fazer lá?
(00:24:08) P1 - É. E eu acho que é isso. Você está cansada ou quer falar mais um pouco?
R1 - Posso falar mais um pouco.
(00:24:19) P1 - Pode falar mais um pouco. E aí você estudou em escola judaica ou escola normal aqui?
R1 - Foi escola normal. Escola (Três Quatro?) México, que é o nome da escola. Foi bom, a gente se entrosou bem. Eu me lembro que eu e a minha irmã gêmea, [a gente] é parecidíssima, então tinha prova no quadro, aí ele chamava uma, aí eu entrei como uniforme, trancinha, eu fiz duas vezes: uma vez para mim e outra pra ela. Eu era boa em matemática, né? Aí não desconfiou nem um pouco. Com o uniforme… nós éramos parecidíssimas. Nem percebeu que tinha gêmeos na sala.
(00:25:11) P1 - E você aprendeu iídiche? Não?
R1 - Escrever… falar, eu falo um pouco, entendo.
(00:25:22) P1 - Você tinha vontade de aprender as coisas do judaísmo?
R1 - Eu acho que naquela época, não.
(00:25:34) P1 - Você lembra do Bat Mitzvah? Você chegou a fazer Bat Mitzvah?
R1 - Bat Mitzvah? Não.
(00:25:42) P1 - O seu não, né? Mas você lembra do Bar Mitzvá dos seus irmãos, do Dimi e do Diduch?
R1 - Lembro.
(00:25:50) P1 - Como é que foi?
R1 - Foi pouca gente. Assim, o Dimi não… não me lembro se o Dimi fez. Você conheceu o Dimi?
(00:26:12) P1 - Sim, um pouquinho.
R1 - E o Diduch, você conhece?
(00:26:17) P1 - Sim.
R1 - Conhece. Aí eu me lembro [que] o meu pai faleceu aqui no Brasil, né? Aí quando Diduch estava mal, então, parece que tomou uma injeção que aos poucos ia acabar… morreu sem sentir dor. Ele pediu isso. Então eu disse: “Diduch, eu tenho… o lugar do pai do meu pai na cova”, que tinha, botava duas pessoas. E minha mãe estava em Israel com a Nina. Aí eu perguntei: Diduch, você quer, se quer ser enterrado junto com o vovô… com o papai?”. Ele disse: “Ai, que bom, já tenho onde morar!”. Eu não esqueço que ele falou isso: “Já tem onde morar”. Aí estava tomando aquela, parece aquelas injeções que acaba sem sofrimento.
(00:27:40) P1 - O seu pai?
R1 - Não, o Diduch! O Diduch foi enterrado junto com meu pai. Meu pai morreu primeiro. Não, o Diduch morreu primeiro, aí eu dei o lugar pro meu pai também, porque são duas pessoas [na cova].
(00:28:08) P1 - E quando você… você lembra quando você casou, como você conheceu seu marido?
R1 - Ai, foi numa festa que eu conheci o meu marido, foi numa festa em ____ e estava atrás da Nina, da minha irmã, numa festa. Aí ela diz pra mim: “Não gostei, vou me esconder, vou lá pro toalete”, quem tava atrás dela lá. Eu estava lá dentro, ela me contou: “Tem um camarada aí que está atrás de mim”, “Ai que besteira! Vamos _____, não sei o quê”. Aí eu fui. Pensou que eu fosse ela e começou a conversar comigo. (risos) Foi engraçado. Aí eu namorei e casei, fiquei… fui muito feliz no casamento. Tive quatro filhos.
(00:29:31) P1 - Mudou alguma coisa depois de ter filhos?
R1 - Ah, mudou, mais responsabilidade, né? _____ é alegria. Todos os meus filhos são ótimos, graças a Deus. Ninguém me deu preocupação. Tem quatro, né? O Dimi você conheceu, não?
(00:29:58) P1 - Ah, seu filho se chama Dimi.
R1 - Hein?
(00:30:02) P1 - O Dimi é o seu irmão.
R1 - É.
(00:30:03) P1 - Sim. E como é que foi o período que você trabalhou? O que você lembra, de trabalho?
R1 - Eu trabalhei no livro caixa lá no Berzog, né, no meu tio. Aí depois eu… trabalhei pouco, porque eu ia casar logo, não sei o quê. Eu saí e tive filho logo, em novembro. Eu tive o (Neik?). Você conhece, não?
(00:30:46) P1 - Não. Você disse que seu avô era muito religioso, você chegou a conhecer algum bisavô seu ou bisavó?
R1 - Não.
(00:30:54) P1 - Só, no máximo, foi avô. E ele era da Polônia também?
R1 - Da Polônia. Você esteve na Polônia?
(00:31:06) P1 - Não. Você depois chegou a ir para a Polônia?
R1 - Fui para a Polônia.
(00:31:13) P1 - E o que que você sentiu quando você voltou para a Polônia?
R1 - Fui visitar. Eu achei horrível. Fui nos campos de concentração.
(00:31:34) P1 - Você foi nos campos de concentração?
R1 - Fui visitar os campos. A Nina quase passou mal lá.
(00:31:46) P1 - O que você sentiu quando chegou lá?
R1 - Também fiquei aflita, você via aqueles fornos que, bom, matou muita gente.
(00:32:01) P1 - Você tem algum parente que morreu no campo de concentração?
