Memória Avon
Depoimento de Jayme Feliciano Boaro
Entrevistado por Clarissa Batalha e Luani Guarnieri
São Paulo 02 de junho de 2008
Entrevista AV_HV001
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Leonardo Sousa
P/1 – O senhor pode dizer o seu nome ...Continuar leitura
Memória Avon
Depoimento de Jayme Feliciano Boaro
Entrevistado por Clarissa Batalha e Luani Guarnieri
São Paulo 02 de junho de 2008
Entrevista AV_HV001
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Leonardo Sousa
P/1 – O senhor pode dizer o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – É Jayme Feliciano Boaro, nasci dia 11 de janeiro de 1940, na cidade de Botucatu, sou botucatuense.
P/1 – E o que o senhor faz atualmente?
R – Atualmente é aquilo que eu falei pra você, depois que aposentei eu comprei esse sítio meu lá e é lá que eu planto isso aí, vendo verdura, tenho umas criações lá, umas vaquinhas, umas galinhas, só isso aí, minha vida eu vou tocando desse jeito ali. Planto não é pro meu gasto não, é para dar aos amigos que vão lá e o prazer que eu tenho de dar, eu fico tão chateado quando a pessoa fala: “você tem...” e não tenho, aí fica chato, né?
P/1 – E o que o senhor planta lá?
R – Alface de tudo quanto é qualidade, de verdura não sei falar pra você o nome de todas não, porque são muitas, então é tudo isso de verduras e legumes de tudo, eu planto um pouquinho de cada coisa, eu tenho. Não tem esse negócio de só aquilo lá não, é tão bacana você ver aquilo lá criando, crescendo e você tirando o matinho lá, inclusive tem várias fotos, eu vou trazer pra você um dia que tiver uma nova oportunidade pra você ver só como é que é aquilo lá.
E é assim que eu vou tocando a vida lá, muito bacana viu?
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Luciano Boaro, já é falecido já.
P/1 – E sua mãe?
R – Giselda Argentin Boaro.
P/1 – Qual era a atividade profissional deles?
R – Eram lavradores, trabalhavam na roça.
P/1 – Na roça?
R – Na roça mesmo.
P/1 – Lá em Botucatu?
R – Botucatu a gente lidava lá com algodão essas coisas, né? Café, é isso aí.
P/1 – E o senhor sabe qual é a origem da sua família, de onde vieram seus avós?
R – Eram italianos, às vezes você está pensando... Os caras pensam que eu sou japonês, eles falam: “ah é japonês” não sou não, é porque são coisas que a gente deixa um pouquinho mais de lado se fosse contar mesmo, é uma coisa meio diferente, né, por isso que eu tenho esse sotaque assim, mas não é não, minha mãe... É tudo de criação, vou ser mais franco com você já que nós estamos conversando, é de criação mesmo, me lembro como se fosse hoje, minha mãe essa que eu estou falando pra você, a Giselda, ela é Argentin, porque eles são de Odinei, na Itália. Meu pai é filho de italiano, mas nascido no Brasil, então não tem nada não.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Não. Devo ter, mas sei lá, eu estou falando com você que sou filho de criação, né? Sou, a bem dizer, filho único desse que eu estou falando para você, mas é mais de criação, é isso aí. Meus pais verdadeiros mesmo eu não cheguei a conhecer não.
P/1 – Entendi. E na sua infância onde o senhor morava?
R – Em Botucatu mesmo.
P/1 – Lá em Botucatu.
R – Nasci ali, me criei ali e ali que eu estudei do primeiro ao quarto ano que eu falei pra você tudo.
P/1 – E como é que era a casa que o senhor morava fala um pouquinho disso pra gente?
R – Ah, isso era muito bom, isso graças a Deus sempre foi bom. No interior quando a gente morava na fazenda a gente morava lá em casas de barro, feita pau a pique e você não deve nem saber como é isso aí, mas era pau a pique e coberta de sapé aquela coisa toda.
P/1 – Vocês construíam?
R – É, a gente mesmo que fazia, meus pais que faziam, porque lá... Então ia lá arrendava o terreno e depois fazíamos as plantações, a gente plantava muito algodão, aquela coisa toda. E dali depois que mudamos pra cidade e na cidade tudo melhorou 100%, porque na cidade graças a Deus foi muito bom, a minha casa lá era muito boa, quer dizer, tudo foi bom não tenho que dizer pra você que isso foi ruim, aquilo lá foi ruim, tudo foi bom. Porque desde a fazenda que a gente morava lá era bom, porque você tinha de tudo, tinha criação, tinha... A gente gostava, porque estava dentro daquele negócio e depois você vai mudando e você acha que a coisa é melhor, né? Mas torna-se a coisa tudo igual, a gente gosta de tudo. O que importa é você gostar daquilo lá, você se sentir feliz de ter aquilo lá pra você está bom, trabalhando com saúde está muito bom.
P/1 – Claro. E quais eram as brincadeiras favoritas?
R – Do que você diz?
P/1 – Quando criança, o que o senhor gostava de brincar que o senhor se lembra?
R – É quase a mesma coisa de agora, existia naquele tempo, era jogo de bolinha, porque quando eu estudava na escola que eu estou falando pra vocês da fazenda a gente tinha que andar 40 minutos ou até uma hora a pé pra estrada para chegar à escola. Você está vendo que hoje condução pega criança na porta de casa, muitas vezes a escola é na frente de casa e ninguém quer ir. Lá a gente andava, andava com aquele sol quente, andava pra estudar, pegava trem depois. Então as brincadeiras eram bolinhas, brincadeira de esconde-esconde, isso tinha, até hoje acho que ainda tem, esconde-esconde aquele de pôr a cara lá e ficar assim escondido e falar: “pega, pega” aquela coisa era a mesma coisa. Então não tem... Na cidade é bem diferente, eu calculo que é bem diferente mesmo, porque eu vejo por esses lugares que eu ando aí, essas brincadeiras são todas diferentes e sei lá era muito bom pra gente, levava a vida assim.
P/1 – E o trem pegava para ir pra onde?
R – Portanto quando eu estudava, eu morava numa fazenda e estudava numa outra cidadezinha que se chamava Vitoriana, então a gente pegava o trem quando tinha a Sorocabana ainda naquela época, naquele tempo, hoje já nem existe mais, mas tinha a Sorocabana e a gente pegava o trenzinho e andava lá uma hora de trem para chegar à escola.
P/1 – Além dos 40 minutos ainda pegava o trem?
R – É, o trenzinho, porque era serra, né, tinha serra que você podia descer e acompanhar, ir andando assim e o trenzinho ia batendo, era assim a escola... Eu lembro até hoje a escola, a primeira professora minha chamava-se Lígia, Dona Lígia Camargo Pardine, até hoje ela... Eu tenho um troféu que eu ganhei no quarto ano como o primeiro aluno da classe, até hoje eu tenho guardado um porquinho assim, eu tirei diploma com 99, o primeiro aluno da classe, coisa que, né? Aí foi, eu tirei o diploma de quarto ano, está guardado até hoje lá em casa de lembrança e era assim.
P/1 – Como que era a viagem de trem?
R – Era gostoso, isso foi maravilhoso que a gente lembra que as coisas antigas, era gostoso demais, você passear por dentro do trem, fazer bagunça e sabe como é? A criançada só fazia bagunça.
P/1 – E tinha os banquinhos de madeira? Como que era?
