Entrevista de Maria da Conceição Gonçalves
Entrevistada por Vanessa Aparecida e Cátia Silva
Mariana, 14 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
MRD_HV020
0:20
P1 - Bom dia Maroca! Queria te agradecer por você ter topado a entrevista. Você podia falar para a gente o seu nome, onde você nasceu e qual dia?
R - Eu nasci em setembro, dia 13 de setembro de 1942
P1 - Você podia falar o nome dos seus pais, dos seus avós e se eles trabalhavam, com o quê?
R - Meu pai chamava Leandro Emílio Gonçalves, minha mãe Maria José Gonçalves. E os meus avós, um chamava Corito Ramos, a vó, Maria Ramos Corinto, que é o nome do marido. E o meu pai é Leandro Emilio Gonçalves, minha mãe Maria José Gonçalves.
1:12
P1 - Você Maroca, mudou alguma vez da comunidade sua de origem, onde você nasceu?
R - Não!
P1 - Você tem irmãos?
R - Tenho!
P1 - Quantos?
R - Tem que dar os nomes deles?
P1 - Só se você quiser.
R - É Agostinho Gonçalves, Antônio…, José Augusto. Agora os que faleceu pode falar? Zé Carlos e Lyon de Corinto.
P1 - Família grande!
1:51
P1 - Maroca, como que era sua vida quando você era criança, a sua e dos seus irmãos?
R - Trabalhar né minha filha, na roça, muito, estudava muito pouco. Meu pai era pobre, né! Nós tinha que ajudar, nós morava na roça. Nós vivíamos de alimento da terra, então tinha que trabalhar, nem estudar direito a gente pode, porque tinha os irmãos mais novos, tinha que ajudar.
P3 - E esses alimentos da terra que que era que vocês comiam?
R - Arroz, socado no pilão, cana, nós não bebia café de açucar, era moído a garapa na engenhoca. Tudo era plantado na terra, nós é que plantava, cuidava, colhia e comia. Meu pai engordava porco, nós não comia nem essas gorduras igual hoje nós come, nós comia gordura de porco de casa mesmo.
2:52
P3 - E você lembra de alguma comida, alguma coisa, assim, que você gostava quando você era criança?
R - Gostava, né, tinha que comer, né! O que o pai...
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Entrevistada por Vanessa Aparecida e Cátia Silva
Mariana, 14 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
MRD_HV020
0:20
P1 - Bom dia Maroca! Queria te agradecer por você ter topado a entrevista. Você podia falar para a gente o seu nome, onde você nasceu e qual dia?
R - Eu nasci em setembro, dia 13 de setembro de 1942
P1 - Você podia falar o nome dos seus pais, dos seus avós e se eles trabalhavam, com o quê?
R - Meu pai chamava Leandro Emílio Gonçalves, minha mãe Maria José Gonçalves. E os meus avós, um chamava Corito Ramos, a vó, Maria Ramos Corinto, que é o nome do marido. E o meu pai é Leandro Emilio Gonçalves, minha mãe Maria José Gonçalves.
1:12
P1 - Você Maroca, mudou alguma vez da comunidade sua de origem, onde você nasceu?
R - Não!
P1 - Você tem irmãos?
R - Tenho!
P1 - Quantos?
R - Tem que dar os nomes deles?
P1 - Só se você quiser.
R - É Agostinho Gonçalves, Antônio…, José Augusto. Agora os que faleceu pode falar? Zé Carlos e Lyon de Corinto.
P1 - Família grande!
1:51
P1 - Maroca, como que era sua vida quando você era criança, a sua e dos seus irmãos?
R - Trabalhar né minha filha, na roça, muito, estudava muito pouco. Meu pai era pobre, né! Nós tinha que ajudar, nós morava na roça. Nós vivíamos de alimento da terra, então tinha que trabalhar, nem estudar direito a gente pode, porque tinha os irmãos mais novos, tinha que ajudar.
P3 - E esses alimentos da terra que que era que vocês comiam?
R - Arroz, socado no pilão, cana, nós não bebia café de açucar, era moído a garapa na engenhoca. Tudo era plantado na terra, nós é que plantava, cuidava, colhia e comia. Meu pai engordava porco, nós não comia nem essas gorduras igual hoje nós come, nós comia gordura de porco de casa mesmo.
