Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Aldemir Pereira da Cunha
Entrevistada por Rosana Miziara
Monte Dourado, 26 de julho de 2013
HVC063_Aldemir Pereira da Cunha
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Aldemir, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Aldemir Pereira da Cunha, a data do meu nascimento é dia 4 de dezembro de 1986.
P/1 – Em que lugar você nasceu?
R – Eu nasci na comunidade de Cachoeira de Santo Antônio, no Jari.
P/1 – Seu pais são dessa comunidade?
R – São da comunidade, são da comunidade de Cachoeira.
P/1 – Mas eles nasceram lá?
R – Não, eles nasceram, meu pai é do interior de Belém, a minha mãe é de Breves.
P/1 – E seus avós maternos e paternos?
R – Também é de Belém do Pará, de Belém, o meu pai.
P/1 – Que lugar?
R – O lugar eu não sei.
P/1 – Você sabe um pouco da história dos teus avós maternos e paternos?
R – Eu só sei quando eles chegaram aqui na Cachoeira de Santo Antônio foi em 1950, vieram pra tirar castanha, aí depois.
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P/1 – Quem que veio, os seus avós?
R – Meus avós.
P/1 – Maternos ou paternos?
R – Maternos, aí vieram pra cá tirar castanha, aí eles gostaram do lugar e aqui mesmo eles ficaram, aí eles construíram família, aí assim foi.
P/1 – Mas como é que a sua mãe era de Breves e o seu pai de.
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R – De Belém, interior de Belém.
R – De Belém, como é que os dois se conheceram, você sabe?
R – Pois é, eles vieram de lá juntos com meus avos, meus avos paternos, não é isso que você falou agora, aí vieram pra cá, aí aqui a minha mãe já estava aqui na, aqui numa comunidade chamada São José, aí aqui que o meu pai conheceu ela, entendeu, aí se conheceram.
P/1 – Mas os dois vieram por causa da castanha?
R – Sim, eles trabalhavam em castanha na época.
P/1 – A sua mãe também?
R – Também trabalhava na castanha também.
P/1 – O que ela fazia?
R – Ela carregava castanha, quebrava, o meu pai também fazia o mesmo procedimento da minha mãe, quebrava e carregava castanha.
P/1 – Onde eles se conheceram, você sabe como foi o encontro?
R – Olhe, eles se conheceram primeiro aqui, aí depois a minha mãe voltou de novo pra Breves, aí quando eles voltaram de novo, quando foi no outro ano, aí a minha mãe voltou pra cá, pro São José, aí eles se encontraram de novo.
É uma safra de castanha, todo ano tem safra, aí ela vinha, nesse ano que ela veio tirar castanha eles se amigaram já, ficaram logo junto.
P/1 – Ah, porque ela vinha na ocasião que tinha.
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R – Tinha a safra da castanha.
P/1 – A safra da castanha, quando acabava ela voltava.
R – Ela voltava de novo.
P/1 – E o seu pai voltava também ou ele ficava?
R – Não, o meu pai ficou logo direto aqui na comunidade, que ele morava na comunidade de Cachoeira, que é outra comunidade abaixo da comunidade de São José, onde o meu pai vive agora, vive a história dele, ele construiu família lá, construiu o empreendimento dele, uma roça, agricultura, castanhal, tudo foi lá.
P/1 – Mas eles se separaram, não?
R – Não, nunca separaram.
P/1 – Não, então daí eles casaram.
R – Casaram.
P/1 – Se juntaram.
R – Junto.
P/1 – E quanto tempo depois você nasceu?
R – Olha, eu, hoje eu estou com 26 anos, acho que é essa data que eles estão juntos.
P/1 – Porque logo que eles juntaram você nasceu?
R – Não, ô, quem dera, (risos) foi uma longa história ainda, antes disso aí eles, assim, eles se estabilizaram mais pra depois ter filho, depois.
P/1 – Se estabilizaram como?
R – É assim, condição financeira, essas coisas toda.
P/1 – Mas eles mudaram de atividade?
R – Não, continuaram ainda a mesma atividade como extrativista, como extrativismo, tirando castanha, mas só que, como na época a castanha tinha bastante, era bastante valoroso o preço da castanha, aí nessa situação eles começaram já a ter filho, tirando castanha.
P/1 – Mas o que, eles tiravam castanha, mas eles tinham terra que era deles?
R – Tinham terra que era deles mesmo, que era do meu avô.
P/1 – Mas eles já tinham antes?
R – Era, que era do meu avô, o pai do meu pai.
P/1 – A sua mãe trabalhava, a sua mãe também tinha terra?
R – Tinha terra também dela, que era da minha avó.
P/1 – Ah, quando eles vinham pra cá eles já vinham na terra deles?
R – Já vinha na terra deles já, tinham construído na época dos portugueses, que eles conseguiram essa terra aí quando eles vieram pra cá, aí depois que os meus avós.
P/1 – Quem comprou essas terras dos dois lados?
R – Olha, eu não sei lhe contar muito essa história, quem comprou, mas segundo comentário, o meu pai contava que os portugueses na época que deixaram essas terras aí, castanheiras, as castanheiras tudo, deixaram as castanheiras e foram embora, aí deixaram a terra abandonada, aí eles entraram como posse, como tomaram conta da própria área de castanha.
P/1 – Então seus dois avós fizeram isso?
R – Isso, meus dois avôs fizeram isso, aí eu tenho o castanhal hoje, é aonde eles moram lá na comunidade.
P/1 – Eles moram em qual castanhal, o que era do seu pai ou da sua mãe?
R – Do meu pai, o da minha mãe são outros pessoas que tiram castanha lá, a mamãe doou pra eles, não estão mais tirando castanha lá mais, é só meu pai que tira no castanhal mesmo que era do meu avô.
P/1 – É grande, qual que é o tamanho?
R – É grande, dá mil de fundo, o total dela aí, com 500 de, assim, de frente.
P/1 – Aí eles foram trabalhar lá, os dois?
R – Trabalhar hoje lá, hoje já estão.
P/1 – Não, mas na época que eles se juntaram.
R – Na época trabalhar lá, eles foram trabalhar lá, sempre trabalharam lá nessa área de castanha lá, além da castanha também trabalham com agricultura porque eles trabalham com mandioca, banana, entendeu, milho, essas coisas todas eles façam lá.
P/1 – Depois de quanto tempo você nasceu?
R – Aí depois, depois dessa data que eu nasci de 1986, dia 4, eu, aí eu cresci, aí foi entender um pouquinho.
P/1 – Mas quando tempo depois que eles chegaram aqui eles foram ter você?