R – Tudo de banco de madeira, existia um vagão de primeira classe onde que era o banco era de estofado e a segunda era só madeira, era pau de arara aquilo lá. Era bacana aquilo lá, porque de primeira só iam os granfinos, aqueles fazendeiros, aqueles caras mais chiques que tinham dinheiro pra pagar um pouquinho mais, mas nós íamos de segunda mesmo e era gostoso. E olha se você lembrasse daqueles tempos, são coisas que se eu falar para você, você não tem nem ideia como é que era, mas era bacana mesmo, porque morava... Essa semana mesmo eu estava falando lá em casa com uma senhora que mora vizinha lá em Iguaçu, ela já está com uns 80 anos mais ou menos, então ela fica contando aquelas histórias dali como é que era aquilo lá e eu gosto de saber também pra ver como que é. E eu falando assim em problema de saúde, eu tive anemia que se eu tivesse comendo assim eu debruçava e dormia. Naquele tempo não falava anemia, era amarelão, eu dormia, eu tinha vontade... Eu comia até torrão de terra assim na parede, porque era anemia e no fim depois de tratamento, mas não foi tratamento médico ainda, foi o médico que passava aquelas pílulas que davam na escola, aquelas pílulas redondas de óleo para gente tomar aquilo lá, mas para mim não fazia efeito. Aí até que me indicaram numa mulher que diz que entendia da coisa, ela foi lá e fez o remédio e eu melhorei, era anemia que eu tinha, eu melhorei graças a Deus e nunca mais eu tive aquilo lá. Eu lembro disso aí tudo, moleque ainda.
P/1 – Que lembrança marcante que o senhor tem da sua infância?
R – Da minha infância? Ah teve uma porção de coisas assim desde que eu era moleque.
P/1 – O senhor quer contar alguma?
R – Também se eu for contar são coisas bem antigas assim de moleque ainda.
P/1 – É a sua história de vida aqui.
R – Então vou contar uma. Hoje todas as crianças são, não é briguenta, mas sempre na escola briga com um coleguinha, uma coisa assim e falando com a vizinha lá tinha um molequinho eu falei: “eu briguei na escola no segundo dia que fui à escola” e até hoje eu lembro o nome do moleque que eu briguei com ele, o nome dele era Antônio Repolho ele era repetente do primeiro ano e já há três anos, porque ele era ruinzinho, ele era molecão já. Quando eu entrei na escola eu e um primo meu que ele mora até aqui em São Paulo, no Parque São Lucas, ele mora no Parque São Lucas primo meu. Só que nós entramos juntos na classe e sumiu uma caneta do moleque lá, não a caneta do meu primo, não, foi do moleque, sumiu a caneta dele, aí procura a caneta, era aquela caneta bico de pato que tinha antigamente, não sei se você conheceu, a bico de pato e depois veio a outra a pena que é uma bem estreitinha, a bico de pato era larga e era assim. Naquele tempo lá era tinteiro, era um vidrinho assim e você molhava a caneta ali pra escrever aquilo lá era tinteiro e aí o moleque olhando assim ele fez pra mim assim (gesticulando) falou que meu primo tinha roubado. Quando eu saí fora eu falei pro meu primo “cadê aquele menino?” Naquele tempo não se falava moleque não, “aquele menino que falou que você roubou a caneta dele.” E ele falou: “estou aqui” e me pegou de pau lá e eu apanhei, porque eu fui pegar no cabelo dele e o coco dele era raspado, ele pegava muito piolho, tinha piolho e eles rasparam a cabeça dele e eu apanhei do moleque, então foi isso aí, eu lembro até hoje disso aí. São coisas tão bacanas, eu cheguei em casa contei pro meu pai e tomei outra surra ainda “eu briguei com um menino lá, um menino assim, assim” aí tomei outra surra, porque tinha brigado. Então são coisas que marcam a gente e a gente não esquece aquilo lá e tem muitas coisas pra contar pra vocês que oh...
P/1 – E da cidade, o que o senhor lembra da cidade de Botucatu? Como é que era?
R – A cidade foi... Também lembro muito bem, puxa, dentro da cidade ali você vê e depois que nós mudamos pra lá aí começamos a trabalhar e aí foi indo, eu entrei em construção e daí que eu comecei a trabalhar em obras. Bom, daí eu era mecânico já formado, fiz o TG lá em Botucatu e tudo. TG você sabe o que é?
P/1 – Não.
R - É o Tiro de Guerra. Então fiz aquilo lá tudo e depois comecei a trabalhar em obras e dali eu continuei, a Caixa Econômica de Botucatu eu ajudei a construir, o edifício Minas Gerais.
P/1 – Já tinha faculdade lá?
R – Não tinha ainda. Depois que começou a aparecer a Uselpa, aí trabalhei lá também e dali foi pra frente e foi seguindo e na companhia trabalhei naquela companhia Imobiliária Guantão Limitada que tem escritório ali na Avenida Ipiranga aqui em São Paulo, trabalhei para Araçatuba, Presidente Prudente, voltei para Botucatu depois que eu enjoei e fui... Depois vim para São Paulo, então ali foi muito bom também e tem... É uma maravilha, né?
P/1 – Então vamos falar um pouquinho dos seus estudos, o senhor falou que lá em Botucatu fez da primeira à quarta série?
R – Fiz.
P/1 – E aí depois disso o senhor continuou estudando?
R – Não, numa ocasião eu entrei foi no Senac, torneiro mecânico e eu estava bom como torneiro já pegava até o torno sozinho, mas por causa de namorada eu... Tanto é que eu desisti e aí nunca mais quis saber de estudar não. Vim estudar em São Paulo depois de... Depois não, depois que eu comecei a trabalhar aí que eu fui fazer o curso de culinária, né?
P/1 – Quais cursos que o senhor fez?
R – Culinária só, não fiz outro não, porque nessa época eu trabalhava de cozinha e eu queria aprender mais coisas e eu aprendi muitas coisas ali fazendo essas coisas, você tem que procurar melhorar naquele ramo que você está, tanto que de pedreiro como eu disse pra você... Ah eu fiz curso de pedreiro numa ocasião, foi aqui em São Paulo mesmo isso eu estava me esquecendo, foi um tempo que o Jânio deu essa oportunidade para as pessoas fazerem curso de pedreiro por aí nesses bairros, até lá em casa tinha um bairro lá os amigos sei lá como é que é. A sociedade amiga do Vaz de Lima foi onde ajudei fazer. E a gente fez curso, eu tenho até o documento que eu posso até abrir firma pra mim mesmo, porque eu passei naqueles cursos de alvenaria e tudo, mas só isso aí outros eu não fiz mais nada não.
P/1 – O senhor acabou trabalhando como cozinheiro? Teve alguma influência de alguém?
R – Não.
P/1 – Como foi?
R – Não foi influência de ninguém não. Essa coisa aí foi que quando eu estava lá no interior assim e o pessoal falava, um parente meu que morava aqui no Socorro falava pra mim: “Larga disso aí trabalhando em construção rapaz vem para São Paulo, aqui está melhor” e foi onde que eu juntei minhas ferramentas e falei: “eu vou para São Paulo”, então vou levar minhas ferramentas que se eu não achar em indústria, naquele tempo não falava firma e nem fábrica era indústria, então se eu não achar lá eu enfrento em construção mesmo, nisso aí eu não me aperto não de ser peão de obra não. Eu trouxe as ferramentas e o que eu fiz? Primeiro eu tinha um amigo meu que trabalhava em construção comigo lá, mas ele já estava morando aqui em São Paulo, aí ele me apresentou na Avon. Eu fiz um curso, não, primeiro um teste na Squibb, fui lá, tinha um primo que trabalhava lá ele era pintor na Squibb. Ele me apresentou lá e eu fiz um teste só que o teste que eles me deram lá foi para laboratório e eu sentei lá e fiz o teste lá, até o gerente lá era o Senhor Roque, o nome dele. Aí fiz o teste lá e a tarde meu primo foi saber “e o rapaz como é que foi senhor Roque? Ele falou: “ih o rapaz não sabe nada não” “e que teste o senhor deu pra ele?” Ele disse: “foi laboratório” “mas ele não entende nada disso aí não, ele trabalha em obra, vai entender laboratório?” Aí dali eu desci para a Avon, tinha o meu amigo lá e lá eu entrei e o rapaz lá que faz a seleção do pessoal falou: “tem uma vaga no restaurante e outra na expedição só que na expedição exige altura” e eu pensei comigo, o negócio deve ser pesado mesmo, né? Eu falei: “eu fico no restaurante, então” e olha em obra eu não tinha medo para trabalhar não, pegava era pesado mesmo, mas ali fiquei meio cismado, sei lá como é isso aqui e foi onde entrei no restaurante e ali eu comecei... Vou falar pra você, eu fiquei três meses de auxiliar e mais três meses de ajudante e vim para essa área de cozinheiro, porque tudo que você faz com amor é válido e você só tem que tirar o proveito daquilo lá, e eu acho que é vantagem e eu fazia tudo isso, aí eu fazia com amor. Não só isso aí como antes tudo que eu fazia, eu fazia com amor e gostava, é aquele ditado: faça o que você gosta, mas aprenda a gostar daquilo que você faz. Eu fazia com carinho amor e resolvia a coisa e daí continuei e fiquei esse tempo todinho lá.