2:52
P3 - E você lembra de alguma comida, alguma coisa, assim, que você gostava quando você era criança?
R - Gostava, né, tinha que comer, né! O que o pai punha dentro de casa, porque a gente vivia dos braços da gente, aí nós comia. Era arroz, macarrão, matava uma galinha, matava um porco, mexia angu, que hoje nem existe mais ninguém comendo. Comia mandioca cozida, inhame, banana. Uma vida muito sofrida, da roça.
3:33
P1 - Maroca, você tem alguma lembrança de você criança, alguma lembrança boa?
R - De criança?
P1 - É!
R - Não ir na escola. Nós gostava de ficar brincando,. Nós saía para ir para a escola, juntava com o irmão de… vocês ouviram falar o nome dela, que ela morreu muito nova, Geralda de Julieta, Mascote, irmã dos meninos. Nós escondia, pai não via, no horário que voltava da escola nós chegava em casa. “Cadê o dever?” Não tinha feito! “A professora não passou não!” Aí o meu pai ia, outra hora a mamãe ia. Aí a mamãe falava, “hoje é hoje!”. Metia seba em nós, porque nós não ia na escola, ficava brincando. R hoje está fazendo falta, hoje está fazendo falta.
4:29
P1 - Você tem alguma lembrança de Paracatu que te marcou?
R - Tem esta, né minha filha! Nasci e criei ali, para nós sair do jeito que nós saiu, deixou muita recordação, era um lugar bom, uma roça sossegada. E a gente saiu para os matos para não morrer, ficamos sem nada. Tudo que eles deram, hoje, para mim, tá me servindo, mas nunca que eu me esqueço do que eu vivi.
P2 - Maroca, a casa que a senhora morava quando era mais nova, como que era, era sobrado?
R - Era de chão.
P2 - De chão?
R - Quatro cômodos só que tinha, depois que papai aumentou, as coisas foram melhorando um pouquinho. E nós era 10 filhos, aí. Dormia tranquilo naqueles cavaletes, nem cama tinha, e criou todos os 10.
5:38
P1 - Você falou de escola, você chegou a estudar até que série? Ou você não formou série, como é que foi?
R - Escola? Coitada! Apanhava, mas não ia.
P1 - Você tem lembrança de alguma professora…
R - Preferir trabalhar, para mim ter condições melhor, podia comprar uma roupa melhor, comprava às vezes um chinelo, quando calçava o chinelo, “olha aqui, amanhã eu vou à missa, comprei chinelo”. Era assim, minha filha! A vida foi difícil. Vocês não, vocês nasceram no berço.
P2 - Como dizem, berço de ouro!
R - Era mesmo, minha fiha!
6:22
P1 - Quem que era seus amigos de infância, Maroca?
R - Já morreu, bem dizer! Morreu todos! Vocês nem conheceu, irmã de Zé Luiz, de Estarline, de Glória, Geraldo, Geraldo era… Maria Peda, vocês nem conheceram. Morreu tudo já! Essa meninas morreram novas, minha fia! Efigênia de Emília. Você conhece Efigênia? Oxi, seus parentes!
P3 - Dona Maroca, quando você não ia para escola, o que você fazia?
R - Apanhava, né! (risos) Meu pai batia, minha filha! Nós igual bobo, podia esperar a escola acabar, nós dava fome, tem que ir embora. Aí mamãe perguntava, “gente, hoje a escola acabou cedo?” Um olhava para o outro assim e calava. Quando papai chegava, só falava, "não foi para escola hoje não! Aí o couro na carcunda, era.
P3 - E você brincava do que, com seus irmãos com as suas amigas?
R - Com as amigas nós brincava de roda, de surratinho, correndo assim, passava, largava o pau aqui e corria, era assim. Peteca, nós batia peteca, mas isso lá na escola, em casa não, em casa nós ficava arisco, que o couro comia, não podia fazer… “Vocês foram na escola, me mostra o caderno?” De ontem tava no caderno, de hoje não. Hoje a gente vê a falta que faz.
8:07
P3 - Você falou de roda, tem alguma música, alguma cantiga que você lembra?
