Entrevista de José das Graças Caetano
Entrevistado por Cátia Silva e Vanessa Aparecida Isaias
Mariana, 09 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
MRD_HV014
0:23
P1 - Bom dia seu Zezinho! Obrigada por ter aceitado o nosso convite.
R - Bom dia Kátia! Deus te abençoe! Que nós sejamos muito felizes aqui nessa entrevista.
P1 - O senhor podia falar para a gente o seu nome, onde o senhor nasceu e qual dia?
R - Meu nome é José das Graças Caetano, nascido em 10/03/53 em Governador Valadares.
0:52
P1 - Qual que é o nome dos seus avós? Onde o senhor morava? onde seus avós moravam?
R - Meus avós paterno, meu avô paterno chamava Giovino Cabral da Silva, minha avó Brasilina Alves de Jesus. Todos em Governador Valadares.
P1 - E seus avós trabalhavam lá, como é que era?
R - Roceiros, trabalhavam na roça.
P1 - Meu pai chamava José Vital Caetano, minha mãe Maria Barbosa da Silva Caetano.
1:30
P1 - Onde o senhor morava? O senhor já mudou? Como é que é?
R - Onde eu morava, como assim? Não entendi!
P1 - Onde o senhor morava? Onde o senhor mora?
R - Agora? Agora eu moro em Mariana, rua 4 de outubro, 170, Vila Maquiné.
P1 - E o senhor sempre morou lá?
R - Não, eu morava em Bento, né!
2:00
P1 - O senhor tem irmãos?
R - Tenho e é muito, 11.
P3 - Como era a relação dos seus irmãos quando vocês eram crianças?
R - Boa! Brincava muito, muito brinquedo. Eu tenho irmãos de duas gerações, uma geração de pai e mãe normal, depois a minha mãe morreu, meu pai casou de novo, já veio a segunda geração.
P3 - Do que que vocês brincavam?
R - Rapaz, nós brincava de tudo, carrinho, carrinho de mão, brincava de tudo, queimada, de tudo que uma criança brincava na roça nóis brincava. Tinha nada de bom não, mas a gente inventava as coisas para brincar, para não ficar parado. A não ser no momento que a gente tava trabalhando, que a gente ajudava os pais a trabalhar, desde os 7 anos de idade que eu trabalho.
P1 - O senhor tem...
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Entrevistado por Cátia Silva e Vanessa Aparecida Isaias
Mariana, 09 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
MRD_HV014
0:23
P1 - Bom dia seu Zezinho! Obrigada por ter aceitado o nosso convite.
R - Bom dia Kátia! Deus te abençoe! Que nós sejamos muito felizes aqui nessa entrevista.
P1 - O senhor podia falar para a gente o seu nome, onde o senhor nasceu e qual dia?
R - Meu nome é José das Graças Caetano, nascido em 10/03/53 em Governador Valadares.
0:52
P1 - Qual que é o nome dos seus avós? Onde o senhor morava? onde seus avós moravam?
R - Meus avós paterno, meu avô paterno chamava Giovino Cabral da Silva, minha avó Brasilina Alves de Jesus. Todos em Governador Valadares.
P1 - E seus avós trabalhavam lá, como é que era?
R - Roceiros, trabalhavam na roça.
P1 - Meu pai chamava José Vital Caetano, minha mãe Maria Barbosa da Silva Caetano.
1:30
P1 - Onde o senhor morava? O senhor já mudou? Como é que é?
R - Onde eu morava, como assim? Não entendi!
P1 - Onde o senhor morava? Onde o senhor mora?
R - Agora? Agora eu moro em Mariana, rua 4 de outubro, 170, Vila Maquiné.
P1 - E o senhor sempre morou lá?
R - Não, eu morava em Bento, né!
2:00
P1 - O senhor tem irmãos?
R - Tenho e é muito, 11.
P3 - Como era a relação dos seus irmãos quando vocês eram crianças?
R - Boa! Brincava muito, muito brinquedo. Eu tenho irmãos de duas gerações, uma geração de pai e mãe normal, depois a minha mãe morreu, meu pai casou de novo, já veio a segunda geração.
P3 - Do que que vocês brincavam?
R - Rapaz, nós brincava de tudo, carrinho, carrinho de mão, brincava de tudo, queimada, de tudo que uma criança brincava na roça nóis brincava. Tinha nada de bom não, mas a gente inventava as coisas para brincar, para não ficar parado. A não ser no momento que a gente tava trabalhando, que a gente ajudava os pais a trabalhar, desde os 7 anos de idade que eu trabalho.
P1 - O senhor tem alguma lembrança que marcou a sua infância?
R - E rapaz, a lembrança que marcou a minha infância eu tenho, mas eu não gosto nem de contar, ela é muito triste, se for preciso eu conto, com licença da palavra que ela…
P1 - O senhor fica à vontade para contar ou não?