R – Olha, faz acho que uns 20 anos já, uns 20 anos atrás aí já, entendeu, porque eu sou, eu não sou o mais criança, tenho um irmão mais velho do que eu ainda, entendeu, eu sou o antes dele.
P/1 – Quantos filhos ela teve?
R – São sete, sete filho com o meu pai.
P/1 – Você é qual nessa escadinha?
R – Eu sou o segundo.
P/1 – O segundo mais velho?
R – É, o segundo mais velho dos homens.
P/1 – Como é que era a casa de vocês?
R – Ah, a nossa casa sempre foi simples, só mesmo de madeira, coberta de, daquelas folhas de buçu, nossa casa, sempre a gente moramos, assim, com a cobertura feita de buçu, de madeira paxiúba em baixo, era só um cômodo mesmo, o quarto e a cozinha.
P/1 – Dormiam sete irmãos?
R – Sete irmãos.
P/1 – E o seu pai e sua mãe, tudo no mesmo quarto?
R – Tudo no mesmo quarto.
P/1 – Era grande?
R – Era grande porque tinha a sala onde a gente botava rede, sempre dormimos de rede, nosso jeito tradicional que a gente dorme sempre é de rede, nessa época não existia cama, era só na rede mesmo.
P/1 – Era já na comunidade de?
R – De São José.
P/1 – Quando você fala comunidade, por que comunidade?
R – Porque, assim, é uma comunidade, quando você fala de comunidade quando já vem mais pessoas morar, aí a gente cria, fala comunidade, tem mais de dez, dez a onze famílias morando já naquele mesmo território.
A gente já fala como comunidade, já é uma comunidade já bastante evoluída, já tem bastante gente que trabalha naquela área, é isso que a gente chama de comunidade.
P/1 – Como é que era, quem que morava lá?
R – Olha, na época que eu lembro que era o Menegide que morava nessa comunidade, logo o primeiro morador que chegou lá foi o Menegide, ele que morava lá na época.
Aí depois segundo foi o meu pai, entendeu, veio morar pra lá mesmo, aí de lá foi morando o pessoal, foi construindo, a própria família, os próprios filhos estavam, foram construindo família, essas coisas tudo, aí hoje é uma comunidade, hoje com 29 casas lá.
P/1 – Mas a terra, o castanhal é comum a todo mundo, não?
R – É todo mundo, todo mundo tem a sua área de castanha, tudo, não tem aquele conflito, dizer: “Não, isso aqui é meu”.
P/1 – Como é que é dividido, como cada um sabe qual é a parte de cada um?
R – Porque, nossos avós morreram, eles decidiram: “Olha, essa área aqui pertence”, pertence ao meu pai, Seu João Francisco, essa área aqui é dele, daqui pra lá já é do Francisco, é assim que eles dividiam essas área: “Olha, daqui já é seu, você vai trabalhar nessa área e você vai trabalhar nessa área”, sem entrar em conflito com o outro.
Desde essa época a gente sempre trabalhou, nunca houve conflito, assim, entre as outras pessoas, trabalhando lá, ninguém mexe no de ninguém.
P/1 – Como é que era na sua casa, quem que exercia a autoridade, o seu pai ou sua mãe?
R – Os dois sempre assim, o papai tinha a opinião dele, mas sempre ele dava opinião pra mamãe, dizia se realmente dava pra ele acatar aquela opinião, aí quando não dava ela dizia: “Não, não dá, isso aí vamos mudar o plano, vamos pro plano B”, sempre eles dois davam, trocavam opinião pra poder botar as ideias em dia.
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – Ah, uma brincadeira, sempre gostei de jogar bola, sempre fui fanático com a bola, aí brincar bola e jogar peteca, jogava bastante peteca na época, mas esses foram os dois esportes que eu mais gostei, foi bola e peteca mesmo.
P/1 – Você brincava com os seus irmãos, na comunidade tinha outras crianças?
R – Sim, só mesmo os meus irmãos mesmo, eu nunca fui o tipo de criança que nunca cheguei a estar me envolvendo muito com os outros amigo, sempre foi na minha mesmo, de conversar com os meus irmãos, só brincar só com eles mesmo, já foi evoluindo depois que eu cresci já, que aí veio tendo já amigo, mas não com brincadeira, essas coisas toda, veio conhecer depois já de profissional mesmo.
P/1 – Mas quando você era pequeno não tinha outras crianças na comunidade?
R – Tinha, mas eu não era, assim, nós ia estar convidando pra brincar, essas coisas, sempre a gente brincava mesmo só a gente mesmo, só nossos irmãos mesmo, aí nada mais.
P/1 – Essa comunidade fica aonde?
R – Fica acima da comunidade de Padaria, aqui próximo.
P/1 – Tem rio perto?
R – Tem, esse rio aqui, o Rio Jari.
P/1 – Você tomava banho de rio?
R – Tomava banho de rio, se não gostava tomar banho de rio, brincava de pira mãe, a gente brincava muito (risos).
P/1 – O que é pira mãe?
R – Pira mãe é uma brincadeira que tem de criança, um pega, por acaso, eu sou a mãe, aí eu corro atrás de você pra pegar a senhora, se eu pegar você aí você que é a mãe, essa que é a brincadeira (risos), é isso.
P/1 – Isso na água, no rio?
R – Na água, no rio, brincando.
P/1 – E os seus pais, sua mãe e seu pai, eles eram de contar histórias?
R – Ah, eles contavam muita história, história na época do José Júlio, contavam muita história.
P/1 – O que é José Júlio?
R – José Júlio foi o primeiro cara que chegou aqui no Jari, que mandava aqui na área na época antes dos portugueses, ele que mandava aqui nessa área toda aqui, essa área ele dizia que era dele.
É uma história bastante longa, na época do pau, o pessoal, dizendo ele que o Seu José Júlio trazia as pessoas pra vim tirar castanha, cortar seringa, aí maltratava os pessoal que ele trazia, não dava comida, era o pessoal que adoecia pra lá morria, essa história que ele contava desse rapaz, esse jovem aí que é o José Júlio, essa era a história que ele contava.
P/1 – Contava história da região?
R – Da região aqui, logo ele chegou ainda chegou a trabalhar com esse José Júlio, só que realmente ele não trabalhava, ele trabalhava pro meu avô, meu avô trabalhava pra ele, pra esse José Júlio, mas graças a Deus nunca aconteceu nada de mais com nenhum deles.
P/1 – Comemoravam-se festas nessa comunidade ou na sua casa?
R – Sim, mas só na comunidade, em casa, pra falar a verdade, nem o meu aniversário, nunca fez o meu aniversário, desde criança nunca fez, mas a gente tinha as brincadeiras da gente, às vezes dia das mães, dia das crianças, às vezes na escola, a gente ia pras outras comunidades, eu estudava em outra comunidade chamada Pradaria.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Foi com sete anos, aí eu ia pra lá, eu ia estudar, tinha a festa junina também que a gente brincava também, tinha a festa junina, festa das crianças, dia dos pais, dia das mães, todas essas festas a gente participava.