P/1 – Com quantos anos o senhor começou a trabalhar? O senhor se lembra?
R – Na firma mesmo foi com 24 anos.
P/1 – Não, o seu primeiro emprego.
R – Primeira firma é essa aí, a primeira e última firma que eu trabalhei, de lá do interior eu vim e entrei no restaurante da Avon e dali eu fiquei nessa vida toda, quer dizer é a vida, né? Meia vida, porque fiquei 32 anos ali dentro.
P/1 – Quando foi que o senhor começou a trabalhar? A data?
R – Acho que foi mais ou menos dia 12 ou 13 de junho assim de 63, parece, eu não tenho bem lembrança não, se eu soubesse tinha trazido certinho.
P/1 – E o senhor já conhecia a Avon antes de ir lá?
R – Não, não, porque o rapaz que me apresentou eles moravam lá em Botucatu a mãe dele, então falava assim: “O Maurílio trabalha em São Paulo numa fábrica de perfume” então eu sabia que era fábrica de perfume, mas nunca tinha visto que era perfume. Voltando ao assunto do perfume, quando eu trabalhei na Avon eu nunca comprei um produto do Avon, porque lá na Avon no banheiro tinha fileiras de perfume que era para os funcionários usarem, desodorante, perfume e tudo, então a gente usava aquilo e não comprava. Depois que eu aposentei eu compro, então aí um dia eu estava lá, como eu estou falando pra você aqui que eu fiz o TG lá, né? Estava lá de guarda numa ocasião de plantão em frente a sede do TG lá com um fuzil na porta e outro do outro lado, porque eu era sentinela, ficava lá de plantão, passou um vendendo perfume, é por isso que eu tinha uma bronca de perfume, o nome do perfume era Chanel, era um perfume igual um... Passou um vendendo, aí eu encostei o fuzil pra lá e fui experimentar o perfume, né? O outro colega meu jogou o fuzil pra lá também e veio ver o perfume e nessa hora passou o Sargento e viu um fuzil encostado pra lá e o outro pra cá. E quando foi no dia seguinte que era para sair a guarda aí ele chamou “Boaro, fora de forma” e o Boaro foi “Bugarelli, que era o outro soldado, fora de forma” foi também “os senhores estavam... o fuzil encostado lá e os senhores experimentando perfume, cadê o perfume?” “Não tenho o perfume.” “Então vão repetir a guarda três dias.” Portanto eu falei: “nunca mais eu quero saber de perfume” e acabei vindo trabalhar na fábrica de perfume. Então foi bacana tudo isso aí e ali eu continuei esse tempo todo ali, era tão bacana foi bom.
P/1 – Que primeira impressão o senhor teve quando começou a trabalhar na Avon?
R – É o que eu estou falando pra você, na Avon quando eu entrei foi no restaurante mesmo.
P/1 - E o que o senhor achou assim, o senhor viu aquela empresa...
R – Não foi fácil, porque você veja bem, você está trabalhando de peão de obra, o meu serviço na obra era quando a firma pegava uma obra, a primeira coisa que eu ia fazer era pegar uma... Eu era carpinteiro, fazia as camas, cortar os paus lá e fazer as camas, o mestre ia lá na cidade e comprava os colchões e os cobertores, o cobertorzinho naquele tempo lá se chamava bicicleteiro, cobria o pé e descobria a cabeça, cobria a cabeça e descobria os pés. Então eu fazia aquilo lá e vivia no meio de peão, porque é aquela coisa assim, é tudo meia oito pra passar numa firma que tinha só aquelas pessoas granfinas, quando eu ia servir eu ia tremendo, eu estou falando pra você, de vergonha, tinha dias que eu tinha vontade de sumir e nem falar onde é que eu ia, porque foi duro, bem diferente mesmo. Não tinha aquela coisa, chegava aquele luxo, então eu ia lá, puxa... Primeira coisa que eu fiz na Avon quando eu cheguei o meu chefe... Eu falei pra você, as fotos que eu estava mostrando ontem eu estava vendo, ele já é falecido, aí eu falei: “o que eu vou fazer hoje?” O encarregado falou pro chefe: “o que o menino vai fazer?” Me chamou de menino “o que o menino vai fazer?” Ele disse: “ah...” toda a quinta feira tinha salada de frutas, a sobremesa era salada de frutas e isso foi numa quarta feira, o primeiro dia, eu ainda lembro “o que ele vai fazer?” “Ah, manda ele descascar mamão” puxa vida... Aí “você vai descascar mamão...” Então o senhor, por favor, me ensina como descasca o mamão, você sabe como descasca agora, né? Eu falei: “me ensina como descasca, porque lá no interior a gente descasca lá no mato e põe o mamão em pé e descasca” ele disse: “é a mesma coisa, você pega aqui...” descascar mamão, teve que me ensinar como descascava. Então é, assim foi o primeiro dia do meu serviço, porque foi uma quarta feira e na quinta tinha salada de frutas.
P/1 – E essa história que você foi servir o cafezinho como é que é? Ficou com vergonha?
R – Ah, eu ia servir e ia tremendo assim e as moças falavam: “olha como ele está tremendo” eu esqueci as fotos pra trazer pra você ver só “está tremendo” aí eu ficava mais nervoso ainda. Aquilo era dureza viu, porque naquele tempo não tinha esse negócio de servir em máquina que você mesmo vai lá, pega e vai servir, não. Era aquela fileira de xícaras assim, quando entrava a turma da embalagem, porque primeiro era a turma da embalagem que entrava aquelas moças, na embalagem só tinha moça. Aquelas moças vinham enchendo as xícaras e eu ia comendo e elas: “ah como ele está tremendo” aquilo eu ficava, nossa senhora... Não olhava pra cara de ninguém, só olhava ali, eu tinha vergonha, um peão de obra ver aquele mundaréu de gente na minha frente e o chefe falava: “ó você vai servir cafezinho aqui, você vai fazer isso aqui” eu lembro do meu chefe, o primeiro eu me lembro que era o Benedito Bretas e o irmão dele era o Geraldo Bretas que era um comentarista de futebol muito conhecido, esse menino o Bretas que já faleceu há muitos anos. Então ele falava: “você vai fazer isso, vai fazer aquilo” eu pensava “onde é que eu vim cair aqui agora” eu tinha vontade de sumir e não falar nada pra ninguém não. E foi onde eu consegui vencer e venci graças a Deus, foi bacana demais, né?
P/1 – E como é que foi a trajetória? Então o senhor entrou ficou quanto tempo como auxiliar?