R - É pesado
P1 - O senhor quer contar?
R - Rapaz é… uns palavreados nela que não é muito bom não, mas já que todo mundo é adulto mesmo. Olha, o que marcou mais uma infância foi eu com sete anos de idade, na realidade seis anos de idade, meu pai era alcoólatra demais, bebeu muito, foi para Pedra corrida, não sei se vocês já ouviram falar, uma cidade que tem para cá de Valadares, Pedra Corrida. Bebeu muito e nós ficamos na roça passando fome, passando fome, meu pai foi para lá, para Pedra Corrida para fazer uma compra e de lá ele pegou as compras e foi para, considerar que eles falam zona hoje. Foi para a zona, ficou lá na zona, com a mulherada. E nós passando fome em casa. Aí quando deu o terceiro dia que ele não chegava em casa, minha mãe me chamou, “Zezinho, vamos atrás do seu pai!” Chegamos lá, em pé corrido, eram 13 km a pé, para ir nesse lugar caçar o veio, chegamos lá ele estava lá abraçado com uma mulher e os sacos de mantimento no canto, num cômodo lá, num salão lá. Aí a velha lá, viu minha mãe, “ô Maria, o que você está fazendo aqui?” Eu lembro que ela falou, “eu vim buscar comida para os meus filhos que eles estão com fome lá em casa!” Eu começo a chorar, aí já fica difícil! “Eles estão com fome lá em casa e você na bohemia”. Aí nós pegamos o saco de compras e fomos embora, fomos embora! Aí fomos embora para casa com aquele saco, chegamos em casa. Três dias depois, olha que já fazia uma semana que ele não ia em casa. Três dias depois, ele chegou lá em casa todo machucado, todo machucado, andando de gatinho porque não aguentava andar em pé. Arrumaram uma briga lá, bateram muito nele, mas bateram nele a ponto de quase matar. Aí chegou lá em casa, ainda lembro que o meu tio, irmão de minha mãe, não, ele era meu tio por parte de pai, aí viu ele deitado no chão, falou, “Zé eu vou acabar de matar você, porque você não tem responsabilidade nenhuma”. Aí o meu outro tio, irmão de minha mãe, não deixou. Aí pegou ele e levou para o hospital Coronel Fabriciano, ele ficou três meses internado e esses três meses nós pedindo esmola para sobreviver. Aí já tinha feito 7 anos, eu me lembro como se fosse hoje, minha mãe chegava, nós saía da roça e ia para cidade. Eu lembro o juiz deu a ela um papel escrito, para ela pedir para as pessoas com aquele papel, a precisão que tinha. Aí os caras falavam com a minha mãe… E naquela época a gente não sabia de nada, tudo inocente, não é igual os meninos de hoje que sabe tudo, tudo bobo! No fim ela chegava, pedia a um, um não dava, o outro só falava besteira, o outro falava bobagem. Nessa época ela estava com 20 e poucos anos, era uma morena bonita, eles falavam assim com ela… Hoje, hoje não, depois de bem grande que eu sabia o que eles estavam falando com ela. Eles falavam com ela assim, “ô dona, a senhora está pedindo, a senhora tão bonita está pedindo esmola, vai para a zona que a senhora ganha muito mais!” Isso é muito triste! Depois dos 16 anos para frente, até os 15 eu era bobo ainda, depois dos 16 anos eu fui saber o que eles estavam falando da minha mãe, isso aí quando eu conto essa história dói, dói muito mesmo. Mas eu não crucifico o meu pai por isso não, fazer o quê, é a vida! Quem sou eu para julgar? Ele já morreu, Deus dê a ele um bom lugar, a minha mãe também já é falecida. Minha mãe faleceu tinha 15 anos de idade, ela tinha 35, imagine só. Aí já faleceu aqui no Bento Rodrigues.
7:56
P1 - E o senhor foi para Bento com que idade?
R - Oito anos.
P1 - E o senhor tem alguma lembrança lá do Bento, alguma história que aconteceu lá que marcou a vida do Senhor?
