Correios 350 anos
Depoimento de Hermógenes Soares Brazão
Entrevistado por Rosana Miziara
Almeirim, Comunidade de Recreio, 27/07/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC070_Hermógenes Soares Brazão
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Senhor Hermógenes, o senhor pode me falar qual o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – O nome é Hermógenes Soares Brazão.
A data, 1935.
P/1 – E o local?
R – Almeirim.
P/1 – É 35? Qual o mês e o ano?
R – Vinte de novembro.
P/1 – Seus pais são de Almeirim?
R – Também.
P/1 – Como é o nome deles?
R – João Fonseca Brazão.
Mãe, Maria Soares Brazão.
P/1 – E os pais da sua mãe são de Almeirim?
R – São também.
A minha avó era Joana Brazão de Aragão, o avô era Benedito José de Aragão.
Meus avôs.
P/1 – Isso por parte de mãe? Por parte de pai.
R – Isso eram a mãe e pai da minha mãe.
P/1 – E a mãe e o pai do seu pai, você conheceu? A família também era de Almeirim?
R – Era, mas eu não conheci essa época.
P/1 – E o que os seus avôs faziam? Conta um pouco a história deles.
Você sabe?
R – A minha avó, nessa época que a gente era criança, tudo lá era manobrado pelo José Júlio de Andrade.
Tudo era funcionário lá.
A minha avó era parteira, era a vida dela isso.
Todo do interior, saía a mulher gestante, chegava o dia de ganhar neném, vinha de muito longe ganhar neném lá, era uma parteira formada.
P/1 – Na casa dela?
R – Na casa dela.
Era em casa feito.
Na casa dela isso.
P/1 – Quando você era criança isso acontecia?
R – Isso.
É.
P/1 – Você chegou a ver algum parto?
R – Vi muito parto que ela ainda fez.
A minha avó, que é a Joana Fonseca de Aragão, essa que era a minha avó que era parteira.
Ela pegou mais de mil e poucas crianças aquela mulher.
Naquela época não existia médico.
Médico era parteira naquela época.
E minha mãe, quando meu pai morreu, que nós ficamos tudo pequenos, nós éramos cinco, meu pai morreu, ficamos tudo pequenos, aí esse José Júlio era compadre da minha mãe, aí viu a dificuldade dela, que ela lavava para fora, para o pessoal, engomava, para sustentar, para nos criar.
Aí o José Júlio sabia da dificuldade nossa, mandou chamá-la, ela foi, disse: “Olha, Maria, tu vai me dar ao menos dois meninos desses, que vamos criar para ti”.
Ela disse: “Não.
Só vou arranjar a sua afilhada”.
Que o nome dela é Raimunda.
O apelido dela é Dierpide, apelido de casa, mas o nome dela é Raimunda Fonseca Brazão, uma irmã nossa.
Ela só fez nascer aí no interior, se criou no Rio de Janeiro, ela mora para lá.
P/1 – Porque ela deu para ele.
R – Deu para ele.
Ele morreu com 80 anos, aí ela ficou com uma irmã dele.
Aí ela também já estava de muita idade, era um pouco mais velha do que ele, 82 anos, também faleceu, e ela ficou.
Até hoje ela permanece lá no Rio de Janeiro.
P/1 – Deixe-me voltar então.
Seu Hermógenes, e seu avô, o marido da parteira, o que ele fazia?
R – Era seringueiro.
Naquela época era isso, cortar seringa para sobreviver, vender para o José Júlio.
Tirar lenha no mesmo momento, que o patrão geral era o José Júlio.
Tirar lenha no machado, partir, carregar, botar na beira, o barco chegar, embarcar.
Que era queimado à lenha a caldeira, antigamente, você já ouviu falar? Era esse que era o serviço naquela época lá.
Cortar juta, a água mergulhando, cortando pelo fundo, para botar de molho, tirar a fibra, para vender tudo para esse José Júlio, que era o dono da área.
P/1 – E seu pai fazia o quê?
R – Era a mesma coisa também.
Era só uma atividade naquela época, era cortar seringa; quando saía da seringa, cortava a juta; quando largava a juta, ia cortar a maçaranduba.
Tudo isso aí era produto que dava dinheiro.
Era largando um, chegava o outro.
P/1 – Cortar o quê?
R – Maçaranduba.
P/1 – Maçaranduba.
R – É.
É um pau que tem no mato, que dá o leite, que a gente tira, cozinha, faz o bloco para vender.
P/1 – Para que é?
R – Para fazer isso aí: pneu.
P/1 – Isso era nos anos 40?
R – Isso.
Era nessa época mesmo.
P/1 – E o senhor sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R – Não.
(risos) Isso eu não lembro quando eles se conheceram.
P/1 – Mas aí quando eles casaram, continuaram morando em Almeirim?
R – Continuaram.
Lá se acabou tudo lá no local.
P/1 – Quantos filhos eles tiveram?
R – Eles? Cinco filhos.
P/1 – Quantos homens e quantas mulheres?
R – Duas mulheres e três homens.
P/1 – O senhor é qual? O mais velho, o mais novo, o do meio?
R – Não, eu sou o.
.
.
Primeiro, segundo, eu sou o terceiro.
O primeiro é o Júlio, o segundo a Raimunda, da Raimunda a Luci, que mora lá em Belém, aí sou eu, de mim é o outro, o Benedito.
P/1 – E quanto tempo vocês têm de diferença? De um para o outro?
R – De um para o outro? É um ano, dois anos, era de um para outro.
P/1 – E o senhor lembra como era a sua casa de infância?
R – Lembro.
A gente se lembra.
As casas eram até boas, porque o José Júlio mandava fazer aquelas vilas do tamanho quase aqui dessa comunidade, aí eram divididos os locais: aqui era um, aqui era outro.
Aquelas vilas que têm.
Lá a gente tomava conta como da gente.
Tudo por conta dele aquilo lá.
A gente não pagava aluguel, não pagava nada, era luz, era água, era tudo que tinha.
P/1 – E dentro como era? Quantos cômodos tinham?
R – Olha, depende da família.
Tinham quatro, cinco quartos.
Conforme a quantidade de gente, tudo tinha os quartos divididos, cozinha, sala, tudo, tinha varanda.
P/1 – E o senhor dividia quarto com seus irmãos? O senhor precisava dividir o quarto com seus irmãos?
R – Era.
Nós três éramos homens, dormia em um, nós três.
E as duas meninas, que eram a Raimunda e a Luci, em outro quarto.
E a velha com o velho no deles.
P/1 – E como era Almeirim nessa época?
R – Ah, Almeirim era mais fraco do que por aqui.
Aqui ainda tem umas casas quando é nessa época lá.
Naquele tempo era a delegacia, que é o primeiro que cria logo.
Prefeitura, delegacia e o trapiche municipal, e aqui e acolá uma casinha de um morador, aqui e acolá.
Ali, aquela frente de Almeirim ali, hoje são mil e 200 metros de casa aquilo ali.
Era tudo ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬um anhangazão, um lago como daqui para aí, aquilo tudo foi aterrado.
Aí foram criando as casas, foram chegando gente.
Hoje é uma cidade já bastante elevada do chão, Almeirim.
P/1 – E o senhor brincava com quem? Com os seus irmãos, com outras crianças lá? Como é que foi a infância lá? Quais eram as brincadeiras?
R – A brincadeira era bater bola, jogar pião, ioiô, conhece? Isso.
Papagaio.
E canoinha também, o transporte naquele tempo era canoa à vela, no remo.
Ginga, que era no faia também.
Tinha um de ginga aqui numa forquilha, botava o faia, se dava o nome de faia.
A gente andava meia semana e dia assim.
De Almeirim para cá dá 12 horas de viagem.
A gente vinha de lá até no pé da cachoeira, onde vocês vão banhar.
Eram dois, três, quatro, cinco dias para chegar aqui, de lá de Almeirim para cá.
P/1 – E vocês iam para banhar lá?
R – Vinha e voltava.
Não, a gente vinha às vezes fazer trabalho para ele, aí terminava a safra, a gente descia.
É que nem aqui hoje, a gente tem uma colocação para cá, a gente traz gente de muito longe para trabalhar.
Quando termina a safra, são dois meses, três meses, aí todo mundo acerta, todo mundo vai procurar seu rumo.
P/1 – Como era na sua casa? Quem exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – Ah, sempre foi o velho.
Sempre meu pai que era autoridade.
Depois dele era.
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P/1 – Ele era bravo?
R – Não, ele mais excelente.
Agora, a minha mãe era mais braba.
Sempre a mãe é mais braba do que sempre o pai.
O pai pouco bate a gente, mas a gente respeita mais.
A mãe aqui e acolá está dando peteca na gente, mas a gente facilita com ela, que a pilha de mãe não dói.
Mas do pai, o dia que ele batia (risos).
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Poucas vezes, mas o cabra caía.
P/1 – E como o senhor era? Era uma criança de aprontar? Era mais quietinho?
R – Não, tudo era sapeca.
Tudo a gente aprontava.
A gente saía três horas, quatro horas, a gente chegava sete, oito horas da noite, na hora que chegava, comia, porque nós tínhamos passado do horário.
Mas peia não ajeitava mais.
P/1 – O que vocês aprontavam?
R – Nós aprontávamos que nós dizíamos assim: “Olha, nós vamos jogar bola”.
Nós íamos lá para fazenda com uns colegas que a gente tinha, que eram os filhos dos fazendeiros, aí nós pulávamos em cima de costas de cavalo e íamos ajudar eles pegar o gado lá, prender.
Aí eles tiravam duas respas cada um, que ajudava para prender, quatro horas da manhã a gente ia para lá: “Olha, duas vaca e tu, para tu tirar teu leite para levar”.
Era isso que nós aprontávamos.
Ela pensava que a gente estava numa atividade, a gente já estava noutra (risos).
Hoje a gente repara filho: “Rapaz, esse menino.
.
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”.
A gente já vê daí tudo que a gente aprontou.
A gente não quer que o filho apronte.
Mas é assim mesmo a vida.
P/1 – E seus pais eram de contar história? Sua avó contava história, essa que era parteira, para vocês?
R – Não, o meu pai conversava pouco.
Agora, minha avó conversava muito, contava muita história, que ela era mais antiga, tinha muita história de antiguidade.
P/1 – Que histórias que ela te contava, você lembra?
R – Ah, era daquele pessoal que era valente naquela época, e tinha aquela quadrilha.
É idêntico que nem hoje tem aquela quadrilha, que faz aquela quadrilha para assaltar, roubar.
E naquela época não.
Eram os brabos que tinham o nome, que tinha aquele grupão, aí formava aquilo ali, aquele grupo, para ficar aquele grupo de valente, que hoje é tipo.
.
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Que nem tem hoje a quadrilha dos bandidos.
Assim era antigamente.
Só que não matava, não roubava, o cara tinha que respeitar aquele camarada, porque ele era o chefe do batalhão do pessoal, ele passava a ordem e era executada.
Hoje não.
Hoje é perigoso.
P/1 – A sua avó era parteira.
O senhor nasceu pelas mãos dela ou não?
R – Foi.
Foi.
Foi.
P/1 – Foi ela que fez o parto da sua mãe?
R – Nessa época, se existia médico, era só lá para cidade.
No interior era parteira.
Naquela época, médico era parteira.
P/1 – E o senhor a assistiu fazendo parto?
R – Assisti e muito ainda.
Chegava muita gente do Jutaí, Chicaia, dessas beiradas de Amazonas aí, dentro desse Jari.
Seringueiros que eram conhecidos iam bater lá.
Era anunciada a parteira de preferência, só se mesmo fosse o dia de morrer.
Que nem hoje, se levar antes do médico, o médico não dá vida, mas se antes não for de morrer, ele ajeita.
Assim era ela.
P/1 – O senhor se lembra do primeiro parto que o senhor viu, assim, a impressão que o senhor teve?
R – Não.
Não.
Do primeiro parto, não.
P/1 – Mas teve algum que marcou o senhor, que o senhor lembra? Vem assim na imagem do senhor, na cabeça?
R – O que viu muito, muito tempo ela, foi o outro meu irmão mais velho, o Júlio.
Esse aí ainda assistiu mais um pouco, porque é o mais velho, foi o primeiro.
Agora, nós fomos já vendo os últimos já.
P/1 – Mas aí quando ela fazia o parto, vocês ficavam assistindo?
R – Não.
Não, senhora.
P/1 – Não podia assistir?
R – Não.
Ave Maria, ia era bem para longe.
(risos) Não podia, não.
Lá só era ela e a pessoa que ia ganhar neném.
Às vezes tinha uma ajudante, que às vezes tinha dificuldade, ela também já estava um pouco com idade, essas coisas, aí ela contratava outra pessoa para ajudá-la a segurar a pessoa para ela fazer o parto.