R - Ah minha filha, lá era só quadrilha, na roça que nós morava era. Essa aí trabalhou lá, fazia até quadrilha, mas eu já estava velha, não era criança nova não. Mamãe fazia uma saia rodada assim, de chitão, para nós dançar quadrilha, tudo pititinha assim, dançando quadrilha. A vida foi muito boa na roça, eu não queixo não. Até hoje eu gosto, que eu moro na roça…. sabe aonde. Não tem brinquedo, né, porque eu moro com o meu filho mais velho. E tranquilo minha filha, lá!
8:57
P1 - Maroca, na sua adolescência você teve namorado ou namorados?
R - Namorada?
P1 - Namorado?
R - Não! Eu namorei eu tinha mais de 15 anos, minha filha! Meu pai não deixava, não! Se você fosse na festa, ficava de longe, assim, só olhando. Quando eu comecei a namorar eu tinha mais de 20 anos, papai não liberava não.
P1 - Você namorou e casou, ou você namorou, depois namorou de novo?
R - Não! Namorei, você conheceu ele, uai! Namorei e casei, eu já estava velha já! Eu falei, eu vou ficar mais velha, não arrumo namorado, então eu tenho que namorar é agora!
9:42
P1 - Maroca, você ainda continua fazendo o mesmo serviço que você fazia antes, ou mudou alguma coisa?
R - Não, é a mesma coisa, por isso que eu moro na roça! Eu capino, eu busco lenha, eu trato de galinha, tem porco, pato, marreco, os meninos mexem com vaca. E eu mexo mais é na horta.
P1 - Você gosta?
R - Eu gosto? Eu gosto! Ah minha filha, é o que eu amo!
10:11
P1 - Você falou que casou. No seu casamento teve festa, como é que foi?
R - Anão usava não, minha filha!
P1 - Nem um forrozinho?
R - Não! Não usava não, uai! Saia da igreja e pronto, ia para casa. É! Hoje não!
P3 - E como você conheceu o seu namorado, seu marido?
R - Como que eu conheci? Ele morava no mesmo lugar. Olhava de vez em quando assim. Depois um chegou no outro, pronto! Começou a namorar, casou. Foi bom eu ter casado que ele morreu, né! E eu tive seis filhos, dois homens, duas moças, que é Leonildia e a Marília. E o resto do homem. E quem cuida de mim é o mais velho, que mora comigo, eu e ele. E Deus primeiro.
11:14
P1 - Maroca, qual que é a relação sua com Paracatu? Com a sua comunidade de origem?
R - Ah minha filha, mesma coisa de estranho, não procuro ninguém. E eu logo, logo, que eu morava lá no São Gonçalo, eu mudei, fui embora para roça. Com o dinheiro que eles deram, nós compramos uma casa, um terreno. Eu moro na roça, mesma coisa que eu morava em Paracatu Velho.
P1 - E você tem amigos lá?
R - Lá? Tenho, tenho!
P1 - Vocês fazem alguma coisa juntos, ou não?
R - Não!
1:53
P2 - Maroca, a senhora falou falou do seu trabalho. A senhora conta um pouco para gente como que era apanhar café?
R - Apanhava café, batia piteira, que sua mãe trabalhava junto com nós. Buscava lenha na cabeça…
P2 - Como que era acordar 4 horas da manhã para apanhar o café.
R - E para levar lá na cachoeira aquelas trouxas grandes na cabeça, chegava até assim, ô! Vera amarrava 3, 4, aqueles trem! Nós ia junto, uai! Quando nós ia levar na cachoeira, nós levava tudo junto. Sofri, minha filha! Hoje eu não tô sofrendo mais não, hoje eu estou velha, só faço os necessários.
12:38
P1 - Maroca, pensando lá em Paracatu, quais foram as transformações que você viu acontecer em Paracatu, igual luz, água, essas coisas assim?
R - Paracatu Velho? Ah minha filha, lá era muito bom, né! A gente fazia o que queria, que não tinha… não é igual a cidade, você saía, não tinha ninguém para seguir você, não tinha roubo. Você lembra Vanessa, né? Paracatu era muito bom, bom demais! Tinha sossego, mas no Novo, no novo acho que não vai ter não.
P1 - Você lembra de alguma coisa que aconteceu lá que te marcou?
R - Não! Que marcou foi só a barragem mesmo. Que eu vivia tranquila com os meus filhos. Meu marido morreu, fiquei com os meus filhos. Casou, foi saindo, e fiquei com o Zé Horta, que é o mais velho. Era um lugar muito bom, você não via falar de roubo ali, nem que matava ninguém.