P/1 – Onde que era a sua escola?
R – Na comunidade Pradaria.
P/1 – Como que você ia pra lá?
R – A gente ia a remo, a gente saía era quatro e meia da madrugada pra chegar lá no horário certo, pra entrar sete e meia lá na escola, todo dia era essa pernada, todo dia, todo dia, até.
P/1 – Quem que ia?
R – Era eu mais meus dois irmãos e mais duas irmã que eu tinha.
P/1 – Vocês que iam remando?
R – Era nós que ia remando todo dia, toda madrugada a gente ia remar pra lá.
P/1 – Nunca aconteceu nenhum acidente?
R – Não, graças a Deus nunca aconteceu nada, a gente deu, nunca, quer dizer, eu não finalizei meu estudo lá, entendeu, mas os anos que eu estudei lá.
P/1 – Mas você já ia remando desde quantos anos?
R – Olha, remando, desde os sete anos até os meus 13 anos eu comecei a remar, entendeu, remar, até hoje eu ainda remo ainda (risos).
P/1 – Com sete anos você já ia remando pra escola?
R – Já, remando já pra escola.
P/1 – E quando chovia?
R – Ah, quando chovia era uma loucura, nosso material chegava no colégio todo molhado, às vezes a professora não deixava nós entrar porque nosso material estava todo molhado, mesmo assim não tinha outra opção.
O pessoal da própria comunidade ficavam com raiva da gente, que a gente chegava lá no colégio assim, mal ajeitado, com jeito de sono ainda, aí os caras não gostavam muito da gente quando a gente chegava na comunidade deles lá.
Nós era uma comunidade, assim, quase tipo isolada, o pessoal não dava muita atenção pra gente, a gente ia pra estudar mesmo por nossa própria vontade mesmo, mas o pessoal chamava a gente de urubu, que a gente era, só via, não sabia nada, essas coisas tudo, tudo isso o pessoal falava da gente.
Os professores mesmo ficavam chateados às vezes com a gente, eles que não gostavam do nosso estilo de vida, de vestir.
Mas é assim, a vida da gente sempre foi assim mesmo tranqüila.
P/1 – Por que, era diferente o jeito de vestir?
R – Eu creio que sim, eu não sei, a adaptação deles era melhor do que a gente, a convivência deles, já tinha uma estrutura melhor do que a gente, a nossa sempre foi assim, na classe média da gente, a gente sempre foi aquela pessoa mais baixa mesmo lá, entendeu, eu creio que era isso mesmo, que eles sentiam, acho que era isso.
P/1 – Você gostava de ir pra escola?
R – Ah, eu gostava, só não gostava muito quando era acordado toda hora às quatro e meia da madrugada pra ir pro colégio, cada vez a minha mãe acordava nós: “Vai, vamos pro colégio que está na hora de estudar”, aí, mas era, tinha que estudar, se não estudasse hoje não estaria finalizado o ensino médio.
P/1 – Você estudou até que série assim?
R – Lá eu estudei até a sétima lá, até a sétima, oitava eu estudei lá na Pradaria.
P/1 – A sua vida era ir pra escola e voltar pra casa?
R – Pra casa.
P/1 – Vocês ajudavam?
R – Ajudava, quando era no período quando não tinha aula a gente ia pra roça com o meu pai, com a minha mãe, a gente ia pro castanhal tirar castanha, aí quando chegava no período escolar a gente não trabalhava, só no período que não tinha aula ou então quando era feriado, aí a gente ia pro trabalho, sempre assim.
P/1 – Você fazia o quê?
R – Ah, eu carregava castanha, quebrava, arrancava mandioca, tirava milho, banana, entendeu, sempre isso a gente fazia.
P/1 – Tem uma história marcante, assim, de você tirando castanha?
R – Tem, tem sim, teve um ano que eu saldei bastante dinheiro nessa época, o primeiro dinheiro que eu peguei, o dinheiro voltava na época, aqui em 2000 e, foi 2001, o dinheiro que eu saldei bastante, foi cem reais que eu saldei na época, pra mim eu não entendia o que era dinheiro, pra mim era o maior dinheiro que eu podia pegar na minha vida, na história.
Eu fiquei muito feliz.
P/1 – O seu pai dava dinheiro pra vocês?
R – Dava, ele dava dinheiro pra gente, às vezes ele dava cem, 50, às vezes 40, 30 reais, a gente ficava feliz.
P/1 – Por mês?
R – Por mês, a gente ficava feliz com aquilo, que era lá onde a gente sobrevivia.
P/1 – Você gastava como?
R – A gente gastava com roupa, às vezes sapato, sandália, às vezes, assim, na escola a gente ia lanchar alguma coisa, era isso, a gente gastava com isso.
P/1 – E aí depois que você acabou o ginásio?
R – Quer dizer, eu não finalizei meu ensino fundamental na comunidade de Pradaria, aí meus 14 anos, 2004, eu eu saí de casa, fui pra comunidade de Iratapuru, onde eu moro agora.
P/1 – Você foi, por que você mudou pra Iratapuru?
R – Porque, assim, eu me sentia, assim.
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não era questão de dizer assim: “Não, a vida”, estar com meus pais é bom, mas a situação financeira ficou meio difícil pra lá.
Às vezes a gente não conseguia vender nossa produção toda, aí ficava em casa, não tinha aonde vender, às vezes a gente passava necessidade, comida, essas coisas tudo, aí eu resolvi sair de casa, eu parei meus estudos.
P/1 – Vocês passavam necessidade?
R – Passamos, passamos necessidade, chegamos a passar necessidade, às vezes, tinha vezes, às vezes a gente almoçava e não jantava, às vezes a gente jantava, mas a gente não almoçava, não tinha café, não tinha açúcar pra tomar café, não tinha nada.
Ás vezes nós ia pro colégio sem nada, tomar café, sem almoçar, sem nada, mas a gente sobreviveu assim mesmo.
Aí aos 14 anos, em 2004 eu fui embora pra comunidade de Cachoeira, de Iratapuru, aí fui pra lá trabalhar em castanha.
P/1 – Por que você escolheu Iratapuru, o que tinha lá?
R – Porque, assim, eu via muita história, o pessoal falando, que tinha muita história bonita de Iratapuru, que lá era uma fábrica de biscoito de castanha, aí eu pensei: “Vou pra lá, quem sabe não consigo trabalhar lá, realizar mais um recurso, que sabe poder ajudar meus pais no futuro”, aí em 2004, aí eu fui pra lá, só que primeiro.