R – Três meses de auxiliar e três meses de ajudante.
P/1 – E aí cozinheiro?
R – Aí me passaram a cozinheiro, porque quando era pra fazer... Naquele tempo, o arroz era feito a gás, era tudo a gás, então aquilo lá você punha lá e a única coisa que fazia primeiro quando era auxiliar era só para lavar chão, aquela coisa, e como ajudante então eu já lavava o arroz, só lavava o arroz, punha lá e jogava na panela e o cozinheiro é que fazia o tempero e punha lá depois... Devo muito a esse cozinheiro que já faleceu, que Deus o tenha lá e outros mais que me ensinaram. E o pouco que ele me ensinou eu guardava aquilo e fazia o tanto de cebola que vai fazer, o tanto de arroz você põe tantos quilos de cebola, o tanto de óleo, você faz assim e dali eu comecei a fazer sozinho. Com uma semana, duas semanas eu já fazia o arroz sozinho, ele falava: “já está bom, já não precisa mais não” queimei muito arroz, porque era brasa naquele tempo, inclusive o chefe uma vez... Um diretor perguntou: “você já queimou arroz alguma vez?” Eu falei: “já, já queimei muitas vezes” porque hoje é a vapor, a coisa mudou é muito mais fácil, né? Se esquecer lá não tem problema, então foi isso aí, não era fácil também não.
P/2 – Como que era o cotidiano dentro do restaurante? Você recebia as instruções do que tinha que preparar? Tinha o cardápio? Como é que era?
R – Tinha. No começo eram as instruções do chefe, né? O chefe passava pro encarregado e o encarregado passava pra gente.
P/2 – Todos os dias?
R – Todos os dias. Todo dia ele falava: “vai fazer isso, vai fazer aquilo” o bife era assim, assim aquela coisa, era tudo coisa simples, pra gente era difícil porque nunca tinha visto isso daí, mas era simples e então fazia tudo direitinho daquele jeito e parece que o pessoal gostava e sentia um bem daquele jeito assim. Você fazia aquilo com amor e gostava, né? E foi onde que num instante me passaram a cozinheiro me chamaram lá e “de hoje em diante você já é cozinheiro, o seu salário já vai melhorar.” Eu quando entrei na Avon eu ganhava, olha eu estou falando pra você, voltando ao assunto do interior, quando eu... Foi indo que eu trabalhava de pedreiro aí o cara que era meu encarregado de pedreiro falou: “Jayme larga mão de trabalhar de pedreiro rapaz, pega um serviço pra você mesmo” eu falei: “e se não der certo?” Ele disse: “dá certo, vou pegar um serviço pra você.” Ele pegou um serviço pra mim, eu lembro naquele tempo lá por 40 contos, naquele tempo era conto de réis, né? 40 contos você vê era uma reforma de uma aposentada empregada da Sorocabana, eu falei: “será que eu vou trabalhar...” ele falou: “não, não vai não, do jeito que você trabalha.” Eu pegava das seis da manhã, estava escuro e ia até as seis da tarde, naquele tempo eu ganhava parece que era sete ou oito mil réis por hora. E eu em 20 dias eu tirei 40 conto, eu tirava 20 conto por mês trabalhando de empregado e aí em empreitada em 20 dias eu tirei 40 conto, era dinheiro pra chuchu, foi depois que eu vim pra São Paulo. Quando eu entrei em São Paulo eu entrei na Avon ganhando 96 por mês, 96 e era 48 por quinzena, porque a Avon pagava por quinzena, todo dia 15 era metade de 96. Quando eu peguei aqueles 48 contos, era dinheiro pra caramba e no dia 30 tinha mais 48 era um dinheirão que, Nossa Senhora, não acabava nunca. E o pessoal do restaurante descobriu também, o chefe mesmo descobriu que eu sabia mexer com construção “Jayme você sabe fazer isso aí?” Eu falei: “sei.” Então sábado e domingo eu tinha serviço ali.
P/1 – Lá na Avon?
R – Não, fora, na casa dos outros. Eu construí no Jardim São Luís, eu construí uma casa para um amigo meu, na Avenida Sabará, eu construí um cortiço lá para um encarregado e ganhava dinheiro pra chuchu, mas não cobrava também não, eu falava: “isso não é nada não” de tarde ele enfiava uma nota aqui no meu bolso “essa é sua.” Quando eu saía fora eu lembro até hoje, a primeira nota você não chega a lembrar, a primeira nota, uma nota de 200 mil réis que saiu, naquele tempo tinha de 100, tinha 200 uma notona assim que saiu fora, aquela notona assim de 200 mil réis, era dinheiro pra caramba, eu falei: “aqui está bom demais” então era assim.
P/1 – E o senhor morava onde nessa época da Avon no comecinho?
R – No Socorro, ali perto do Socorro, tem a capela do Socorro ali, meu tio morava ali e eu morei com eles ali, depois de muito tempo que foi onde eu casei e tudo. Aí passei a morar... Morei na Estrada de Itapecerica, morei em Santo Amaro, no Largo 13 ali, e nunca também morei... Eu sempre alugava um cômodo pra mim sozinho, então eu tocava a vida assim e foi, foi beleza e graças a Deus eu venci e falo pra você, é aquela coisa, você tendo fé e força de vontade, né? Você consegue fazer tudo, não tem... Você não pode se encostar e se acomodar naquilo só não.
P/2 – E que mais pratos o senhor lembra que o senhor fazia lá na Avon?
R – Ah, isso eu tenho uma infinidade.
P/2 – Fale de alguns.
R – Têm muitos, a começar pra você pra fazer o arroz e o feijão é uma coisa simples que qualquer pessoa faz, também não é assim... Tem que ter um pouquinho de carinho e gostar da coisa, não é? Não é pegar, jogar lá e fazer, muitas vezes até hoje eu brigo com a minha mulher, hoje você errou na água, pôs água de mais no arroz, caramba. Então eu fazia aquilo lá o tipo de comida de tudo, tinha vez que a chefe punha lá no cardápio um nome de uma coisa lá que eu nem conhecia, mas chegava em casa eu tinha lá, vou falar pra você, a culinária que eu tenho lá...
P/1 – Os livros?
R – E no outro dia eu chegava lá “dá pra fazer Jayme?” Eu falava: “dá, vamos fazer” até hoje eu lembro ainda que eu estou falando aqui pra vocês, mas isso não quer dizer nada, eu fazia o frango ao curry, a chefe falava: “vamos fazer um frango ao curry” o curry está caríssimo como é que nós vamos fazer? “Não dá pra fazer com açafrão?” “Dá” o açafrão e o curry são quase a mesma coisa, se você tiver curiosidade de ir ao meu sítio, eu tenho açafrão demais lá, é uma planta que você põe no arroz e ele deixa o arroz bem amarelinho da cor dessa cadeira assim, fica bonito e dá um sabor diferente. “O curry está caro dá pra fazer com açafrão?” “Dá” então eu pus lá frango ao curry e o pessoal falava: “oba, hoje tem frango ao curry” era frango com açafrão, mas porque você fazendo com amor, com carinho sabendo que aquilo ia dar certo, então era bom. E tantas coisas que eu fazia ali que o pessoal gostava e eu, por exemplo, fui... Tem que eu fazia que eu não gostava, o estrogonofe era uma comida muito boa que até hoje é muito falado e eu não gosto, e eu fazia daquilo lá só que eu ia comer do outro cozinheiro, eu não comia não, o pessoal gostava daquilo lá, gostam até hoje, o pessoal come, né? Eu inventava aqueles pratos que tinha lá “vamos fazer isso aqui” primeiro eu fazia em casa e depois eu apresentava pra firma, né? O chefe gostava: “vamos fazer então.” “Vamos.”
P/1 – E tinha vários cozinheiros?
