Projeto: Museu do Flamengo
Depoimento de Dida (Edvaldo Alves de Santa Rosa)
Entrevistado por José Santos Matos e Manuel Manrique
Local: Rio de Janeiro - RJ
Data: 31 de janeiro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: FLA_HV024
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva...Continuar leitura
Projeto: Museu do Flamengo
Depoimento de Dida (Edvaldo Alves de Santa Rosa)
Entrevistado por José Santos Matos e Manuel Manrique
Local: Rio de Janeiro - RJ
Data: 31 de janeiro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: FLA_HV024
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Grazielle Pellicel
P/1 - José Santos Matos
P/2 - Manuel Manrique
R - Dida (Edvaldo Alves de Santa Rosa)
P/1 – Dida, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Queríamos então começar a entrevista pedindo pra você falar: seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Edvaldo Alves de Santa Rosa, Maceió, 16 de março de 1934.
P/1 – E o senhor podia falar um pouquinho sobre a sua família, o nome do seu pai, da sua mãe, o que é que eles faziam?
R – É, o meu pai – ambos morreram, lógico, já morreram – o meu pai era caixeiro viajante, minha mãe era dona de casa. Meu pai Jaime Alves de Santa Rosa, minha mãe Eulina Leite Alves. Depois meu pai comprou um restaurante, não sei, era lanchonete. Não era restaurante porque não servia comida, mas lanche. Era lanchonete, mas não tinha esse nome lá. Era bar. E até eu vir pra cá, ficou. Nossa renda era desse bar.
P/1 – Como é que chamava?
R – Ponto Central. Evidentemente, onde ele ficava? No centro.
P/1 – E o, a gente estava falando do bar do seu pai. Isso era em Maceió mesmo?
R – Maceió, no centro de Maceió, Ponto Central. Ali a gente tirava muito dinheiro.
P/2 – O senhor conheceu os seus avós?
R – Não, eu não cheguei a conhecer. Garotinho, eles já morreram. E tive, tinha muito avô, tataravô, sei lá o que, mas não conheci nenhum. Talvez os outros irmãos conheceram.
P/2 – E a origem da sua família, são de Alagoas todo mundo?
R – É. Eu esqueci agora, até pelo tempo. É uma cidadezinha que meus pais nasceram, ali entre Maceió e Sergipe... Entre Maceió e Aracaju, melhor dizendo.
E... Murici? Viçosa? É um pecado eu esquecer, mas, infelizmente,... É uma cidade entre Maceió e Sergipe, Maceió e Aracaju. Falando das capitais. Falo de uma capital, um estado aí, viro mais do que ignorante, "zignorante".
P/1 – E, Dida, você passou a infância em que bairro de Maceió?
R – É centro também. Porque eu morava por ali, perto do Quartel da Polícia, que era centralizado. Normalmente era mais afastado, mas esse... E tinha uma casa de detenção. Eu me lembro bem que os presos torciam das grades lá, e eu era “O Cobra” deles. E me apostavam e tal, isso ficou na memória. Aquela cadeia, aquela casa de detenção ali perto do campo [de futebol]. O descampado perto da prisão. E essa ficou na memória, eles torciam, apostavam e tal, e eu era a chave. Eu tinha o nome com os caras, mas não queria fazer visita a eles não. (risos)
P/2 - O senhor tinha quantos anos naquela época?
R – Que eu comecei? É difícil, porque desde garotinho eu já... 4, 5 anos eu já brincava. Mas vamos botar assim, na cadeia, na porta da cadeia? Porque os pais não deixavam, a gente de 10 anos, naquela época, 10 anos era menino mesmo: “Não sai não.” Eu acredito que eu saí depois de 11, 12 anos. Daí pra frente que eu comecei a jogar.
P/2 – E como é que foi esses 10 primeiros anos da vida do senhor? A educação, a escola?
R – Bom, eu, a família tradicional. Porque nós não éramos, era uma classe média. Média até considerado de média pra, não pra pior, pra melhor, mas média. E estudava nos melhores colégios. Colégio Marista, estudei no primário e ginásio. Primário não, foi escola particular. [Professora] Dona Marieta. - Olha bem a recordação. Escola particular é uma beleza. - É a mãe da gente ensinando, ela tem atenção com tudo. Eu devo muito à essa professora, Dona Marieta, porque eu vejo os cara hoje, até deputados, advogados, sabe, o que falam, escrevem. Eu fico meio, que eu não cometeria aqueles erros que eles cometem. Eu não vou dizer nada, nem nomes. Mas por causa daquela escola que eu tive, só por isso que eu tenho mais ou menos aprimorado o meu escrever. Não sou nenhum literato, nem poeta, nem, mas o comum eu sou muito bom, graças a Deus, desculpe a falta de modéstia. A aparente falta de modéstia. Mas é mesmo. Essa professora me deu uma base tremenda. Tenho que elogiá-la. Ela deve estar lá com meus pais num lugar melhor. Mas é isso mesmo.
P/2 – E, Colégio Marista, [era] educação religiosa?
R – É. Eu saí dessa escola particular, que era uma casa comum na rua [que] ela dava aula, e fui pro Colégio Diocesano. Esse ano, Diocesano, não sei o que ano - tudo é Marista. Aqueles padres com aquela, um ensinamento. Tinha castigo, ficar de cara para, é aquele negócio de ensina, que tinha até bolo na mão. Os Maristas, também devo muita coisa a eles, porque o ensino, eles lutavam pelo cara. Não era só ensinar, dar e passou, não passou. Eles [se] preocupavam se você estivesse ruim, uma matéria ruim. Chamava lá, dava castigo. “Não vai sair final de semana não.” Você entendeu? Porque eles visavam muito o aluno. Então eu tive uma formação, relativamente, de regular pra boa.
P/1 – E, Dida, quais eram, além do futebol, que outras brincadeiras você tinha na infância?
R – É, negócio de corrida. Correr, dei graças a Deus disso. Era quem dava a volta no quarteirão primeiro, chegava primeiro. Eu ganhava quase tudo. Só não ganhava na velocidade, tinham uns caras rápidos. Mas negócio de distância... Corrida, era brincadeira de corrida. Só, tudo entrava, eu não me lembro muito os nomes. Tinha um tal de garrafão que entrava correndo, saía correndo de um pé só. As brincadeiras que não existem mais. Mas era isso.
P/2 – E quando que o senhor ganha o apelido de Dida?
R – Olha, não há uma coisa muito... Eu não tenho muita certeza, mas a única coisa que me recordo é que tinha na rua onde eu morava uma moça chamada Cremilda, uma garota que tinha o apelido de Dida. Isso eu estou ligando por minha conta, mas ninguém me falou. Então, aquelas brincadeiras de artista, eu queria ser o artista e ela artista [também]. Era o Dida e a Dida. Isso é uma provável, pode ser que tenha sido isso. Não me lembro de outra coisa que dê o apelido Dida. Deve ser isso.
P/1 – E aí pegou?
R – Pegou. Dida e a Dida. O Dida e a Dida. Ela foi pra outro lugar, sei lá, mudou. Eu mudei, fiquei Dida. Não tem outra explicação.
P/1 – E, bem, Dida, você ganhou então... É, você ganhou uma bola, uma coisa que te marcou assim pra jogar o futebol ou sempre quando criança você brincava disso?
R – Sempre. A gente tinha... Eu era perito, "expert" de fazer bola de meia. Nem sei como é que fazia. Botava as coisas dentro, pegava aquela, roubava a meia da minha mãe, aquelas meias que vem aqui em cima. Aí entra e sai, sabe como é? Ficava uma bola linda. A gente jogava na calçada, era gostoso. No meio da rua, de noite. Era bola. O negócio tudo era baseado em bola. Eu tinha que ser jogador mesmo, de futebol, porque tudo foi de bola.
P/1 – Nunca pegou no gol?
R – Não, não. Até pelo tamanho não dava. Não, no gol, geralmente, [são] caras altos, ou que tenham tendência – que são raríssimos – ou os que não jogam nada na linha. Porque, na minha época, não jogou nada: “Vai pro gol!” O cara ficava dividindo, vai. “Fulano.”, “Não, não quero Fulano não.” “Mas Fulano sobrou.” Então ele ia pro gol. (risos) Cara que não sabia jogar, ia pro gol. "O goleiro é esse."
P/1 – E você já acompanhava quando criança o futebol no rádio? Você já tinha um time? Seus ídolos no futebol?
R – Tinha. Garoto, tinha time de botão, jogava botão. Zizinho pra mim foi o máximo, eu era fã número um. E a diferença minha de idade não é tão grande assim. Não sei como é que eu era garoto e ele já jogava. É, justamente, dá certinho a minha idade: 14 anos antes. Não sei qual é a idade dele agora, mas ele...
P/1 – Mais de 80.
R – Então, uns 14 anos, 15 anos de diferença. É isso mesmo. Fui fã número um dele, ele jogava muito. Não é questão de ser fã por simpatia, porque o cara me impressionava jogando, era de brigar, dar pancada nos parceiro se não correr: “Vai!” Fez do Vermelho um jogador. Sei lá, qualidades, ele tinha tantas. Fez artilheiro. “Faz Vermelho!” Vermelho só caçapa. É verdade, Zizinho era fora de série.
P/1 – E você acompanhava isso pelo rádio?
R – Pelo rádio. Não tinha TV.
[Pausa]
P/2 – É, só pra retomar o fio. Como era, o senhor falou que ouvia o jogo pelo rádio?
R – É, ouvia pelo rádio. Era uma briga pra quem ficava com o rádio. A gente ouvia, era difícil ouvir. “Jogou para o Zico, não sei o quê, e... vuuu, vuuu, vuuu.” E batia no rádio - não pegava direito. Era difícil, mas dava pra ouvir alguma coisa. E tinha o Esporte Ilustrado, parece-me que chegava semanalmente, ou quinzenalmente, ou mensalmente, não sei bem. Não era diária.
P/2 – Periódico.
P/1 – Esporte Ilustrado, o senhor....
R – E a gente comprava, colecionava. Tinha um monte de tudo. O que chegava, a gente comprava. Aí dava pra saber as coisas. Mas não sabia o que estava acontecendo hoje. O de hoje a gente ia saber daqui a uma semana. Era isso mesmo, uma semana depois.
P/2 - E como é que, o senhor já torcia por algum time aquela época?
R – Olha, eu costumo dizer que a parteira, quando eu saí da minha mãe, que bateu em mim, eu: “Mengo! Mengo!” (risos) Não dá pra mudar. Nasci mesmo já vermelho e preto. Preto é minha pele, quase, e o meu sangue é vermelho. Não tem azul [e] nem verde aqui. Como é que eu vou ser outro time?! Vasco também é preto e vermelho. Botafogo é preto, vermelho e branco.
P/1 – E quando você era criança, já sonhava em ser jogador de futebol?
R – Não, nunca, porque... Naquela época, era engraçado, os pais, nossos pais, jogar futebol era errado, uma atividade errada. A mãe não permitia que se jogasse futebol. Então havia, nenhum garoto pensava em jogar futebol, que era negócio feio. Porque não estudava, se pensava que a gente só jogava bola. E tinha alguns jogadores bons que vinham lá do... Falando mal pra burro, naquela época. Aí os pais viam e: “Não.” Achavam que todo jogador falava mal e então não era permissível. Eu não sei como é que foi indo e as coisas foram melhorando.
Hoje em dia até o pai e a mãe: “Vai jogar bola, meu filho!” Mas na minha época não, nem pensar.
P/1 – E, Dida, qual foi o primeiro time que você participou lá em Alagoas?
R – Bom, tinha um time que era amador, mesmo, que eu comecei, América, era verde a camisa. Mas esse time não existiu, só nós garotos naquela época, fizemos esse time. Quer dizer, eu não sei se considero esse o primeiro time, ou se o CSA, que é o time que eu joguei, de onde eu vim pro Rio. Centro Sportivo Alagoano. Sportivo com S. CSA. É, rivalidade CSA e CRB [Clube de Regatas Brasil], é Fla-Flu aqui no Rio ou Vasco e Flamengo. Era um clássico lá.
P/2 – E como é que o senhor chegou a participar dessa equipe? Como é que chegou?
R – É, jogando essas peladas, aí tinha gente que ia ver jogar. Quem driblava todo mundo, aquele que pega a bola [e] não dá pra ninguém. E Alfredo Ramires. Doutor Alfredo Ramires, que pessoa! Nunca mais esqueci o nome do cara também. “Aí você vai lá, vai treinar uma vez e vem embora. Não é pra ficar não. Mas só porque eu disse que ia levar...” Aí mesma coisa. Eu fui e fiquei. Doutor Alfredo Ramires. Aí de lá pra cá foi um passo.
P/1 – E quanto tempo o senhor ficou no CSA?
R – Eu acredito que 2 anos. E a estrela brilhando. Bicampeão, 2 anos, foi... não sei a data. 51 e 52, ou 50 e 51, ou 52 e 53. Bicampeão. Quer dizer, o outro time tem mais título até hoje, mas é parelho. E nesse aí, [na] minha passagem, foi duas vezes campeão. Aí ficou o nome.
P/1 – E quantos anos o senhor estava quando foi pro CSA?
R – 15 anos. 16... 15 anos.
P/1 – E já foi pro primeiro time?
R – E magrinho, que se o cara me soprasse, eu ia cair lá longe. Mas, foi. Joguei até contra o Velles Sarsfield. Quando o cara está com...
Joguei 15 minutos e fiz um gol. Saí com o coração na boca, sem ar. Não tinha fôlego e fiz o gol. Não, não foi, nós não ganhamos. Foi empate. Esse time, o Velles Sarsfield, não perdeu pra ninguém no Brasil. Foi empate de um a um, não tinha nem tomado o gol.