P/1 – Quais eram as comidas que tinham na tua casa? O que vocês comiam?
R – Nós naquela época fomos criados mesmo com arroz, feijão, charque naquela época, e pirarucu, que naquela época não tinha “proibimento”.
E dentro do depósito do patrão, que era desse José Júlio, era empilhado de pirarucu.
Aí a gente ia lá, fazia a nota toda semana, sábado, dia de sábado a gente prestava conta lá, acertava com a gente, comprava, pagava e comprava novamente para semana.
Arroz, feijão, charque e pirarucu.
Naquele tempo não tinha esse negócio de mortadela, calabresa.
Conserva sempre teve.
Já tinha conserva.
Parece que, se eu me engano, ainda tem, bem pouco também aquele peito de boi que vem enlatado, em conserva.
Faz tempo que não vejo, mas acredito que ainda tenha.
Que a sardinha tem.
P/1 – Mas tinha alguma receita especial? Sua mãe gostava de cozinhar? Ela cozinhava?
R – Gostava.
Por sinal, ela era cozinheira do José Júlio.
Era cozinheira, era lavadeira de roupa, fazia também particular, sem ser dele.
Que eram cinco filhos, era uma carga medonha.
P/1 – Ela era cozinheira dele?
R – Cozinheira dele.
Era sim.
P/1 – Você conviveu com ele? Você se lembra dele?
R – Lembro-me demais.
P/1 – Como ele era?
R – Ele era baixo, grosso.
Era um cearense ele.
Era lá da terra de Baturité, lá no Ceará.
P/1 – E como ele era de gênio assim? Como ele tratava as pessoas?
R – Ele era brabo.
Ele que era o chefão mesmo.
Aquele ali, quando ele ia mandar o capataz dele, o caboclo chegava lá: “Sobreira.
.
.
”.
Sobreira era o apelido, mas o nome dele era José Januário, esse capataz dele, que era a segunda pessoa dele, era um pernambucano grande, por sinal, ele era até meu padrinho de crisma, foi meu padrinho de crisma.
Aí o caboclo chegava lá: “Seu Sobreira, eu queria trabalhar”.
Aí ele ia lá com o José Júlio: “Seu Júlio, chegaram duas pessoas aí que estão procurando trabalho” “É, contrata ele.
Pegue o nome dele.
Bote em tal lugar”.
Aí botava o cabra ali para tomar conta.
“E vá observar.
” Aí botava o cabra para lá.
O cabra não dava naquele trabalho, que não era a área dele: “Olha, o homem não aprovou, não.
Embora, procure outro”.
De forma que ele testava dez posições que tinham: tomar conta de cachorro, tomar conta de gado, carneiro, bode.
Ele tinha uma cerca muito grande, como daqui para o outro lado, tinha tudo quanto era bicho: era anta, era porco-caititu, veado, paca, cotia.
Tudo ele tinha dessa área lá.
E o cabra de lá só botando ração, reparando.
Quando o cara não dava mesmo, o meu padrinho, que era o Sobreira, dizia assim: “Seu José Júlio, o homem não aprovou, não.
Não quer nada o homem.
Está ruim”.
Ele tinha um navio chamado Sobralense.
“Bote-o no Sobralense e manda para o Cotijuba”.
Cotijuba é um local que tem próximo de Belém, e acho que vocês já ouviram falar desse Cotijuba, fica próximo de Belém, é uma ilha bem aqui só céu e água.
Lá deixava o caboclo lá, lá o destino ele que ia fazer.
Não tinha canoa, não deixava.
Tinha de tudo para se alimentar.
Agora, de lá não fugia, tinha que se acabar lá.
Cotijuba.
Isso aí existe lá para próximo de Belém.
Já ouviu falar nesse Cotijuba? Ninguém ainda não ouviu falar?
P/1 – Eu não ouvi.
R – Não? Existe.
Isso tem.
P/1 – Tem lá então?
R – Tem.
Naquela época, foi ele que abriu.
Mandou abrir, nessa época, que era ele que era o mandão na área mesmo.
O homem era tão forte, ele tinha uma equipe tão grande, que, olhe, até governador botava um candidato dele, o governador, e ele botava o dele.
Eu lembro demais, que em duas eleições ele teve oito anos de prefeito colocado por ele, que ele: “Olha, esse aqui é o nosso candidato e quero que vote todo mundo”.
Eu lembro o Barata.
Não sei se vocês ouviram falar no Barata.
Foi o maior governador do Estado do Pará.
Aí o José Júlio botou um candidato dele em Almeirim e o Barata com o pessoal dele nomearam o seu Maceda, esse aí era do governador, candidato do governador, seu Maceda.
E o Celso Andrade de Oliveira era do José Júlio.
E esse do José Júlio ganhou.
Aí o governador tinha mais potência, que era governador.
Tinha porque o cara tinha que sentar na cadeira, aí foi uma confusão.
Lembro-me demais.
Nessa noite, minha mãe, minha avó, meus tios: “Ninguém, vai dormir, que pode os caras virem invadir aqui”.
José Júlio mandou buscar um advogado em Belém para empossar o candidato nosso, que era o Celso Andrade de Oliveira.
Ele veio, o advogado, umas dez horas da noite, um senhor de Raimundo Breves, já estava contratado, quando o cara entrou na casa do prefeito já, que era prefeito, lá na praça de Almeirim, bem no lado assim, perto de uma delegacia que hoje está abandonada lá, que hoje a delegacia está lá para trás, e o cara se escondeu atrás de uma mangueira lá, está lá aquela mangueira, aí meteu 44, quando o cara subiu, ele meteu 44 na encruza do cara, do advogado, doutor Ziriel, me lembro demais o nome dele.
Está lá a foto dele em Almeirim, no cemitério.
O cara matou só para ele não empossar o cara.
Mas aí veio outro, teve que empossar.
O governador não suportou o José Júlio, era muito pesado o cara.
Ele era muito mais forte que o próprio.
.
.
Hoje, esse Ludwig que está hoje, que tem um monte de sócio, e ele era sozinho na área, ele manobrava com todo esse povão.
P/1 – E com a sua mãe, como ele era? Como ele tratava a sua mãe?
R – Ah, ele tratava bem dela.
Era comadre dele, trabalhava lá no chalé dele, na casa dele.
Fazia de tudo lá, era a segunda pessoa dele.
P/1 – Como era a casa dele?
R – Ah, era um chalé muito grande, muito bem feito.
Assoalho de acapu e Pau Amarelo machiado.
Não sei se vocês já viram esses.
Tudo bem desenhado, muito bem feitinho.
Tinha dois para-raios.
Raio, só caiu um.
Durante ele existir lá, só caiu um raio na época lá, varou o telhado, enterrou.
Umas nove horas da noite deu um tempo, aí caiu esse raio, que furou o telhado, varou com o assoalho e sumiu.
E ele tinha chegado do escritório, que ele ia lá balancear.
Antes de ele ir para o Rio de Janeiro, ele ia lá, balanceava o escritório lá dele, depósito, o que estava faltando, mandava fazer o orçamento.
Aí ele chegou sete horas da noite, chegou lá, ele tinha cinco, seis empregadas, duas num horário, pegava às seis da manhã, depois das dez, 11 horas, que ele almoçava, uma num punho, outra noutro.
Ele “acestava” uma num punho, outra noutro, balançando-o até tirar duas horas de quarto, três, aí findava o horário daquelas, entravam outras duas.
Inclusive, minha irmã era uma também, que ele estava criando, ela morava com ele, fazia esse horário também.
Aí ele chegou, olhou, tinham dois armadores, aqueles gatos.
Aí ele olhou: “Desengata esse aí.
Esse lado desse punho coloca para ali”.
Tiraram daqui.
.
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“Só um lado.
” Tiraram daqui, trouxeram para ali.
Quando foi nove horas, o raio shhhh, ia arrebentar com ele, bem onde estava a rede dele.
Quando passou, ele: “Olha, se eu não tivesse aprendido, eu tinha morrido.
Eu sabia que ia cair isso”.
Ele adivinhava.
Ele era cruel.
Naquela época o cara fazia o que podia, tinha dinheiro.
O cara que tem dinheiro faz o que quer.
Só não o que não pode mesmo.
Ele contratou uma parteira naquela época e ele mandou a parteira roubar uma criancinha, pagã, pequenininha.
Aí ele mandou curar essa criança, mandou fazer uma caixinha toda de ouro, de vidraça, uma tampinha e um chicotinho.
Quando ele chegava, toda seis horas da tarde, ele fazia aquela prece dele.
Saía para lá para o quarto dele lá, no quarto dele era só ele que entrava, e gente do peito dele, de confiança dele.
Chegava lá, ele pegava aquele chicotinho, tirava aquela criança seca, chegava lá, ele surrava e conferia: “Dois, três, quatro”.
Aí o menino chorava.
Está bom, não tem bronca com ele.
Quando tinha uma confusão, uma confusão grande assim, ele custava a chorar, ele já sabia: “Vai ter bronca comigo”.
Ele era muito preparado, esse José Júlio.
Foi o maior patrão aí dentro da área, acho que é ele.
P/1 – Eu não entendi.
Ele tinha nessa caixinha?
R – Nessa caixinha, ele tinha um menino pagão, seco, curado.
P/1 – O que é seco, curado?
R – Ingerir aquilo.
Tem um pintinho, a senhora o bota no sol ali, ele seca, fica perfeito, mas ele fica sequinho, só o osso, a pelinha em cima do osso, fica tudo perfeito.
Aí ele mandou curar lá para banda de Faro lá.
P/1 – Um bebê de verdade?
R – Um bebê de verdade.
Foi.
De verdade.
Ele tinha isso.
P/1 – Sua mãe tinha medo dele?
R – Não, porque era só uma panelinha.
Era ela, minha mãe, e a minha avó que era mãe da minha mãe, que era comadre dele, do José Júlio.
Eram só quem sabia dessa jogada, eram só ele e elas duas.
Eram só quem tinham liberdade.
P/1 – E o seu pai?
R – Meu pai, ele durou pouco, o meu pai.
P/1 – Quantos anos você tinha quando ele morreu?
R – Eu devia estar.
.
.
Tenho muito pouca lembrança, eu devia estar de uns sete anos, oito anos, sete anos, seis, por aí assim.
P/1 – O que você se lembra dele?
R – Bem pouco.
Que ele era alto assim, da minha altura.
Eu andava com ele de canoa de madrugada.
Na hora que ele levantava, a gente estava de pé: “Eu vou com o senhor, pai” “Não, a gente vai demorar”.
Aí chorava, ele tinha que levar.
É muito pouca coisa.
Agora, minha não, minha mãe eu lembro muito.
P/1 – Aí quando ele morreu.
.
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R – Ficamos só nós com a minha mãe.
P/1 – Aí o José.
.
.
R – O José Júlio acudiu minha mãe, deu emprego para ela de cozinheira lá na casa dele.
Aí pediu uma filha para criar, que é essa Raimunda que mora lá, lá no Rio.
P/1 – Por que ela foi acabar no Rio?
R – Que era afilhada dele e ele levou para mandar educar.
Ele tinha muita gente que mandava educar.
Ele levava, mandava.
É que nem hoje a empresa Jari.
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P/1 – E ele deixou alguma coisa para ela?
R – Olha, o que ele deixou foi um prédio para ela, que a irmã dele morreu e ela ficou com esse prédio lá em.
.
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P/1 – Lá no Rio?
R – Lá no Rio.
P/1 – Então ela está bem?
R – Está bem, graças a Deus.
Desde dessa época, de sete anos, nunca veio para o mato.
P/1 – Nunca mais veio para cá?
R – Não.
A gente tinha que vê-la quando ele marcava lá para Belém, ela vinha lá para casa da minha irmã, que eu tenho outra irmã lá, aí que a gente se via.
De lá ela voltava.
Não veio mais para o interior de jeito nenhum.
Mora lá.
P/1 – E você foi para escola?
R – Fui.
P/1 – Com quantos anos?
R – Sete anos.
Oito anos.
P/1 – Como você ia para escola?
R – A gente ia para escola nessa época, a gente remava mais ou menos assim, quase uma hora para ir estudar particular com uma professora.
Você sabe o que é remar? Canoinha assim, três, quatro, cinco, aquele grupo.
P/1 – Quem ia? Seus irmãos?
R – Eram.
Éramos nós.
A gente ia estudar, quando eram dez horas, a professora soltava a gente, a gente vinha embora no remo.
P/1 – Você se lembra dessa professora?
R – Lembro.
Ainda é viva, ela.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Guíta.
Guíta.
Guíta.
.
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Não me lembro agora o sobrenome dela.
Ela mora em Almeirim.
Está lá em Almeirim.
P/1 – O senhor gostava de ir para escola?