R – Tinha, acho que na minha época parece que eram cinco ou seis, acho que eram seis, porque tinha o cozinheiro da tarde que ficava a noite e eu de manhã. Teve dia de eu entrar, porque eu estou falando isso pra você, eu entrava de manhã e depois disso que eu já era cozinheiro, mas eu entrava primeiro pra fazer o café da manhã na João dias ali, eu entrava três horas da manhã, veja bem, três horas da manhã pra fazer o cafézinho. E quando o pessoal da expedição entrava antes de irem pra seção passavam pelo restaurante e tomavam o café primeiro.
P/1 – Bem cedo?
R – Ah, hoje eu não sei se é assim, mas era bem cedo. Primeiro passava para tomar o cafezinho, depois que iam para a seção, então sete horas o café já estava tudo pronto, mas a gente estava lá desde as três horas, porque o café não era como hoje que é tudo elétrico, era pôr água para ferver do café, do chá, o leite você tinha que ficar atento naquilo enquanto... Depois você tinha que coar num coadorzinho, aquele coador por lá e ficar esperando das três horas às sete horas o café estava pronto, aí entrava o pessoal para tomar um cafézinho, aquela coisa toda. E aí depois das sete eu passava para cozinha nessas alturas eu estava lá na copa fazendo o cafézinho. Aí entrava o outro às sete horas e eu saía da copa e ia pra cozinha. Então eu ia cozinhar e aí eu ia pôr o feijão no fogo, aí que eu ia lavar o arroz, cortar a cebola fazer aquela coisa... Chegava a tarde o chefe falava: “Jayme dá pra você ficar na janta?” “Dá.” Pegava as três e ia até às dez da noite e emendava e quando chegava o sábado, sábado era livre, na sexta-feira ele falava: “dá pra você vir amanhã?” “Dá.” Sábado eu estava lá outra vez, domingo “dá pra emendar?” “Dá.” A gente fazia naquele tempo eram oito horas e a gente fazia 240 horas, eu fiz 260 só de extra em um mês com mais 240 normal, ganhei dinheiro pra chuchu ali. Aí o chefe falou: “mas Jayme esse mês você estourou, você fez 260 horas extras.” Porque a hora a noite era dobrada e eu emendava a noite toda, eu falei: “vou fazer o quê? O chefe me chamou eu fico.” Domingo e feriado a gente gostava, às vezes um feriadão o chefe chamava, porque eu fazia oito e ganhava 16, então eu fazia isso aí, era uma maravilha por causa disso. E graças a Deus nada me fez mal por causa disso aí.
P/1 – E o senhor começou a trabalhar onde na Avon? Foi lá na João Dias?
R – Foi na João Dias.
P/1 – E como era lá?
R – Ah, lá era assim, aquele pessoal, naquele tempo acho que era questão de 300 funcionários só.
P/1 – Era pequeno?
R – Era pequeno, tinha o RH, era uma salinha desse tamanho assim, entendeu? A embalagem era... A expedição era um corredor que ficava longe, o restaurante era pequeno, mas era... Depois que foi expandindo, foi crescendo mais, era pequeno, não tem... Era bom, eu gostava, porque tinha a dispensa ali de pegar o arroz ali tudo muito bom.
P/1 – E como é que foi a mudança ali pra Avenida Interlagos? O senhor acompanhou isso?
R – Acompanhei. Dali foi o pessoal do restaurante, da João Dias foram assim que terminou a firma lá em Jurubatuba foi pra lá uma turma, mas ficou eu como cozinheiro na João Dias e ficaram mais dois ajudantes: um auxiliar e um ajudante que era pra fazer o arroz. Mas só que nós só fazíamos o arroz e o feijão na João Dias, a mistura vinha, o bife já vinha da de Jurubatuba, já vinha cortado, ia lá pra Jurubatuba lá eles cortavam e já vinha o bife pra João Dias. Então eu fui ficando lá até terminar tudo para ir todo mundo pra Jurubatuba e eu fiquei lá mais um monte de meses lá, não lembro quanto tempo, mas fiquei tempos lá, eu fui o último a sair dali. Só que a tarde eu entrava das sete as quatro lá na João Dias, nessa época já das sete às quatro. Quatro horas eu batia cartão na João Dias, pegava a perua e ia pra Jurubatuba no restaurante e ficava até as dez lá no restaurante, dez horas que eu pegava o ônibus e ia pra casa, né? Porque eu morava no Socorro e isso aí foi tempo era tão bacana e eu gostava daquilo lá.
P/1 – E era melhor? A cozinha era maior? Era mais equipada?
R – Era sim.
P/1 – Como que era?
R – Era, porque na João Dias era tudo a gás, umas panelonas a gás e a cozinha não tinha mais do que isso aqui de espaço assim e um corredor, agora ficava aquela panelona assim era mais ou menos isso aqui. Aquela panela a gás aqui e você tinha que passar beirando assim, era um corredor só que era muito bem caprichado, tudo limpinho, tudo brilhando porque o chefe queria ver aquilo um brinco mesmo, né? E lá pra Jurubatuba foi lá e lá já era tudo a vapor. O gás você tinha que chegar na João Dias, chegar de manhã cedo, ir lá e abrir todos os botijões de gás, tinha que abrir lá o gás para ir para a cozinha e a noite quando saía tinha que ir lá e fechar tudo de novo, não podia deixar aberto. Depois que mudou para Jurubatuba era tudo a vapor e era mais fácil, água quente já saía, na João Dias não tinha água quente não, lá você tinha que pôr a panela lá no fogo, enchia de água e deixava ferver se não ia abrir o gás lá e deixar ferver primeiro. Era tudo mais diferente.
P/1 – Mais moderno?
R – É.
P/1 – Que mudanças mais que o senhor percebeu? No decorrer desses trinta anos? Que mudanças o senhor viu acontecer?
R – Tiveram tantas mudanças e sempre para melhor, né? Só que é meio difícil você acostumar com aquele ritmo, porque olha o que passou de gente na minha seção desde o início da firma que eu trabalhei na Avon ali na João Dias desde o início ali. Quando chegava final de ano tinha aquele corte de pessoas, fim de ano sempre fazia uma limpeza, mandava embora aquela turma e era aquela choradeira, aquela coisa. Na João Dias e lá na Jurubatuba era a mesma coisa, então você era acostumado naquele ritmo e quando trocava de chefe queria fazer diferente “olha vamos mudar isso aqui para isso e aquilo ali assim.” É duro, você tem que mudar seu sistema de trabalho, aquela coisa toda e exigência porque o chefe chegava, olhava assim e falava: “seu uniforme está sujo vai trocar.” Pra mim estava limpo, mas “vai trocar isso aí.” Porque era... O luxo sempre existiu, tem que ter aquela limpeza, era fazer barba todo dia, o importante é que até hoje eu tenho esse costume e todo dia eu faço barba. Não pense você não que eu estou lá no mato, lá no sítio, que eu fico dois dias sem fazer barba, porque eu não fico não já acostumei, porque ali era assim, se você chegasse barbudo, eu vi muitos colegas que chegavam barbudos “vai ao banheiro, vai fazer barba primeiro, depois você vem.” Não parecia, mas você tinha que fazer a roupa sempre limpinha ali e aquele capricho todo só não existia... Começou a existir mudança depois que entrou a nutricionista.
P/1 – Como foi isso?