P/2 – E o senhor gostava de treinar no CSA? Treinamento...
R – Porque o treinamento que existia não é como hoje.
P/2 – Como era?
R – Hoje tem período, um dia, ou vários dias, não sei bem, dependente do que está se disputando, você faz [treinamento] físico. Pô, horrível. Só físico é horrível. Ah, tá, é necessário, tem que fazer, mas hoje já se usa a bola. Você faz uma física tão importante quanto, mas com a bola faz com muito mais satisfação, porque é quase um lazer.
E a física, somente, é horrível. Não tem sentido quase. Sentido tem, mas ninguém gosta. Só esses caras que tem pouca qualidade que sabe que só a presença no futebol com muito esforço físico, eles adoram, sobrevivem por causa da física mesmo. Mas o cara que é bom, que tem a qualidade, ele junta uma coisa à outra. Não totaliza a parte física. Ele bota... É, entremeia a técnica com a física.
P/1 – E, mas então, voltando lá ao CSA. Foi uma partida que o senhor estava jogando, era pelo CSA ou pela seleção Alagoana?
R – Seleção Alagoana, que eu fiz os gols. Esse gol espírita, que eles chamaram até. Foi esse gol que fez, que me trouxe. O time do Flamengo de vôlei estava fazendo um giro pelo Norte-Nordeste, eles estavam lá, foram ver. Eu fiz esse... Estava 3 a 1 pros caras. Rapaz, quando tem que ser... Eu fiz um gol a bobo, outro gol bobo, tudo, bateu em mim, sei lá. E o último gol, que é aquele do drible da vaca, lá. Eu falei até drible de arrodeio - dá pro lado e tal, e a bola saindo pela linha de fundo. Eu vim correndo, bati lá pro gol e virei. Tinha uma cerca, virei por cima e vi aquela gritaria toda, e gente em cima de mim. Diz que a bola fez uma curva que... O homem foi lá e "tim", deu um toque com o dedo. (risos) Só pode ser Deus.
P/2 – Então você fez três gols?
R – Três gols e o último... Os dois gols comuns, mas o último foi dose. Bola saindo quase na bandeirinha, cruzar e ela fazer curva? O goleiro era Rica Rei, eu não esqueci mais o nome desse cara. Tinha até um artista, Ari Carley, que eu via filmes dele, aí talvez por isso eu gravei o nome do cara.
P/2 – E o que é que aconteceu? Depois do jogo...
R – Aí foram lá em casa. Esse time do Flamengo estava lá, que eu ia e tal. Reuniram com meu pai, e foi... Eu não queria, tinha vergonha, sei lá, vergonha de jogar. Só via esses caras pela televisão ou por revista esportiva, tinha vergonha. Aí convenceram o meu pai. Meu pai: “Você vai e volta.” Mesma coisa da outra vez, do CSA pra... Aí eu fui, fiquei, mas eu vim doente. Gozado, eu não sabia. Quando eu cheguei na Bahia de Maceió, aí estava com icterícia, negócio do olho fica verde, o branco fica verde, parece que não tem sangue mais. Pensei que ia morrer na Bahia. Aí cheguei no Rio [e] me deram uma cobertura. Você vê, um cara desconhecido, o Doutor Gilberto Cardoso Pai, por uma comissão médica na Policlínica do Rio de Janeiro. Agora, tinha uns 10 médicos. Fizeram um diagnóstico lá, eu fiquei num regime de uns tantos dias lá. Senão eu teria morrido com aquela doença. Naquela época, não tinha muito dessas coisas que tem hoje.
E essa doença era gravíssima. Aí fiquei sob cuidado médico. Até ali na Policlínica, Casa de Saúde São José, ali em, lá em Humaitá, eu acho. Mas não era, na época que eu fui não era em Humaitá, passou pra Humaitá depois. Era em outro lugar, não me lembro [para] dizer qual.
P/1 – Dida, você se lembra o nome desses dirigentes do Flamengo que estiveram lá em Maceió e te trouxeram?
R – Alfredo Ramires, eu me lembro de mais um, o que se comunicou com o Gilberto Cardoso, infelizmente... Não é ingratidão não, infelizmente me deu amnésia agora do cara, o que ligou pro presidente. O Alfredo Ramires falou com ele e ele ligou, [o] que era amigo do Gilberto, o Gilberto mandou buscar.
P/1 – E você veio junto com eles ou veio sozinho?
R – Não, vim sozinho.
P/1 – De quê?
R – Aquele, meu Deus! Aquele avião de paraquedista que senta de lado. Mas eu não tinha medo de avião na época. Não sabia, não pensava em avião. Entrava normal. O que ele balançou. Se fosse hoje, eu morria de medo. Tinha morrido de medo na vinda, balançou tanto que eu fiquei na Bahia um tempo.
P/1 – Era avião da Fab, esse?
R – Da Fab. Ficou esperando. Olha que moral! Avião esperando, e o Dida
morre [ou] não morre. Não morreu não. “Mete o cara.” Meteram lá dentro, outra vez. Aí chegou no Rio, tinha um monte de médico esperando - moral do cara que falou com o Gilberto Cardoso. Aí me deram uma mordomia, pô, eu tinha que me dar bem. Melhores médicos. Passei 30, 40 dias, conhecido no plantel todo. Não tinha mais vergonha de entrar. Quando o cara chega de lá, só vê os caras pela televisão, chega todo com vergonha, mas esse acontecimento tirou a vergonha, né, fiquei 30 dias. Tanto que no primeiro treino já chamava o Rubens de Cabeção, pô. "Já estou com moral." Se fosse antes, ia dizer: “Seu Rubens, Doutor Rubens”,
“Ô Cabeção, larga essa porra dessa bola.” Quer dizer, isso melhora o.... Eu acredito que muitos jogadores fracassaram não exatamente por não jogarem. É esse teste de você enfrentar aquelas feras todas e você, obviamente, fica mais tímido. A não ser que tenha o temperamento aberto, a maioria volta por isso. Eu dei a sorte de ficar doente. Incrível dizer isso, ficando doente eu fiquei no Flamengo.
P/1 – E quando você chegou ao Rio, foi sua primeira vez?
R – Primeira vez.
P/1 – E como é que você imaginava que fosse o Rio quando você estava lá em Maceió.
R – Eu fiquei maluco quando eu vim do aeroporto. Valter Miralha foi me buscar de jipe - ele era da Aeronáutica, sei lá, Escola Naval, não sei. E eu vendo aqueles prédios, eu fiquei assim... Na praia do Flamengo, do centro pra cá. Pô, eu olhava aqueles prédios, meu Deus do céu! Fiquei quase encantado com aqueles prédios todos. Na minha terra, o maior prédio é dois, é sobrado, dois andares. Via negócio de 12 andares, 10 andares, porra. Me chamou muita atenção, muito prédio. E não tinha uma visão do Rio. Porque não havia um, televisão que... Como é agora. Agora você está, pode estar aonde estiver no Brasil, até no exterior, você conhece tudo porque a televisão...
Faz tudo ficar em casa. Mas na minha época não. Tanto que eu não conhecia os prédios, pô. Não conhecer prédio é brincadeira, hein? Aqueles prédios da época, eu ficava assim, bobão.
P/1 – E Dida, você foi morar aonde?
R – Na concentração.
Estrada da Gávea, 151, esqueci também não. Era um, era uma casa de doido antes. Depois, você sabia.
Sabe, na subida tinha um colégio, na subida da Estrada da Gávea. Um colégio bom, logo no começo. Depois, lá pra cima, que daí vai pra Rocinha e desce pela Niemeyer e sai no Leblon. Estrada da Gávea, 151. Aí eu fiquei lá, tinha vários jogadores. Todos que chegavam ia pra lá, só pagavam a comida. A casa foi doada ou foi emprestada, foi alguma coisa de facilitar pro Flamengo.
P/1 – Quem eram esses jogadores que você conviveu lá no início, lá na casa?
R – Ah, os que jogaram comigo. O Moacir... Ô neguinho feio, jogava muito, hein? Ô neguinho mais feio que eu, 200 vezes. Você imagina? Mas o "crioulo" era uma coisa, jogava um bolaço. E era uma dama também. Falei de brincadeira até o negócio da beleza, porque ele não veio pra televisão pra ser ator, nem... Veio pra jogar bola no Maracanã. E o cara jogava muito. E com ele tem uma coisa interessante: ele não foi mais no Flamengo por causa de uma brincadeira com um garoto, brincando com um garoto na porta do hotel, ali perto de casa, o Flamengo quando estava ali, na Paissandu. E o garoto, ele brincando com um canivete, ele brincando com o garoto, pegou em cima do negócio do apêndice do garoto de leve, e saiu um negócio branco daquilo. Ficou até conhecido como Moacir Canivete. Foi preso, passou 2 dias em cana, saindo do Flamengo mesmo. Quer dizer, saindo do Flamengo mesmo porque ele não foi culpado, o Flamengo podia provar logo e não ir. Ele foi preso. Aí ficou conhecido como Moacir Canivete.
P/1 – E ele ficou abalado com isso?
R – Demais. O neguinho era gente finíssima. Ficou abaladíssimo mesmo. Ele foi embora do Flamengo depois disso, foi não sei pra onde. Foi pro exterior, pro Equador. É, ele foi lá pra fora porque um dia ele voltou e veio falar comigo: “Porque Dida, que 'pero'...” “'Pero' o que rapaz? Não enche o saco, 'pero'. Tá falando comigo 'pero'. Pero Vaz de Caminha, pô?” Porque eu joguei 2 anos na Colômbia também, e espanhol é quase... Você vivendo 1 ano, você fala. Algumas palavras, muito poucas são completamente diferentes, as demais são parecidas. São "conocidas", conhecidas. "Cerca", perto. Tudo tem alguma coisa.
P/2 – Dida, o senhor falou que, das feras. Quando chegou, logo, no Flamengo, das feras do Flamengo. Quem eram essas feras?
R – Ah, eu digo o time. Conhecido, na época lá, o time do Flamengo: Garcia era o paraguaio, tinha a defesa - disse que era pau de bater em louco -, Tomilho e Pavão. Era um, dois, três, cinco. Piramidal. Goleiro, dois defesa, três meio campo e cinco ataques. E esse time ficou gravado. Agora, você diz o time do Flamengo hoje? Ou o do Vasco hoje? E não, e na época se dizia, diga: “Garcia, Tomilho e Pavão. Jadir, Dequinha e Jordão. Joel, Rubens, Benício, Esquerdinha.” O do São Paulo, que [é] meu time de botão, o meu irmão tirou, me tirou do Flamengo. Eu fui sempre São Paulo porque era vermelho e preto. Era: Piolim, Florindo, espera, o goleiro é que saiu. Jurandir, não. Giggio, Piolim e Florindo. Procópio, Rui e Noronha. Adilson, Leônidas e Pardal. Quer dizer, os times você dizia, agora ninguém diz nenhum mais porque muda semanalmente. Nem é mensalmente não, é semanalmente. Eu não sei o time do Flamengo. Tem uma base. Lógico que você vai ter a base sempre, mas fora a base, toda hora entra gente diferente. Você não tem um time. Como é que você vai jogar botão com esses caras?
P/1 – Mas me conta uma coisa então: tem alguns jogadores que o senhor poderia falar um pouquinho deles, assim, como eles eram em campo?
P/1 - O Rubens, por exemplo?
R – O Rubens, eu... Sei lá, ele andava esquisito, mas era o jeito dele andar. Eu convivi com o Rubens, não tenho nada a declarar contra. Eu não estou aqui pra defender ninguém. Ah, em campo ele era fera, pô. Fera. O cara batia na bola com uma facilidade, trivela, lançamento, mas não chegou a ser, ter o nome que poderia ter tido, ser um Didi, ser um... O Didi já foi um nome forte, mas ele foi bom jogador.
P/1 – Quando você chegou, o Joel já estava jogando?
R – Joel, é, ele está jogando. O homem não morre não. Esse cara é... Esse, se você olhar pra ele, é um garoto na minha frente. Só está mais gordo, mas um garoto. O cara é cheio de vida, sem vícios nenhum. Não fuma, não bebe, não sei se as outras coisas, também não faz. Mas um cara comportado, bem casado. O cara é... O homem que quer se guiar, ser direito na vida. Segue o Joel que ele é sensacional. Gente boa também. Meio duro, mas tudo bem.
P/1 – Dizem que ele era...
R – É. Só levar o dinheiro de ida e volta do ônibus, não quer dizer que você é duro.
Ir pra Gávea só com o dinheiro de ida e volta do ônibus. (risos) Não dá pra pagar nem cafezinho, meu amigo.
R – É tinha, fama tinha. Mas eu não sei dizer porque eu não andava com ele. Jogávamos juntos, mas ele tinha a vida dele e eu tinha a minha. Saía do campo, a gente ia pra cada lugar. Eu nunca posso dizer... Os caras pra falar mal, falam mesmo. Mas ele era um pouco agarrado sim.
P/1 – Quer dizer, você chega no Flamengo, já vai pro primeiro time ou vai pro aspirante?
R – Não, essa doença que eu estou falando, essa enfermidade que eu tive, esse negócio de icterícia me ajudou. É um paradoxo falar de uma coisa ruim que dá pra boa. Mas foi o que aconteceu. Então eu chegar junto, se eu chegasse pra treinar provavelmente ia ficar cheio de vergonha e tal e poderia não ter me dado bem. E com essa enfermidade eu convivi com os caras. Quando eu entrei já chamava o Rubens de Cabeção, já apelidava, já estava cheio de intimidade, aí foi mais fácil. Mas chegar, o cara chegar de um lugar, pra enfrentar essas feras meu amigo. É dose.
P/1 – Que ano foi que você chegou?