P/1 – Você estava com quantos anos?
R – Eu estava com 14 anos nessa época, aí eu foi pra lá, aí eu cheguei lá em 2004, o primeiro ano que eu foi trabalhar trabalhei em castanha mesmo, não deu pra mim trabalhar na fábrica, aí eu passei 2004.
P/1 – Você morava aonde?
R – Eu morava na casa de um pessoal lá, dos donos das castanheiras que ia lá, do castanhal que ia lá, chamado era Gordinho, eu morava lá, o primeiro ano que eu morei foi lá.
P/1 – Como é que você conseguiu ir morar lá, como é que foi?
R – Ah, foi, o pessoal, como tinha uma semana a catequese, do ano 2004, aí o pessoal vieram na comunidade, aí além da semana da catequese que tinha, da religião que a gente pratica.
P/1 – Que religião que é?
R – A católica, aí veio o rapaz de lá perguntando se alguém não queria tirar castanha da comunidade de São José, aí eu falei assim: “Mamãe, eu vou me embora tirar castanha lá pra comunidade de Iratapuru”, ela perguntou: “Que tu vai fazer lá? Lá tu não conhece ninguém lá”, eu disse: “Ah, eu vou lá, quem sabe eu não conheça, não conheço a história, mas quem sabe lá eu não viabilizo mais recursos pra ajudar a senhora e o papai aí”, ela falou assim: “Não, não vai, não, tu vai terminar teus estudos”, aí ela falou assim: “Não, tu não vai, tu vai ter que ficar, terminar teus estudos”, eu falei assim: “Não, mãe, eu vou lá, aí termino, tiro a castanha lá e volto”.
Aí eu fui embora, ela deixou: “Está bom, então tu vai então, mas no próximo ano tem que estudar de novo”.
Eu fui pra lá, cheguei lá em 2004, final de 2004, no começo da safra da castanha, subi pra castanha lá, eu comecei a trabalhar lá, aí trabalhei 2004, 2005 e 2006 lá em castanha.
P/1 – Você visitava seus pais, como é que era?
R – Eu vinha lá toda vez, todo final do ano eu vinha visitar meus pais.
P/1 – Qual que era a distância de uma comunidade pra outra?
R – Olhe, da comunidade Iratapuru lá a São José dá duas horas e meia de voadeira.
P/1 – Durante o ano você só via eles uma vez?
R – Uma vez, era.
P/1 – Uma vez no ano?
R – Uma vez no ano.
P/1 – Você se correspondia como com eles?
R – Era só mesmo quando eu vinha mesmo na comunidade, não tinha outro meio de comunicação lá.
P/1 – Vocês mandavam carta?
R – Não, não tinha, porque não tem carteiro lá, (risos) às vezes algum recado quando alguém conhecido ia na comunidade, a gente mandava recado: “Diz lá pra mamãe que a gente está tudo bem, está tranquilo, pra ela não se preocupar.
P/1 – Foi mais algum irmão teu ou só você?
R – Foi, foi meu irmão, meu primeiro, o meu irmão foi pra lá em 2000.
P/1 – O mais velho?
R – O mais velho foi pra lá em 2000.
P/1 – Ele já estava lá?
R – Já estava lá, entendeu, já.
P/1 – Aí você morava com ele?
R – Não, eu não morava com ele, ele morava numa casa e eu morava na outra.
P/1 – Mas vocês se encontravam?
R – Se encontrava, a gente conversava, batia um papo lá, eu fui mais pelo interveio também dele também, que ele já morava lá e aí já tinha uma historiazinha já, já contava uma história de lá, um pouquinho de lá da comunidade.
P/1 – Na casa de quem você ficou?
R – Eu fiquei na casa do Gordinho, um rapaz lá que é um rapaz já há bastante tempo que mora lá já, aí lá eu fiquei, passei dois anos lá.
P/1 – Na casa do Gordinho?
R – Do Gordinho, tirando castanha.
P/1 – O Gordinho também tirava castanha?
R – Tirava castanha, ele é dono do castanhal lá, eu foi pra lá, tirei castanha dois anos.
P/1 – Onde que era o lugar que você dormia, como é que era?
R – Ah, era dentro do quarto lá, era tranquilo já, a primeira vez que eu dormi numa cama foi lá, já era mais tranquilo lá, entendei, era uma caminha de solteiro mesmo, mas dava pra dormir lá, foi legal.
P/1 – Você começou a ganhar dinheiro?
R – Aí eu comecei a ganhar dinheiro, primeiro ano que eu foi, aí eu primeiro ganhei 600 reais nessa época, primeiro ano, 2004, ganhei 600 reais.
P/1 – O ano inteiro?
R – O ano todo, ganhei 600 reais, eu, porque na época da safra lá também o pessoal pagava meio muito barato a castanha, lá era 15 reais o hectolitro da castanha, e era muito pouco, a produção que a gente tirava às vezes 30, 40 hectolitro, do preço que eles pagavam lá era muito baixo pra gente.
Ás vezes não dava, quando a gente não tinha saldo a gente ficava devendo pro patrão, mas esse ano, o único ano que eu tirei mais dinheiro foi esse ano, 2004.
P/1 – O que é hectolitro?
R – Hectolitro são cinco latas de castanha, balde de 18 litros de manteiga, de Margarete.
P/1 – Você ganhava quanto por ele?
R – Eu ganhava às vezes, quando eu, às vezes na safra quando dava muita castanha e o preço tava bom, eu ganhava às vezes cem, 200 reais.
P/1 – O hectolitro?
R – O hectolitro, aí foi melhorando a situação de vida.
P/1 – Quando você ganhou 600 reais o que você fez?
R – Ah, (risos) foi muita coisa, eu comprei roupa pra mim, entendeu, comprei uma mochila, uma mala pra mim já, já foi me articulando mais, de, meu perfil, de cortar meu cabelo, essas coisas toda, no salão, já comprar mais coisa mais adequada pra mim mesmo, pro meu uso do dia a dia.
P/1 – Chegou a dar dinheiro pra sua mãe?
R – Ainda cheguei ainda a dar ainda a dar, eu dava 200 reais pra ela ainda, do dinheiro que eu arrecadava lá na castanha.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá?
R – Olha, eu, a maioria da minha história, assim, desde 14 anos foi no Iratapuru, lá em 2006.
P/1 – Aí você ficou três anos.
R – Três anos tirando castanha.
P/1 – Extraindo castanha.
R – É, 2004, 2005 e 2006, aí em 2007, aí eu não fui mais pra castanha mais, aí eu consegui um emprego na fábrica lá, de biscoito de castanha.
P/1 – Como é que você conseguiu esse emprego?