R – Gostava.
Não tinha preguiça de estudar, não.
Só não aprendi muito porque infelizmente naquela época a escola não é que nem hoje que é dentro de casa.
Naquela época, a gente remava era mais de uma hora, duas horas, para ir estudar.
Era.
Hoje não, hoje quem não quiser estudar é preguiça mesmo, porque a escola está dentro de casa, é bem do lado, e a pessoa ainda diz que tem preguiça de estudar.
Naquela nossa época era dificuldade, vixe Maria.
P/1 – Do que o senhor mais gostava na escola?
R – Ah, a gente gostava de fazer o serviço da gente.
E depois que a gente saía de lá, ia para o Recreio lá, era bola, direto, até sair.
Até eu procuro para esse meu filho que estuda hoje.
A senhora acredita que eu ainda não vi um pessoal desse saber fazer pelo menos o sinal da cruz? E tem ginásio, tem tudo.
Eu procuro: “O que vocês fazem? Vocês cantam o hino do Brasil?”.
Era o primeiro que a gente fazia na escola.
Antes de começar, cantava o hino do Brasil, depois rezava, aí cada qual na sua carteira.
E eu tenho um monte de filho aí, e nenhuma professora: “Olha, vamos cantar o hino do Brasil, vamos rezar, para depois começar”.
Eu faço entrevista demais com eles, mas olha como está a educação hoje.
Hoje a maioria não é de fazenda.
O próprio funcionário, que é o professor, ele só visa o real: “Ah, está sem importância, eu sei que estudar fazendo o H ali, ‘bora’, te vira, faz isso, faz aquilo”.
Bota lá na lousa lá, bota lá, o cabra vai lá copiar, ele não sabe nem o que é, ele está só vendo a letra e fazendo.
Naquele tempo era rezado: “Faz assim, letra fulano de tal, tal”.
Dia de sábado, o estudo era tabuada.
O dia todinho tabuada, de manhã e de tarde.
Hoje não existe isso mais, é tudo diferente.
Gente que tem hoje segundo grau, oitava série hoje, perde de uma pessoa que hoje tem quarta série, quinta série, que eu conheço várias pessoas nisso.
Que às vezes é peixada lá na escola, o professor gosta do aluno, aí dá ponto sem ter, sem saber.
P/1 – Seu Hermógenes, quando o senhor começou a trabalhar?
R – Ah, isso aí eu trabalhei cedo.
De oito anos, foi obrigatório, que meu pai.
.
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P/1 – Com oito anos?
R – Oito anos.
P/1 – Quando ele morreu.
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R – Oito anos.
Chegava gente ali: “Maria Soares, me dá teu filho para ir levar essa cestinha bem ali em casa”.
A gente já ia, já ganhava.
Naquele tempo eram umas patacazinhas que tinham assim.
Era um valor que eu nem lembro.
A gente vinha de lá: “Toma! Isso aqui é do teu trabalho”.
Chegava lá: “Minha mãe, olha, eu fiz um mandado ali para um fulano de tal, olha o que ele me deu”.
Ela: “Está bom”.
Ela pegava o dinheiro: “Quem foi?” “Fulano de tal” “Está”.
Ela ia ficar na passagem do cara lá.
Quando ia passando o fulano, se era José: “José, vem cá! Tu deu alguma moeda para o Hermógenes?” “Foi.
Dei.
Ele foi fazer um mandado para mim”.
Era para ela acreditar, senão, se você tivesse pegado na rua, ela ia devolver.
Era assim entrevistado, nós tínhamos que contar quem era, e ela não acreditava, e ainda ia procurar se era verdade.
Hoje não, hoje está tudo aos avessos.
P/1 – Aí você começou de entregar coisas?
R – Entregar coisas.
E carregar também castanhas numa cestazinha.
No tempo do José Júlio, uma cestinha de meia lata de lata de castanha.
Porque já podia botar aqui, embarcar no navio do José Júlio, que era o Sobralense.
De 15 em 15 dias, ele fazia o embarque e a gente fazia o extraordinário, que chamavam, das seis horas à meia-noite.
Trabalhava das seis à meia-noite, ganhava um dia.
Ele não contava o dia, era o que nós fizéssemos.
Era na ficha, uma fichazinha.
Ali, dez paneiros eram uma patacazinha, um valor.
Aí a gente botava o “pangueirinho” era na carreira, vapu, vapu, vapu, vapu.
Quanto mais aquele que corresse mais, mais fazia.
Quando a gente chegava, recebia, meia-noite mesmo, a gente levava para mãe da gente, entregava.
P/1 – Ganhava o dinheiro, já dava na mão da sua mãe?
R – Na mão da mãe.
Era sim, senhora.
P/1 – Seus irmãos também trabalhavam?
R – Tudo.
Tudo trabalhava.
E tudo que recebia, já para mão da mãe.
A geração de hoje pega pela rua, por lá ele come, bebe, fuma, e mãe nem vê.
Ainda quer às vezes que a mãe e pai paguem: “Não, você vai me pagar o serviço que eu fiz”.
P/1 – Seu Júlio, daí o senhor parou de estudar na terceira série?
R – Foi.
P/1 – Por quê?
R – Porque não deu mais, eu fui obrigado trabalhar mesmo.
Aí foi o tempo que ele foi embora, ele morreu, aí ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬desmantelou.
Aí já outro governante que foi, não era mais de conhecimento da gente, aí gente teve que abandonar um ano, dois anos, direto trabalhando para sobreviver, manter minha mãe com os outros irmãos menores.
E assim a gente foi se criando.
Graças a Deus a gente está criado.
P/1 – O senhor ficou triste que teve que parar de estudar?
R – Vixe Maria! Demais.
Não me arrependo, porque eu não boto culpa nem no meu pai, nem na minha mãe, a dificuldade na nossa época, era dificultoso.
Teve que ficar no estudo por aí mesmo, porque não tinha como se formar, ter recurso para ir: “Olha, gosto, tal, tal grau, fulano de tal, tu vai para tal canto”.
Hoje não.
Você estuda aqui.
Quem nem o Amoroso que tem essa equipe aí, o cara acaba de estudar, ele bota para ali, para ir aprender para lá para Pacuí, tem Castanhal, tudo por ali, ele banca o estudo do cara até terminar.
É técnico agrícola, tudo, essa empresa Jari faz isso com o povão.
É muito menino jovem que está trabalhando, hoje está bem que aprendeu nessa empresa Jari.
P/1 – Aí o senhor parou de estudar e continuou na castanha?
R – Trabalhando direto, até hoje.
P/1 – O que o senhor fazia já? Aí quando foi crescendo.
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R – Foi crescendo, daí chega aquela data daí a gente fazer essa atividade de extrativismo, que é a castanha, a gente ia embora para o mato passar três, quatro meses, cinco meses para lá, tirando a castanhinha, vendendo.
Tinha um responsável, que era meu tio, que era o irmão da minha mãe.
Foi ele também que acabou também de nos criar, que era o mais velho da minha mãe, irmão.
Aí ele que foi o tio e pai de criação nosso, que nos criou.
Está com quatro meses que ele morreu.
Inteirou cem anos num dia de domingo, quando foi segunda-feira, ele faleceu.
Está com uns quatro meses, esse meu tio.
Fez um século.
P/1 – Viu coisa.
R – Viu coisa.
Viu.
P/1 – Aí você era adolescente? Você era jovem quando você ficava na mata esse tempo, ou ainda você era criança?
R – Já.
Já.
Não, eu já estava de 12 anos, 13, por aí assim.
P/1 – Aí você ficava três, quatro meses na mata? Com 12 anos?
R – Era.
Ficava, mas com meu tio, esse que acabou de nos criar.
P/1 – E vocês dormiam aonde?
R – A gente tinha o barraco dentro do mato.
A gente faz o tapiri, a casinha que a gente fala, de palha, assoalhada, naquela época era paxiúba, derrubava paxiúba para bater, para fazer esse assoalho assim para gente.
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P/1 – Paxiuba o que é? Uma.
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R – Paxiuba é uma palmeira igual pupunha.
Ela tem uma raizinha tudo cheia de espinha.
A gente derruba, bate ela com costas de machado, pica ela todinha, depois bate, pa pa pa, e racha, ela fica aberta aqui assim, tipo uma tábua dessa.
A gente vai assoalhando.
Eram assoalho antigamente os barracos da gente dentro do mato, e mesmo o local onde a gente morava.
A pobreza naquele tempo, vixe, quem tinha uma casa de assoalho de paxiúba, vixe Maria, estava bem de vida.
Era.
“Ubinha.
” Quando não era “ubinha”, o máximo que a gente cobria naquela época era a palha de ubuçu.
Ubuçú.
A senhora não ouviu falar.
Aqui nas ilhas, quem vai para Belém, nessas áreas aí têm muito essa palha, ubuçu.
P/1 – Aconteceu alguma história assim, nesse período, de três, quatro meses na mata, que o senhor viu que aconteceu? Deve ter acontecido muita coisa.
R – Não, mais o que a gente via era bicho do mato, que a gente via, que era no mato mesmo, que no mato é só o que tem.
Onça, catitu, veado, esses bichos que a gente matava para alimentação também.
Lá a gente só se alimentava lá da caça do mato, às vezes a gente levava do comércio, feijão, charque, arroz, pirarucu, que naquela época tinha muito, não era proibido na época, e só matava mesmo para alimentação.
Lá eu trabalhava seis dias.
A gente ia segunda-feira, trabalhava até sábado.
Sábado a gente enchia uma “canoona” de castanha e vinha na vara trazendo para lavar, para entregar aí no Almeirim, para o Arumanduba para o José Júlio.
Lá o responsável dele que recebia, media, dava a nota, a gente ia para o escritório.
Lá prestava conta, saldava, recebia, fazia novamente compra de novo.
P/1 – Ficava o dinheiro ali?
R – Ficava o dinheiro lá.
Ficava lá, circulava só lá.
Se você saldasse naquela época, vamos dizer hoje, cem reais, você fazia aquelas compras naquele valor, se não desse, passava da quantidade, que às vezes não dava aqueles cem reais que você saldava, aí você já ficava devendo já para outra semana.
Aí você entrava de novo para trabalhar.
Só vinha no fim da quinzena, 15 dias.
P/1 – Ah, a venda era dele?
R – Era.
A venda toda era dele.
P/1 – A venda era dele, você vendia para ele, quer dizer, o dinheiro circulava tudo ali?
R – A gente devia o produto, que vendia para ele o produto que a gente conseguia, a castanha, depois da castanha a gente ia tirar o leite da seringa.
A gente cozinhava o leite da seringa, fazia o bloco, aí a gente trazia para pesar, entregava.
Tudo era para ele, juta, todo o produto que saía era ele que comprava.
Ele mesmo que comprava e exportava para fora.
Levava para Belém, de Belém exportava.
P/1 – E o senhor viu onça?
R – Vi bastante.
Isso aí bastante.
P/1 – Qual foi a primeira que você viu?
R – A primeira que nós vimos, ela até agarrou um cachorro nosso, aí eu escutei o grito, “caim, caim”, aí eu gritei: “Corra, tio, a onça está pegando o cachorro”.
Quando nós chegamos lá, que ele chegou: “Chega aqui, que não é uma onça, não.
É um sucuriju”.
Chegamos lá, ele estava embolado com o cachorro.
Aí: “’Embora matar o bicho para tirar, ver nós ainda livra”.
Aí chegamos bem pertinho assim, ele atirou no toutiço dele assim, ele afrouxou um pouquinho, nós acabamos de meter o terçado, acabamos de matar.
Aí rachamos o rabo dele assim, pegamos uma forquilha de um pau, tiramos uma forquilha, enfiamos assim e o espichamos.
Esse sucurijú deu 29 pés do meu.
P/1 – O que é sucurijú?
R – Sucurijú é uma cobra que tem.
Ela só pega bicho assim, bicho no mato, na água.
P/1 – Ela tem o que seu? Vinte e nove.
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R – Deu 29 pés do meu.
Lembro-me demais, como fosse hoje.
O comprimento dela assim.
P/1 – Sei.
R – E a cobra, ela não espicha, ela não fica que nem um fio desses, ela fica sempre.
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Aí eu medi daqui assim, medindo os pés, até perto da cabeça dela, 29 pés do meu.
Aí deixamos.
Tiramos uma forquilha, engatamos no rabo lá atrás e na cabeça.
Ficou lá, o urubu comeu.
Outra vez foi uma onça que pegou um cachorro nosso de novo.
Porque lá a gente caçava muito de cachorro, criava muito.
Que eu sou fanático por conta de cachorro.
Eu tenho cachorro.
Meus cachorros foram ontem, que caçam.
O meu genro levou para cá para dentro do castanhal.