R – 54. 1954. Pô, lá vai tempo hein? 66 anos, não, 46 anos.
P/1 – E, bem, você chegando, nesse ano, o Flamengo foi bicampeão.
R – Foi bicampeão, é. Eu joguei umas duas, três partidas ainda. Joguei na estreia, foi dois a um contra o Vasco, mas não fiz gol. Mas foi uma estreia, pô, estrear e não perder. Os caras olhavam assim, se perdesse, estava morto.
P/1 – E aí, como é que foi a sua sensação de entrar pela primeira vez no Maracanã?
R – Um negócio sério, maravilhoso. Não sei definir a emoção. Agora, a emoção maior é você meter um gol num jogo duro. Está duro aí, você vai lá e... Ô, aquilo é um negócio sério. Eu tenho uma passagem engraçada [com] esse negócio de gol. É que eu fui pra Portuguesa - já tinha 10 anos depois do Flamengo -, aí veio o Rio-São Paulo, os dois times já estavam fora do Rio-São Paulo, Flamengo e Portuguesa de Desporto. E eu vim pro “Maracá” aí com a Portuguesa. - Não esqueço nunca mais isso. - Era um jogo de pelada, praticamente. Os dois times fora, estava 1 a 1 e eu fui lá, meti o segundo gol. Aí corri pra torcida do Flamengo. Mas levei uma vaia, meu amigo, que até hoje dói meu ouvido. Um negócio fino, mas foi uma vaia. Eu não sei porque eu corri. Os caras devem ter pensado que eu queria gozar, mas não foi. Foi automático, meter e correr. Que vaia! Nunca, vaia impressionante mesmo. Impressiona, forte. Isso me gravou, ficou na cabeça.
P/1 – Você estava acostumado: fazia gol e ia pra torcida.
R – É, pra aquele lugar ali. Foi automático.
P/2 - Esqueceu da camisa.
R – Esqueci mesmo. Não é uma explicação. Esquecer não deve ser o termo. Alguma coisa que... Deu um branco. Não é esquecer, que é difícil esquecer. Deu o branco, aí automatizou: vim por lá e correr pra cá. Aí... Foi uma vaia horrível. Se os caras me pegam naquela hora. Pô, se me pega, ia sobrar... A orelha dava pra dividir em 400 partes. (risos)
P/1 – E Dida, nesse ano então que você chegou, 54, o Babá já estava no Flamengo?
R – Já, mas não... Ele estreou comigo, mas voltou pro time de... E eu fiquei só. Porque também tinha o Zagalo e o Esquerdinha. Ponta esquerda, né? E o meia-esquerda mesmo só tinha o Benítez. Evaristo jogava, Paulinho jogava, mas meia-esquerda mesmo só tinha o Benítez. Aí o Benítez, sabe como é que é, fazia os gols todos do Flamengo. Aí já não estava fazendo, os caras: “Sai Benítez! É o Dida!” Depois, no final, era o inverso. Quem chegou: “Ai, sai Dida!” (risos) É a vida do futebol. Não pode, isso é normal com todo mundo.
P/1 – É verdade. Mas então...
R – Futebol não, qualquer profissão que dependa de agilidade... Não, que dependa do cara estar em cima, é um ator, que seja, num sucesso, de repente surgem outros. “E agora?” Eu estava até vendo a história de dois caras aí, Jorge Ben? Não, não sei. Falando: “Pô, antigamente aplaudia. Agora os caras estão doidos que a gente saia logo pra entrar o outro.” (risos)
R – É a vida. Você não, você que está acostumado com o sucesso seja em qualquer setor, sente a pancada. Mas acostuma. Normal, acostuma. Demora um pouco, mas acostuma. Alguns demoram muito. Eu demorei pouco, graças a Deus. Eu sei que era normal.
P/1 – Mas isso a gente está no fim. Vamos voltar pro começo, que você ainda está assim pouco conhecido, chegando de Alagoas. Já chegando assim num time do Flamengo.
R – É, quando eu estreei a gente ouvia claramente: “Quem é esse Dida? Quem é...” A reclamação da torcida. E: “Quem é Babá? Pô, Dida e Babá?” Aí os caras... Aí depois, como ganhou, os caras ficam mais ou menos... “É, mais ou menos o cara.” Aceita um pouco, e assim vai.
P/1 – Dida, em 54, você jogou algumas partidas e o Flamengo foi bicampeão. E lembra dessa festa de comemoração, do bicampeonato?
R – Eu não participei não, muito não. Porque na época era gozado, eu era aspirante como é o júnior hoje, juniores hoje, e eu não era ligado não, era afastado. Os profissionais não davam muita bola pra negócio de aspirante. Aspirante era profissional também, só que a categoria disputava outro campeonato, inferior. E dali tirava-se, mas muito raro.
P/1 – Certo. Então eu vou passar pra 55. Que aí é o ano de fato que você está no time.
R – É.
P/1 – Como é que foi esse ano?
R – Foi machucado o Benítez e me puseram titular um turno. Eram três turnos esse campeonato, eu entrei nesse turno e fiz gol à beça. Fiquei o artilheiro do time ali. Inclusive, a decisão foi nesse meio, nesse ano de 55. Fiz os gols. “Ah, fez o gol, está tudo bem.” Aí é bonito, sarado.
P/1 – Você se lembra do seu primeiro gol no Flamengo?
R – Não. É gozado, não me lembro legal não. Deveria, mas é porque fazia muito gol no aspirante. Então quando eu subi, fiz um gol no time de cima. Não é o primeiro, teria sido [como] aspirante. Mas não me lembro não. Realmente, deveria, mas...
P/1 – Não tem problema. Mas os gols na final com o América, você lembra?
R – Me lembro, aí eu lembro.
P/1 – Conta um pouquinho como foi esse jogo?
R – Bom, melhor de três. O América era o melhor time da época. Tecnicamente, era o time que mais, aliás, que a camisa funcionou também, porque não é pra elogio, mas camisa às vezes ganha. Não é sempre não, mas tem vezes que ganha. Pelo menos empolga mais a massa, a torcida, os próprios jogadores. E [no] primeiro jogo eu era reserva. Não entrava ninguém não, não tinha Regra Três não, era só os 11. Primeiro jogo: então eu era reserva. 1 a 0 pro Flamengo, gol de Evaristo. Aí -, isso foi numa quinta-feira. Aí no domingo, segunda partida, 5 a 1 América. Puxa, o América era bom mesmo, deitou e rolou. Aí no, veio a decisão, foi quando eu entrei no time. Só que tem uma história que eu não deveria contar, mas vou contar porque acho que foi, aconteceu por, mas não premeditação como todo mundo falou na época. Uma jogada do Tomilho no Alarcon, os dois subiram, o Alarcon caiu e ficou. Então, não tinha substituição na época, daí nós ficamos com um homem a mais. Já estava 2 a 0 pra gente, mas... Aí o Romero fez um gol, deu chute lá da entrada da área e fez o gol. E começaram a pressionar com 10 mesmo, porque o time era bom. Aí aconteceram mais 2 assim, [na] sequência de jogo. Escapada lá e...
P/1 – Você fez quantos gols?
R – É, alguns dizem 4, outros dizem 3, porque um deles o Duca chutou, bateu em mim e desviou do goleiro. Se não desvia, talvez o Pompére, que era o goleiro do América, pegasse. Desviou sem eu ver, bateu em mim e desviou. Agora, alguns deram pra mim e outros deram pro Duca. Eu mesmo não sei dizer, porque eu queria meter o gol, mas nem vi a bola. Desviou do goleiro. Agora, teve gente que deu pra mim, teve gente que deu pro Duca. Então 3 ou 4. Até hoje eu não sei dizer.
P/1 – E como é que é fazer um gol assim numa final no Maracanã lotado?
R – É um negócio sério, indescritível. É difícil de descrever. Eu falei indescritível, falei errado ou certo?
P/1 – Certíssimo.
R – Aí, porque não tem, é coisa maravilhosa. Você imagina uma profissão qualquer que seja e você desenvolver-se a ponto de ser aplaudido, [se] desenvolver de uma maneira positiva demais. Aí você é no centro, todo mundo ali, é uma coisa impressionante. Não dá pra defini-la não, mas que é emocionante demais, é. Haja coração.
P/2 - O treinador era o Freitas?
R – Fleitas Solich.
P/2 – Dida, a gente estava falando um pouquinho do Fleitas Solich, eu queria que o senhor falasse um pouco dele, do jeito dele.
R – Ele já era chamado de “El Brujo”, de bruxo, não sei. E porque ele era, ele fazia algumas coisas determinadas, por exemplo, entrada de área que a gente cruzasse com o Babá ou com o Henrique, certas coisas que hoje chama treino tático, sei lá, que era ensaio de jogadas. Fazia várias coisas. Tinha outro nome, não era como agora, planejar e tal. Ele era bom. E, geralmente, antes do jogo, ele dizia quase o que ia acontecer. “Vai acontecer isso.” Foi nesse jogo do América, que eu ia fazer os gol... Que ia acontecer: “Porque ninguém vai ligar pra você, você vai entrar e vai fazer o gol.” Mas coisa assim. Ele tinha umas tiradas, por isso que chamavam ele de feiticeiro, sei lá o quê. Eu achava ele bom. Agora, 2 anos depois, ele decaiu. Foi pro Fluminense, já não era o mesmo. Ele teve uns 2, 3 anos de sucesso. Depois, no próprio Fluminense, ele não se deu bem. A torcida [era] contra. Não teve muita duração não, mas no Flamengo ele foi dose. Nesse tricampeonato, ele foi importantíssimo.
P/2 - Quando o senhor chegou no Flamengo, ele que te recebeu?
R – Era. E, na época, um cara estranho não entrava não, ele que arranjou pra eu entrar. Ele: “Vai jogar.” Entendeu? Ele, na época, era audacioso. Não se tinha coragem de botar cara estranho pra jogar não. Era difícil. Muito arriscado pra vida do técnico botar um cara estranho e ele fracassar. E ele não, ele mexia.
P/1 – E Dida, como é que você se sentiu na véspera desse jogo, da decisão, que você sabia que ia jogar...
R – Porque ele deixou pra última. Ele deixou, ele não falou nada. Só conversava comigo: “Quero ver esse Fulano.” É, mas ele era esperto. Me deixou bem à vontade, de perguntar assim no meio da conversa: “Se fosse você, fazia o quê? Na situação do Benítez, o quê?” Ele foi esperto. “Ah, eu fazia não sei o quê, tal e tal.” E me botou dentro do jogo, sem jogar. Quando eu olho, disse: “Pois você vai jogar.” Aí eu: “Está bom.”
P/1 – No dia?
R – Foi na véspera.
P/1 – E você conseguiu dormir?
R – Consegui. Era difícil dormir mesmo, mas ele me conversou de tal maneira... Não, ele não disse na véspera. Eu estou errado. Ele insinuou, não disse que eu ia jogar. Foi dizer quase na hora do jogo. Na hora de almoço, tinha um grupo que almoçava tal hora e outros que não iam jogar. Porque era mais de 11 que concentrava, até por causa de negócio de doença. Não tinha substituição, mas eram 16, entendeu? Ele chamou pra jantar, aí já definiu que eu ia jogar, na véspera. Aí já no dia eu fiquei: “Vou jogar.” É, dá uma emoção, sei lá. Não é mole não. Se você pensar muito aí pode dar um chilique. O negócio é não pensar, só na hora de se meter lá. Porque se pensar, dá um chilique. Naquela época, era dose. Eu digo aquela época porque hoje há muita gente entrando.
Todo dia o Flamengo tem um cara novo, todo dia o Flamengo tem um cara... Não é como era antigamente. Pra entrar, eu passei uma semana o jornal insinuando que eu fosse jogar. Isso que dava nervoso. “Provavelmente, Dida não sei o quê.” Pra entrar era um escândalo, uma coisa raríssima. Agora não, virou rotina. Não tem mais essa sensação que tinha na época.
P/1 – E você lembra como é que foram os seus gols? A maneira que você marcou esses gols no América?
R – O terceiro eu não poderia esquecer, foi um chute do bico da grande área. Quer dizer, eu chutava nada de esquerda e resolvi chutar uma bola no bico da grande área. É isso que eu digo, que o Homem lá em cima estava me protegendo. Pegou uma pancada, meu amigo, que eu acho que nem Rivelino chutava assim. Foi uma mentira, uma fantasia, um milagre. Foi um milagre. Chute da bico da grande área pegar na trave e sair por dentro assim? Só negócio de Deus mesmo, quer dizer que foi um privilégio divino dado a mim. E, depois, quando eu cheguei na Gávea... O interessante é isso: eu tentei repetir no treino 200 vezes [e] a bola nem chegava lá, compadre. Você vê que era uma dádiva divina, não é? Nem chegava lá. Chutar correndo, assim, com o pé esquerdo pra lá. Foi uma pancada, negócio de milagre mesmo. Tinha que ser.
P/1 – E Dida, como é que foi a comemoração? Vocês fizeram a volta olímpica no Maracanã?
R – Não, não no... Depois do gol, logo depois desse gol... Eu sei, mas depois do gol, estava 2 a 0, 2 a 1 - que o Romero fez aí complicou. Foi esse gol o terceiro que aliviou o time todo do Flamengo em cima de mim. Quando eu saí, estava morrendo. Disse que estava emocionado, [mas] estava era sem ar, pô. (risos) Emoção com, sem ar, eu ia morrer ali com o negócio, todo mundo em cima. Era emoção, normal. Eu fiquei por baixo, foi um negócio, sufoco terrível.
P/1 – 10 homens em cima de você.
R – Tanto que eu saí, tive quer ser medicado. Sem ar, quase eu morro ali. Você já pensou? Morto na comemoração, meu amigo?
P/2 - Ô, sofria muito com...