P2 - Quando acontecia alguma coisa era a semana inteira, né Maroca!
R - Só tocava isso, no serviço, era!
13:52
P3 - Maroca, como era o seu dia a dia com seus filhos pequenos, na roça, o que você fazia todo dia, como que era a sua rotina?
R - Ô minha filha, trabalhava igual um homem! Abria esgoto para os outros, capinava, plantava café em Paracatu, quase 8 anos, andando uma distância imensa. É sofrida a vida, minha filha! Hoje não, hoje todo mundo tá bem, só que eu não quis ficar aqui na cidade, falei, “não, eu vou embora!” Aí nós compramos… Também aqui a gente ficava dentro de casa, não tinha vizinho, ninguém conhecia, nem eu conhecia eles, eles nunca me conhecia, né! Então a casa ficava à frente fechada, quando eu saí, às vezes, já estava fechado. E pra mim não, cidade não dá! Que eu fui criada na roça, eu gosto de mexer com enxada, colher um ovo, matar uma galinha para mim comer, mata um porco, tem a carninha pra mim comer. Na roça é bom, bobo! Você quer comer uma verdura, você só… minha horta é bem na porta, eu entro lá, apanho, tô comendo, to refogando ali, tô comendo, fresquinha. A gente compra um pé de alface aqui, leva, chega em casa murcho. Eu falei, não! Fiz horta! Capinei, cavei, carreguei esterco, coloquei.
P2 - E é bom, né Maroca! Mamãe tinha até amizade com os bichinhos, conversava.
R - Eu tenho meus cachorrinhos desse tamanho, de neném, não chegou a ver não! Eu esqueci de mostrar para você. Eu tô com duas pelotinhas, dessa grossura assim, desse tamanho, coisa mais linda! Eu cheiro eles, eles levam a mãozinha assim para cima, é cheiroso! Quando tá novo é cheiroso.
15:55
P2 - Maroca, a senhora falou que quando era mais nova comprava um chinelo para ir à missa.
R - Havaianas, minha filha! Arucubaca, que usava! Cilene às vezes até lembra, a sola era de piteira e era de pano por cima. A vida é triste minha filha, sua mãe criou você na lua, na lua.
P2 - Como que era a relação da senhora com a igreja, a senhora só ia à missa, ou participava de algum encontro?
R - Não, eu e a missa, eu era dama de Coração de Jesus. Que tinha conferência de Santo Antônio, São Vicente. E eu era de Coração de Jesus.
P2 - Hoje em dia a senhora participa ainda?
R - Não! Aonde lá? Vai lá para você ver onde eu moro. Participo não! Quando eu estava morando em Mariana, eu ia lá embaixo, perto do Lico, porque lá que era a Igreja nossa. Mas depois, eu falei, ah não! Dinheiro nosso saiu, falei, vamos comprar, nós vimos na internet, compramos, falei, vamos embora para roça, não fico aqui não! Aí eu fui embora! Dilene foi lá! É gostoso, né Dilene! Ela já conhecia, porque ela ia lá tomar banho, né!
17:14
P2 - Tem alguma festa de Santo da comunidade de Paracatu que a senhora gostava?
R - Eu gostava de todas! Santo Antônio, era padroeiro nosso. Agora, São Sebastião eu gostava de ir também, ele livrava a gente das pestes. E tinha os outros lá, a gente participava.
P1 - E o que que acontecia nessas festas, Maroca? O que que tinha?
R - O que que tinha? Tinha banda e muito comê para o povo comer. Até hoje, uai! Festa que fez lá depois que essa barragem passou, cozinhava lá no Foca, lá no Foca.
P3 - E que comidas que tem na festa? Que tinha e que tem?
R - Carne, muita carne, que matava boi. Macarronada, arroz, feijoada, tinha sim. Bebidas, eles compravam refrigerante, né! Muito bom! Acabou tudo! Acabou o sonho da vida!
P3 - E você tem alguma história, alguma memória dessas festas que você lembra bastante, um momento, alguma coisa?
R - Eu lembro, das festas eu lembro, minha filha! Eu não esqueço não! Era muita gente, né Vanessa? Que juntava.
P2 - Dava para dançar um forrozinho bom, né Maroca?
R - Olha o que eu levei encaixando! Quadrilha, ô gente, ô quadrilha boa que fazia lá naquela quadra.