Outra vez quando nós escutamos foi o grito, quando chegamos, ela estava embolada, aí tinha um pessoal, foi e atirou, matou.
Mas já estava morto também o cachorro.
P/1 – Você não ficou com medo?
R – Não, porque eu fiquei para trás, ele era maduro, e eu meio criança assim, menor do que esse aí.
Aí chegou primeiro, estava armado, e atirou nela.
Nós trouxemos, tiramos o couro para vender, que vendia.
Naquele tempo a gente vendia tudo para sobreviver: couro de onça, couro de sucuriju, couro de jacaré, couro de capivara, queixada, veado, catitu, lontra, tudo a gente tirava para vender.
E ele comprava tudo, o José Júlio.
É.
Comprava tudo.
E o local dele era lá, abaixo de Almeirim, chama-se Arumanduba.
De lá até aqui, até aqui tudo era dele.
Daqui rodava o Jari todinho, até no Santo Antônio do Jari.
Já ouviu falar no Santo Antônio? Até lá ele manobrava.
Toda essa área aí era dele.
Ainda tinha do outro lado do Aquiqui, outra área.
Você reparou Almeirim? Conhece Almeirim? Não.
O nosso amigo conhece.
Em frente Almeirim assim, do outro lado tem uma zona grande que passa em Almeirim, tem uma área para lá, era dele também, lá ele tinha 22 mil cabeças de gados lá naquela área.
Ele vendeu para o doutor Michel na época, para esse doutor Michel.
P/1 – E além de trabalhar, o senhor tinha tempo para se divertir em festinha?
R – Era.
Agora isso aí era mais seguro, que os pais, as mães, para deixar assim, você tinha que fazer todos os mandados.
A gente já sabia que ia ter uma festa, estava falada a festa.
Olha, tal canto tem uma senhora chamada Necleta, era uma senhora que festejava um santo, São Sebastião.
Aí a gente fazia tudo.
Mandava fazer isso, a gente ia na carreira para ganhar confiança: “Poxa, vamos fazer para ver se vão nos liberar sábado para nós irmos à festa”.
Quando chegava por ali, seis horas, sete horas: “Mãe” “Oi” “Vim falar uma coisa para senhora, a senhora vai aceitar? A senhora libera?” “Não sei.
Se souber” “Não, tem uma festa lá na dona Necleta, a gente quer que a senhora libera a gente para ir” “Olha, vocês vão, mas uma hora da madrugada, se passar, da outra vez não vai”.
E nós tínhamos que chegar antes.
Mas depois, se passasse daquele horário, não ia mais.
Olha e olha para gente ir a uma festa.
Quando ia, era junto com ela.
P/1 – O senhor gostava de ir à festa?
R – E muito.
Foi meu esporte, foi festa.
P/1 – Que festas que o senhor ia?
R – Tudo quanto era festa que tinha, eu estava dentro.
E naquele tempo era saxofone, clarinete, um pé de cão, que chamava, que a gente fazia uma rodinha assim, botava uma borracha assim, batia, tein tein.
E a viola, o cavaquinho, e o cabra cantando.
Tem um programa da flauta, não tem? Um colega da gente tocava flauta e a gente caía dentro do samba até uma hora, duas da madrugada, e vinha embora.
P/1 – O senhor tocava algum instrumento?
R – Não.
Isso eu nunca aprendi tocar.
P/1 – Mas cantava?
R – Também nunca cantei.
Os meus irmãos, os dois cantavam, tocavam, mas eu, não.
Não aprendi.
P/1 – Tem alguma música que o senhor lembra, que o senhor gostava, dessa época?
R – (risos) Tem muita música antiga, de vez em quando eu lembro: “Ah, tempo bom que não volta mais”.
P/1 – Fala de uma.
R – Tem muita música.
P/1 – Que lembra bem, o senhor lembra e se lembra da sua juventude.
R – Lembro-me da minha juventude, dancei.
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P/1 – Qual era?
R – Dancei muito aquele Senhor de Bolero, tinha o suingue, tango, foxtrote.
No Faustão, isso funciona, esse programa dele.
Isso aí eu dancei tudo esse tipo de música naquela época.
O Faustão, o programa dele é música antiga, é xote, valsa, suingue, tango, bolero.
Aquilo tudo era da antiguidade, aquilo a gente tudo participava, dançava aquilo.
P/1 – E música brasileira, qual você gostava?
R – A música brasileira que eu gostava naquela época, tinha um senhor de Brasileirinha, que isso eu nem lembro mais, lembro o nome da música só, que era Brasileirinha.
Ela é tipo um suingue dançado ligeiro.
Tinha aquela uma que aquela.
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Eu lembro, era molequinho, que ela tinha não sei o quê.
Até essa Regina Casé, ela sempre dá no programa dela.
Meu Deus, deixe-me ver qual foi a música que eu lembro.
Gostei muito de festa.
Agora, a gente pouco gravava.
P/1 – E dançava? O senhor gostava de dançar?
R – Gostava demais.
Vixe Maria! Dia de sábado que eu não ia para festa, eu ficava chorando que minha mãe não liberava.
Agora, depois de 14,15 anos, aí pronto, eu já fui liberado, aí eu ia a hora que eu ia, também tinha a hora de terminar também, nunca passei também, nem depois de grande mesmo, até hoje mesmo, se eu vou olhar uma festa, uma coisa assim, deu meia-noite, uma hora, eu venho embora.
P/1 – E o senhor já tinha alguma namorada? Gostava de alguém?
R – Já.
Já gostava.
P/1 – Qual foi a primeira namorada que o senhor teve?
R – A primeira namorada minha foi uma senhora de Maria do Carmo.
Ela está viva hoje, tem um bocado de filhos, netos.
Eu era gamado por causa daquela mulher.
P/1 – De onde ela era?
R – Era lá da nossa cidade mesmo.
A gente se criou junto, depois a gente se engraçava, namorava.
P/1 – Como ela era?
R – Ela era magrinha, dançava bem que só.
Maria do Carmo.
P/1 – Quanto tempo você a namorou?
R – Um ano e oito meses.
P/1 – E por que vocês terminaram?
R – Porque não deu certo, aí já aparece outra na frente, aí já sabe como é? A vida.
A vida, a gente não faz o que quer, é determinada pelo tempo, vai acontecendo assim com o tempo.
Que dizem assim, que não existe a sorte.
Uma vez tinha um padre aqui, Frei Ricardo, e às vezes à noite assim a gente estava proseando com ele, aí ele: “Não, filho, a sorte existe”.
Digo: “Frei, será? Porque, poxa, se existisse a sorte, a gente não casava com pobre, a gente casava com quem a gente queria”.
Eu disse: “Olha, eu namorei mais de dez meninas e não me casei com a menina que eu gostava, que tinha vontade até de casar, e nunca casei, e vim casar com uma pessoa que eu olhei num dia, com três dias eu casei”.
Ele: “Será que foi só sorte?”.
Disse: “Acho que foi porque eu quis casar, padre?”.
Ele disse: “Não, a sorte que trouxe e deu certo”.
Existe a sorte? O que a senhora acha assim? Existe? Eu acredito, porque, olha, eu fui criado em Belém, andei muito em Belém, parei muito, me criei no meio de tanta coisa, andei muito, vim me casar aqui no interior.
Olha como é.
Eu acho que existe a sorte.
Casar com uma menina daqui.
Com uma semana que eu.
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Assim que nem vocês estão andando assim, vim fazer uma visita por aqui, lá me engracei dessa pessoa.
E é viva ainda essa primeira mulher minha.
Ainda é viva.
Eu tenho com ela são oito, nove filhos.
P/1 – Teve com ela?
R – Tenho com ela.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho.
Aí o senhor continuou trabalhando na castanha? Até quantos anos?
R – Olha, na castanha, de 20 anos eu larguei a profissão.
P/1 – Quando tinha 20 anos?
R – Isso.
A minha profissão era carpinteiro.
P/1 – Não, até 20 anos o senhor era extrativista?
R – Não.
Eu era carpinteiro.
De 20 anos em diante que eu virei para extrativismo.
P/1 – Não, quando você era pequeno, você já colhia castanha?
R – Já colhia, mas isso não era meu esporte ainda, eu ia assim, levado junto com meus tios para os castanhais, ficava para lá.
P/1 – Até quantos anos você ficou com os seus tios fazendo isso?
R – Eu fiquei até com uma faixa de 14 anos.
P/1 – E depois?
R – Depois fui ocupando.
Depois eu tomei conta de mim mesmo, aí eu comecei.
.
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P/1 – Você saiu de casa?
R – Saí de casa para trabalhar, procurar o melhor, porque ali a gente já estava cansado.
P/1 – Com 14 anos você sai de casa?
R – Já.
Mas assim, eu saía, trabalhava, mas eu voltava.
P/1 – Mas você trabalhava aonde?
R – Trabalhava um tempo.
Eu trabalhava assim, de carpinteiro.
Contratava casa para fazer nos locais.
Que nem lá, eu morava em Arumanduba, que é abaixo de Almeirim, e eu vim fazer umas casas para cá quando eu vim para cá com 20 anos.
Olha! Abandonei lá, aí corri trecho.
Cheguei aqui por intermédio de colega, “coisa”, aí vim para cá.
Cheguei aqui, me pegaram para fazer umas casas aqui, aí eu trabalhava de carpinteiro, aí fiz.
Depois o meu patrão, que nessa época que eu fiz, ele também saiu, aí já eu fiquei no extrativismo, castanha, agricultura.
P/1 – Deixe-me voltar outra vez.
Eu não deixo o senhor chegar a essa parte.
Com quem o senhor aprendeu a ser carpinteiro?
R – Com o próprio meu tio, que era o marido da minha tia que era irmã da minha mãe.
P/1 – Como você aprendeu?
R – O nome dele, que era o nosso chefe carpinteiro que nós aprendemos com ele, era Raimundo Sandinho.
Ele era marido da irmã da minha mãe.
Nós tínhamos uma equipe que trabalhava.
O José Júlio botava aquela equipe para ir para lá com ele para oficina, trabalhar de sapateiro, trabalhar no escritório, trabalhar no depósito.
Para tudo tinha posição.
Aí nós tínhamos uma equipe para trabalhar de carpinteiro, Raimundo Sandinho, que era o meu tio, que era o marido da irmã da minha mãe.
P/1 – Isso com 14 anos?
R – Com 14 anos eu comecei a trabalhar, até uma faixa de 20 anos.
P/1 – Mas aí você continuava morando com a sua mãe?
R – Morando com a minha mãe.
P/1 – Até com 20 anos você morou?
R – Com 20 anos, aí eu comecei a sair, aí eu tomei conta.
.
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P/1 – Saiu para onde?
R – Peguei o gosto de andar.
Inclusive, eu vim para cá fazer aqui umas casas aqui para o.
.
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P/1 – Aqui no Recreio?
R – Aqui nesse Recreio.
Eu cheguei aqui com 20 anos.
Fazendo casa, consertando canoa em Santarém, para balateiro subir nesse Paru.
P/1 – O senhor tem foto dessas casas?
R – Não.
Não, porque naquela época ninguém ligava para nada.
Até ajustar conta, você não tinha um talão, você não tinha nada.
Você prestava conta no borrador.
Botava nome, Hermógenes Soares Brazão.
“O que você está precisando?” Aí eu botava açúcar, café, tudo que a gente precisava.
Aí somava aqui: “Olha, a sua conta deu X” “Está”.
Aí descontava o haver que a gente dava, o que sobrou.
Quando não: “Olha, estou devendo X” “E o que tu vai precisar para semana?”.
Aí fazia outra nota de novo.
Aí a gente fazia, trabalhava de novo seis dias, tornava prestar conta.
A vida era lá.
Só rodando, ficava ali.
A gente saía, passava um mês, dois meses para cá.
Aí dava aquela época, ia a casa, passava um mês em casa com a mãe lá, aí voltava de novo.
P/1 – E você conseguia ganhar dinheiro, ajudar sua mãe?
R – A gente ganhava.
Ganhava, porque eu sempre ganhei meu trocozinho, minha mãe foi até felizarda comigo, porque eu nunca tive vício.
Meu vício era esporte, que era bola.
Brincar assim, farrear, que era festa.
Nunca bebi, nunca fumei um dia da minha vida.
Não.
Nunca.
O meu esporte era bola e festa.
Podia ter uma festa como daqui a Almeirim, eu tinha que arrumar um barco, uma voadeira, para ir dançar lá, de madrugada estar de volta.
A gente fazia isso para não perder o dia de serviço.
Senão chegava lá na hora de chamar, lá a chamada, falando o nome: “Fulano de tal” “Presente”.
Aí ele apontava.
Senão, se não tivesse para gritar “presente”, a gente fazia ovo de pato, zero.
Só no outro dia.