R – Ah, o pessoal estava precisando de gente pra trabalhar, como na época do inverno não tem ninguém pra trabalhar na fábrica, que o pessoal sobe tudo pra castanha, aí fica ninguém pra trabalhar na fábrica, eles estavam contratando gente pra trabalhar na fábrica lá.
Aí, como o rapaz lá, o nome dele é Sabá, ele era gerente da fábrica nessa época, hoje ainda é ainda, aí ia subir pro castanhal, não tinha ninguém ficar na vaga dele, aí ele perguntou pra mim se eu não queria, se eu sabia, tinha uma noção de como administrar uma empresa assim, gerenciar uma empresa assim, bem evoluída, como é hoje a empresa que eu trabalho hoje, perguntou se eu dava conta, eu disse: “Rapaz, posso tentar”.
P/1 – Mas do castanhal ele queria que você já gerenciasse?
R – Isso.
P/1 – Mas por que ele te escolheu, você tinha alguma coisa?
R – Olha, eu não sei, não sei nem explicar qual foi o motivo porque, assim, eu já conhecia um pouquinho ele, assim, eu gostava de conversar com ele, traçar ideia, tudo.
E eu era esforçado no serviço mesmo, eu sempre gostei, foi esforçado, acho que por causa disso, e me sentiu assim: “Acho que é bom, eu vou confiar nesse rapaz, até eu voltar do castanhal eu vou deixar a gerência da fábrica com ele”, foi pouco tempo, foi só três meses mesmo, mas valeu a pena, 2007 foi o ano que eu fiquei na fábrica de gerente.
P/1 – Mas logo de cara você já foi trabalhar como gerente?
R – Logo de cara não foi chegando logo, pegando as coisas, não, ele primeiro deu treinamento pra mim tudinho, como é que era.
P/1 – Você teve treinamento do quê?
R – Ah, de notações, notações de produção do pessoal, de quebragem, do óleo, de diária do pessoal, tudo isso aí eu anotava pro pessoal.
Aí desde lá eu já não foi muito, 2008 já não foi mais pra castanha, já fiquei direto trabalhando na fábrica já, quando ele voltou eu já comecei a trabalhar já no óleo da castanha, tirando óleo de castanha, que era um valor já, um valor de 30 reais a diária.
P/1 – Você tirava óleo de castanha?
R – Óleo de castanha.
P/1 – Como que tira óleo de castanha?
R – Ah, primeiro é secado, aí depois de secado ele é quebrado, a castanha, amêndoa, aí depois ele é triturado, depois de triturado ele é prensado numa prensa hidráulica que a gente tem lá na comunidade, aí de lá sai o óleo de castanha.
P/1 – Pra que serve o óleo?
R – Ah, ele serve pra várias coisas, ele serve pra cosmético, serve pra óleo de mesa, pra salada, pra várias coisas ele serve.
P/1 – Óleo cosmético é bom pra quê?
R – Pra perfume, xampu, creme, entendeu, que hoje o produto, a maioria dos produtos que vem, que a Natura vende é da comunidade de Iratapuru, a maioria de lá vem de lá da comunidade.
P/1 – Que é esse óleo de amêndoa que tem na fundação?
R – Isso, é o óleo de amêndoa, de amêndoa, é da comunidade Iratapuru.
P/1 – Bom, aí você começou a trabalhar na extração do óleo.
R – Foi.
P/1 – E aí?
R – Aí eu, aí mesmo assim, como meu estudo era pouco, aí eu voltei a estudar em 2008, aí eu voltei a estudar, eu fiz a oitava, o oitava e a, a sétima e a oitava, junto, aí lá que eu finalizei meu estudo, meu ensino fundamental, eu vim pra cidade estudar.
P/1 – Aonde, em Iratapuru mesmo?
R – Em Iratapuru mesmo, aí de lá eu finalizei meus estudos, eu vim pra Laranjal estudar, aí aqui eu estudei três anos e meio, aí finalizei meu ensino médio, aí depois fiz mais um curso.
P/1 – Mas você mudou pra Laranjal?
R – Mudei pra Laranjal.
P/1 – Saiu de Iratapuru?
R – Saí de Iratapuru.
P/1 – Você parou de trabalhar com castanha?
R – Parei de trabalhar de castanha e vim pra cá pra Laranjal estudar, fazer meu ensino médio, passei três anos.
P/1 – Mas você vivia do quê?
R – Aqui eu vivia de um programa do governo do estado, que era o programa Projovem, acho que no mundo todo acho que o pessoal reconheceu esse programa, o governo do estado, era uma bolsa, o cara recebia 120 reais e era um curso que o governo também oferecia pra várias áreas de manutenção de microcomputador, alimentação, mineração, essas coisa tudo.
Aí eu fiz esse curso de manutenção de microcomputador, eu fiz um ano e seis meses de curso técnico nesse período da escola, aí eu fazer o curso.
P/1 – Você morava aonde em Laranjal?
R – Eu morava na casa de um amigo meu aí, aqui em Laranjal, eu morava aí, só que, assim, a história é meio complicada também porque eu passei fome aqui.
O recurso que eu trouxe de lá foi pouco, não deu pra me manter meus três anos aqui em Laranjal, aí eu passava fome, eu passei três dias com fome aqui em Laranjal, não tinha da onde tirar.
Aí pra procurar emprego o pessoal não dá, era difícil de encontrar emprego aqui, sempre foi difícil aqui em Laranjal já de cara encontrar um emprego.
Isso eu me queixo muito do município aqui, que eu nunca, assim, deram valor quem vem do interior pra dar emprego pras pessoas.
Aí eu procurava emprego nessas lojas, mercado, na própria Jari mesmo, eu procurei emprego, mesmo do mato, roçar mesmo, mas eu não consegui, nunca consegui emprego pra trabalhar assim de carteira assinada, em 2008 mesmo.
P/1 – Aí você ganhava só esse dinheiro da bolsa?
R – Ganhava.
P/1 – Cento e 20, mas você não conseguia se manter.
R – Cento e vinte reais, aí eu consegui me manter mesmo, eu comprava meus materiais de escola, essas coisa tudo, pra falar a verdade a roupa que eu tinha, que eu vestia mesmo uns dois anos atrás, eu vestia essa roupa que eu tenho mesmo.
Meus estudos tudo não tinha onde manter, o dinheiro não dava, era pouco.
Aí já veio me estabilizar mais foi de 2009 pra 2010, que essa empresa que eu trabalho, me contratou pra fazer alguns trabalhos diários, como fazer um levantamento de custo no banco, no mercado, essas coisas.
P/1 – Que empresa?
R – A Comaru.
P/1 – O que significa Comaru?
R – É Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru, que é a cooperativa de lá.
P/1 – Quem te convidou pra trabalhar lá?