R – Então, aí que foi duro, porque você sabe como que é o cozinheiro, é aquela coisa, é preciso ter ____ eu, por exemplo, não tinha esse problema, mas tinha cozinheiro que era porco demais e suja a mão e faz assim, passa a mão assim. Então ficava aquela coisa assim “vai trocar.” Usa luva, sempre pegava punha a luva pra fazer outro serviço, mexer com outra comida, ali troca de luva, põe outra e foram umas mudanças que foram meio difíceis, porque a gente não era acostumado com isso daí. Com nutricionista eu quebrei o pau muitas vezes: “não precisa disso aí.” “Precisa, vai trocar a luva.” Uma ocasião eu estava trabalhando na chapa e passando até era bife de fígado, fígado acebolado, você parece que não gosta, porque você fez uma cara meio assim, mas era muito bom e o pessoal caía matando quando tinha aquilo, um bife acebolado com um arroz à grega que era uma delícia. Então eu com aquela correria lá e eu tinha que dar um recado pro rapaz da fabricação e eles andavam sempre de branco, a roupa deles era uniforme branco, né? Aí eu de olho pra ver e eu passando aquele bife naquela correria, aí era com batatas fritas e ficava lá um rapaz só servindo e eu tinha que abastecer tudo aquilo lá. Quando eu vi o cara lá eu corri e derrubei a espátula no chão fui lá dei o recado pro cara voltei correndo catei a espátula e estou na chapa a nutricionista: “Espera aí Jayme.” “Que foi?” “A espátula caiu no chão, né?” Eu falei: “desculpa, eu esqueci.” Ela falou: “vou marcar aqui.” “Que, vai marcar isso aí?” “Vou, porque você deixou cair a espátula no chão, pegou e ia passar bife de novo na chapa.” Eu falei: “mas foi esquecimento.” “Mas vou marcar aqui.” Era dureza, você tinha que ter um cuidado com a nutricionista, porque qualquer coisinha... Se você entrasse no banheiro sem lavar a mão “ó você não lavou a mão.” “Mas eu enxuguei lá.” “Não, não vi não.” Se você saísse na rua assim e voltasse... A exigência era demais, era uma coisa lógica, né? Precisa ter mais... Era duro sim.
P/1 – E a terceirização do restaurante como é que aconteceu? Foi aos poucos?
R – Aí foi aos poucos, porque a gente... Eu, por exemplo, nem cheguei a perceber isso aí, nem perceber, porque foi terceirizando e a gente lá dentro misturado com os demais você nem percebe isso aí. Então desde a... Ficou até o chefe, o outro que ficou foi só o chefe mesmo e os mais velhos foram ficando e os mais novos que entravam já iam entrando terceirizados. Você nem percebe, a coisa vai rodando assim, você está dentro do movimento e você não nota essas coisas assim, nota assim as pessoas que iam aparecendo que faziam coisas... Eu estou falando pra você que a nutricionista um dia eu fazendo uma comida lá que estava difícil demais, eu não me lembro qual era o cardápio que eu estava fazendo na panela, a nutricionista falou: “Jayme, mas isso aqui...” Eu falei: “escuta, o cozinheiro aqui sou eu ou é você?” Porque tinha essa coisa, eu não tinha essa frescura de falar olha assim... A minha chefe... Eu respeitava com tudo, mas eu a chamava de você, a mesma coisa eu falei: “olha se quer fazer pega aqui a pá de mexer.” Sabe quantos quilos de arroz eu fazia por vez? 60 quilos, era 60 quilos de arroz por vez eu falei: “pega aqui e faça aí então.” “Não Jayme, mas...” “Fui falar com o Jayme lá e ele me respondeu.” “Larga ele pra lá ele sabe o que está fazendo, não mexe com ele não, porque ele sabe o que faz.” Então eu fazia direitinho, não tinha essa coisa não, é duro, portanto que quando eu saí aí reuniu a turma toda lá assim e me entregaram o quadro, eu tenho um quadro lá em casa que eles dão para funcionários, davam para funcionários por tempo, está lá em casa. Aquele quadro me deram, eu falei: “eu vou abraçar a minha chefe aqui, porque eu estou aqui por ela, porque foi ela, porque por ela eu podia ter ido embora, ela já tinha me mandado embora umas quatro vezes ela falava: “eu podia te mandar embora agora.” Eu falava: “manda, a senhora é a chefe, eu tenho que ir, né?” “Vai trabalhar.” Aí eu falei, eu abraço ela, a mesma coisa que tivesse abraçando vocês todos aqui, foi emocionante, né? “Mas você quer ficar, fica mais um pouco.” “Não, eu vou sair chega, dei graças a Deus de ficar aqui, graças a Deus e a vocês também, porque já eram para ter me mandado embora e não mandaram.” Fiquei lá.
P/1 – E que desafio o senhor encontrou lá? Um grande desafio assim que o senhor se lembra?
R – Ah, tiveram vários. Eu estou falando pra você nesse dia eu falei pra chefe: “olha...” foi até no dia do fígado mesmo ela falou: “quanto é?” Eu falei: “pode preparar 600 fígados, 600 a 700.” Ela falou: “mas tudo isso?” Eu falei: “tudo isso, porque o pessoal vem matando nisso aí.” Ela falou: “puxa vida.” Ela comprou só 400, que já vinha cortada, né? Já vinha diretamente do açougue, do frigorífico já vinha tudo prontinho era só eu temperar. Aí, imagina só isso, eu falei: “oh...” quando acabou o fígado, ah antes eu peguei uma forma grande e o fogão lá era tudo a gás, mas tinha uma parte de baixo que se guardavam as coisas, eu peguei uma forma cheia de fígado e guardei ali em baixo pra reserva, eu falei: “se acabar, tem esse aqui de reserva.” E acabou o fígado e eu esqueci da reserva. Quando acabou eu falei pra ela: “pode ir lá avisar o pessoal que acabou o fígado, eu não falei pra senhora que ia acabar?” “Mas já acabou?” “Acabou.” “E agora?” Eu falei: “vai lá na fila avisar.” E o pessoal achava ruim “passa todo mundo pra outra fila” e reclamaram com a chefe e depois que ela entrou pro escritoriozinho dela lá, ficou lá dentro, eu lembrei da forma e falei: “puta, tinha a forma de bife, caramba.” Devia ter uns 100 mais ou menos, né? Eu achei, eu podia ter enrustido aquilo lá e acabou, mas a consciência não deu, eu peguei e a chamei e falei: “olha eu guardei uma forma de bife aqui de reserva e agora que lembrei, a senhora me desculpa, mas eu esqueci.” Ela falou: “Jayme do céu, você foi fazer isso aí.” Eu falei: “eu tinha guardado, mas eu esqueci nesse aperto todo, frita batata, frita bife, põe arroz lá, eu esqueci, faz o arroz à grega, eu pedi para o encarregado mandar um ajudante e ele não, mandou eu sozinho pô.” “Ah isso não pode acontecer.” Acabou a seção lá, ela me chamou num canto e falou: “você sabe que eu podia te mandar embora agora.” Eu falei: “bom, fazer o quê? Se a senhora quiser mandar, pode me mandar, eu estou aqui, né?” Ela falou: “não, vai trabalhar.” Então foi duro, teve uma reunião com o gerente geral... Aí teve que assinar carta de advertência, ela mandou o encarregado: “olha ela mandou você assinar uma carta de advertência.” “O que é isso?” “Carta de advertência.” Eu falei: “não vou assinar não.” “Ah, assina aí rapaz.” Eu falei: “não vou assinar não.” Aí o chefe dando em cima, o chefe tinha medo dela, ela era uma senhora bem enérgica mesmo e até que ela me chamou lá e falou: “Assina isso aí.” Eu falei: “só assino se o fulano lá em cima mandar.” Lá em cima era o gerente, né? O gerente não topava muito com ela, aí eu falei: “dá essa porcaria aqui que eu assino aqui.” Na salinha dela: “me dá aqui que eu assino e não se fala mais nisso hein dona, a senhora me chama eu aqui só pra me deixar nervoso, caramba.” Quer dizer, ela brigou com o chefe e não me mandou embora, ficou naquilo mesmo, né? Eu contei pro gerente geral, ele pegou fez uma cartinha e mandou pra ela também assinar uma carta de advertência, porque chefe nenhum pode ameaçar “eu podia ter mandado você embora.” Ou manda ou não manda. Aí ela me tratava bem, já fazia um negócio “Jayme dá para você fazer isso assim.” “Eu vou, vamos lá.” Quer dizer, foi um negócio... Quer dizer, graças a Deus eu consegui ficar e me aposentar, porque senão... Quantos que foram embora lá por menos do que isso aí.