P/1 – O senhor nunca perdia trabalho?
R – Não, senhora.
Isso aí eu ficava muito chocado.
Para eu perder, só se fosse doença, tivesse muito doente, doente mesmo, que não pudesse andar mesmo, fosse coisa pesada, mas qualquer coisinha, nunca perdi dia de serviço.
Responsabilidade, isso aí eu tive demais desde novo mesmo.
P/1 – Depois que o senhor fez 20 anos, o senhor foi morar aonde?
R – Olha, depois que eu fiz 20 anos, eu não tive mais bem paradeiro, fui começando andar para um canto, trabalhava um ano num canto, saía.
P/1 – Que canto?
R – O local.
P/1 – Qual foi o primeiro canto?
R – Às vezes a gente saía.
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Com 20 anos, eu saí para cá.
P/1 – Aqui para o Recreio?
R – Isso.
O gerente aqui era até um parente meu, Raimundo Bentes, que era o gerente aqui, aí foi lá com o patrão.
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P/1 – Era gerente do quê?
R – Daqui da empresa.
Que ele tomava conta aqui da comunidade.
Era o patrão.
Vinha a mercadoria.
.
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P/1 – Que empresa era?
R – Hein?
P/1 – Que empresa?
R – Da empresa José Júlio.
P/1 – Continuava? Dele mesmo?
R – Dele mesmo.
Isso.
Aí ele vinha e tomava conta, que nem um gerente, que ele estava numa loja.
Aqui ele arrumava o trabalho para gente, a gente ficava.
P/1 – Era dele ainda.
Era do José Júlio.
R – Era do José Júlio.
Só que ele tinha os funcionários que tomavam conta, mas era do José Júlio, era empregado dele esse pessoal.
P/1 – E a sua mãe não trabalhava mais?
R – A minha mãe, nessa época, ela trabalhava ainda e muito.
P/1 – Para ele?
R – Não.
Aí ele foi embora para o Rio.
Foi o tempo que ele vendeu essa área para outra equipe portuguesa, que foi que botou acho que quatro, cinco, seis portugueses e um cearense que compraram do José Júlio.
Com uns 20 e poucos anos, eles venderam, aí apareceu esse Ludwig, que foi quem comprou já dos portugueses.
Essa área aqui hoje é empresa Jari.
P/1 – E você chegou a trabalhar para eles?
R – Não.
Para o Ludwig não trabalhei.
.
.
Para ele mesmo, assim direto, não.
Trabalhava aqui na filial, que pertencia a ele.
Pertencia a ele tudinho isso aqui.
O pessoal que trabalhava, tudo era pela empresa.
A gente trabalhava, o salário vinha de Belém dentro de um envelopezinho, já vinha o salário.
Eles que faziam o salário da gente.
Quando chegava fim do mês, eles vinham de lá de Belém, pegava uma voadeira lá em Arumanduba, vinha aqui fazer o pagamento.
Já vinha o dinheiro na “coisa”, só via entregar.
P/1 – Num envelopinho.
R – Num envelopinho.
A gente olhava, pegava, só fazia assinar como ele estava entregando, para ele ter o comprovante que pagou.
P/1 – E que casa o senhor morava? Como era a sua casa?
R – Minha casa era bem ali assim.
Era uma casa de palha de ubim.
Já assoalhada de tábua mesmo, mas a coberta era ubim.
P/1 – E você estava namorando nessa época?
R – Estava.
Nessa época que eu cheguei aqui, com uma semana eu namorei essa menina, que eu me casei com ela, que ela é viva ainda.
P/1 – Como você a viu? Como foi esse encontro?
R – Ah, isso aqui foi muito rápido.
Cheguei aqui, com três dias namorei com ela.
P/1 – Mas você olhou, ela estava o quê? Sentada aqui? Como ela estava?
R – Não.
De tarde, estava na casa dela de tarde, as meninas tomam banho, se ajeitam e vão passear.
E aí eu me engracei e deu certo.
Eu discuti com o padre, estava trocando ideia com o Frei Ricardo, que eu dizia para ele que não existia a sorte, ele disse que existia.
Porque da onde eu não vim para vir casar bem aqui.
P/1 – Aí você olhou.
Como ela era?
R – Ela era baixinha, bonitinha.
Eu digo: “É essa mesma”.
Aí fui e me casei com ela dia três de maio de 1958.
P/1 – Como foi o casamento?
R – Fomos daqui casar lá em Arumanduba, na capela de Nossa Senhora de Perpétuo de Socorro.
P/1 – Por que lá em Arumanduba?
R – Aramanduba era o local do José Júlio.
Lá que era a matriz dele, o local dele, abaixo de Almeirim um pouco.
P/1 – Mas a família dela era de lá, por isso que vocês foram para lá?
R – Não, a família era daqui, só que a minha família era de lá.
P/1 – E aí?
R – Aí eu trabalhei aqui, namorei com ela, aí fomos casar para lá.
P/1 – Como é o nome da igreja?
R – Na igreja católica.
P/1 – Como é o nome da igreja?
R – A igreja lá é Nossa Senhora de Perpétuo de Socorro.
P/1 – Como você estava vestido?
R – Calça, camisa comprida.
Os portugueses que trouxeram essa santa, que era lá de Portugal.
Eles trouxeram e botaram o nome aí, Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro.
Ainda existe essa capela lá ainda, está lá.
Na Nova Arumanduba agora.
Você ainda não ouviu falar em Nova Arumanduba.
Acho que vocês vão até para lá.
Vocês já foram lá? Não? É abaixo de Almeirim, é uma vilagem bem adiantadazinha lá.
É bem pertinho de Almeirim, agora tem estrada, não dá uma hora de viagem.
P/1 – E a sua mulher, como estava vestida? Como era a roupa dela?
R – Era toda de branco, manga comprida, vestido comprido.
P/1 – Tinha muita gente?
R – Muita gente.
Nesse dia casamos três, três homens e três mulheres.
P/1 – Quem eram os outros?
R – O outro, casou eu, casou a Marta com o Poeira, apelido, mas o nome dele é Raimundo, que casou com a Marta Feitosa, essa que foi prefeita há uns anos.
Ela vive em Almeirim.
Ela é até mulher do Mauro Mavel que o dono do cartório lá de Almeirim.
Nesse dia casou eu, casou o Raimundo com a Marta, e casou o Francisco Caramuru com outra mulher.
Só num dia foram três casamentos lá na capela de Nossa Senhora de Perpétuo do Socorro.
P/1 – Vocês eram amigos?
R – Era.
Nós trabalhávamos tudo.
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Assim, que morava todo mundo assim, todo mundo é amigo assim na comunidade.
P/1 – Foi bonito?
R – Foi.
Fizemos um casamento só num dia por causa da despesa, porque a gente ia daqui lá, dois dias para ir lá, casar lá e voltar para cá.
P/1 – Teve festa?
R – Não.
Festa ninguém fez, que dizem que.
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A antiguidade disse que não prestava festa, que não prestava.
Não dava certo fazer festa, que depois ia dar desgosto no fim.
Coisa de antiguidade.
Ninguém fez festa.
Só cerimônia mesmo, ali uma mesinha com os colegas, os parentes.
E com cinco dias nós viemos embora para cá.
Com cinco dias eu vim para cá, aí pedi para o patrão me liberar.
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P/1 – Aqui para o Recreio?
R – Para cá para o Recreio.
Pedi para o patrão me liberar uma semana para eu fazer uma casa, ele me liberou.
Aí eu ganhei o mato aí, tirei a madeira, fui ali de um igarapé que tem bem ali chamado Marapico, tem muita palha de ubim.
Eu fui, tirei, teci, fiz o barraco e botei a cabocla debaixo, a mulher debaixo.
P/1 – Enquanto você fazia o barraco, a cabocla ficava aonde e você?
R – Ficava em casa.
Ficava do lado assim na casa do meu sogro.
Meu sogro era logo assim do lado.
Depois que nós aprontamos, aí viemos para casa mesmo.
P/1 – E aí?
R – E aí nós fomos viver.
Vivemos 19 anos.
P/1 – Quantos filhos?
R – Nove.
Depois dela teve outra, teve cinco.
P/1 – Depois que você teve esses nove, você teve outra e teve mais cinco?
R – Mais cinco.
Por tudo são 22 filhos.
P/1 – Você tem 22 filhos com quatro mulheres?
R – Com quatro mulheres.
P/1 – E hoje?
R – Hoje eu estou só.
A mulher que vive comigo está no Laranjal.
Os filhos estão tudo para lá, aqui está só eu.
P/1 – Não, você tem uma namorada?
R – Quando pinta.
(risos).
Agora, responsabilidade para casa eu não quero mais.
(risos).
P/1 – Bom, seu Hermógenes, você quer parar um pouquinho? Quer tomar uma água?
R – Não.
Não.
Quiser levar direto.
P/1 – O senhor casou estava com quantos anos?
R – Vinte.
Quando eu casei, casei com 20 anos com a primeira mulher.
P/1 – Aí o senhor casou e o senhor disse que deixou de ser carpinteiro e voltou a ser.
.
.
R – Com 20 anos eu larguei a profissão na cidade.
P/1 – Por que você largou?
R – Aí vim embora para o interior, que a minha mulher era aqui do interior, aí eu fiquei já no interior.
Fui aprendendo o serviço do mato.
Que o serviço do mato é extrair a castanha, que é quebrar a castanha, é fazer a roça para fazer a farinha, essas coisas todas.
Eu aprendi com meu sogro isso aí, aí fiquei no mato, a mulher era daqui.
P/1 – E o senhor sentiu muita diferença? Sentiu falta?
R – E muita.
Falta, porque a minha profissão era boa.
Aí larguei para pegar outra atividade, a outra era atividade muito pesada.
E a minha profissão não, era carpinteiro, era uma delícia.
Eu era chefe de obra.
Mudei por causa de.
.
.
Casei, a mulher era daqui, ela não queria largar os pais, então vamos ficar por aqui.
Aí eu fiquei no mato toda essa temporada.
Isso eu falei até para os meus filhos: “Olha, vocês estão grande, estão criados, vocês procurem o que é melhor para vocês.
Vocês não são burros, vão fazer a vida de vocês, deixem só eu no mato, porque eu já não tenho mais nada para mim.
Aqui só Deus que está me conservando.
Deixe-me ficar.
Quando eu vir que não aguento mais, caminho do feio por onde veio, aí eu vou lá para banda dos meus parentes irmãs que eu tenho lá em Belém, aí finda o restinho por lá.
Estou aposentado, Deus já deu isso aí.
P/1 – Aí o senhor trocou.
.
.
Vamos voltar lá para 20 anos.
R – Isso.
P/1 – Então, quer dizer, nesse período o senhor deixou de ser carpinteiro.
R – Carpinteiro.
P/1 – Veio aqui.
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R – Aí vim para atividade de extrativismo e.
.
.
P/1 – E onde você fazia o extrativismo? Em que região?
R – Aqui.
Aqui.
Essas áreas aqui tudo tem.
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Tudo aqui.
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P/1 – Aqui na frente?
R – Essa frente aqui, olha, eu tenho uma estrada feita que eu fiz.
P/1 – Você que fez a estrada?
R – Eu com o meu irmão.
P/1 – Como é o nome da estrada?
R – O nome do local é Jaguarari.
P/1 – Jaguarari.
R – Jaguarari.
Uma estrada que eu fiz com 24 quilômetros.
Manual.
Machado e terçado, picareta e enxadeco.
Não existia motosserra.
Motossera era machadão boca branca.
P/1 – Você que fez essa estrada?
R – Eu.
P/1 – Seu irmão veio para cá?
R – Veio.
Morou comigo aqui também.
Foi o tempo que a mulher dele pegou um derrame, aí ele saiu para ver se ela se tratava, não teve sorte, acabou, morreu.
Também ficou para lá.
Aí fiquei só eu dentro da área, 24 quilômetros eu fiz essa estrada aí.
Permanece aí essa estrada direto.
Todo ano em janeiro eu roço.
Todo ano.
Para não está para quente, atividade.
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P/1 – Essas terras são do senhor?
R – Não.
Tem uma parte para.
.
.
Tem um eucalipto bem aqui assim, não tem? Logo próximo bem aí? Lado direito de quem vem.
Aquilo lá é nosso.
Essa área é nossa.
Esse plantio tem cinco atividades de cinco hectares de eucalipto.
Agora em outubro, dia cinco, é para empresa.
Até reuniram a gente lá, mandaram-me avisar, se reunir lá, que dia 5 de outubro em diante vão cortar esses primeiros, que estão com sete anos já.
Tem duas atividades que está uma com sete, outra com seis.
Tem outra para cá que já está chegando com cinco.
E as outras com quatro, três, e aí a gente já vai cortar agora essa semana, agora em outubro, dia cinco.