R – Eu não pensava muito nisso, porque nos jogos que eu jogava, peladas, sempre levava, porque os caras quando não podem tomar, dão mesmo. Se vai reclamar? O cara vai tomar o drible e não vai apelar? Normalmente, o Bellini, que eu acho que foi um cara sensacional, nunca deu uma pancada em mim. Nunca deu. Um cara grandão. Se ele quisesse me dar pancada, ele daria. Ele foi um cara até humilhado com drible. Humilhado que eu estou dizendo, no bom sentido, que ele podia aproveitar, ter me dado pancada. Um dos gols de 4 a 1 Flamengo e Vasco, lançaram, eu peguei, saí no pique da minha...
P/2 - Meio de campo?
R – Da intermediária. Peguei ali dentro do círculo, só tinha ele. Aí ele foi, eu ia pra cá. Quando ele virava, eu ia pra lá. Pô, um negócio humilhante, mas não foi de propósito, foi pra chegar lá. Até que lá na entrada da área pá e, gol. Aí é fogo. E ele nunca me bateu, o cara. Nunca teve maldade comigo, sensacional o cara. Eu mesmo acho que bateria nele se fosse o contrário. Pequenininho, eu metia a pancada nele.
P/1 – Quantos zagueiros aí grandes que você enfrentou?
R – Pinheiro, Mauro. Eu não sei se Mauro, porque eu faço confusão. Mauro não é do meu tempo não...
P/2 - Mauro Ramos?
R – Sim.
P/1 – Sim, ele jogou...
R – Eu faço confusão porque eu trabalhei no, depois, no clube, trabalhei em júnior. Às vezes eu não sei qual é a época, mas Pinheiro eu tenho certeza, Bellini e Pinheiro. O Pinheiro era altão, grandão mesmo. Clóvis do Fluminense também. Fora Bitum da vida, Bitum do Madureira. Bituca de não sei de onde. Pô, os caras chegavam: “Mata o garoto.” “Palhaçada não, que eu te mato.” A voz do cara era assim, mais ou menos. (risos) Quer fazer... Ele na Gávea, rapaz. Porque o Olaria [e] - eu não me lembro quem foi o cara -, [fez] jogo mole, 8 a 0.
E teve uma bola que eu entrei sozinho. O cara lançou e eu fui, o goleiro saiu e eu driblei o goleiro. E cheguei na área, dentro do gol, não chutei. Aí peguei, pisei a bola dentro do gol assim. “Ô, o cara quer fazer palhaçada. Eu vou te matar aqui mesmo, na Gávea.” O cara ficou louco, porque eu não chutei a bola, só por isso. Ele achou que aquilo era uma humilhação. Também não sei porquê eu fiz isso.
P/1 – Estava 8 a 0?
R – 8 a 0. Não, foi 8 a 0. Não sei se foi o quarto, quinto, por aí.
P/1 – O senhor tinha falado de alguns zagueiros, e goleiros? Quais eram os goleiros que mais dificultavam a sua vida?
R – Eu achava, peguei poucos. O Barbosa era sensacional [e] Castilho, esses dois foram feras. Gilmar, mas não tinha muito contato, só na seleção. Ele é paulista. Campeonato paulista, foi o titular. Mas eu achava o Castilho – questão de gosto – eu achava o Castilho melhor, mas quem foi o titular foi o Gilmar. Na época, diziam que o Castilho tremia. É, o que vai falar? Pra tirar, tem que convencer o público. E falou tremia, o público aceita. “Ah, tremia, então não podia jogar mesmo", pra botar o Gilmar e deu. A diferença do Brasil pros outros era grande. Que entrasse o Pitiguia no gol e a gente ganhava, pode crer. Não estou desvalorizando, mas era [uma] diferença muito grande, do Brasil pros outros. Gozado que em 62 foi quase igual a diferença, mas já diminuiu um pouco. E daí pra frente foi diminuindo, diminuindo, e agora está duro.
P/1 – Agora está duro.
R – Agora está difícil.
P/2 - O senhor, no Flamengo, batia falta?
R – Nada, nada. Não batia.
P/2 - Por quê?
R – A vez que eu fui pegar a bola pra bater um pênalti, o Rubens quase me bate. “Sai daí garoto!” Ah, porque ele era o batedor. Batia muito melhor que eu, muito mais. Eu não sei que eu fui pegar, quis fazer a minha graça também, aí ele não deixou.
P/1 – Você fez quase 250 gols sem fazer, marcar pênalti e falta?
R – É. E só jogando aos domingos. É. Sábado ou domingo. E eu acho - aí não é pra exaltar nada não - que nós jogamos muito no interior. Eu não acho que foi só isso de gol não. Não vou entrar em detalhe, nem vou discutir, nem vou reivindicar, mas era goleada. Porque, naquela época, ninguém lá no Norte-Nordeste jogava nada, nesses interiores. Agora você vai em qualquer interior, pega um jogo duríssimo. A minha época era negócio de 10, 8 a 0. Eu não acredito que, eu acredito que ficou, me passaram pra trás nuns gol aí, mas... "Tsss", não dá dinheiro a ninguém.
P/2 - Dida, a gente quer falar um pouco de gols que você fez na sua carreira. Você lembra um gol, gol de bicicleta, por exemplo?
R – Eu não sei definir. Fiz alguns, com certeza fiz alguns, mas eu não tenho certeza em dizer contra quem, em que momento. Tem gols esquisitos também, um gol contra o São Cristóvão - esse eu me lembro.
P/2 - Como foi?
R – Que chovia muito, o campo lá em São Cristóvão estava alagado, praticamente, e que a bola veio, quase da intermediária, eu chutei [e] parou numa poça. Aí todo mundo, aquele mundo de gente correndo em cima, e eu chutei novamente na poça, outra. Parece uma piada. Finalmente, e eu chegando primeiro que os caras, aí eu fiz. O goleiro, esse goleiro, se eu dissesse o nome, vocês iam - ele esteve no Flamengo depois, mas agora eu esqueci o nome dele. Um magrinho, branco.
P/1 – E ela parou na poça quantas vezes?
R – Duas vezes, impressionante. Primeiro, foi aquele mundo de gente correndo, aí chutei outra vez, cheguei primeiro e, numa poça d’água. Engraçado. Isso contado, ninguém acredita, mas foi real. São Cristóvão.
P/2 – Tem uma partida com o Canto do Rio também?
R – É, gol de letra. Gol de letra, de passar. E esse jogo - me lembro também muito vagamente -, que eu fiz 2 ou 3 gol de letra no mesmo jogo. Foi 12 a 0 ou 12 a 1, havia uma disparidade. Eu acho que depois desse jogo, o Canto do Rio parou. Não sei exatamente por causa do jogo, mas essa época foi os últimos jogos do Canto do Rio, então, 3 gols de letra. Porque havia oportunidade, hoje não faz. Não é porque não tenha condição, é porque é mais difícil fazer. O pior time não vai deixar você, vai chegar junto, a defesa...
P/2 - E gols, número de gols numa partida. O senhor se lembra quantos, o máximo de gols pra...
R – Eu acho que 6. E acho que foi esse Olaria mesmo. Mas não tenho certeza, não vou afirmar.
P/1 – Qual Olaria?
R – Esse 8 a 0 na Gávea que eu fiz que, uma bola que eu botei depois do gol, assim, mas não tenho certeza. 6 eu sei que eu fiz. Deram moleza, aí é fácil. Contra o Vasco eu fiz 3 em dois jogos, deram moleza. Tem...
P/2 - O gol mais importante da sua carreira, qual foi?
R – Eu acredito que esse terceiro contra o América fica porque foi o terceiro, numa hora em que o América reagia, 2 a 0. Nós ganhávamos [estavam ganhando], eles fizeram um gol e estavam em cima. O América era enjoado. E acontece o terceiro gol, foi um alívio. Foi um alívio geral, mesmo. Acredito que esse, pela importância de um tricampeonato que significou e pelo momento que aconteceu, foi o mais importante.
P/2 - E o mais bonito?
R – É, tive alguns gols. Lá fora também, na Colômbia. O da Colômbia eu acho que foi o mais bonito.
P/2 – Como foi?
R – Eu fiquei em horizontal, assim. O Oto Valentim jogava com a gente, lá no Júnior Barranquilha, e ele cruzou a bola, um chute praticamente na entrada da área. Então, eu fiquei em horizontal, isso é um negócio de circo. E bater assim [é] uma pancada, tá entendendo? É difícil até contar. O cara aqui... Aí cruzou a bola, fazia essa posição assim pra pegar. Dificílimo. E eu não repetiria, não me garanto em fazer. Nunca mais aconteceu porque também um Senhor falou: “É seu garotinho!” Por coisa que, foi demais, foi acrobático. Muito acrobático, muito rápido. Os caras do time, o próprio Valentim: “Como é que você conseguiu? Estava em pé e de repente, pá.” Eu também não sei dizer. A participação de Deus sempre....
P/2 - E gols de peixinho?
R – Isso ocorre. Eu não sei também lhe definir contra quem. Normalmente acontece. Qualquer goleador, qualquer cara que joga na frente, não só o goleador, vão aparecer lances que requerem você pular de cabeça. Chamaram peixinho, podia se chamar aviãozinho, podia chamar o que for. Mas, não me lembro contra. É difícil. Faz tempo já, eu saí do Flamengo em 63. Poxa, 63 eu saí do Flamengo. Você vê quanto tempo faz, 37 anos. Mas mesmo 37, é idade.
P/2 - E gol de sair driblando e deixando o defensor pra trás?
R – Também. Esse que já falei, foi. Esse que parei a bola lá, foi driblando. Teve um com o Bellini também. Mas só que não foi driblando todo mundo, o próprio Bellini insistiu ali e eu... É, eu não gravei muito não esses. Houve também o cara que fez alguns gols, dizem 250, 240, ou que seja menos, ele teve oportunidade de fazer todo tipo de gol. Apareceram chances. Tantos ele perdeu também, tudo bem, mas os que ele fez, é quase todo tipo. Não sei dizer onde e quando, o tempo.
P/1 – E de cabeça?
R - Também.
P/1 – Fez muitos gols de cabeça?
R – Um eu me lembro: 1 a 0 contra o Fluminense. Em Castilho, o Jair Marinho... Até Jair Marinho fez assim pra mim, porque, não é questão de ser alto, a bola chegou em mim [e] eu fui primeiro. Aliás, eu cheguei primeiro na bola. Cruzaram, fica o Castilho, vai, não vai, o Jair Marinho vai, não vai. Eu cheguei primeiro e pá. Cabeça normal. Ninguém, eu fui mais rápido, aí fiz o gol de cabeça. Não saltei, mas fui mais rápido. É, esse eu me lembro pelo Jair Marinho fazer gestos assim... Que eu tinha sorte demais, pra não dizer outras coisas. É, esse aí eu me lembro.
P/1 – E você tinha sorte?
R – Poderia ter tido mais sorte, porque, em determinados momentos, por motivos alheios até a mim mesmo, se eu tivesse mais sorte, eu podia ter feito mais gol e ter uma série de coisas. Mas eu não vou dizer que não tive também, porque eu vim decidir um título com o América e faço os 4 gols. Isso é sorte. Caíram pra mim as bolas. Não é só “o cara”, pode chegar ali o Pelé e não era o dia dele, meu amigo, ele não vai fazer 4 gols não. Não é isso? Eu vim e fiz porque fui ajudado pelo destino, pela sorte. A gente tem que ter sorte. Quando perde: “Ah, que azar.” Quando perde é azar pra caramba. Quando faz o gol, o cara diz: “Ah, é minha qualidade. Eu sou bom, eu fiz.” Mas quando perde, foi azar. Ninguém diz “Eu tive sorte”, mas sem sorte, nada funciona. Sorte deve ser o nome que tem no dicionário brasileiro, no vocabulário. Mas pode ter outro nome. A sorte existe com outro nome qualquer. Você, sem esse fator que chamam de sorte, não vai se dar bem em lugar nenhum não, meu amigo, ou se dar menos bem.
P/2 - Hum, hum.
R – Tem que ter essa sorte. “Ah, Fulano tem sorte pra burro.” Alguma coisa ele fez por merecer, ou não é? Eu estou falando da sorte dele. E da falta de sorte? Entendeu? Um cara que fez 10 gol, aí é enganado pela mulher? O cara tem uma sorte do caramba, mas, no entanto, foi enganado pela mulher. Não estou fazendo nenhuma, não é atinente a ninguém, mas não é mesmo? O cara fala só a parte boa, a pior não.
P/1 – E falando da falta de sorte: teve algum gol que você perdeu que gostaria de ter feito assim?
R – Ah, com certeza também, no mesmo limite. Agora, eu não...
P/1 – Não tem nada de especial.
R – Não, tem sim. Até de derrota que se eu tivesse feito, mas agora minha memória que está fraca. Tem jogos que eu perdi 1 gol que não era pra perder. Eu não sei dizer exatamente, mas houve derrotas do Flamengo em que eu tive a chance de pelo menos empatar. Antes ou depois. Ou eu não fiz o gol e os caras fizeram, ou os caras tinham feito e eu não fiz. Com certeza. Eu não vou enumerar porque me falta no momento a direção do contra quem, mas que houve, houve. E várias vezes que perdi, com certeza.
P/2 - E o senhor gostava também de deixar o companheiro na cara do gol?