P/2 – E as alegrias?
R – Ah, tem muito sim. Era tão bom que a amizade e quantas pessoas que passaram na minha seção e em outra seção e as pessoas que eram mais vistas era o pessoal do restaurante, porque todo mundo vem ali tomar o cafézinho, almoçar, jantar, tudo ali. E eu tinha amizade com todo mundo graças a Deus.
P/2 – Como era a relação assim entre os funcionários?
R – Era muito boa, não tem nem como dizer pra você, era bom mesmo... Era onde se encontrava... A união de todo mundo na firma em geral, era tudo legal assim, não tinha esse negócio aí... Era bom, portanto eu disse pra você e vou repetir, eu disse isso aí para um rapaz hoje, quando eu entrei o gerente geral falou: “Jayme...“ Era gerente do RH, falou: “aqui você vai tratar bem desde o faxineiro até o gerente geral, tem que tratar todo mundo igual, não tem separação nenhuma.” O gerente geral sentava à mesa que tivesse o pessoal da limpeza lá almoçando, ele pegava a bandeja dele e ia lá almoçar junto e o que se servia pro gerente geral servia pro faxineiro, era a mesma coisa. E a minha briga depois era isso, depois, né? Era isso, porque quando pintava a fila, aquela fila grande na minha seção, porque eu cozinhava mais era para a gerência geral, mas peão podia ir lá também, não tinha problema, só que na minha seção não servia feijão e o arroz era sofisticado... eu nunca fazia... Pegava o arroz e nessas alturas já pegava arroz feito do cozinheiro, só que ali eu transformava, fazia um arroz à milanesa, fazia um arroz à grega, fazia um arroz de forno, fazia outra... Eu mudava a coisa, não servia aquele arroz, tirar da panela e servir, não, eu já mudava. Então um arroz a carreteiro eu fazia aquilo diferente, feijão não servia salada, tinha e o pessoal vinha “mas não tem feijão.” “Não tem, vai pra lá” e aí quando pintava um gerente o bife, o bife você sabe, é contra filé aquele caprichado, era tudo batidinho bem arrumadinho, né? E sempre tinha um menorzinho que o outro aí quando pintava um gerente, o chefe geral “olha, fulano vem vindo lá, capricha uma pra ele.” Eu falava: “dona, aqui eu vou tratar todo mundo igual do jeito que eu trato a faxineira, aqui que era o primeiro que entrava eu vou tratar ele também.” “Mas Jayme, não pode, capricha um pra eles lá.” “Do jeito que vier aqui eu sirvo pra ele” e a mesma coisa, não tem esse negócio não, mas existia certo puxa saco ali, né? Que fazia caprichar mais, cafézinho na xícara, pega um copo limpo, o cara pedia um copo de água e tinha que pegar o copo que estava ali, levar lá e lavar direitinho para servir água pra eles. Como o peão pega o copo e se serve aqui ele também pode fazer a mesma coisa, o gerente falou você vai tratar desde o faxineiro até o gerente, vai tratar todo mundo igual não tinha esse negócio não. Por isso que era bacana.
P/2 – E o que a Avon representa para os funcionários em sua opinião?
R – Representa bem dizer tudo, porque é muito bom, existe você sabe como é que é sempre no meio de tanta gente sempre tem um elemento que sai um pouquinho fora do ritmo, mas do contrário a firma é muito boa sim, havia muita tolerância, sabe como é que é pessoa... Onde existe muita coisa e sempre existe aquele negócio e tem aquela tolerância do pessoal, por exemplo, o pessoal leva um batonzinho, fulano levou um batom, mas deixa pra lá, o rapaz também precisa ganhar o dinheirinho deles e deixava, não tinha esse... É uma coisa que a Avon sempre tolerou, o funcionário... Tanto é que se mandasse embora talvez por roubo, mas nunca sujou carteira de ninguém, você ouvia falar, né? Não, vai embora vai, não tem que sujar nada não, tinha tolerância, então é o que eu falo tudo que eu tenho graças a Deus hoje é coisa da Avon, trabalhei bastante isso eu sei, mas trabalhar é o que eu disse pra você o serviço não mata ninguém não. Tinha colega que vinha trabalhar comigo quando a chefe chegava de manhã cedo o cara falava: “o que eu vou fazer hoje?” “Vai ajudar o Jayme” que sou eu, né? “Ih, então hoje eu estou ferrado.” Porque tem que trabalhar, não é pra ficar olhando não, lá fora a coisa está feia, quando surgia uma vaga você olhava na portaria tinha lá 50, 100 pessoas na fila por uma vaga, eu falava: “olha como é que está aí fora, a coisa está feia.” Então tem que trabalhar. Primeiro quando você ia procurar serviço, você não ia procurar serviço, você ia procurar emprego, né? Até hoje é a mesma coisa, ele quer emprego, mas se vai procurar serviço tem que trabalhar. Então tudo que eu tenho graças a Deus hoje eu dou graças a Deus de ter trabalhado, na Avon ganhei muito dinheiro.
P/2 – E tem alguma história engraçada que o senhor se lembre?
R – Ah, engraçada mesmo não tem quase nada não.
P/2 – Não se lembra de algum caso?
R – Não tem não.
P/2 – E o senhor é casado?
R – Sou.
P/2 – Qual é o nome da sua esposa?
R – Sofia Ribeiro.
P/2 – E o senhor a conheceu onde?
R – Conheci foi aqui em São Paulo mesmo.
P/2 – Aqui em São Paulo? Ela trabalha na Avon ou trabalhava?
R – Não, vizinha da Avon, foi ali que eu a conheci. Você vê que eu do interior mudei pra São Paulo, lá no interior eu fiquei noivo lá muito tempo, uma temporada danada e não deu certo. Em São Paulo namorei, essa que é minha esposa hoje, namorei um ano e com um ano nós casamos e a gente vive até hoje graças a Deus, né? E ela era de Marília e em Marília eu ia sempre, porque eu trabalhei em Araçatuba e de Araçatuba eu ia pra Marília, Presidente Prudente tudo eu ia passear por lá. E quando vim conheci aqui em São Paulo, vizinha da Avon ainda. Um amigo meu que nesse tempo era guarda da Avon ali na João Dias ainda e essa coisa eu lembro e vou contar pra você, o uniforme eles davam pra gente, aí levava pra casa pra arrumar, fazer a barra da calça, porque nunca tinha a medida certa, aí levava. Um dia eu fui passando com aquele embrulhinho, passei na portaria e no dia seguinte o guarda me chamou, era meu amigo lá de Botucatu só que não sabia que eu era de lá, né? “Oh rapaz o que você ia levando ontem aí num embrulho?” Eu falei: “era uma calça que eu ia levando pra arrumar.” “Então quando passar na portaria tem que mostrar viu?” Falou bravo comigo e eu falei: “pois não, senhor.” Era assim, se você passasse com um embrulhinho tinha que mostrar pra ele.
P/1 – E o senhor tem filhos?
R – Tenho um casal.
P/1 – Tem um casal de filhos?
R – O meu filho é casado e uma filha também que é casada.
P/1 – É casada também?
R – É.
P/2 – Certo. E o que mais o senhor gosta de fazer no horário de lazer?