Falaram que não tem hora dia cinco.
Em outubro vão começar a cortar esse eucalipto aí.
P/1 – Mas aí como foi? O senhor comprou essas terras? É posse? Como é?
R – Essa terra foi o seguinte, essa terra a gente estava aqui na comunidade, e a gente precisava dessa estrada, como hoje vocês vieram nessa estrada, mas isso aí não foi feito por prefeito.
Essa estrada aí, eu que convoquei os colegas aqui, 14 homens: “Rapaz, vamos embora.
.
.
”.
E conversei lá com o responsável da empresa: “Rapaz, se a gente fizer um pique lá, nós estamos precisando de uma estrada, nosso produto está lá, era passado em costas de burro, de animal”.
“E se a gente fizer o pique.
Será que vocês não fazem a estrada?”.
Eu falei: “Se não for acidentada a área”.
P/1 – Mas isso quando? Lá naquela época?
R – Essa estrada aí deve estar mais ou menos uns 30 e poucos anos que eu fiz essa estrada.
Aí eu fiz aplicada, foi lá, disse: “Olha, está feito”.
Vieram olhar, tiramos a picada e de lá para cá nós vínhamos marcando os lotes, 500, 500, 500, cada qual tirando o seu e deixando o devoluto para quem viesse amanhã, depois, atrás, precisado.
Como hoje vocês entraram do lado de lá, são 20 quilômetros e 150 metros de lá de onde vocês entraram até aqui, que eu fiz essa estrada, hoje está aí.
P/1 – Vamos voltar para aquela.
Lá do lado de lá, de quem eram aquelas terras?
R – Aquelas terras são da empresa.
É uma área privada da empresa.
P/1 – Era do grupo? Que era do José Júlio.
R – Era do José Júlio, passou para o Ludwig.
P/1 – Ludwig.
R – Esse agora que foi o dono, que hoje, depois, o Ludwig já foi vender para essa equipe, que hoje é do Amoroso.
Já ouviu falar do Sérgio Amoroso.
Ele que é o dono hoje dessas áreas todinhas.
Inclusive.
.
.
P/1 – Naquela época o senhor fazia extrativismo da castanha.
R – Isso.
P/1 – E como você transportava? Como era?
R – Tudo em costas de animal.
Vinte e quatro quilômetros.
.
.
P/1 – Não, mas de lá para cá vinha de canoa?
R – Tudo em costas de burro e canoa por aqui.
P/1 – Mas de lá para cá atravessava de canoa?
R – Tem igarapezinho bem aí.
Tem um igarapé aí que passa lá no depósito da gente, lá no castanhal onde tem os taperis de a gente passar três, quatro, cinco meses lá nessa atividade.
P/1 – Mas aí atravessava de lá para cá e daqui ia de.
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R – Isso.
Atravessa para cá, daqui ia de barco para cá.
Hoje não.
Furamos aqui, fizemos a estrada, hoje é vendido para o Laranjal do Jari e Monte Dourado.
Inclusive até o Graça comprou uma parte.
P/1 – Mas atravessava por animal?
R – Tudo em costas de animal.
Tudo.
P/1 – O que era? Burro?
R – Burro.
É.
Burro.
P/1 – E de onde vinha o burro?
R – Esse burro vinha do Ceará.
P/1 – Eu já escutei essa história.
R – Vinha de lá do Ceará.
Vinha de lá tudo, burro, cangalha, esteira, sola, vinha tudo o material.
Chegava aqui, a gente só ia aparelhar e.
.
.
P/1 – Vinha do Ceará e chegava por que aqui?
R – Vinha de barco, vinha em carreta lá em tropa de burro.
Eles compravam de 200, 300 burros, para espalhar nas filiais.
Filial é um local que tem esse, ali tem outro, ali tem outro, eles espalhavam nos locais.
Cem para cá vinham, ficavam 50 onde era menor, outro local maior que esse ficava 200.
Era assim.
E aqui ficavam cem, 120 burros.
E aqui a gente tomava conta.
P/1 – Os burros ficavam andando no meio das pessoas aqui?
R – Não.
Tinha o local fechado para ali.
Ali tudo era capim para ali, que a gente fazia o capinzal cercado de arame tudinho.
A gente só ia buscar só aquela quantia para trabalhar durante o dia.
Adoecia um, aquele ficava, já pegava outro.
P/1 – Existe foto disso?
R – Não.
Que eu falei, naquele tempo não existia esse negócio.
Até a gente ajustar conta, naquela época, era só no bloco.
Você comprou um quilo de açúcar, café, deu X, tal, tal, pagou, está aqui, pronto, não tinha comprovante.
P/1 – Seu Hermógenes, daí seus filhos foram nascendo.
Qual foi o primeiro?
R – A primeira foi Tânia Regina Brazão.
É a mais velha, da primeira mulher.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha quando você teve a primeira filha?
R – Vinte e um.
P/1 – Casou e já teve filho?
R – Já.
Quando eu fui casar, a mulher já estava gestante já.
P/1 – Aí casou já grávida (risos).
R – (risos) Aí a polícia botou: “Você vai casar.
Você vai segurar agora na marra”.
P/1 – Deixou de ser… (risos).
R – (risos) Aí tive que casar com a cabocla.
Naquele tempo, ou casa ou ia para o chicote.
Aí baixamos, fomos casar na capela de Arumanduba, na capela de Nossa Senhora do Perpétuo de Socorro, que é a padroeira lá de Arumanduba, que era local do José Júlio, que trouxeram essa santa para lá.
E tem lá essa capela no Novo Arumanduba.
Vocês ainda vão participar por lá.
Não vão por lá, não? Não tem programação para lá, não?
P/1 – Seu Hermógenes, fala uma coisa, aí o senhor.
.
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O que mudou na vida do senhor depois que você teve esse primeiro filho?
R – Até mudou, porque a gente não parava.
E depois que a gente casou, aí já foi começando um freio, parando mais um pouco de festa.
Quando a gente ia, já era numa festa social, aniversário, uma coisa.
Quando era solteiro não, toda festa para gente, toda bagunça era boa quando a gente era solteiro.
Mas depois de casar, a responsabilidade aumentou, aí tem que dar conta da mulher, andar direitinho, ter tudo.
Aí mudou demais.
P/1 – E o senhor de dava bem com a sua esposa, com essa primeira?
R – Nos dávamos bem.
Vivemos bem 19 anos.
Depois, com 19 anos, desencarrilhou (risos).
P/1 – Por que desencarrilhou?
R – A mulher criou muito ciúme demais, aí.
.
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P/1 – Mas o senhor aprontava?
R – A gente sempre aprontava.
O meu esporte foi mulher.
Desculpe-me falar.
O meu esporte era mulher.
A minha mãe nunca se preocupou comigo com negócio de bebida, essas coisas, nunca.
Era preocupante comigo por causa de mulher, que era o meu esporte.
Quando eu não tinha três, quatro mulheres, eu não vinha para casa, não.
Verdade.
Eu tinha duas, três meninas, duas em casa lá, ela chegava lá desarrumando com as meninas: “’Embora’, ‘Embora’, caiam fora daqui de casa.
Vão para casa de vocês.
Vão para casa de vocês cuidar lá.
Não demora, está saindo fofoca aí.
Vocês mesmo que vêm atrás de macho”.
As mães da gente naquela época, já viu, falava o que queria.
P/1 – A sua mãe falava isso?
R – A minha mãe.
A minha mãe era muito braba.
Era.
P/1 – Mas quando o senhor casou, o senhor tinha outras namoradas?
R – É, sempre atravessava (risos).
Isso aí nunca deixou de aparecer.
Você sabe como é.
É homem, é mulher, tudo.
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Principalmente o homem.
O homem é uma classe perigosa, nada ele fica satisfeito, quanto mais ele fazer, mais ele quer se mostrar, se aparecer.
E o meu caso era isso.
Aí a mulher criou demais ciúme, nós nos abandonamos, com 19 anos.
P/1 – Deixe-me voltar um pouquinho.
Aí o senhor colhia castanha nesse outro lado.
R – Nesse outro lado lá.
P/1 – Toda essa região?
R – Toda essa região aqui chamada.
.
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P/1 – Durante quanto tempo?
R – Chamado esse local lá Urucurituba.
Essa é minha área.
P/1 – Não é Jaguarari?
R – Jaguarari é a entrada da estrada.
P/1 – Entendi.
R – O local que trabalha lá é Urucurituba, o local da castanha.
Urucurituba.
Urucurituba.
P/1 – É o local onde.
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R – É o local que se trabalha lá.
Lá tem umas 20 casas, tapiri de castanheira, tudo assim.
Lá de manhã, cada um procura sua atividade.
P/1 – Como é o nome de casa de castanheiro?
R – Casa de castanheiro.
P/1 – Tapi.
.
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R – Tapiri.
P/1 – Tapiri.
R – É.
Um barraco.
P/1 – E tem lá até hoje essas casas?
R – Tem.
Tem.
Assoalhada de tábua, assoalhada coberta de ubim, palha, tem também barracão.
P/1 – O senhor construiu essas casas?
R – Então, a maior parte lá eu construí.
O barracão coberto com brasilit, que é de secar, enxugar castanha, depositar a castanha lá.
Traz do mato, bota lá para enxugar, para de lá entrar nas costas do animal, para vir embora para cá.
P/1 – O senhor foi grande desbravador então dessa região?
R – Até hoje a gente que traz isso tudinho.
P/1 – Como foi acontecendo? O senhor começou lá, fez essa estrada.
.
.
R – Isso.
P/1 – Como foi acontecendo? Conta um pouquinho essa história.
R – Os patrões, na época que eu cheguei, eles foram começando abandonar, fazendo sujeira com os patrões, aí eu fui ficando dentro da área.
Aí eu fui tomando conta da área.
Era só caminhozinho para burro.
Depois, eu com o meu irmão, arregaçamos essa estrada comprando de um patrão chamado Pompílio Siqueira Goes.
Passamos três safras, três safras, foram três anos para nós pagarmos a conta que nós fizemos para fazer essa estrada, que hoje tem essa estrada.
Esses meninos aí tudo conhecem, andam lá.
Só no machadão, enxadeco para cortar a terra, e picareta, para cortar terra.
Hoje nós temos estrada que roda carro lá.
Depois já, daqui deve estar.
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Estão com uns dez anos, mais ou menos, que a Jari entrou aí, essa faixa de dez anos que a Jari deu uma entrada que deu uma melhorada para nós aqui.
Ela chegou aqui, sabia que eu que tinha feito a estrada, vieram aqui: “Seu Euclides” – veio aqui – “Hermógenes, nós temos um trabalho para fazer desse lado, e a estrada a gente sabe que é sua.
A área é nossa, mas nós nunca fizemos nada.
Foi abandonada em 1900 e tal, e você ficou na atividade, hoje o dono aí é você”.
E eu tenho documento dado pela empresa Jari, aí na hora que ela quiser me botar, ela tem que me indenizar.
P/1 – Você tem esse documento?
R – Tenho.
Tenho.
E aí todo ano eu faço essa atividade aí.
Aí o tio foi para lá fazer um serviço aí de.
.
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P/1 – Em quantas pessoas vocês trabalhavam nessa época quando você estava com 20 e poucos anos ali?
R – Aí sempre trabalhou muita gente, uma faixa de 50, 60 pessoas, entre rapaz, mulheres, tudo.
Que tem mulher que trabalha também.
È uma faixa de 70, 80 pessoas para dentro daí.
P/1 – Mas tinha assim, o senhor era o líder? Como funcionava?
R – Isso.
Sempre eu fui líder mesmo aqui.
Quem manobrou fui eu.
Até hoje a gente ainda tem a equipe da gente que trabalha aí dentro.
P/1 – E como vocês se organizavam assim, para vender? O senhor que vendia e distribuía o dinheiro? Como era feito isso.
R – Começamos assim, comprava lá do patrão, a gente leva para lá, arranja o dinheiro para o trabalhador, a gente vai para lá, os avia, eles fazem a produção, a gente compra a produção lá.
A maior parte traz, recebe.
.
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P/1 – Deixe-me entender.
Tem as pessoas, aí o senhor compra a produção delas?
R – Deles.
Isso.
É.
P/1 – E você também participa?
R – Participo.
É.
Participo tudo dentro lá.
Só venho quando acaba todo mundo, que eu não deixo ninguém lá.
Quando acaba, vem todo mundo, fica o setor lá parado, só para o outro ano.
Só que em janeiro a gente cultiva a estrada para não tapar o trânsito.
P/1 – E naquela época dava para ganhar dinheiro?
R – Dava.
Isso aí, todo o tempo a gente ganhou, mas é um dinheiro ganhado muito apertado.
Sempre tem ano que o produto dá um preço, no outro ano é outro.