R – Gostava, gostava. Tem muitos gols do Henrique, que eu lembrei agora, que foi parceiro, que eu poderia ter feito. Tem um até contra o Antoninho, goleiro da Portuguesa. Portuguesa [é] pequena, daqui. Portuguesa de Desportes não. Eu vim driblando, entrei e era só fazer o gol, pô, e o Henrique entrando pelo outro lado, eu rolei quase na frente dele. Se ele não fizesse, meu amigo! Mas isso é porque ele não tinha, num lance anterior – isso aí foi uma forra minha – a gente é vingativo. Que ele não deu, eu falei: “Assim é que se faz!” Eu me lembro que falei isso, negócio de briga de momento, briga sem consequência, só pra: “Eu sozinho você não viu, agora ao, faz, pô.” Vingança à toa. Aliás, é difícil ter gente ruim. Tem pessoas que cometem asneiras, que cometem burrice, eu não acredito que tenha cara mau. “Aquele cara é mau. O Escadinha é mau.” Eu não sei se ele exatamente, ele foi envolvido por uma série de coisas e se tornou mau, a sequência de fatos. Não estou defendendo o cara não, mas eu não sei se ele é mau. Ele está mau, considerado um cara muito mau, mas não...
P/2 - O senhor falou em ambiente. Eu queria lhe perguntar: o senhor chegou no Flamengo, morou na concentração. Por quanto tempo o senhor morou nessa concentração?
R – Não sei, não sei precisar. Porque eu comprei logo um apartamento, mudei em seis. - Acredito que passei na concentração, vamos botar um ano. - Estrada da Gávea, 151. Mas eu comprei o apartamento na Souza Lima, em Copacabana. Essa época... Pequenininho. E fui morar lá. Quer dizer que eu passei um ano na Gávea.
P/2 – E, nesse ano, o ambiente? Já falou do, daquele colega Canivete. Moacir Canivete. Quem eram os outros companheiros de...
R – Ah, a turma era muito unida. Tinha as patotinhas, que a gente chama patotinha. Eu saía mais com o Babá, com o Henrique. Outros saíam mais com outros. Mas o grupo, [no] geral, era muito unido. Luis Roberto, meio de campo. Esse Luis Roberto jogava demais. Ele era hipocondríaco, tinha, tudo era doença pra ele. “Ai, meu Deus!” Mas jogava muito. Ele foi pra Portugal, considerado o melhor jogador que passou lá nessa época. Mas ele não venceu porque qualquer coisa ele estava... Tossisse, ele: “Pô, estou, vou tomar remédio que eu vou pegar pneumonia, não sei o quê.” O negócio dele era só assim. “Dor no cotovelo? Ih, fratura.” Ele operou tudo. Luis Roberto, olha, operou tudo. Eu falo isso porque eu achava que aquele cara devia ser, teria sido um fera no Brasil, mas isso atrapalhou.
P/2 - Ora, o senhor falou [que] Babá e Henrique eram os seus mais chegados.
R – É, mais chegados. Namoradinha. Tinha namorada, arranjava pra ele. Saía mais pras festinhas juntos.
P/2 – Conta um pouquinho isso? Pra onde vocês iam, ou qual eram os pontos?
R – É, tinha festa. Não, digo, um aniversário qualquer, a gente... Convite não faltava, meu amigo. Era convite... Tinha o aniversário, não sei o quê: “Vai lá em casa.” Só não íamos muito mais porque os jogos eram [no] final de semana e a gente sempre concentrado, jogava final de semana. Acontecia das festas... Festa antes de quinta-feira, com certeza a gente estava. E tinha cara que mudava até dia de festa pros jogadores irem. Muito amigo da gente: “Ah, não.” Ou faziam na época e depois também pra que nós fossemos.
P/2 - E aconteciam aonde? Em casa, clube?
R – Nas casas. Lances pitorescos, que empolgado com negócio de futebol, e você ir na casa de um casal, vai dançar – não era muito fluente isso não, mas – e, de repente, a mulher dá uma cantada em você. Eu estou falando isso não por vaidade. Pra ver a gente ter que chegar: “Não, o que é que há, pô.” Não é? Mas quanta gente não se aproveitou dessa situação? Fã é fã.
P/1 - E Dida, quando que você sentiu essa chegada da fama principalmente depois da conquista do título? Você era muito assediado?
R – Era muito assediado, mas você sabe que a gente acostuma. Não é bem dizer acostuma. Porque, normalmente, quem fica com isso muito a baila, não se dá bem. Porque aí diz que é mascarado, diz que é... Um cara que tem um temperamento fora do campo até tímido, posso dizer, porque eu me considerava tímido. Os caras dizem que não, porque o, quem eu conheço só falo piada e tal, mas você precisa me conhecer num ambiente diferente, num ambiente que eu não conheço. Tímido, normalmente. Então... Isso aí, a fama, é um negócio sério. Eu acho que eu me coloquei, adequei, vou dizer assim, como uma dádiva divina e só. Não pra exposição, pra querer me mostrar, pra querer dizer que sou não. Isso Deus me ajudou lógico, sem Deus ninguém faz nada. Mas pessoas que Deus ajudando, mesmo que se quiseram mostrar que era mais do que outras, essas não vão pra lugar nenhum. Duram, efêmero. Efêmero, é negócio rapidinho, porque uma coisa não combina com outra. Você ter um nome, uma sorte na vida e querer ser o tal, uma coisa não se enquadra na outra. No meu modo de ver.
P/1 – E Dida, como é que foi a sua primeira ida a Maceió depois que você veio pro Flamengo?
R – Ah, foi espetacular. Caminhão de bombeiros, sei lá. Que a gente chama furiosa, música. “Tá, tá, rá, tá, tá.”
P/1 – Ah, é banda?
R – Banda, a primeira. A primeira vez, a segunda depois tudo entra na rotina outra vez, já não é, já não tem mais aquilo, mas a primeira vez [é] um negócio sério. É porque tem que dizer aqui, eu tenho que dizer, Maceió quase não existia. Agora os meios de comunicação fizeram uma cidade lindíssima, mas, na época, não tinha meio de comunicação e era cidade atrasada. Atrasada por quê? Ninguém interessava. Recife e Bahia tinham os cuidados, eram os cobras do Nordeste e do Norte. Do Nordeste. E Maceió, Sergipe, essas coisas, ninguém... Era uma cidade humilde, uma cidade... Agora não, agora está beleza pura e com essa comunicação toda está uma cidade que vale a pena você passar um tempo lá. Férias, uma coisa linda. Está bonito. Umas praias lindíssimas.
P/1 – Tem umas praias muito bonitas mesmo.
R – Muito bonita. Água azul, realmente, azuis. Ou verdes, mornas. Impressionante, água morna. Se você mergulhar, você está... Não é aquela que você mergulha e sai tiritando.
P/1 – Dida, a gente estava falando então dessa questão de como você lidou com a fama, tudo mais, e aí inevitavelmente a gente chega na seleção. Quando que você foi convocado pela primeira vez?
R – Foi em 50 e... Não, outras vezes eu estava machucado. - Eu sempre era lembrado, por sorte. - Mas a única vez que eu fui foi em 58, porque eu não estava machucado, aí fui convocado. 3 a 0 nós estreamos. Mas eu tive, eu saí, diz que eu tremi. Leônidas da Silva - como eu gosto de falar desse nome: Leônidas da Silva - falou que eu tremi, aí, de repente, eu pedi pra vir embora. Houve essa briga, porque aceitaram muito essa opinião, lá, a cúpula, e eu não aceitei. Queria vir embora, mas o finado Zózimo: “Não, não vai não. Fica, fica, fica. Eles querem que você vá mesmo.” Mas eu briguei sério com os cara. Ninguém sabe, [mas] se tivesse que perder alguém, era eu.
P/1 – Mas voltando um pouco, quando você foi convocado: participou também de eliminatórias ou foi direto pra Suécia?
R – Não, teve alguns jogos. Não chegaram... Amistosos preparatórios, mas não definiam. Eu participei, foi o único que teve que definia, foi o Peru. Que Didi fez um gol de falta... 1 a 0. Ficou famoso esse jogo. Foi o único definitivo, daquela época. Depois, amistosos pré, como é que a gente chama? Preparatórios. Aí jogamos contra o Internacionale, contra o Fiorentina e, antes, contra alguns - eu não me lembro muito bem não. Me lembro que esses dois nós ganhamos de 4 a 0 e de 4 a 1. Não sei qual foi 4 a 1 ou o 4 a 0. Ou foram os dois 4 a 0. Não sei, [só] sei que eu fiz gol nos dois. Eu não sei mais, isso é muito tempo.
P/2 - E aí depois, chegaram à Suécia?
R – À Suécia, tudo bem. Tudo normal. Aí veio o jogo contra a Áustria, a estreia. Eu joguei. 3 a 0. Dois gols de Mazola e um de Nilton Santos. Eu não fiz gol. Aí, bá, bá, bá, bá, bá, bá, bá, bá, bá, o Leônidas, que era sei lá, assessor do Fiola, que era coordenador... Aí eu continuei treinando, mas na hora do jogo, eu não fui. Puseram outro no meu lugar, nem foi o Pelé, jogaram Vavá e Mazola.
P/1 – No segundo jogo, você não apareceu no?
R – Não. Não apareceu como?
P/1 – Não, você não foi relacionado...
R – Não, mas não tinha reserva não.
P/1 – É só em 66 que começa a substituição.
R – Acho que é. Não tenho certeza também não.
P/2 - Em 70. Agora, mas por...
R – Tinha um negócio de Regra Três também, não me lembro. Parece que era um só que podia entrar, o goleiro, sei lá. Ah, mas deixa pra lá.
P/2 - Vamos indo, o, eu queria perguntar sobre o Pelé. Naquela, a concentração. O senhor falava com ele, como é que era?
R – Não, aí, é tem até um fato interessante. Que uma noite, a gente está no Pacaembu, tinha dormitório lá... Aliás, as equipes que vinham [de] fora, o Pacaembu todo era dormitório, quase. E de madrugada o Pelé ajoelhado em cima da cama: “Eu hein. Sai pra lá, compadre!” Até brinquei com ele. Que ele era o Edson, não era o Pelé.
P/2 – E era um menino também.
R – Eu não sei que depois se foi reza dele ou não. “Bruf”, caí do cavalo, meu irmão. Que ele ia ser o que foi, eu não tenho dúvida, mas não teria que ser exatamente ali. Necessariamente, ali. Tanto que ele não foi tão herói assim lá nos jogos não. Machucou depois também. Fez um gol contra o País de Gales...
P/2 – 1 a 0.
R – É. Chutou, passou entre as pernas de todo mundo. A estrela que eu tive em algumas oportunidades, ele teve ali. Mas é uma fera. Dominou ali na entrada da área - haja marreta pra conter aquilo: os dois lados, pé esquerdo e pé direito iguais, cabeceio muito bom, domínio no peito em qualquer jeito, bom. Drible, as passadas dele. O cara era realmente um fenômeno.
P/2 – E as orientações do técnico Fiola? O que é que ele falava pros jogadores?
R – Bom, o Ernesto, professor Ernesto, ele ia ver o jogo antes, aí passava pro Fiola o que ele viu. E o Fiola, na época, botava no quadro - realmente, ele falava: “O Ernesto foi e tal, que esse, o problema que ele notou que o lado de cá, não sei quê”, dava uma ideia do que era o time que vinha. Eu acho que na época era importante isso, ele não tinha outro meio de ser. Bom, o Fiola que me matou lá na época. Outra coisa que não é uma verdade verdadeira: o do dormir – não é porque ele acabou comigo, que eu queira acabar com ele. (risos) O dormir, ele dormiu algumas vezes, duas, três vezes, mas pegaram que ele era dorminhoco. Quer dizer...
P/1 – Mas o Fiola pegou essa fama mesmo de dormir no banco de reserva.
R – Pega. Pega sim porque, uma ou duas vezes. Eu não me lembro mais de duas vezes, mas vou dizer três pra ser honesto, pra ser normal. Não vi nada disso. Aí...
P/2 – E o seu companheiro de quarto na concentração? Ou era quarto individual?
R – Teve sempre, era dormitório, quase sempre.
R – Mas eu me dei bem com um finado também. Que a gente, inclusive, saía junto, tinha mulher junto, arranjava sempre duas e a gente saía. Eram essas patotinhas pra saída, mas pra outra coisa [a] mais, não. Só saída. Eu me lembro que os irmãos ou os filhos das mulheres, não sei, que eram suecos, deram a casa. Eu falei: “Não é alguma safadeza dos caras não, querem pegar a gente de noite dormindo?” Deram a casa deles pra gente ficar, eu e o (Oreco?) com as duas irmãs, ou tias, foi...
P/2 – Sim.
R – Beleza. Ficamos.
R – É a educação. Porque sexo pra eles é uma coisa mais comum do que pra nós. Nós, uma coisa dessa era um crime, os irmãos dar a cama das irmãs pra cara estranho. É isso.
P/1 – É, o Garrincha acabou fazendo um filho sueco numa história dessas.
R – O Garrincha não podia aparecer mulher que ele ia atrás. O cara era danado mesmo.
P/1 – Mas ele tinha alguma...
R – Mas, jogava muito.
P/1 - ...algum critério de seleção, ou era qualquer uma mesmo?
R – Não, eu acho. Isso é opinião minha sem selo de garantia. É porque, posso estar falando a coisa, mas eu, pelo que eu notava dos poucos momentos ele: pintou, ele vai. Pode ser a hora do jogo. É, nunca vi na hora do jogo, mas perto do jogo eu já vi. De treino. A gente sair de coisa e ele entrar no mato com uma mulher lá. A gente ir de ônibus pro campo e ele sair lá. Depois que ele chegava... Mas ninguém podia falar nada, o cara acabava com a defesa dos outros, pô. Pode pegar a mulher que quiser, desde que venha aqui no jogo e acabe com os caras, porque muita gente vê a vida do cara fora e [ele] perde um potencial grande, como o caso do Garrincha. O caso do Romário antes. Ele agora está mais controlado e tal. Mas o cara faz gol, pô. Vai fazer o que com o cara? Deixa ele madrugar, como faz lá, e multa, arruma razão pela multa. Pela falha não, pelo dia de fato. Falhou aí, você teve na noite, 10%, 20% pro cara se controlar. Multou o cara, fica bonitinho.