P1 - As festinhas eram boas, né Maroca.
R - Você sabe, tem hora que eu fico lá em casa assim, sentada na varanda, pensando assim, ô gente, como que o mundo é! Nós vivia naquela alegria, acabou tudo de uma hora para outra. Aí eu faço, ô gente, eu vou mexer, porque eu tô com a cabeça meio zuada. Ver aquela lama enrolando assim e derrubando as casas. A “valencia” nossa, que não aconteceu nada com nós, é o cemitério, que o cemitério… Mesmo assim.. Quando eles avisaram, sabe! O avião pousou no campo de futebol, aí todo mundo correu para ver, aí mandou sair, que tinha arrebentado a represa. E eles falaram, “nós passamos por ela no Gama, vocês saem e não olha nada não, pode sair!” Nós subimos para o cemitério! Eu estava com duas netas novas, que a mãe estava estudando em Águas Claras e eu que olhava as meninas para Bibi estudar. Aí subi, minha filha, passamos lá para o cemitério, ficamos lá no cemitério, quando nós olhava assim, aquilo vinha assim e saia assim “buááááá´”, as casas quando iam caindo. Não tiramos nada, nada! O moço falou assim, o policial falou assim, “vocês tira o corpo e a alma suas, que vai morrer!” Se fica aquele pessoal de baixo, tinha morrido todo mundo! É! O que salvou foi só para cima um pouco! Foi muito triste, boba! Nossa Senhora!
20:38
P2 - Maroca, a senhora falou que cuidava das netas. Quantos netos a senhora tem?
R - Quantos? Leonidia 4, Agostinho 3, Neneu 2, Maria 2, Leondo só Jéssica.
P1 - Perdi as contas. Mas é bastante! Maroca, como é para você contar sua história para gente aqui hoje? Como é que foi para você contar a sua história?
R - De hoje? Minha filha, a de hoje, a situação tá melhor, né! Porque antes a minha situação era bem melhor, eu não tinha o que eu tenho hoje, mas a minha vida era bem melhor. Eu tinha o que eu queria na minha casa, trabalhava, era uma honra para mim, chega cansada, por roupa para lavar, fazer jantinha, arrumar tudo. Mas se Deus quis assim, assim será! Ninguém pode passar na frente dele. E esses coitados que morreram.
21:51
P3 - Maroca, você falou um pouco dos seus netos. O que mudou na sua vida quando você virou vó?
R - Ó minha filha, meus netos é tudo, é um amor, igual você tem um amor a um filho. A Dilene aí, pergunta a ela o amor dela pelos netos, pro neto dela, dois ou três que tem. Nossa Senhora, minha filha! Meus netos é tudo para mim! E carinhoso comigo, me beija, chega lá na roça, beija, beija, “ô vó, deixa eu beijar sua mão!” Mas você precisa de ver! Eu tenho, assim, uma alegria, uma emoção, dos meus netos me tratarem bem, sabe! Eles moram em Mariana agora. Tem dois que não, tem dois que.. a mãe deles casou, veio, ganhou eles em Mariana. Mas os outros não! Os de Agostinho, com os de Leonidia, foi tudo lá em Paracatu.
P2 - E você ajudou a criar, né Maroca!
R - Ajudei, ajudei! Que eu fazia o que eu podia para eles. Leonídia lá era muito sem saúde. Você lembra! Agora Deus ajudou, apanhou um pezinho.
23:12
P3 - E que que você fazem quando vocês estão juntos?
R - Nós faz comidanhada, minha filha! Cerveja! “Vamos para casa da vovó fazer churrasco”. Lá na roça você sabe, que roça é liberdade. Não tem ninguém para falar, proibido de som ligado. Eles ligam o som do carro e assa carne, é cerveja! “Ah vovó, não faz comê não, boba!” Eu já faço o arroz, faço uma outra coisa diferente, uma farofa. Josi já vai para lá, ajuda também, que a minha neta, sabe! Leva a filha dela. Eles ficam lá na piscina.
P2 - Josiane é a sua primeira, né Maroca?
R - Não! Primeiro é Ju, Josimar, depois foi Leandro, aí depois de Leandro que veio o resto. É!
24:07
P1 - Maroca, tem alguma coisa que a gente não te perguntou que você queira falar?