R – Foi a Dona Elisabete mais a Baby, que era a antiga diretoria na época, elas que me contrataram pra mim trabalhar.
P/1 – Aí você voltou pro Iratapuru?
R – Voltei em 2010, quando eu terminei meus estudos aqui em Laranjal eu voltei.
P/1 – Mas você voltou porque tinha esse emprego, porque te chamaram?
R – Já me chamaram, a primeira proposta que me deram pra mim trabalhar como administrativo na época, na empresa, que não tinha ninguém pra administrar a empresa na parte de documentação, organização de projetos, essas coisa tudo, aí eles me contrataram pra mim trabalhar na empresa, lá em 2010.
P/1 – O que fazia a empresa?
R – É essa mesma empresa que eu falei que eu fiquei como gerente, eu trabalhei com óleo de castanha.
P/1 – Mas é uma cooperativa?
R – É uma cooperativa.
P/1 – Óleo de castanha.
R – Óleo de castanha, no momento estou trabalhando com óleo de castanha, breu branco e a torta de castanha.
P/1 – O que é breu branco?
R – Breu branco é uma fruta que vem no mato, que a resina é onde a Natura faz o perfume do breu, que é bastante valioso esse perfume.
P/1 – E a torta?
R – A torta, ela serve como alimento escolar, foi feita em laboratório uma análise, aí de lá foi resolvido pra fazer merenda escolar, pra mingau, pra fazer componente como mingau de arroz, farinha de aveia, milho, essas coisa tudo.
P/1 – E aí em 2010 você entrou como administrativo?
R – Administrativo.
P/1 – Ficou quanto tempo?
R – Fiquei 2010, 2011 e 2012, eu fiquei.
P/1 – Quem que eram os principais clientes da cooperativa?
R – Os clientes sempre foram a Natura, no momento sempre foi a Natura, a Natura foi uma das pessoas que hoje ajudou bastante a cooperativa hoje e a comunidade, onde foi o principal cliente que hoje a gente atua no mercado é ela hoje.
P/1 – Eles ajudavam como a comunidade?
R – Assim, nos projetos, no desenvolvimento social da comunidade, em construção de barracões pra armazenamento de castanha, hoje tem uma torre, uma torre pra celular na comunidade, hoje tem um centro comunitário.
Hoje em dia aqui temos o nosso escritório dentro da comunidade mesmo, tem o nosso computador agora, tem tudo, material de escritório nós temos tudo.
Aí ampliamos nossa fábrica mais, botamos mais equipamentos, mais gente pra trabalhar agora, tudo isso, foi melhorando a vida do pessoal lá no dia a dia, entendeu, com a empresa Natura.
P/1 – Qual que era o faturamento quando você entrou da cooperativa?
R – Ah, já foi aumentando, já eu ganhava um salário, aí dessa.
P/1 – Você ganhava um salário?
R – Um salário mínimo.
P/1 – Mas a cooperativa faturava quanto por mês ou por ano?
R – Olha, cada entrega, às vezes a gente faturava 200 e pouco mil, cento e poucos mil.
P/1 – Cento e poucos mil por ano?
R – Por ano, que a gente dava pra fazer manutenção da fábrica, ao mesmo tempo pagar os cooperados que trabalhavam na fábrica, na produção, tudo, e dava pra fazer o adiantamento pro pessoal ir lá na floresta coletar a castanha e trazer pra fábrica também.
P/1 – Pra Natura vocês vendiam o breu branco.
R – O breu branco.
P/1 – E o óleo de amêndoa.
R – E o óleo de castanha.
P/1 – Óleo de castanha.
R – Óleo de castanha, sempre a gente vendeu pra Natura.
P/1 – E aí você ficou três anos?
R – Três anos com administração, na parte administrativa da empresa, aí essa ano agora, dia 20 de fevereiro de 2013 eu fiquei como presidente da atual cooperativa agora que eu trabalho.
P/1 – Como é que de auxiliar administrativo você passou pra presidente, como é que foi isso?
R – Pra presidente foi uma inovação.
P/1 – Pode contar.
R – Foi uma inovação imensa, porque assim, quando as meninas me contrataram pra trabalhar, aí como já tava com quatro anos de trabalhos, de cada presidente, tesoureiro, essas coisa tudo, aí ela falou assim: “Olha, já vai finalizar meu contrato já com a empresa, a gente vamos precisar de alguém pra administrar essa empresa agora, como você já conhece já um pouquinho da história da vida da cooperativa, nós estamos colocando essa proposta pra ti, pra ti vir como presidente hoje, administrar essa empresa hoje e dar continuidade nesse projeto e ajudar a comunidade no que for necessidade, necessitada”.
Aí eu fiquei imaginando, mas antes disso eu recebi uma proposta do governo do estado pra administrar a RDS Iratapuru, que é onde nós, normalmente a gente não mora dentro da RDS Iratapuru, a gente mora em torno.
P/1 – O que é RDS?
R – RDS é uma reserva de desenvolvimento sustentável do Iratapuru, uma reserva de desenvolvimento de uso sustentável, onde o pessoal, ao mesmo tempo eles coletam a produção lá, de uso sustentável, não machucando a natureza.
Ela é uma reserva lá, aí recebi uma proposta do governo pra mim trabalhar, pra mim ser chefe da unidade lá.
P/1 – O que era melhor pra você?
R – Aí eu fiquei em dúvida entre as duas propostas, da Comaru, da empresa, que a menina já tinha feito antes, e da reserva, aí como eu vi, como assim, é sofrido, o cara, a pessoa ir pra cidade estudar e chegar dentro da comunidade e mostrar seu serviço, seu trabalho.
Eu acho isso muito importante na minha vida, que eu foi lá pra comunidade, trabalhei, fiquei, estudei lá, finalizei meu ensino médio, aí voltei de novo lá, aí eu tinha que dar o meu melhor pra mim, pro pessoal da comunidade, pra saber que eu foi pra lá pra ajudar o pessoal e administrar a própria empresa que hoje eu trabalho.
Aí eu fiquei imaginando, falei assim: “Não, eu vou preferir mesmo a presidência da cooperativa, que é onde a gente vive, onde a gente tira o nosso produto, onde a gente vende, onde nós consome tudo nosso produto da floresta e é lá que eu vou ficar”.
Eu falei que não ia querer ficar com o governo do estado, ia ficar como presidente da cooperativa mesmo, aí hoje eu fiquei como presidente da cooperativa.
P/1 – Quanto que era o salário de uma e de outra?
R – Olha, era, eu sei que o do estado era maior, acho que era.
P/1 – Era quanto?