P/1 – Dida, só mudar um pouco de assunto que você acabou, estava falando aí de multa de salário, como é que era na sua época: o jogador de futebol ganhava bem?
R – Não pra ter dinheiro futuro, mas ganhava bem em relação a outros salários. Porra, vivia bem, melhores boates, nas melhores lojas, comprava... Dava pra isso, pra viver uma vida superior à normalidade, mas não dava pra ter dinheiro não. Você vê, não dava e dava, porque eu tive nove imóveis. Eu não ganhava essas coisas todas. Três salas em Niterói, apartamento na Barão, fui vendendo. Eu não quero falar que eu choro. Barão do Flamengo, Souza Lima, Silveira Martins, Senador Vergueiro. Tudo apartamento. Nove. Aí fui metendo o pau. Passei 12 anos sem fazer nada, outra maior burrice da minha vida. Eu só fui pro Flamengo quando eu operei a cabeça. Que o Márcio Braga que foi me visitar lá, disse: “Quando você ficar, sair daí, você vai pra lá, quer?” “Quero.” E hoje eu sou funcionário.
P/1 – E, ô Dida, em relação ainda a questão do salário, pra gente ter uma ideia comparada, o que o jogador ganhava por mês era equivalente a que? Você podia comprar um carro por mês?
R – Não, não mesmo. E o carro era mais barato. Não, mas dava pra comprar o carro. Tinha facilidade pra comprar, mas não assim comprar numa tacada. Eu não ganhei em luvas nenhum ano durante o tempo que eu joguei no Flamengo. Quem dá o dinheiro ao jogador são as luvas. Você ganha um dinheiro pesado e dá pra comprar, normalmente, dava [o] salário. Renovava aumento de salário, assinava em branco. Ih, era um amadorismo quase. Gostava do Flamengo, não queria saber. Me davam o contrato pra assinar, eu assinava em branco, sei lá. Eu não me arrependo não, deu tudo certo.
P/1 – Olha, eu queria que você contasse um pouquinho de como é que foi sua relação com o presidente Gilberto Cardoso que veio morrer em 55.
R – Jogo de basquete, cesta do Godinho. Coitado, o Godinho não tem nada a ver. Jogo duro, Maracanãzinho. Isso eu soube. Estava, o cara fez a cesta quando está acabando um segundo, dois segundos ela caiu [e] o Flamengo ganhou. Aí ele pegou o carro, já passando mal, veio embora de carro. Aí disseram que não aguentou, não chegou nem no hospital, sei lá. Ele era um pai. Foi meu pai [porque] chegou, cheguei doente [e] se não fosse ele, eu teria voltado. Bancou tudo. Bancou, não, ordenou que fosse feito o tratamento. Estava com icterícia. Isso na época, podia matar uma pessoa. Hoje já acredito que tenham remédios e tratamentos que já não tem mais perigo a icterícia, mas na época que eu tive, era brabo. E ele segurou tudo como presidente. Porque um senhor que eu não esqueço, que eu não me lembro, aliás, que ligou pra ele e ele era muito amigo do Gilberto Cardoso. E é desse cara que eu estou pecando por não me lembrar do nome dele, foi quem ligou: “Tem um garoto aqui, essa coisa e tal” e o Gilberto pegou fé no cara. Que até quando eu fiquei doente: “Não, deixa o garoto aí.” Quer dizer, o apoio total dessa pessoa. Esqueci o nome. Não devia, mas esqueci.
P/1 – E como é que ele era? O jeitão do Doutor Gilberto?
R – Sempre um pai mesmo. Alegre. Sei lá, eu tenho ele como, eu firmei o pensamento dele de amigo, de pai, que eu não sei defini-lo. Se você mandar definir, eu não tenho muito o que dizer a não ser isso. Ele é um pai, uma pessoa... Ai, é isso. Pai, de pai, de sei lá. O pensamento que eu tenho dele é esse. Pode ser até que não seja isso, mas pra mim é.
P/1 – E como é que foi a reação dos jogadores, de todo mundo quando souberam da notícia da morte dele?
R – Ah, foi um negócio sério. Nós fomos ao enterro dele no Caju. No Caju, não, ali em São João Batista, no centro. São João Batista.
Eu nem sei, nem quero saber o endereço do... (risos) Mas é ali. São João Batista é em Botafogo, ali. Nós fomos todos ao enterro dele, tem até fotografia no álbum lá na minha terra, nós no enterro.
P/1 – Tem uma foto famosa aí no flamengo que você aparece que é todo o elenco e cada um segurava uma letra que formava: “Gilberto Cardoso, saudades.”
R – É, eu tive isso também. Tem um do, lá em Maceió, porque tudo eu levei pra lá. Eu cortei, não quero mais saber disso. Aí eu cortei, está tudo lá em Maceió.
P/1 – E Dida, a gente estava falando aí que o único título do Torneio Rio-São Paulo, o Flamengo conquistou em 61, e você fez parte desse time.
R – 61. Eu estava no Flamengo. Foi o último título?
P/1 - É o único título de campeão do Torneio Rio-São Paulo.
R – É, foi o Rio-São Paulo sim. Ganhamos do Corinthians de 2 a 1 aqui no Maracanã e lá teve um jogo que nos favoreceu também, que eu não sei dizer qual foi. Era jogando e vendo...
P/2 - Combinação de resultados?
R – Era dependente, a gente ganhar aqui tinha que ganhar, mas se lá não ocorresse o que ocorreu, não seríamos campeões. Aí até quando fizeram o gol que nos interessava, o alto falante deu, aí ninguém segurava mais a gente, com aquela euforia pra cima dos caras. Estava 2 a 1, podia ter sido 5, 6. Que a gente soube quando estava 2 a 1.
P/1 – E vocês enfrentaram aí o poderoso Santos de Pelé e ganharam.
R – É, perdemos uma de 7 a 1 no Maracanã. Foi interessante, futebol é uma caixinha de surpresa mesmo. Tomamos de 7 a 1 no Maracanã, quando o negão fez – negão, carinhosamente - 4 gols. E lá ganhamos de 5 a 1 ou 4 a 1. E eu fiz 3 gols também, lá. Vê aí, 7 a 1 e depois 5 a 0.
P/1 – Tá. Quer ver, já vou te dizer. 61. Olha, o Flamengo perdeu de 7 a 1.
R – Tem os gols aí, não?
P/1 – Não, e depois ganhou de 5 a 1 do Santos.
R – Foi isso que eu falei, ele fez 4 gols aqui e eu fiz 3 gols lá.
P/2 – O senhor lembra desses gols?
R - Não me lembro exatamente. Mas gozado, você ganha numa semana, perde de 7 a 1 dentro de casa, vai lá e ganha. Eu, muita gente diz: “Ah, isso é marmelada.” Mas não foi marmelada não.
P/1 – E você lembra quem eram seus companheiros de time na época?
R – Também vai complicar. Bom, meus companheiros sempre foram os mesmos. Agora, se estavam nessa época do jogo, eu acho que não estavam não. Eu acho que entrava um, entrava outro, mas não... Eu entrei e fiquei. Os outro entravam, aí você vai saber mais fácil.
P/1 – Quer ver, porque o Henrique, o Henrique estava nessa campanha.
R – Babá não.
P/1 – 61. Joel, Henrique, Dida e Babá. Carlinhos e Gérson.
R – Não tinha o, esse treinador, como é? Jogou com o Carlinhos do Madureira? Nelsinho não está aí não?
P/1 – Nelsinho.
R – Gozado.
P/1 – Porque o Nelsinho se firma no ano seguinte.
R – Ah, então é isso aí. Eu estou fazendo confusão de... É difícil sem estar escrito.
P/1 – É porque o Gerson jogou em 60 e 61. Aí depois está o Nelsinho, continua.
R – O Gérson jogou na ponta esquerda numa decisão aí.
P/1 – Você lembra do Gérson?
R – 3 a 0 que o Botafogo ganhou da gente. Vê aí. O Gérson jogou na ponta esquerda que deu essa confusão que ele esculhambou mesmo.
P/2 - O senhor lembra do Gérson chegando na Gávea, [ainda] garotinho?
R – Mais ou menos, não pra detalhe.
P/1 – Ele tinha cabelo na época? (risos)
R – Tinha cabelo, não era careca não. E cabeleira. Eu também tinha uma cabeleira. Era usado, pô.
P/2 - A moda?
R – A moda. Tinha um do Vasco, como é? Raul? Era o topete, Raulzinho, não? Um goleador do Vasco. Raulzinho, passou pouco tempo no Vasco. Mas também tinha...
P/1 – E a torcida do Flamengo? Ela realmente incendiava vocês jogadores, ajudava a decidir uma partida?
R – Ela é muito forte, muito emocionante. Agora é o tal negócio: também na hora do “x”, do reverso, ela pesa pra caramba. Não vê esse negócio do gol que eu fiz jogando pela portuguesa? Fui esquecer, sei lá o quê, fui correr pra torcida, levei uma vaia que até hoje dói meu ouvido. Maior vaia do mundo.
P/2 - O goleador, ele tem essa cobrança de estar fazendo gol todas as partidas.
R – Ah, tem. Quando não faz gol, a cobrança é total. Não fez, até ganhando: “E você passou em branco por quê?” E perdendo então, meu amigo. Cobrança muito grande. Quem faz gol sempre é muito cobrado, muito.
P/2 - E como é que o senhor lidava com isso?
R – Ah, eu, normal. Porque dava sorte, fazia gol quase sempre - eu não estou falando por vaidade. Então você não tem muito que reclamar, mas as poucas vezes que eu... Pô, era triste. Ficava com raiva, dava até: “Pô, quando faz, vocês não vêm agradecer [e] quando não faz, vêm cobrar.” Eu discutia com os caras. É isso mesmo.
P/2 - O senhor participou de excursões do Flamengo de ir jogar fora?
R – Todo ano, março, abril. Abril, março. Janeiro, fevereiro, março. Março e abril era o mês que a gente ia à Europa, excursão à Europa todo ano. 10 anos que eu tive no Flamengo, 9 anos eu fui. Não fui outro porque eu estava na seleção. Tinha uma excursão à Europa todo começo de ano. Gunnar Göransson é um sueco que era empresário e fazia excursões todo ano pro Flamengo. Me lembrei do nome do cara, Gunnar Göransson.
P/1 – É, deve ter aí mil histórias pra contar engraçadas de excursão, não tem?
R – Tem várias, mas...
P/1 – Então, conta aí pra gente.
R - Tem o Daquinha, o negócio do,0 que ele falando num país, não sei qual foi o país estrangeiro, ele pedir, não estou lembrado bem, ele pedir café: “Você tem café aí?” Mas, por exemplo, inglês tem, sei lá: “There are coffee?” Eu não sei falar. Aí ele foi falar com o cara, ele falava assim: “‘Vo-cê’, tem ‘ca-fé’?” Pô. (risos)
P/1 – (risos)
R – Falar devagar quer dizer alguma coisa, pô. O cara ia entender? Ele falou devagar como se o cara fosse entender sem ele falar inglês. “‘Vo-cê’ ‘po-de’ me dar ‘ca-fe-zi-nho’?” Pô, que mancada.
E tem uma série de outras.
P/2 - Que times o senhor lembra que eram páreo duro lá na Europa?
R – Páreo? Ah, tinham poucos, mas tinha. Nós jogávamos muito com um sueco, KLM. É o time do, de avião, nome da marca de avião. KLM, me parece. Agora, com esses times tudo mais, o duro mesmo não era nem Europa, o duro era América do Sul. Os times da Argentina, os uruguaios, aí é...
P/2 - Como é que era jogar lá dentro?
R – Onde?
P/2 - Lá na Argentina, Montevidéu?
R – Ah, horrível. Eu levei muito soco, briguei, cusparada. Era difícil [no] Uruguai, principalmente.
Argentino achava que era melhor na bola e não se preocupava muito, o Uruguai achava que era pior, eu acho, aí vinha dar pancada. Eu fui expulso do Maracanã com o Uruguai, jogo do Nacional de Uruguai. O cara me deu um soco quando a bola estava no meio de campo, chutou a bola pra frente, eu vinha perto dele e ele me deu um soco. Aí eu voltei, aí fui pra dentro dele. O cara só viu eu, só viu o Dida partindo, não viu o que ele tinha levado. Me expulsaram e o cara não. O cara foi malandro e eu otário, aí eu saí do jogo. Ainda bem que foi 2 a 1. Não alterou, mas podia ter alterado. Um lance bobo. Eles insultam, o uruguaio não gosta mesmo. Ele...
P/2 - Provocam?
R – Provocavam. Não sei agora, pode ser que mudou um pouco.
P/1 – E os juízes? Davam muito trabalho pra você? Anulavam muito gol seu?
R – É, juiz é juiz. Eu fui expulso duas vezes na minha vida e uma [delas] foi o Armando Marques, [que] fui chamar ele de homem. Foi mesmo. Dentro do campo: “Você é homem!” Ah, isso foi, mas é porque ele sentiu que eu estava querendo apelar mesmo. (risos) Aí me tirou: “Pra fora.” E a outra vez foi essa briga, o cara me deu o soco e eu... Eu não sei se foi o Armando Marques ou quem que foi. Eu chamei ele de homem mesmo, mas na sacanagem, pra ele sentir o que era. Era melhor eu ter chamado ele de “viado”, ele não ia ficar brabo. Homem foi uma ofensa, não pela palavra homem, porque ele viu que eu estava querendo xingar mesmo.
P/1 – Estava ironizando.
R – É, ironizando.