Quando está no meio da safra lá, o patrão: “Abaixou!”.
Aquele jogo de cintura, sabe como é, sempre o pobre é cavalo do rico.
Eu acredito que sempre.
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Olha, ela chegou, a castanha, a 180 reais uma medida.
Ela agora em janeiro começou 50 reais para levar lá, para gente levar com toda a despesa da gente para ir vender lá.
Cinquenta reais.
Ela parou o ano passado em cem? Ou deu mais? Cem, não foi? Ela parou em cem.
Isso aí que encabula a gente, que é um jogo de cintura deles, porque parou cem, com um mês, dois meses, já chega outra, eles vão começar lá do zero com a gente.
P/1 – Seu Hermógenes, volta um pouquinho lá para trás.
Naquele período, assim, qual foi a melhor safra, que foi o melhor ano, que foi um período assim, de.
.
.
R – A melhor safra, o melhor tempo foi nesse tempo dos portugueses.
Do José Júlio passou para os portugueses.
Foi a melhor época para ganhar dinheiro.
P/1 – O senhor já estava ali?
R – Já estava.
Que eles davam todos os animais, davam todos os materiais, milho para manutenção dos animais, pagavam a gente para limpar as estradas, varar dois, para tudo andar.
Hoje, os patrões hoje, eu vou para lá porque é obrigado, que o setor é da gente, mas eles não dão dez centavos, diz: “”Olha, vai para lá, está aqui”.
P/1 – E teve algum momento desse passado que passado que o poder público ajudou alguma coisa?
R – Nunca.
Nunca.
O poder público aqui é zero.
Todo o tempo foi zero.
Nunca.
Nunca.
Nunca.
Aqui tudo é feito pela manutenção nossa mesmo.
P/1 – E nessa época tinha o apoio da empresa?
R – Tinha empresa que pelo menos eles traziam uns 70, 80, cem burros, davam para gente.
“Está aqui o animal para trabalhar, está aqui o material, agora só resta o cuidado”.
Aí era comigo, o cuidado.
Tratava bem, botava milho, tudo, aquilo lá, tudo era comigo.
Hoje não.
P/1 – O senhor nessa época tinha vontade assim: “Nossa, tenho vontade voltar.
.
.
”? Queria ser outra coisa?
R – Ah, se voltasse como era, era muito bom.
P/1 – Não, mas naquela época o senhor assim, tinha vontade de deixar de ser extrativista e voltar a ser carpinteiro, trocar de atividade, ou não tinha?
R – Não.
Até que não, porque já de certo tempo a idade da gente já não dá mais.
Hoje a lei já mudou, já não tem mais como trabalhar na atividade.
A atividade agora era só essa mesma.
Até o dia que eu não quiser mais, que eu enjoar, não quiser mais, aí eu tenho que parar.
P/1 – Qual foi o pior ano desde que o senhor trabalha? Que teve uma crise?
R – Olha, o pior ano que teve foi o ano passado.
Muito produto, e o preço não prestou.
Não deu dinheiro o produto.
Ficou muito produto no mato por falta de dinheiro, que não deu, e a gente não tinha como ir buscar, que é longe, dois, três, quatro tombos de animais para chegar aqui.
Daqui ainda ter um caminhão para levar lá no patrão, aí não deixava nada, se largou o produto.
A maior parte no mato estragou lá para o bicho.
Não estragou, porque o bicho, é de alimentação deles também, que é dentro do mato, aí fica para eles se alimentarem.
A pior crise, durante o trabalho, foi ano passado.
P1 – Desde quando o senhor trabalha com isso?
R – Desde quando trabalhei, foi o ano passado.
P/1 – Desde os seus 20 anos de idade?
R – Isso.
Que hoje o produto baixa, e o consumo da gente, que são os materiais para gente sobreviver, sobe a todo tempo, e o produto da gente cai, aí cada vez a dificuldade é grande.
Não vê hoje? Está com 20 e poucos dias que eu comprei um quilo de tabaco a 38 reais.
Agora, dia 12 agora, eu vim lá do beiradão sexta-feira, comprei de 50, um quilo de tabaco.
Olha a diferença.
Está ali onde eu tenho a nota do mercado que eu comprei.
Viu aí? Tudo eu temo assim.
P/1 – Senhor Hermógenes, nesses 19 anos o senhor teve oito filhos o senhor falou?
R – Nove.
P/1 – Nove filhos.
E eles ajudavam o senhor conforme foram crescendo, nessa atividade?
R – Ah, está.
Isso aí foi.
.
.
P/1 – Qual foi e educação que o senhor deu para eles nesse sentido?
R – Pouca educação.
A maior mesmo foi aprender a trabalhar que nem eu aprendi, que me ensinaram.
Isso aí era o que eu podia mostrar para eles.
E estudar também um pouco, eles estudaram também.
P/1 – Eles foram para escola?
R – Isso aí nunca perderam.
Isso aí eu.
.
.
P/1 – O senhor fez questão de eles estudarem?
R – Fiz questão.
Fiz questão de estudar.
Isso aí eu fazia questão mesmo.
E, por sinal, nenhum dos meus filhos, quase, os últimos, foram trabalhar nessa atividade que eu trabalho.
P/1 – Os primeiros foram?
R – Os primeiros também não.
P/1 – Nenhum foi?
R – Nenhum.
Todo o tempo eu fui o linha de frente para sustentar todo mundo, criar todo mundo, desde a primeira geração até os últimos.
P/1 – Mas eles iam com você do outro lado?
R – É.
Eles iam assim, mas aí de férias, iam para lá passar um mês, uma semana, aí quando chegava o estudo, vinham embora, e eu ficava para lá.
P/1 – Exatamente do outro lado?
R – Do outro lado.
Isso.
P/1 – E você ficava, tipo, dois, três meses?
R – É.
Dois, três meses, seis meses.
P/1 – Sem atravessar?
R – A gente vinha num dia, vinha aqui, passava quatro, cinco dias, pegava mercadoria, voltava de novo, só saía de lá quando findava mesmo a produção, aí que a gente vinha.
Quando não, cinco, seis meses lá dentro.
P/1 – Eles tiveram algum tipo de educação religiosa?
R – Todos os meus, os primeiros, logo os primeiros, o segundo, tem uma parte católica e outros são crentes, são adventistas.
.
.
P/1 – O senhor é adventista?
R – Não.
Eu sou católico.
P/1 – E a sua esposa?
R – Ela também.
Agora, os filhos todos procuraram a religião que eles quiseram.
Tem crente, tem tudo.
P/1 – De tudo um pouco.
R – De tudo.
É.
Muitos deles mesmo.
Tem uns quantos.
Inclusive, quarta-feira chegou um bocado de neto lá tudo, eles tudo é crente.
Lá comigo agora no beiradão, passaram dois dias lá.
Moram lá em Almeirim.
Passaram dois dias.
Fazia tempo que não me viam, aí souberam que eu estava lá, foram bater lá a molecada.
De 20 anos, 14, 17, aí eu vim para cá, eles voltaram.
P/1 – E o senhor nesse período teve vontade de voltar a estudar?
R – Eu? Eu, se tivesse chance, se pudesse estudar, isso para mim é um prazer, que é o único orgulho.
Eu não tenho inveja de ninguém em ser rico.
Olha, se eu tivesse de ser.
.
.
Pelo trabalho que eu já fiz e faço, Deus tivesse me dado essa oportunidade, eu já tinha.
Era de não ter completado os meus estudos tudo.
Isso aí que eu não tive esse privilégio, porque naquela época meus pais eram muito pobres, pobrezinhos, tudo dificultoso.
P/1 – E o senhor nessa época visitava os seus parentes, suas irmãs, sua mãe? Como ficou a sua relação com a sua família?
R – Nossos parentes mesmo, eram uns parentes unidos, que nunca ficavam longe um do outro.
Tudo a gente dava um duro, tinha um jogado para lá, a gente fazia tudo: “Embora, em para cá”.
Vinha todo mundo para perto.
Acabou-se todo mundo assim, quase tudo só num bloco, tudo junto.
A maioria, os mais antigos, tio, mãe, avó, avô, primos, que tem uns quantos mortos.
P/1 – Mas sua mãe continuava morando lá em Almeirim?
R – É.
Minha mãe, ela saiu para ir com essa Raimunda, que morava no Rio de Janeiro, ela foi passear lá, um cara atropelou ela.
P/1 – A sua mãe?
R – Foi.
Um cara matou ela, um taxista.
P/1 – No Rio de Janeiro?
R – Não, em Belém.
P/1 – Ela foi encontrar a Raimunda.
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R – Lá na Pedro Álvares Cabral.
Ela foi atravessar a Pedro Álvares Cabral, que é a principal lá em Belém, para pegar a passarela para entrar para casa de uma filha, dessa Luci, minha irmã, lá o cara.
.
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Sabe como é? Que eles andam tudo doido.
Você não vê? Desastre todo dia, toda hora.
Aí o cara bateu nela.
Bateu, viu que ela caiu, largou o carro e.
.
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P/1 – Fugiu?
R – E a minha irmã tem 11 filhos homens.
E esses cabras botaram em riba desse cabra lá, esse cabra sumiu.
Pegaram o carro, arrastaram lá para o pátio da casa deles, desse meu sobrinho, o patrão foi bater lá.
Aí foram com a polícia, com a justiça.
A justiça: “Você só vai receber esse carro quando esse motorista chegar.
O que você sabe para onde está esse seu empregado.
Era seu empregado.
” Foi uma onda medonha.
A onda maior porque perdi minha mãe.
Depois o pegaram, descobriram onde estava, prenderam um bocado de ano.
Hoje ninguém demora no xadrez, tem padrinho, tem tudo.
Hoje, o xadrez é cemitério, é a terra.
Esse negócio de: “Ah, tem xadrez”.
Que nada.
Você não viu o caso daquele cara que matou o pai, mais de cinco, seis, oito advogados tirando o cara? Ainda foi solto, ainda ia ser liberado, responder em liberdade.
Olha isso aí.
Tirando a própria vida do seu pai, que o cara tirou.
Esqueci o nome dele.
Vocês tinham visto?
P/1 – Seu Hermógenes, aí o senhor teve esses nove filhos, 19 anos de casado, aí vocês se separaram.
R – Separei.
P/1 – Aí o senhor separou para ficar com outra mulher?
R – Aí andei arrumando mais quatro.
Quatro, cinco meses era com uma, emprenhava uma, largava de novo, pegava outra para acolá.
Eu sei que voltou, no final arrumei 22 filhos.
P/1 – Com quatro mulheres?
R – Com quatro mulheres.
Com a terceira é: Benedito, Jarde, Járica.
.
.
Dois, três, quatro, seis.
P/1 – E eles todos se dão bem? Como é? Eles se frequentam?
R – Se dão.
Eles: “Olha, esse aqui é teu irmão”.
Ainda tem que a maioria deles não conhece um ao outro ainda, que estão espalhados.
Tem para Manaus, tem em Belém, tem aqui em Laranjal, tem em Almeirim, tem em Monte Alegre.
Para tudo canto tem um bocado de filho.
P/1 – E eles vêm te visitar sempre?
R – Em Manaus tem um, que até ligou essa semana aí.
P/1 – Você tem relação com eles? Eles te procuram?
R – Tem.
Tem.
Tem.
Até dia 12, umas nove horas da noite, ligou um, o Nelson, um morenão, com a segunda.
Ele está lá em Manaus trabalhando numa firma lá.
P/1 – E são todas vivas?
R – Não.
Já tem um, dois, três, quatro, seis mortos.
O mais velho dos homens da primeira mulher, da primeira filha, que é essa Tânia Regina, foi o Hermoginho Filho, esse aí um cara o matou em Almeirim.
P/1 – Por quê?
R – Olha, ninguém viu.
Falar que eles nunca tinham brigado.
Eram colegas de pinga, de farra, aí quando foi nesse dia, cinco horas, para seis horas da tarde, eu estava para cá, não assisti, nem conheço o cara que o matou, não conheço.
Eu vi foto já depois, que a polícia tiraram foto dele para espalhar.
E foi pego.
Espalharam foto, os policiais o conheciam.
Aí pegaram o cabra que ia dentro do ônibus com a mulher, o soldado olhou, estava a paisana, foi lá falou: “Olha, vocês estão trabalhando? Aquele cara foi quem matou o Hermoginho lá em Almeirim.
Vamos lá.
Podem prender o cara”.
Eles chegaram, olharam, olharam o cara, ainda procurou: “Quem é fulano de tal?”.
Ele disse: “Ah, não, você está procurando a pessoa errada aqui”.
O próprio cara, ao lado da mulher: “Você está procurando a pessoa errada”.
Eles chegaram: “Não, o cara não está lá”.