R - Não!
P2 - Algum caso, que a senhora lembra bastante, da sua infância, das amizades do meio do mato para buscar lenha, para apanhar um cafezinho?
R - Nós contava aqueles casos, que não pode nem falar. Quando nós ficava olhando assim,... Machadão, um em cima, outro embaixo… olha, levanta. Aí nós ficava o saco limpando a folha de mentira, eles passavam, era assim! A infância de serviço meu, toda vida Vanessa, eu gostei! Eu apanhava café, lá onde tá fazendo Paracatu Novo. Eu batia corda, junto com a sua mãe, com Vera. E de tarde nós amarrava aquele trouxa… Um dia eu corri menina, Patrício trabalhava na linha ainda, eu vinha com a trouxa de piteira enorme na cabeça, quando eu vi o ônibus, joguei a trouxa no chão e moitei, passou né! O dia que eu viajei com ele, que eu vim com ele para Mariana, fazer compra. Ele, “ô Maroca, mas por que você jogou a piteira no chão e correu?” Eu falei, “porque muita gente dentro do ônibus ia rir de mim. E o meu serviço é esse Patrício, o seu não é o volante? Agora o meu serviço era mexer com a corda!” “Mas as outras não correram.” “E eu corri, pronto, acabou!” Ele morreu de tanto rir. A vida na roça era boa, Vanessa, era, não é igual hoje não, minha filha! Eu gostava, por isso Deus me deu até um cantinho de mato para mim ficar quieta.
P2 - Buscar uma lenha.
R - Você lembra que a nós passava em frente à casa da sua mãe e gritava, “vamos Vanessa, vamos no mato!” A gente roubava de…. Oh meu Deus! Se um dia bater, nós vamos apanhar igual a boi. Deus ajudou que ele nem via nós, que ele morava longe. E nós passava por baixo, saltava o rio, subia, cortava, roubava a lenha dele, amarrava… Sua mãe, sua mãe buscou muita lenha com nós lá. Ninguém usava fogão a gás, não minha filha! Era só fogão de lenha. E é o comê mais gostoso, você acaba de fazer, principalmente nas panelas de pedra igual eu gosto de fazer, você põe em cima do fogão de lenha ali, sempre fogão de lenha é feito de pedra, igual o meu lá. Você põe ali, 10, 20 minutos, você come o comê quentinho, você tampa com a tampa, conserva demais.
27:12
P3 - Dona Maroca, só voltando um pouco na sua infância. Tinha alguém que contava histórias para você, que você gostava de escutar?
R - Não, não! Não tinha tempo, meu pai só ensinou nós trabalhar, nem estudar ele deixava. Que era 10 filhos, ele sozinho, nós ia tomando tamanho e ia para roça. Ele ensinava, dois grãos de feijão, quatro de milho, se caísse mais de um, tinha que tirar. A escola nossa foi essa, minha filha! Nós capinava chácara, plantava cana, sabe, bastante cana, nós moia no engenho, assim, uma aqui, outro cá. Você lembra, né Vanessa, de Engenho lá em casa? Minha vida foi sofrida. Mas um sofrimento, que a gente achava o serviço pesado, mas era aquele. Mamãe não podia ir que tinha que ficar em casa. Que 10 filho era muito. Depois de grande que morreu dois, depois foi Zé Carlos, depois foi Leonardo, foi Corinho, foi morrendo a família agora. Zé Augusto tá aí, Dilene. Você conhece ele? Agora. ele veio embora, aposentou veio embora. Falei, “ô Zé!” “Ah, não vou ficar na cidade não! Agora eu vou embora para minha casa nova.” Ele aposentou veio embora
28:37
P1 - Maroca, você tem algum sonho?
R - Sonho? Sonho de quê? Uma comparação que eu tô perguntando para você.
P1 - Se você tem algum sonho que aconteça alguma coisa, que você queira alguma coisa?
R - Não, não!
P2 - Sonho dos filhos tudo voltar a morar com a senhora, Maroca! Que lindo! Ver seus netos tudo correndo.
R - Mas daqui uns dias tá, minha filha, uai! Agostinho já vai entregar a casa. Mas as meninas não vai. Ele vai ficar em Mariana com as meninas. Kailane, formou! Vai para lá para fazer o quê? Keila tá estudando ainda, ela tem 16 anos, né! Kailane já tá trabalhando. E Bibia com o menino, diz ela que vai embora para lá, vai ver se arruma serviço lá, para pagar as continhas, né!