P/1 – Por que ele estava prejudicando o Flamengo?
R – Não, porque ele dava muito, como é que chama? Carão. Toda hora era: “bá, bá, bá.” Ah, enche o saco, você estar no campo e levando bronca de toda hora, por nada. Ou, pelo menos, pensava que era por nada.
Ele era muito exigente, demasiadamente exigente. Aí não passava detalhe que ele não... Mas era bom, hein? Eu, pelo menos, considerava ele o melhor. Muito bom, corria o campo todo. Eu gostava dele como árbitro, e foi quem me expulsou. Podia... É isso.
P/1 – E Dida, você jogou então 10 anos no Flamengo...
R – De 54 a 63. Incluindo o 54 e saindo [no] final de 63, faz 10 anos mesmo.
P/2 – Certinho.
R – 54 a 63.
P/1 – Então você chegou disputar esse campeonato carioca que o Flamengo foi campeão?
R – Qual?
P/1 – De 63?
R – Cheguei. Joguei as três últimas partidas.
P/1 – A final foi 0 a 0 com o Fluminense.
R – É, eu não fiz gol, nada. Vem cá, não era o Geraldo? Atacante, o cara do Palmeiras que estava no meu lugar? Geraldo, é.
P/2 - Naquela temporada?
R – Eu fui barrado. Não, eu fui barrado pelo Flávio Costa, o treinador.
P/1 – Espanhol, Airton, Geraldo e Osvaldo.
R – É, isso mesmo. Eu fui barrado pelo Geraldo, pelo Flávio Costa. Mas eu joguei o campeonato, só que nessas finais ele me tirou. Eu saí sim.
P/1 – E aí você foi pra Portuguesa?
R – Portuguesa. 2 anos. Depois fui pra Junior de Barranquilla.
P/1 – E como é que foi essa ida pra São Paulo, você e o Henrique?
R – É, eu fui de contrapeso. Os caras queriam um centroavante brabo, forte. Aí o Flamengo estava com uma briga, eu estava brigando, que ele queria que eu saísse e falou: “Só vendo se o Dida for de contrapeso.” Aí eu fui. Gozado que eu fiquei titular 2 anos e o Henrique ficou na reserva. Essa é que é... A vida é engraçada, fui de contrapeso. Aqui também teve um caso, o Cardosinho e o Liminha. Que o Liminha veio de contrapeso, o Cardosinho que era o fera. O Liminha ficou toda a vida.
P/1 – Ficou a vida toda aí no meio campo.
R – É, isso acontece, não é muito raro não.
P/1 – E o que é que você destaca, assim, que jogos que você destaca na sua passagem pela Portuguesa?
R – Em que sentido? Eu destaco, por exemplo, não sei como Evair, que joguei com ele não venceu no futebol, era muito bom. Evair, mas ele veio pro Fluminense... Era destino, dedo de Deus, sei lá. Que ele era bom era, mas não venceu. Jogava em qualquer posição, mas já tiraram a moral dele porque eu fui pra lá, eu fui meia esquerda e ele foi pra ponta esquerda. Quer dizer, tira a moral do cara. O cara é meia-esquerda, vem um de fora, veterano e entra no lugar? Eu mesmo não gostaria, mas ele era bom. Não sei, eu achava. Eu não, a imprensa. Rei Pelé e Príncipe Evair, por aí você tira. O que o cara era. Mas...
P/1 – E tem algumas partidas aí que você disputou pela Portuguesa que te marcaram?
R – É, tem algumas. Essa do Flamengo mesmo.
P/1 – Essa você contou.
R – Tem a do gol desse Evair contra o Palmeiras, tirou a saída ele saiu driblando, driblando [sem parar] e gol. E eu acompanhando pra receber a tabela. Eu até ajudei, porque tira a atenção de um ou outro. Se o cara for, ele toca. Sei que ele fez esse gol impressionante da saída de bola, e outros tantos.
P/1 – E você ficou 2 anos em São Paulo?
R – 2 anos.
P/2 – E como surgiu a, o convite, foi um convite do Junior Baranquila?
R – Não, aí foi convite do juiz mesmo. Eles vieram a São Paulo e viram lá um jogo, não sei que jogo, aí resolveram. Eles vieram pra buscar não sei quem - não seria eu. Não sei, acho que foi contra o Botafogo, Pampulini, porque lá eu joguei com o Pampulini, como Nivaldo, Roberto que era do Botafogo também. Mas o Roberto que era centroavante... Não, o zagueiro. Laerte do Vasco. Tinha uma turma grande. O Almir do Fluminense, o ponta. O time era meio brasileiro. Eu estou confundindo Colômbia com São Paulo, já misturei tudo. Isso que eu falei foi...
P/2 - Na Portuguesa.
R – Na Portuguesa. Não era... Pra lá só fomos dois. Não, isso era no Junior de Barranquilla. Isso tudo que eu falei [que] era realmente no Junior de Barranquilla é [na verdade] o de São Paulo, foi eu e Henrique.
P/1 – Ah, tá.
R – Depois foi não sei quem mais.
P/1 – Quanto tempo jogou no Junior?
R – No Junior de Barranquilla? 2 anos e alguma coisa. Vim embora porque levei empregada e ela namorou lá um tal de Angulo. Ela meteu na minha casa lá gasolina em cima e tocou fogo. Quando eu ouvi aquela explosão, eu estava de cueca. Explosão, que o fogão... Aí voltei na cozinha, a mulher estava, veio correndo, eu botei ela no chão, acabei de matar com água. Diz que água é pior, [mas] é o que eu pude fazer. Aí chegou gente, os caras entraram na minha casa [e] roubaram coisa pra caramba. Povo. Que desespero, entraram, [e] o que tinha de rádio, relógio, o que tinha por ali. Entraram pra ajudar, ajudaram mesmo. Aí levei pra lá, digo: “Agora vou mandar ela embora.” Gastei o ano todo de dinheiro que eu ganhei pra trazer essa mulher. Nenhum avião, nenhuma Companhia aceitava. E eu comecei a jogar nada. Com esse negócio da mulher, eu dizia pra todo mundo: “Não, eu não tenho influência nenhuma não.” Mas lá por dentro tinha. Que eu perdia gol de cara, comecei a tropeçar na bola. Aí pra mandar, tive que falar na Varig, uma choradeira, pra... Ela foi na frente do avião, toda engessada, sei lá.
P/2 - Enfaixada?
R – Enfaixada.
P/1 – Por que, eu não entendi, ela tentou se matar, foi isso?
R – É, meteu querosene. Já tinha comprado querosene, não sei o quê. Estava deixando eu chegar. Não sei até hoje porquê. Todo mundo dizia que é porque eu estava com ela, tinha programa com ela, mas não é. Vocês não conheceram lá, e não era... Até hoje eu não entendi. Depois, eu soube que ela teve um namoro com um tal de Angulo, que era um centroavante, que descobriu que o Angulo era casado. Eu acho que foi por isso.
P/1 – Ah, aí ela ficou arrasada.
R – Eu acho que foi por isso, mas antes, até o padre de lá do clube, que tinha um Padre Perez, veio: “Dida, vem cá. Você teve algum problema com ela?” “Porra doutor, tive não padre.” Mas ele achava, todo mundo achava que ela tinha feito isso por minha causa. Ou uma briga, sei lá. Aí não dava mais, vim embora. Larguei meu passe lá e tudo.
P/1 – É mesmo?
R – Ficou lá.
P/1 – E aí você voltou pra cá pra onde? Pro Rio?
R – É, voltei pro Rio. Tive que levar ela lá pro pai dela. O pai dela ficava na minha casa todo dia pedindo dinheiro. Teve um dia que eu levei ela pro hospital, paguei tudo. É uma obrigação até. Tinha algum dinheiro pra pagar, fui pagando. E o pai dela vinha toda semana: “Precisa de tanto, tá?” Aí ela... Não, isso [foi] depois que ela morreu. Aí o pai vinha: “Precisa isso.” Um mês, dois mês, três meses. Aí teve um que eu digo: “Olha, meu amigo, acabou essa porra. Acabou, não quero mais saber. Ficar a vida toda com isso, pô, não tenho culpa nenhuma.” Aí ele sumiu, graças a Deus. Senão até hoje ele estava, batia já aí na porta.
R – De repente ele batia: “Dida, ‘plata’.”
P/1 – “Quiero la plata.”
R – Não, ele [não] falava “Quiero la plata”, é... Eu estou confundindo as bolas. O cara poliglota é um problema. (risos) Fico, às vezes quero falar espanhol [e] já estou com vontade de falar inglês, aí fica ruim.
P/1 – Ô Dida, você estava morando lá na Colômbia com a sua família?
R – Estava.
P/1 – Que era... Você se casou quando?
R – Eu casei em 64, foi? Falei isso, não falei? Estou confirmando, 64. Quer dizer, quantos anos eu tinha?
P/2 - 30.
R – Eu [sou] de 34, nasci. Tá certo, 30. Exatamente. Quando eu saí do Flamengo pra ir pra Portuguesa, pô, passei 1 mês. - Eu estou fazendo confusão se é São Paulo ou Colômbia, mas acho que é São Paulo agora. - Pô, pra arranjar mulher em São Paulo, rapaz, difícil. Jogador, elas odiavam jogador. Fiquei mal 1 ano, aí voltei correndo: “Vou casar é esse ano mesmo.” Setembro eu peguei a mulher, casei. Eu ia casar de qualquer maneira, mas não era tanta pressa. Foi isso.
P/2 - Onde é que conheceu a sua esposa?
R – Olha, era minha vizinha quase. Eu moro ali em frente do Princesa, ela morava em frente a Igreja. Um pouquinho mais pra... Mas foi numa festa na casa dela, que o Amarildo... Tinha a Aparecida, ela tem o nome, sei lá, se é Aparecida agora, é amiga da Lídia. Aí, tem uma menina lá, vamos lá... O Amarildo. Aí eu fui, conheci ela na casa dela mesmo. Aí o pai quando soube que eu era jogador, já queria me matar. “Jogador de futebol, minha filha não!” Porque jogador é uma fama de tudo que não preste. Eu não comprovo isso, mas era.
P/1 – E aí o senhor teve quantos filhos?
R – Dois. Dois que estão vivos até hoje. Luis Cláudio de 38, 37. E o outro 35, George.
P/1 – Cariocas?
R – Cariocas. Rio de Janeiro mesmo. É no centro, zona sul.
P/1 – E algum tentou a carreira de jogador de futebol?
R – Mais ou menos, mas viu que não dava. Porque queria muito... Até que jogava, o mais novo jogava, mas queria muita regalia. Levou uns amigos dele, queria que eu botasse todos eles treinando. Isso aí já era na fase que eu estava treinador, com meus filhos. É isso mesmo. Eu estou fazendo uma comparação pra não... E queria que eu botasse os caras todos pra jogar. Eu falei: “Ah, não. Aqui não é... Eu, hein.” Aí eles pararam. “Então [se] não vão meus amigos, eu não vou”, “Não vai, Pô.”
R – Acabou.
P/1 – Bem, e então você volta pra cá e aí começa então a sua carreira de técnico?
R – Não, eu fiz 8, 10 anos no Norte-Nordeste pra saber das coisas, fui treinar time. Cada time que eu treinei, meu Deus do céu...
P/1 – Opa, então vamos lá. Conta isso aí, é boa história.
R – Mas não vou citar nomes. Vou citar só o primeiro que foi o Fluminense de Feira de Santana. Aí treinei o Ferroviário de Maceió, o CRB, o CSA. Tudo aqueles times dali, eu treinei. Botafogo da Paraíba. Mas só faltava dinheiro, e faltava tudo. Foi uma experiência não muito boa.
P/2 - Antes de encerrar a carreira como jogador, o senhor queria ser técnico? Ou foi a chance que pintou...
R – Não, nunca tinha pensado, não pensava nisso não. Porque se eu tivesse pensado, eu não teria saído do Flamengo, ficaria ali como assistente - que já era jogador, [então] era mais fácil. Eu ficava ali [e] podia até pegar com o tempo o time do próprio Flamengo, mas eu saí pra fazer testes fora. Eu fui à luta.
[Troca de fita]
P/1 – Dida, então a gente estava falando agora sobre a sua passagem como treinador e que você resolveu treinar alguns times do Norte-Nordeste pra ganhar uma experiência.