Ele foi lá rápido, pegou a farda dele: “Que é isso aqui? É tu, Carlos? É tu que é o Carlos.
Está preso”.
Lá dentro do ônibus o prenderam.
Aí ligaram de lá para Almeirim, aí a juíza mandou uma voadeira lá de Monte Alegre, mandou deixar em Almeirim.
Estava preso.
Aí tem aquela visita de sábado para domingo, tem aquela visita, aí um colega lá deles foi lá visitar, aí o que o cara bolou? Mandou fazer um bolo bem grande, comprou duas lâminas de serra, empurrou dentro do bolo, sábado cinco horas: “Olha, rapaz, eu quero dar uma visitada aí para os colegas”.
A serra foi dentro.
Ficavam liberados domingo todo, dia e noite, eles meteram a serra no gradeado do xadrez lá em Almeirim, fugiram.
Fugiram quatro, mas pegaram os três; e ele, não pegaram, está sumido.
Até hoje ainda não descobrimos para onde ele foi.
Mas ele tinha gente lá que o pegou e o mandou.
Depois até que nós descobrimos que um parente dele chamado Manduco, um fotógrafo que tira foto lá, que deu a fuga para ele numa moto.
Alugou uma voadeira de noite, o levou lá para o fim do cais, meteu numa voadeira, mandou deixar lá no rio lá.
De lá, ele pegou o barco da linha, foi embora.
Esse meu filho mais velho.
P/1 – E das suas ex-mulheres, elas são vivas?
R – Só uma que é falecida, que ela morreu até de parto.
A gente estava aqui no interior, aí deu um acidente com um genro meu, que nós estávamos botando uma roça, aí ele derrubando, caiu um pau aqui no.
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Bateu um pau, quando ele vai olhando, aí o pau furou esse olhos dele, quebrou esse nariz aqui e quebrou esse queixo tudinho, que ficou tudo pendurado assim.
Peguei o carro, vai para Monte Dourado, cheguei lá, levei para lá, tinha médico bom naquela época, e o médico: “Sabe, seu Hermógenes, aqui não tem jeito, só em Belém, cirurgião plástico lá em Belém, fulano de tal, lá no Hospital Maradei.
Nós vamos lhe encaminhar”.
Ele se acidentou quinta-feira, viajei, saí quatro horas da tarde de quinta-feira, chegamos sete e meia da noite em Belém lá, no avião lá, ele perguntou: “Tu vai para onde? Para o hospital?” “Não.
Vão me levar lá em casa, que eu tenho um sobrinho lá, que ele é funcionário do Governo de levar médico, leva e traz”.
Nei Orlando o nome dele, funcionário do Governo lá em Belém.
Eu fui primeiro em casa com ele.
Ele vai no soro, para segurar até o médico operá-lo, que aqui não tem tratamento para ele.
Cheguei lá era sete meia da noite, sexta, quinta-feira se deu.
Aí passamos lá quinta, sexta, sábado, quando foi domingo, três horas da madrugada, que chegou o médico de São Paulo para operar ele.
A maioria que o viu com a cara toda quebrada, isso aqui que arreou.
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Isso daqui ficou só um buracão.
Isso da gente aqui é só um buraco, daqui para cá.
E caiu tudinho, que veio pendurado aquilo.
Amarraram um pano por aqui para ir segurando aquilo.
Direto no soro no avião, tomando antibiótico para aguentar a carne, para poder segurar para operar.
Quando foi três horas da madrugada, o médico chegou, ele já estava lá na maca só esperando.
Quando foi sete horas da manhã, estava arrumadinho.
Se você o vir.
Falei: “Ah, rapaz”.
Aí foi uma largura comigo, tal.
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P/1 – Mas aí a sua esposa morreu de parto?
R – Foi.
Essa minha.
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A segunda mulher.
P/1 – Você era casado com ela quando ela morreu?
R – Não.
Assim, eu só fui casado com a primeira, só.
P/1 – Com as outras, você não chegou a casar?
R – Com as outras, não.
Eram quatro anos, cinco anos, três anos, quatro meses, e assim o negócio ia rolando.
Com essa última agora foram 31 anos, essa que nós nos abandonamos um tempo, vai fazer dois anos.
P/1 – Depois você foi casado por 31 anos?
R – Vivi com a última agora, com as quatro, que completou as quatro assim vivendo.
Agora, de passagem foi muita gente.
Trinta e um anos nós vivemos.
Nós nos abandonamos.
P/1 – Por quê?
R – Ciúme demais de novo.
Minha mulher botava na cabeça que eu não podia conversar com ninguém, até que não deu mais certo mesmo, digo: “Não vai mais dar.
Para idade, tu me conhece, com eu te conheço, mas dessa maneira.
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” Eu estudei pouco, mas o que eu aprendi, foram duas educações que eu aprendi: a que eu estudei na escola e a educação caseira, que era a educação que pai e mãe davam.
Isso ai eu aprendi.
Se eu falar para vocês que eu não sei chamar um palavrão, é o que mais eu tenho raiva.
É, pois eu nunca chamei um nome.
Podem trabalhar milhares de gente comigo aí, não me viam chamar nome, nunca adotei.
Agora, essa mulher minha, nossa senhora, era a maior briga.
Podia estar quem tivesse, meu Deus do céu.
Era horrível.
Eu nunca chamei um palavrão.
Meus filhos um dia: “Ah, papai, em vez de abrir a boca”.
Não.
Não.
Não.
Nenhum.
Nenhum.
Não falo isso.
Nunca chamei um nome.
P/1 – Seu Hermógenes, quando senhor começou a trabalhar desde os 14 aos, quando o senhor ajudava, que o senhor ia com o seu tio, depois dos 20 quando senhor deixou de ser carpinteiro, continuou como extrativista, quais foram as principais transformações dessa atividade?
R – Foi de carpinteiro para.
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P/1 – Não, quais foram as principais transformações no modo de trabalhar e de retirar a castanha? Teve alguma transformação grande, que antes fazia de um jeito, depois passou a fazer de outro?
R – Não.
A atividade mudou, porque.
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P/1 – O que mudou? Quais foram as principais mudanças?
R – A minha profissão era um tipo até melhor.
Mas foi o tempo que eu me casei, me amarrei, meti uma peia nos pés.
Aí me amarrou, pronto.
P/1 – Não, mas dentro do extrativismo, da colheita da castanha, da retirada, mudou alguma cosia do jeito de fazer, como o senhor fazia antes para hoje?
R – Mudou.
Mudou.
Mudou, porque ganhava mais.
Trabalha mais, mas também a gente adquiria mais, porque.
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P/1 – E a técnica de colheita, mudou alguma coisa?
R – Não.
É a mesma.
A técnica da castanha é a mesma.
É a mesma.
Não mudou nada.
É o mesmo cuidado, quebrar, zelar com ela para ter qualidade.
É isso aí.
P/1 – Seu Hermógenes, olhando a sua trajetória, tem várias coisas que a gente não falou aqui, não deu tempo.
Tem alguma coisa que o senhor acha importante deixar registrado, que a gente não tenha falado, contar alguma história que o senhor lembrou agora?
R – A história que eu tenho para falar é vocês no momento entrevistando a gente , que é um prazer levar essa história que a gente está falando.
Amanhã aparecer os colegas, assistir, ver, dizer: “Olha o que o senhor Hermógenes falou e o pessoal que veio”.
Isso é um prazer para gente, que isso aí a gente nem esperava de acontecer.
Que a gente está aqui no fim do mundo aqui.
Você viu a nossa estrada como é.
O cabra vir aqui é muito interesse, isso é forte de vocês, vir fazer uma entrevista dessas aqui num local desses.
Olha, quantos quilômetros de lá para cá.
P/1 – Seu Hermógenes, olhando assim para trás, vendo toda a história que o senhor contou para gente, se o senhor pudesse fazer alguma coisa diferente na sua vida, o senhor faria?
R – Diferente como, senhora?
P/1 – O senhor mudaria alguma coisa na sua vida, do que foi?
R – Para eu mudar, daqui para frente, eu cansar de fazer minha atividade, cada vez, de um ano para o outro, modifica, ou a gente também vai modificando a força, e quando não der mais, eu paro com a atividade.
Não vai demorar muito.
Já estou pendurando a chuteira.
P/1 – O senhor tem sonhos? Quais são seus sonhos?
R – Meu sonho é largar e vir embora, findar minha vida lá para cidade, lá para Belém, onde estão meus irmãos para lá.
Meu sonho é para lá.
É lá que estão meus irmãos todos para lá, só tem eu e outro que moram em Almeirim, o resto tudo em Belém.
Quando eu estou findando já, que eu estou cansando, aí eu vou para lá, findar os anos de vida para lá.
Aí Deus é que vai determinar o restante.
P/1 – Seu Hermógenes, o que o senhor achou de contar a sua história de vida?
R – (risos) É até bom contar, porque fica essa história para muito tempo.
A gente morre, fica a história.
Como tem muitos colegas aí na televisão, que a gente vê: “Olha, aquele fulano ali está na televisão, dançando, cantando”.
Mas onde já não está? Lá debaixo de sete palmos, e a história dele ficou.
P/1 – Obrigada, seu Hermógenes.
Em nome do Museu da Pessoa, queria agradecer.
R – Isso.
P/1 – História linda.
R – (risos) Obrigada também pela.
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P/1 – Seu Hermógenes, posso fazer mais umas perguntinhas para o senhor, que eu esqueci? Seu Hermógenes, esse mercadinho que eu vi aí é do senhor?
R – É, sim.
P/1 – Desde quando o senhor o tem?
R – Acho que tem o que? Uns oito anos.
Quem começou foi a mulher, porque eu mesmo nunca tive vocação de me envolver.
Aí eu abri para ela.
Fui deixando, está com seis anos, mais ou menos.
Aí fiquei com essa atividade.
P/1 – Com esse comerciozinho?
R – Isso.
P/1 – E é o único comércio que tem aqui na região, nessa comunidade?
R – Não.
Não, tem vários.
Tem um colega logo bem ali.
Tem aquele um que estava fazer as voadas.
P/1 – Mas esse não é um.
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Quem toma conta?
R – De quem?
P/1 – Do mercadinho.
R – Do meu?
P/1 – É.
R – Sou eu mesmo.
P/1 – O senhor que fica aí?
R – É.
Não tenho ninguém.
Tenho esses netozinhos, mas são novos, são meninos ainda não, gente de responsabilidade.
Quando eu saio, eu fecho, fica parado.
Se eu passar, quatro, cinco dias, uma semana, fica fechado.
Só funciona quanto eu chego.
P/1 – E o senhor compra os produtos aonde? Como o senhor faz para trazer os produtos?
R – Hoje nós temos um carro da Jari do prefeito, que ele doa para as comunidades.
Cada comunidade tem um caminhão, o nosso é em 15 em 15 dias.
Aí vem quarta, dorme aqui na comunidade, quinta sai com o pessoal levando os produtos que têm para levar, fica lá até sábado para vender.
Sábado vem retornar a gente aqui.
Com 15 dias de novo, que é que vem de novo.
Essa atividade é assim todo o tempo, levando em 15 em 15 dias o que a pessoa tem para levar para vender, aí compra, traz.
Quando perde, aí tem que fretar carro.
P/1 – O senhor consegue ganhar dinheiro com essa atividade?
R – Não.
Isso é só para sobreviver.
Mas a gente não ganha para dizer: “Eu ganhei”.
Isso é só mesmo para não estar parado, o cara não passar mal, não está pedindo, batendo na porta do companheiro.
É só para isso, mas não enrica mais ninguém.
É só mesmo para.
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Trazendo vida também o pessoal lá, que um monte não tem, “coitada”, às vezes lá.
E tendo aqui, já favorece de lá, passar três, quatro dias, uma semana, para ir vender um saco, dois de farinha, quatro ou cinco sacos de banana.
Aí tendo aqui, a gente até os ajuda na comunidade.
Mas para gente mesmo, que luta, hoje não dá mais.
Porque a gente compra desse pessoal lá já no cassete, não se ganha nada.
É só mesmo para sobreviver, mas não deixa lucro para ninguém, não.
P/1 – E o bar que tem do lado? É do senhor?
R – É nosso.
É.
P/1 – Desde quando tem o bar?
R – É essa faixa aí, uns seis anos mesmo que a gente começou isso aí.
P/1 – Por que o senhor decidiu abrir o bar.
R – Isso aí para ver se melhorava.
Mas não, aqui e acolá, botei um bilhar.
Até entreguei o outro, fiquei só com um aí, porque eu não gosto muito de.
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A idade já não está mais oferecendo a gente a estar muito tarde da noite.
Quando são dez, 11 horas, eu fecho.
P/1 – Está.
Obrigada, seu Hermógenes.
R – Está? Isso.
FINAL DA ENTREVISTA
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