R – Era maior, que era dois mil e 500 reais, mas mesmo assim eu não gostei, eu não quis porque, assim, é mudança, governo é complicado, num ano você pode está numa secretaria, no outro ano você não pode estar, e lá não, são quatro anos, mas se eu fizer um bom trabalho dentro da própria empresa eu posso retomar minha posse de novo, mais quatro anos de novo, que é isso que eu estou querendo.
P/1 – Qual que é o salário lá?
R – Lá o salário é um salário de mil e 600 reais, é mais um salário baixo, do que o governo ofereceu, mas é aonde eu moro, aonde eu sobrevivo era de lá.
P/1 – Você mora lá?
R – Eu moro lá.
P/1 – Onde que é a tua casa, você mora com quem?
R – Eu, no momento eu não tenho casa definitiva, estou querendo construir uma agora, eu moro no alojamento da empresa, já está um ano que eu vou morar lá na comunidade diretamente agora.
P/1 – Como que é o alojamento?
R – É bacana, tranquilo, não tem ar condicionado, mas tem ventilador, essas coisas tudo.
P/1 – Tem um quarto?
R – Tem quarto, tem cozinha, tem sala, tem tudo lá.
P/1 – Quem são as outras pessoas que moram com você?
R – É só eu mesmo e a esposa.
P/1 – Você casou?
R – Casei em 2012, eu casei.
P/1 – Como é que você conheceu sua esposa?
R – Ah, minha esposa eu conheci num evento, fui participar pela Fundação Orsa, no chamado Festival da Castanha numa comunidade chamada Cafezal, aí eu foi pra lá, aí nessa festa eu conheci essa moça lá, a minha esposa.
Nesse outro ano ela veio pra Laranjal, ela veio pra Laranjal, a gente se amiguemo, em 2012 mesmo se amiguemo.
Aí, como já tava com as malas, com as malas arrumadas pra ir pra Iratapuru, aí eu convidei se ela não quisesse morar comigo, aí ela falou assim: “Ah, não sei, eu vou falar com meus pais, aí eu vou contigo”, aí a gente fomos, aí eu pedi pros pais dela, a gente, os pais dela deixaram, a gente fomos, aí até hoje estamos vivendo junto aí.
P/1 – Não tem filho?
R – O primeiro agora.
P/1 – Nasceu agora?
R – Vai nascer agora em setembro o primeiro filho (risos).
P/1 – Você mantém contato com os seus pais?
R – Sempre, agora eu fico diretamente agora lá com eles agora, como agora, como eu lhe falei, eu estudei, e hoje eu quero dar o melhor pros meus pais, quero dar, me aproximar mais, explicar hoje que hoje mudou tudo, o tempo modernizou bastante, hoje você tem uma usina hoje criada próxima da comunidade deles hoje, hoje eles estão sendo afetados.
Hoje estão diretamente fiscalizando agora na parte de invasão, o pessoal pode, a questão de invasão lá, pode esvaziar a área deles, hoje eu posso dar uma tendência hoje de como explicar hoje pra eles, de como que pode entrar em processo, processar a empresa, qualquer coisa.
P/1 – Mas teve invasão na área?
R – No momento não, mas está querendo ter no momento lá, eu estou articulando junto com o pessoal do Imap, pra impedir a situação.
P/1 – O que é Imap?
R – Imap é o Instituto de Pesquisa, mais ou menos, não sei mais ou menos, só que trabalha com posse de terra, de autorização de terra, essas coisas tudo.
Aí estou lutando pra conseguir esse título de terra dele, que desde do ano do meu avô ele não conseguiu tirar título de terra, que na época era Terrap, foram lá na sítio dele fazer a delimitação da área toda, mas nunca deram o título de terra pra ele.
E agora entrei com um documento solicitando já esse título de terra pra ele, comprovando como a terra é dele realmente, onde ele atua desde a adolescência dele lá.
P/1 – Qual que é a relação da Fundação Jari com a Comaru?
R – A relação da Fundação com a Comaru é boa, sempre tivemos parceria bastante confortável com a Fundação, principalmente os projetos mesmo, as capacitações, sempre a Fundação foi na comunidade dar capacitação pro jovem, não só pro jovem como os adultso também, na parte de manejo de castanha, manejo de produção, essas coisa tudo, cadeia produtiva, volumes, preço, essas coisas, sempre deram orientação pra gente sobre essa questão.
Hoje a Fundação é uma empresa hoje que ajuda bastante a comunidade, não só a comunidade como a própria Comaru também.
Hoje nós temos um projeto junto com a parceria com a Fundação Jari, que por entremeio deles a gente conseguiu não só a Fundação também como outras empresa, que foi a Fundo Banco do Brasil, que é um projeto, essa fundo que a gente conseguiu mas foi com a parceria com a Fundação Orsa, hoje a gente vê mais dependendo da Fundação Orsa, que foi que nos ajudou a articular esse projeto, entendeu, a nossa relação é boa.
P/1 – Qual que é o faturamento na Comaru por ano agora?
R – Olha, esse ano a gente deu uma quebra, porque esse ano a gente não tivemos produção, a fábrica no momento ela está passando por um processo de regularização da própria empresa, do Imap, e tem que ter autorização do bombeiro, da vigilância sanitária, aí do alvará de funcionamento da prefeitura, pra poder funcionar a empresa.
E também nós estamos precisando de manutenção da própria empresa mesmo, de comprar mais equipamento pra beneficiar o óleo de castanha, que o nosso equipamento que a gente tem lá a gente estava tendo prejuízo, aí a gente não tava, não tava rendendo muito no ano todo, nós tava quebrando muito a produção, o que aconteceu? Como a gente foi solicitar nesse projeto Fundo do Banco do Brasil, aí desse projeto a gente solicitou equipamento pra usar na fábrica agora, esse ano 2013.
A gente tem o faturamento só do ano 2012, que foi o valor de 204 mil reais, o faturamento da safra de 2012, desse ano a gente não tem porque a gente não.
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P/1 – Esse dinheiro é pra dividir entre quantas pessoas?
R – A gente não faz divisão, porque, assim, no seguinte, na cooperação mesmo, como cooperativa, a gente tinha que dividir entre os cooperados, mas sempre a gente chega num senso, assim, de não dividir e mesmo tempo ajudar, assim, de forma, assim, de projetos pra melhoria da comunidade, melhorar a parte de comunicação, transporte, como é que se diz? A saúde, sempre fizemos pra melhoria dessa forma.
P/1 – Mas e dinheiro em espécie?
R – A gente tem dinheiro deles em espécie, que é o contrato que ele fecha com a cooperativa, que ele recebe o valor x, por acaso, de 150 hectolitro ele vai, às vezes, por acaso, no preço que está hoje ele vai ter uma faixa de dez mil reais, o saldo dele livre, entendeu, de dez meses, esse é o lucro dele.