29:45
P3 - Dona Maroca, quem que você gostaria que ouvisse um pouco da sua história?
R - Da minha família? Não! Vocês?
P2 - Em geral.
R - A minha história foi boa. Eu ia muito para festa fora, trabalhava muito, ajudava muito minha mãe, nós capinava. Era isso, não tinha cidade para nós não, não! Nem estudar papai não deixou nós estudar para formar não, porque tinha os meninos menor, mamãe era muito doente. Então o que mantinha era meu pai e meu irmão mais velho, e o segundo, eu. Os mais novos já trabalharam menos, porque quis estudar, foi para São Paulo, mora em Belo Horizonte 2. Em São Paulo morava três, que é Corinto, Leônidas e Zé Augusto. Os outros morreram, só ficou Zé Augusto lá e veio embora agora, dessa vez ele juntou os malote e veio. Mas já tá velho também! Eu falo, assim, “você tá velho meu irmão!” Ele, “não fala que eu tô velho! Não fala!” A vida é sofrida, minha filha! Agora não! Você estão… vocês sabem onde vocês estão? Naquela peneira de ouro, tá! Está estudando, não estuda quem não quer! Não usa mais ninguém plantar muito. Hoje todo mundo tá comendo remédio! Esse óleo! Lá em casa de vez em quando, não, sabe, na roça! Agora poucos dias a gente matou… dois bagres assim de gordura. Quando mata um, já tem um quase na hora. Eu compro óleo, sim, sabe, porque às vezes quer fazer uma fritura, a gordura de porco encharca muito, então eu compro, mas se você querer você faz um feijão inteiro com gordura de porco, torra um torresmo, que pica com pele, você torra ele, joga aquele feijão em cima. Você come só, não precisa de arroz, nem nada! É gostoso! Cheirando a alho, hummm! Vou fazer para Gil, ainda, ela vai ver! Ela tá só prometendo! Agora ela pode ir que Maria tá lá. Vocês tomar banho na piscina. Maria toma todo dia. Só se tiver assim, ela não toma não.
32:37
P3 - Tem mais alguma coisa que você queria falar, alguma memória, alguma história?
R - Não! Esse romance aí só. Bom da vida! Ah menina, mas acho que se eu não trabalhasse, acho que eu já tinha morrido, boba! Muita coisa na cabeça da gente, né! Você vê que eu perdi meus irmãos quase tudo, pai, mãe. E na roça a gente sofre muito, sabe, mas é um sofrimento… você tem descanso, você não vê mexer, assim. “ah fulano tá fumando droga na esquina”. Podia sair meia-noite lá em Paracatu, que nossa senhora, era um céu. Você Vanessa, você era uma rueira…. corria atrás dessa menina para bater. O …, coitada!... Fazia a quadrilha, … era preguiçosa para fazer uma quadrilha para nós, ah meu Deus! Tá trabalhando lá com nós, muito tempo! Ela é querida lá, minha filha! Ai, ai, agora eu acho que eu não faço mais nada não, 80 anos, minha filha! Passo por mais nada, não! Agora é sossego na vida. Dilene de vez em quando lá nas casas novas, você vai? Ah tá! Então vou aguardar!.. Leonide, Constância e eu, Arlete. Você dorme lá na minha casa, passar mal, mas não morre não, minha filha! Fazer um cuscuz com queijo, rapadura, para você, que você vai ver. Eu faço lá em casa. Outro dia eu fiz, aí Leonel buscou queijo lá no Surico. Você sabe, né! Que mora lá em frente à cachoeira. Untei manteiga assim na cuscuzeira para apertar assim, quando eu virei saiu assim, aí cheirou, aí veio um, com pouco veio o outro. Aí eu falei, vai comer o cuscuz todo, meu Deus! Mas cheiroso, que a rapadura tava cheirando e o queijo. Você viu Dilene, lá hoje, o queijo. Aquele queijo é uma manteiga. Queijo de Sorico, você pode comprar menina, que ninguém arrepende. Do jeito que não dá para freguesia não, mas uma delícia o queijo.
P1 - Então é isso né.
P3 - Obrigada Maroca!
R - Por nada, eu que tenho que agradecer vocês!
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