R – É, realmente, eu fui [para] vários times, aí eu vi na oportunidade [que] era difícil. Aqueles times aonde eu fui, [tinha] dificuldade, faltava tudo. Faltava campo pra treinar, faltava dinheiro, às vezes atrasava. Quer dizer, atleta regular, sem pagamento, passa [a] ser péssimo automaticamente. E uma série de problemas. Quer dizer que eu não cheguei a adquirir, eu só peguei furada, na vida esportiva, vou te falar. Apesar de alguns times, não vou citar pra não, mas time mais ou menos de nome, mas que eram... Faltava tudo. Então pra quem quer começar, não vai [porque] não é por aí. Começar num lugar onde tenha todas as coisas que possam ser úteis. Aí eu cismei, não quis mais. Eu fui treinador do infantil, do primeiro campeonato infantil ganho pelo Flamengo, eu não sei dizer o ano, mas dele saiu esse Marcio que foi pro Fluminense. Tem alguns jogadores que, a maioria não existe mais. Desse time campeão, não existe pro futebol, sumiram. Mas esse Marcio, eu levava fé. Teve no Fluminense. Como quando eu jogava na Portuguesa, tinha o Evair que, não dá pra entender, rapaz. Tem caras que não dão continuidade. Falta alguma coisa, eu não sei o que é que é isso, pra se tornar um cara... Ele tendo as qualidades, jogando bem futebol, e não se dão bem. Falta aquela coisa especial. Inclusive, meu irmão é uma fera, não é porque é da minha família não, mas ele que devia ter sido jogador e não veio. - Ficou com um problema visual. A gente chamava até [de] “cegueta”. - Ele não foi e eu fui. Não existe uma direção, uma diretriz pra ser isso ou aquilo. Um monte de coisas vão se colocando que põem ele pra ser, você não sabe explicar. É o tal de destino, pode ter outro nome, que faz essa coisa, sabe? Tem quer, o Homem lá acha que é isso e é. Muito bom jogador que nunca foi bom jogador, acontece. Quantos muitos jogadores que não têm essa qualidade e que despontam, não vou citar nomes. Evidentemente, eu não cito dos melhores, não iria citá-los que aparentemente não jogam nada e estão aí na crista da onda. Por quê? Eles têm aquele algo mais. Pode não ter o futebol que a gente pretende, mas tem o algo mais. É difícil dizer como vai ser [o] jogador. Então eu falava também dos três: “Djalminha, Paulo Nunes e Marcelinho”, que eram cobras no júnior do Flamengo, mas tinham um gênio violento todos eles. Teve uma hora que eu numa quase briga com o Carlinhos, que era o treinador, e eu fui me meter pedindo calma e tal. Quer dizer, ali o Carlinhos não podia mais aceita-los. Não pela bola, que eles sempre tiveram, mas pelo gênio. De repente, ele agredia mesmo. E esses caras estão aí na boca, alguns venceram bem, outros não venceram tão bem. Porque pelo futebol... Não vou citar mais o nome dele, mas esses que eu citei, futebol pra aparecer em qualquer lugar, aparecer bem. Citei outro, Neto, devido ao tipo de vida ou tudo, apareceram. São cotados, mas poderiam ser mais cotados.
P/1 – Dida, eu só não entendi muito bem: você começou a trabalhar nas divisões de base do Flamengo mais ou menos quando?
R – Questão de ano... Agora vai ser difícil.
P/2 - Mas como é que foi o convite? Quem convidou?
R – Eu acho que foi depois dessa [que] eu operei a cabeça, aneurisma. E acho que foi depois disso. Seria em 81. 80, não sei. É só ver o ano que o infantil primeiro...
P/2 - Marcio Braga.
R – Foi o Marcio Braga que... Se é essa oportunidade mesmo, foi quando ele foi me visitar lá. Porque foi a minha mulher, finada, que falou: “Pô, o cara está morrendo lá no hospital...” e de fato ninguém, o jornal deu o dia da, “Ele vai operar o aneurisma.” Aí não apareceu ninguém. Tsc. Ninguém quer saber de nada. Aí minha mulher deu o chute, chutou o balde: “Cadê, o cara jogava, ficava. Agora cadê?” Porra, apareceu presidente até do tempo do Matusalém. Cada presidente que eu nunca vi na minha vida. “Ah, presidente, prazer!” E o Marcio falou: “Quando você sair daqui, vai pro Flamengo. Você quer?” Falei: “Quero.” Aí eu acho que foi aí que eu fui campeão pelo infantil, acho. E não tem ninguém famoso desse time do infantil, mas jogavam muito juntos.
P/1 – E você trabalhava junto com o Carlinhos?
R – Eu tive uma época que eu, eu sempre fui o auxiliar técnico do Carlinhos, quase todos os lances, mas mais no júnior. Time de cima, eu não queria mexer não. Negócio de ficar fim de semana preso, eu já estava cheio. O junior não, porque sempre jogava sábado a maioria. Sábado do meio dia em diante já estava livre, o fim de semana era meu. Agora, o profissional pra jogar e segunda-feira voltar? Tá louco. É isso aí.
P/1 – Ih, ô Dida, a gente não pode falar no Flamengo sem falar no Zico. Você acompanhou o surgimento do Zico?
R – Mais ou menos. Eu me lembro de uma oportunidade, não sei a época, tinha um aglomerado de pessoas naquele campinho, de lado, e eu fui ver, era um garoto que era danado. E era ele, depois que eu fui saber. Foi ele. Mas ele tem uma história... Ele era danado [de] bater falta. Um dia eu fiz uma entrevista, não sei pra quem lá, no Centro da Gávea, e ele, os caras preparado, eles chegaram e eu não sabia. E ele veio, maior jogador, aí eu matei ele, sabe como? Se eu sou o maior, mas eu não bato falta bem, eu não lançava bem, que mais? Tem mais outra. Não batia pênalti, e você fazia isso tudo. Ele ficou quietinho, não sabia como dizer o quê? Ele driblava bem, mas lançava, chutava, cobrava falta e pênalti. E eu não fazia isso. Quem é o melhor? Pela lógica, quem fez mais gol? Pela lógica, era ele mesmo. Eu não sei o número de gols dele.
P/1 – Pelo Flamengo são mais de 500 e tantos. E somando tudo dá 800 gols.
R – É, eu sabia que era 800. Porra, sabe, o dobro de mim? Mas ele jogou também desde garotinho. Faz mesmo.
P/2 - É.
P/1 – E ele tem uma grande admiração por você e fala que você é o grande ídolo.
R – É um cara legal. O cara é humilde, não precisava falar isso. Eu só agradeço. Ele com certeza era garoto e deve ter me visto jogar, naquela época, naquela fase de 13 sei lá, que o cara fica. Com certeza admirou, e não precisava nem dizer mais. E ele modestamente vai e diz, não tem o mínimo orgulho. Assim, não vou dizer não porque o cara... Não, ele diz. Eles só crescem perante os fãs deles. Só cresce, mas ele, numericamente, foi três vezes mais do que eu. Esse tri é aquele programa que tem... E falar o que do cara? E depois, já tinha falado isso. O comportamento dele como atleta, de um atleta. Eu não posso dizer de mim isso, entendeu? Também não vou me menosprezar tanto não, mas eu, sei lá, era mais relaxado, um pouco, vamos dizer assim, [e] ele não. Ele [é] profissional e cumpridor a íntegra dos compromissos dele. Então, logicamente, o cara passa a ser.
P/1 – E Dida, você hoje, o que faz? Você mora com quem?
R – Eu moro com dois filhos. Um casou, separou da mulher e o outro vivia com a mulher, separou também. Não casou. Tenho uma neta, mas não conheço, que esposa desse meu filho foi para o Norte-Nordeste. Vi pequenininha, não vi mais. Você perguntou mesmo o quê?
P/2 - E como é que é o dia a dia? Um dia normal do senhor, como é que é?
R – Bom, eu agora eu estou até privilegiado. Amanhã eu vou estar com o doutor - estou de licença de uns 6, 8 meses, porque eu vou lá e renovo. Tive um problema, ainda estou tratando esse problema, e vou lá pra rever. Se tiver melhorado, eu posso até voltar, mas eu acredito que é difícil melhorar porque eu não tomei as providências cabais, completas. Mas vamos ver, ele que vai dizer amanhã, Doutor Serafim. Não é nada de grave não, senão eu já tinha morrido, mas teria que se dar uma atenção melhor [e] eu não dou. Simplesmente é meu temperamento.
P/2 - Mas fora isso, o senhor sai, gosta de caminhar?
R – Tudo normal. Não tanto quanto antigamente, normal, mas tudo igual. Só que agora eu tenho outra cabeça. 66 [anos], eu não estou agora pra sair com uma garotinha ali e tal, tem que ser uma coisa especial, um momento especial. A gente não está mais com aquele clima de euforia, de fazer. Mas me acho apto a fazer. Só que não tem aquele, a idade tira um pouquinho. “Bobagem, fazer pra quê? Pra dizer que fez?” Porque quando a gente é mais novo, faz pra dizer que fez. Pro amigo: “É, eu fui lá três vezes. Ela é demais.” Às vezes, nem foi, é o prazer de dizer. E eu não estou mais nessa, porque com essa idade, mentir pra quem? Pra quê? Nem vaidade, pra quê? 66 já é passada. 66 é meio passado.
P/1 – E Dida, qual é o seu sonho?
R – Bom, eu sonho, eu não quero ser demagogo não... Como é que diria? Não é bem demagogia não. É o sonho de todo mundo: eu gostaria de ver paz. Acho que a idade interfere, que faz eu pensar assim. Eu vejo umas brigas, umas futrica, Fulano matou Sicrano, deu um tiro em Beltrano, não vejo porquê, uma razão mesmo pra se fazer isso. A maioria das vezes é por bebida, tóxico, sei lá o que, enche a cara e faz isso. Porque nós podíamos... Não é bancando o bacana, mas eu nunca atirei em ninguém, nem nunca tive problema de nada [na] minha vida toda. [Então] não é agora que eu iria fazer. Nós poderíamos viver melhor, a humanidade. É um negócio de um ciúme. Você ganha uma mulher [e] o teu amigo: “Pô, o cara com essa mulher. O cara é feio, eu sou bonito.” Umas coisas sem pé. E, de repente, um briga, pega e mata, atira. Depois: "Ai meu Deus, matei." Agora é tarde, meu filho. Eu acho que poderia, não sei qual o meio, mas deveríamos viver mais em paz conosco. Todos. Não tem jeito, aí vai por bala, vai porquê for. Mas tendo jeito... Às vezes leva, mata o outro pra mostrar pro cara que é mais, nem tem aquela vontade de matar.
P/2 - Hum, hum.
R – Mas quer mostrar que é. Botar menos vaidade na cabeça dos caras, das pessoas, das mulheres. A gente podia viver um pouco melhor, atingir o clímax de coisa boa não pode. Mas não digo isso, digo diminuir um pouco o exagero de coisa errada. Eu vejo esse programa aqui, Cidade Alerta... O que eu vejo de coisa de matou, atirou. Você vê, os caras foram assaltar - posso falar isso? - um mercado, um hotel, uma câmera. O cara deu na empregada, aí dava tapa, deu chute. O que é que tem a empregada com isso? Porque ela demorou a dar não sei o quê? O cara só podia estar com, cheio de bolinha... Só podia estar. Tinha tapa mesmo, o cara [foi] filmado. O cara está roubado porque vão descobrir ele.
P/1 – É, vão descobrir. Dida, olhando pra trás, se você pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o que é que você mudaria?
R – É, muita pouca coisa. Até com essa idade, mudar o quê? Eu nunca pretendi ser rico, não nasci pra ser rico. Isso não é desculpa de frustrado não, é porque, sei lá, eu, os privilégios que eu tive, já foram bastante [o] suficiente pra eu me sentir um cara bem protegido. Pô, vê ali: “Ah, eu tenho 10 carros.” Eu não acho que cairia legal. Ter um carro, no máximo dois, pra mulher, sei lá. Quer dizer, mas tem cara que tem 10, é pra mostrar, nem usa. Eu estou dando um exemplo de carro, mas nesse momento, de acompanhar todos os setores, o da vaidade que é o carro. O de outras coisas, você pode deixar por menos. Eu estou falando, mas eu mesmo sou capaz de fazer umas coisas ruim. Então pra quê? Pra se arrepender depois, normalmente. Eu acho que se deveria pensar. Acho também, que a pessoa sã, sem ter bebido, sem ter fumado ou sem ter cocaína, sei lá... Dificilmente acontece essas coisas. Eu acredito que tudo está baseado no entorpecente, nos tóxicos que deixam o cara... Deve-se graças a Deus, graças, nunca nem sequer provei isso. Não sei nem o que é. E não é pra me vangloriar, eu tive a sorte do ambiente que eu frequentei não teve isso. Sorte. Porque se eu pego ambiente que tivesse, quem sabe? Provar. Eu bebo cerveja por quê? Porque peguei o ambiente de caras que bebiam cerveja. Uma coisa amarga, não dá pra você beber e gostar logo. Tem que ser um costume de ir na praia, tomar um chopinho com os amigos. Mas [vou] dizer que eu prefiro um suco de laranja bem doce, prefiro. Só que o suco eu não tomo dois, e chopp eu tomo 10. Qual é o melhor?
P/1 – Dida, e o que é que é pra você significa ser Flamengo, ser rubro-negro?
R – Ser Flamengo é uma religião mesmo. Eu estou falando que quando a parteira saiu, bateram, eu chorei: “Mengo, Mengo.” (risos) Eu digo brincando isso, mas, na realidade, é como outro time. Quem é Fluminense deve pensar assim, quem é Vasco deve. Eu, como Flamengo, penso [que] o negócio é uma dádiva. Sei lá, é emocionante. Porque é a maioria das pessoas, o povo pobre, o povo... Você já encara o Flamengo sendo assim, a ralé, a massa que não tem estudo com a que tem estudo também. É mistura, mescla de tudo. É um tudo. Eu penso assim.
P/1 – E o que é que você acha de ter deixado aí o seu depoimento, a sua história pro Museu do Flamengo?
R – É muito bom, gostoso saber participar de qualquer coisa atinente ao Flamengo. Eu fico feliz, muito feliz mesmo, me sinto honrado até de ter participado, e o faria tantas vezes fosse necessário. Com muito prazer.
P/1 – Quer colocar alguma coisa?
P/2 - Não, se o senhor quer fechar, quer agregar alguma coisa, dizer mais alguma coisa?
R – Sobre? Podia. Eu já falei praticamente tudo. Eu, quando a gente está sendo entrevistado, a gente, às vezes o povo pensa que a gente quer parecer ser uma beleza, com todos os defeitos de todo mundo, mas quando procurado a saber, a gente procura botar o que acha mais justo. Só isso, não [quero] acrescentar nada mais. E liberar os caras que estão ali dando um trabalho danado, que já estão ali. Quando eu falei assim, acabei, aí... Por isso o maior humor. Finalizar aqui deixando um abraço pra todo mundo e obrigado pela lembrança.
P/1 – Muito obrigado, Dida.
P/2 - Obrigado.
[Fim do depoimento]Recolher