R – Olha, de tudo eu faço um pouco. Igual você falando em lazer agora, por exemplo, aqui em São Paulo se você vai à minha casa onde eu estou morando aqui em Santo Amaro a minha casa é toda cheia de caquinho, igual eu falei pra você, tudo material que sobra aqui, todo mundo fala: “leva pro Jayme pra levar pro sítio.” Lá em casa estava tudo cheio de caquinho, lá em casa é tudo feito de caquinho que você falou que é mosaico, não é? Tudo caquinho ali, minha casa eu fiz trabalhando na Avon naquele tempo, portanto é o que eu digo muito a você, eu devo muito à Avon. Porque eu fiquei doente uns tempos e fiquei afastado, eu nunca ia ao médico, porque não era qualquer gripinha que me derrubava não, então eu continuava trabalhando, mas aí um tempo eu fiquei doente e fiquei seis meses afastado. Foi um problema que me deu lá e eu tive que ficar seis meses afastado, foi onde que a Avon me chamou e deu serviço pra minha mulher pra trabalhar na expedição, na embalagem para ajudar e eu construindo a minha casa lá no Vaz de Lima, onde eu moro hoje. Então eu ia daqui, eu morava no Socorro eu ia até lá a pé pra construir minha casa e a minha servente final de semana era minha mulher e fiz, está lá hoje a casa se você for você vai ver. Então eu digo pra você, lá no sítio agora, que você está falando o que eu faço agora é assim, pode ir lá que você vê a entrada do meu sítio. Lá assim numa entrada assim é só mosaico, do portão até na entrada de casa você não pisa na grama, vai por cima, mas é tudo capim colocado ali e estou estudando para fazer mais coisas. Tem umas imagens, tem um outro lá que eu faço lá e vou inventando, né? E vai fazendo aquilo e tudo material que eles levam lá, que aproveito tudo, de madeira os caras falam o que vou fazer, leva pro Jayme. “Olha o que servir para você queimar você queima” e muitas coisas servem pra mim lá e eu faço. Então não adianta, muitas coisas que eu tenho lá não foi nada comprado, tudo ganhado, eles levam lá e eu faço é aproveitar tudo e do contrário é a plantação que eu falo pra você, você vai lá pra você ver os pés de alface que eu tenho lá, couve, verdura tem de tudo. E não é pro meu gasto, é pra dar aos amigos quando vão lá, eu falo: “olha esse canteiro é seu, pode levar tudo.” É gostoso isso aí, né?
P/1 – Muito bom. O senhor conhece alguma das ações sociais que a Avon realiza?
R – Não.
P/1 – Não tem conhecimento?
R – Não, não tenho.
P/2 – Fala pra mim qual foi o maior aprendizado de vida que o senhor tirou de todos esses anos de trabalho?
R – Como é que é?
P/2 – Um aprendizado de vida, uma lição de vida que o senhor tirou desses anos de trabalho?
R – O que poderia ser?
P/2 – Uma coisa importante que o senhor... Uma lição de vida não sei uma... Como eu posso me fazer mais clara?
R – Não, acho que não tem como dizer pra você não, como eu vou dizer pra você a minha vida sempre foi rolando desse jeito que eu estou falando pra você mesmo assim...
P/2 – Está certo. E o que o senhor acha da Avon estar resgatando a memória dela através desse projeto aqui dos 50 anos?
R – É bom estar conversando com vocês e estar relembrando essas coisas aí, porque muitas vezes você conversando com outra pessoa que... Você, por exemplo, vai me fazendo pergunta e eu vou respondendo e às vezes eu lembro sem você perguntar mesmo, mas é tão bom, porque com outra pessoa eu não vou ter outra oportunidade de estar me abrindo desse jeito, pra quê? Então é isso aí é bom, isso foi muito bom, muito importante, muito bom mesmo.
P/1 – E o senhor gostou de ter dado essa entrevista?
R – Eu gostei, gostei demais e nossa, é tão bom eu não estou falando pra você que eu lembro dessa Ruth que você está falando, era pessoa antiga de firma e outros e a gente lembra fora dessa entrevista a gente lembra deles também, mas não tem como você estar contando pra outros, né? Então nós conversando é bom relembrar essas coisas aí, porque puxa vida é formidável foi ótimo mesmo.
P/1 – Que bom que o senhor gostou, o Museu da Pessoa agradece muito, a Avon também agradece muito a sua participação.
R – Eu agradeço a vocês também imensamente do meu coração, porque olha eu acho que... Quando que eu morando lá no meio do mato teria a oportunidade de fazer isso que vocês estão fazendo comigo, então foi muito bom, muito obrigado, eu agradeço mesmo. Se você tivesse uma oportunidade, um dia de aparecer lá no meu sítio... Eu fico bobo quando vai gente lá, aquelas senhoras, foi uma senhora lá de 96 anos, ela ainda jogou pife com o neto dela embaixo de um pé de laranja lá, ela jogando pife e ela desce lá na chácara lá é meio caída assim ela desceu lá... A minha esposa não desce porque ela é obesa, pra descer vai bem, mas pra subir precisa de um guindaste, então não dá, aí não vai. Mas as mulheres admiram lá você vê, não sei se você conhece sagui, esquilo, tucano, tem lagarto, passarinho de todas as espécies tem lá e você vê aquelas coisas aquela maravilha que tem lá. Por isso que eu digo pra você, ali é uma maravilha que você não pode conversar do jeito que eu estou falando aqui do outro lado o pessoal ouve, porque o silêncio é demais, então você tem que maneirar um pouquinho para conversar, é bacana aquilo lá. E as mulheres que vão lá ficam doidas com aquilo, aí quando sai do mato uma cata uma bromélia de um jeito, bromélia você sabe o que é? É flor, ai que flor linda e todo mundo leva aquelas flores e quando o ônibus volta no bagageiro está lotado de flor de mato que elas catam por lá. Eu acho bacana, eu gostaria que se vocês tivessem uma oportunidade mais uma vez e aparecer lá para você ver só como é que é a natureza. E pra gente almoçar a gente almoça numa área que eu tenho lá uma área grande. Almoçando assim e vendo a natureza assim se você quer “eu vou comer um pé de alface é daquele lá, vou cortar aquele lá” é bacana, não precisa você ir ao sacolão e virar aquelas coisas tudo, pega aquela lá que está livre de qualquer coisa.
P/1 – É gostoso.
R – Eu já acostumei ali e é assim, quando eu trabalhava no restaurante, quando chegava a verdura do Ceasa tinha que ficar guardado lá num recipiente lá cheio de água por dez a quinze minutos, a água com cloro e hoje eu dou razão, porque isso daí existe, tem que existir mesmo, porque há muito agrotóxico, então ficava aquilo lá. Tinha gente lá que não fazia isso aí, mas tem que fazer, porque hoje eu vejo o agrotóxico que eles põem nas plantas lá também, se você não lavar direito aquilo lá. A minha não tem nada disso não, mas tem que lavar direitinho também, né? Porque sempre tem uns bichinhos ali que correm por dentro, uma minhoca, uns bichinhos, por isso tem que lavar direitinho, então é tudo bom por isso.
P/1 – Muito bom.
R – Milho, se quiser um milho verde lá tem, agora, por exemplo, lá tem, então antes de ontem eu fiz um bolo lá de milho e ficou muito bom.
P/1 – Pra festa junina?
R – Não, pra festa junina não vai aguentar não, já está começando a endurecer, mas a festa junina a gente faz outra coisa, faz um churrasquinho lá, uns docinhos, um bolinho de fubá, né? Não tem nem um mineiro aqui não tem?
P/1 – Até tem um, só que ele está lá embaixo, não está aqui não.
P/2 – Muito bom. Isso mesmo senhor Jayme.Recolher