P/1 – No ano?
R – Isso, no ano, esse é o lucro dele, mas mesmo assim, desse lucro que ele tem, ele tem o trabalho dele na fábrica, ele mesmo ele vai receber o pagamento dele pelo trabalho que ele vai fazer lá na fábrica lá, quebrar castanha, tirar óleo, catar castanha, tudo isso já é um lucro pra ele que ele ganha, é isso que a gente faz dentro da cooperativa hoje.
P/1 – Da época que você começou a trabalhar na Comaru como auxiliar administrativo a hoje como presidente quais foram as principais mudanças que você acha que teve?
R – Ah, mudou bastante coisa, porque na época, principalmente na parte de escritório, que a gente tinha, o nosso documento era só jogado em cima da mesa mesmo, hoje a gente tem nossos arquivos próprio mesmo, nosso arquivo confidencial a gente tem no computador, nós salva em qualquer canto, em HD, faz backup de todos os documentos que a gente tem hoje.
Hoje mudou muita coisa, não só na vida da empresa como na vida dos próprios cooperados.
Teve uma mudança bastante grande, teve ano que a gente, 2012, que a gente teve, fechamos um contrato com a Natura bastante alto, que foi de oito toneladas de castanha, aí isso mudou bastante a nossa vida lá na comunidade lá, que foi bastante dinheiro que caiu na conta da empresa, pra administrar a empresa e os próprios cooperados também.
P/1 – Quantas pessoas são ligadas hoje a Comaru?
R – Hoje nós somos 48 sócios hoje, mas nós somos 58 famílias que mora dentro da comunidade, onde o total a gente tem uma, 2010 tinha 209 eleitores, hoje está na faixa de umas 300 e poucas pessoas hoje que mora dentro da comunidade, tem bastante gente.
P/1 – Olhando a sua trajetória, as coisas que você me contou, deve ter várias coisas, tem algum fato que você acha marcante a gente deixar registrado, algum causo que tenha acontecido?
R – Tem, tem sim, não é um caso de alegria, mas foi um caso de tristeza no momento da nossa fábrica, na época nós trabalhava, antes, 2003 a nossa fábrica pegou fogo, a fábrica onde eu trabalho, que ela era na época de biscoito, aí foi pegou fogo.
Aí isso foi marcante na nossa vida, que da onde nós sobrevivia era daquilo lá, onde nós tinha o nosso recurso próprio mesmo, onde vendia pro estado, essas coisas, a própria Natura, aí foi pegado fogo, esse sonho foi apagado da nossa vida, só recorda a lembrança.
P/1 – Não a Comaru pegou fogo?
R – Foi pegado fogo ela.
P/1 – A Comaru pegou fogo quando?
R – Foi em 2003, entendeu, 2003 foi pegado fogo ela.
P/1 – Dois mil e três?
R – Foi.
P/1 – Há dez anos atrás?
R – Dez anos atrás ela pegou fogo.
P/1 – Na época que você tava trabalhando pra ele?
R – Foi, foi pegado fogo, aí depois em 2004.
P/1 – Não, você não trabalhava ainda, trabalhava?
R – Não, não trabalhava, eu, foi lá mesmo só como visitante mesmo, mas não trabalhava diretamente na fábrica.
P/1 – Mas você foi afetado?
R – Foi afetado com certeza, onde o pessoal tirava o seu recurso de lá, aí depois, 2004, que ela foi reconstruída, que ela virou agora, era fábrica de biscoito, virou agora fábrica de óleo de castanha, foi no ano que eu trabalhei, em 2004, lá.
P/1 – Mas eu não entendi, mas ela é, pertence à Comaru?
R – Pertence, é a fábrica, é a fábrica é a mesma, a Comaru, é a mesma.
P/1 – Aí em 2004 ela foi reconstruída.
R – Reconstruída de novo.
P/1 – Com o dinheiro da própria Natura?
R – Da própria Natura, recurso da própria Natura mesmo pra reconstruir ela de novo, reformou ela de novo, que voltou a vender óleo de castanha, aí isso aí marcou muito a gente, o pessoal até hoje se sentem ainda triste porque a única fábrica que nós tinha, muito linda a nossa fábrica que nós tinha, hoje só temos a história dela mesmo, aí a gente nunca, até hoje nunca conseguimos voltar ao que era antes.
P/1 – Mas ela funciona?
R – É, funciona, mas não como biscoito, a gente produzia biscoito e hoje a gente produz só o óleo, aí hoje a única ideia que a gente tem pro futuro é construir ela pra biscoito, ao mesmo tempo pra óleo, ao mesmo tempo, já fazer uma inovação.
P/1 – Hoje é pra óleo, breu branco.
R – Breu branco, isso.
P/1 – E a torta.
R – E a torta, a gente quer construir pra biscoito, ao mesmo tempo óleo de castanha, pra futuramente, quem sabe pra 2014 a gente não viabiliza isso aí, a gente tem mais um projeto bom pra 2014 já pra quem sabe futuramente, com parceria com o governo do estado, pra gente.
P/1 – Esse é um sonho seu?
R – Claro, esse é o sonho, eu estou torcendo pra que se realize o quanto antes isso aí.
P/1 – Você tem outros sonhos?
R – Tenho, claro, tenho sonho sim, tenho sonho de um dia, eu poder dar o melhor pros meus pais, ter a minha própria casa, dar uma casa própria pra eles no futuro, que eu sei que ainda não é o suficiente do que eu estou fazendo por eles e eu sei que ainda não fiz nem a metade do que eles fizeram por mim, que me criaram, até uma certa parte me criaram, me deram os conselhos pra mim e hoje eu agradeço muito, hoje eu quero, antes de eu morrer eu quero dar um reencontro pra eles sobre isso ainda, mas eu vou voltar pra conseguir, dar uma melhora, dar um futuro pra eles melhor com certeza.
P/1 – O que você achou de dar seu depoimento pro Museu da Pessoa, contar sua história?
R – Olha, eu achei muito bom porque a primeira vez que eu vejo, assim, vindo uma pessoa, assim, de longe, de uma empresa de lá de São Paulo, vem catar uma história da gente que mora aqui no Amapá, eu sei que é um pouquinho da Amazônia, que a gente conhece um pouquinho da Amazônia, nem todo mundo conhece um pouquinho da Amazônia, mas isso é muito gratificante pra mim, eu me sinto muito feliz de estar dando esse depoimento pra vocês e quem sabe futuramente, quando vocês puderem um dia me entrevistar de novo eu não venha com outra história pra vocês de novo, mais bonita do que essa ainda (risos).
P/1 – Obrigada, lindo o seu depoimento.
R – Obrigado mesmo, eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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