R1 - Que morreu em campo de concentração? Eu acho que tinha. Depois a gente não soube mais de muitos deles.
(00:32:17) P1 - Não soube? Ah, nunca mais soube o que aconteceu com seus tios, seus avós?
R1 - Sei que eles faleceram. O Leon, que é o meu tio, que conseguiu vir. Você conheceu o Leon?
(00:32:45) P1 - O Leon? Sim.
R1 - É que ele casou com uma… casou, não, se juntou com uma polonesa que não era judia e…
[Pausa]
(00:33:03) P1 - Você tava contando do seu irmão, que casou com uma não judia.
R1 - Não judia, é. Aqui, que era a filha de um embaixador. Ele faleceu também. O Alex, você não conhece? A Mirna?
(00:33:18) P1 - Sim.
R1 - Então, ela é filha desse meu tio.
(00:33:25) P1 - E você já foi para Israel?
R1 - Já fui várias vezes visitar a minha irmã. Acho que eu vou agora esse ano.
(00:33:37) P1 - Nossa.
R1 - Você já serve lá, não?
(00:33:41) P1 - Sim. Que [é] que você… como foi sua primeira ida para lá?
R1 - Eu gostei. Só achava chato que nem, não tinha ajudante em casa, não tinha empregada, não tinha…
(00:33:59) P1 - Lá não tem, né?
R1 - Lá não tem, mas você sabe que hoje em dia eles mandam, quando uma pessoa está com problema, uma ajudante. O governo, né? Manda uma ajudante e não precisa pagar nada, a pessoa. Ajuda uma pessoa de uma rede de idade, assim, então o governo que paga a empregada.
(00:34:35) P1 - Hoje… você lembra do dia do seu casamento? Você chegou [a] ter um casamento?
R1 - Lembro.
(00:34:44) P1 - Como é que foi?
R1 - O que será que eu posso dizer?! Achei que foi legal. Mas eu não fiz… eu casei e viajei. Não fiz festa, não fiz nada. Não quis a festa.
(00:35:06) P1 - Não fez festa. Como foi que vocês decidiram casar?
R1 - Porque queria casar logo, né? Aí, sei lá... foi bom. Ele foi um ótimo marido, muito bom.
(00:35:30) P1 - Acho que… na sua vida, alguma história que você não contou, que você quer contar?
R1 - Deixa eu ver… não estou me lembrando de nada.
(00:35:51) P1 - Já contou bastante! Mas se tem mais alguma coisa: seja da Polônia, seja da infância, seja com o filho.
R1 - Uma coisa?! Não estou lembrando no momento.
(00:36:09) R2 - Mas lembra como foi quando vocês foram para Israel, na época da independência, que você e a tia Nina foram pra uma escola de leitura e o Dimi estava lá. Você se lembra dessa história?
R1 - Ah, tá! - Vem aqui!
(00:36:28) P2 - Não.
R1 - Pode ir?
(00:36:29) P1 - Mas pode contar a história que ela falou.
R1 - Mas isso eu não… nós fomos visitar Israel, que meu pai queria morar em Israel. Então aí mandou a gente, que na época estavam recrutando jovens para ajudar lá. Aí ele… nós fomos, eu e a minha irmã. E o Dimi foi lá para ajudar na luta, na guerra, quando teve aquela guerra dos árabes. Aí nós fomos para lá, a gente ficou no kibutz. Que o meu pai queria emigrar, mas queria que a gente fosse lá antes para conhecer, pra ver se gostava. Aí o Dimi teve naquela guerra que esteve em 1940 e pouco. Quer dizer, ele se escondeu… que ia lá, porque os meus pais não queriam deixar ele ir no meio da guerra e foram para São Paulo, saiu com… tinha um, tipo um embaixador que estava recrutando os jovens para ir para Israel, na guerra. Aí Dimi foi. E foi escondido. Depois que ele falou que estava em Israel. Aí ele lutou lá. Depois, voltou para o Brasil. Ele estava com a ideia de morar lá. Chegou aqui, desistiu. Aí a gente voltou. Então, aí foi esse o…
(00:38:38) P1 - Tem mais alguma história que você acha, que você lembra?
R2 - Mas tem muita, gente.
R1 - Vem cá, Rosane.
R2 - Não, não. Essa história é da…
R - Vem ver se se lembra alguma coisa. Vem cá.
R2 - O Dimi vivia lá dormindo no alojamento delas.
R1 - Vem aqui um instante.
R2 - Não, não.
R1 - Vem aqui, Rosane!
(00:39:00) R2 - Foi como tipo Jacques conheceu tia Nina, também. E meu pai já era apaixonado pela minha mãe e pediu ela em casamento quando ela estava voltando de Israel. Lembra? ______ essa história.
(00:39:12) P1 - Acho que está bom. O que você acha de ter contado um pouquinho da sua história hoje?
R1 - Contado o quê?
(00:39:26) P1 - Você gostou de contar?
R1 - É meio difícil, né, a gente se contar o sofrimento da família.
(00:39:40) P1 - Tem mais alguma história da família que você lembra? Que a sua mãe contava, o seu pai contava?
R1 - Não, que eu me lembre, no momento, não.
(00:40:01) P1 - Obrigado, viu, Janete, pelo…
R1 - Acabaram?
(00:40:05) P2 - Muito obrigado pela entrevista.
R1 - Nada.Recolher