R - Rapaz, toda a história do Bento foi boa, não foi tão boa assim não, porque tem algumas coisas ruins, mas praticamente a história toda do Bento foi boa. Se você morou no Bento, morou na região do Bento ali, Fábrica Nova, Santa Rita, aqueles trem tudo ali, meu pai mexia com carvoeira… mas o foco era só Bento, só Bento. Aí nós fomos morar dentro do Bento mesmo, já foi em 65, nós fomos morar dentro do Bento mesmo. Nós moramos dentro do posto do seu Emanuel Muniz, tratava ele de Neto, já morreu também. Aí ele tinha um terreno, tomava conta de um terreno da igreja, que antigamente tinha uns terrenos que era da igreja, aí ele dava aquele lote para as pessoas. Aí o seu neto deu um lote para nós, meu pai fez um barraco, nós fomos morar lá, e lá nós ficamos até acabar. Deixa eu completar aqui. E a história boa que tem, é de brincar, a gente brincava na rua, não tinha luz, a luz foi chegar no Bento em 82, no escuro, toda aquela meninada brincando de queimada, brincando de tudo, brincando de roda. Eu brincava de roda, cantar roda, aquela porção de menino. menina, tudo junto, todo mundo cantando roda, sem maldade nenhuma. Hoje o mundo tá muito complicado. Mas era uma época boa, muito legal a época.
9:38
P1 - O senhor frequentou a escola seu Zezinho, o senhor, os seus irmãos?
R - Eu frequentei escola, já foi escola de roça, frequentei escola de roça, sem ser Bento Rodrigues, frequentei uma escola no Barro Preto, que era onde meu pai fazia carvão, nós moramos lá um tempo. Quando eu fui para escola já tinha 11 anos de idade, até os 11 anos não sabia ler nada. E fiquei na escola, aí fiquei na escola dos 11 anos até os 14, 14 nós mudamos de local, viemos para mais perto do Bento, aí eu já fui entrar na escola no Bento, mas eu fui entrar na escola do Bento eu já tava bem, praticamente já tinha casado já, eu fui acabar de fazer os meus estudos, já era pai de família já.
10:35
P1 - O senhor estudou até que idade?
R - Idade ou série?
P1 - Não, o senhor tinha falado para mim que estudou até a oitava série, né! Com que idade o senhor se formou?
R - Eu me formei na oitava série já tinha 28 anos.
P1 - Quem eram os seus amigos de escola? O senhor tem contato com eles até hoje?
R - Tenho não! Nenhum!
P1 - O senhor lembra de alguma professora que marcou esse período de escola do senhor?
R - Lembro, lembro! Foi a minha primeira professora que me alfabetizou, Virgínia Zenaide Lopes, não esqueço dela, primeira que me alfabetizou. Eu comecei a entrar na escola com ela fazendo a e i o u, aquelas coisinhas que faziam antes.
P1 - E tem alguma coisa nesse período de escola que marcou a vida do senhor, alguma coisa que aconteceu na escola, ou com seus amigos ou com a professora?
R - Não, isso aí não tem muita coisa que marcou não. Que marca é sempre alguma coisa que deu alguma zebra e eu toda vida fui um bom aluno.
11:48
P1 - Quem eram os seus amigos da Juventude? O senhor convive com eles até hoje?
R - Tem muitos! Os meus amigos da juventude que eu convivo tudo, só que hoje praticamente eu não tenho nenhum mais, uns já morreram, outros se afastaram do Bento, da região nossa aqui, não tenho, da juventude mesmo, não tenho nenhum.
P1 - O que vocês faziam na juventude, vocês passeavam, vocês brincavam?
R - A juventude nossa… eu não tive muito bem assim, uma juventude muito boa não, porque quando meu pai casou a segunda vez, eu tinha 16 anos, e a mulher que meu pai casou também tinha 16 anos, a mesma idade minha. Aí eu fiquei um ano em casa, no outro ano ele me expulsou de casa, com ciúmes da mulher. Eu com 16 para 17 anos, fui morar sozinho. Aí nessa época eu já fui morar sozinho, passei a vida ruim, boa, tudo ao mesmo tempo, mas sempre tava perto dele lá no Bento, ia lá no Bento. Eu fui morar num lugar chamado Toca Nova, que hoje é a Santarém lá, o bairro Santarém, eu fui morar lá. Eu fiquei lá sozinho, um menino com 16 anos, tudo bobo, povo da roça de antigamente. Hoje não, hoje é diferente, um menino com 16 anos hoje é pai de família, naquela época eu com 16 anos… Era mesmo, é verdade, com 16 anos… joga para mim! Você não tem maldade, não tinha! Eu fui começar a ter maldade depois dos 18, até 18 anos eu era um babacão, assim, bobão, brincadeira de criança, tudo da roça mesmo, criado em roça. Mas essas coisas que acontecem na vida da gente que deixa uns traumazinhos, que eu não carrego para minha vida, os meus traumas não, porque meu pai era alcoólatra e ficou com ciúmes de mim com a mulher dele e me mandou embora. Me mandou embora eu fui morar sozinho, e eu morar sozinho, já morei com todo tipo de gente. Eu Fui morar numa casinha lá, que tinha gente que bebia, que fumava, que fumava cigarro, naquela época não tinha essas besteiradas de hoje não, tinha muito cigarro, o pessoal era doido por cigarro. Fumava cigarro! Eu graças a Deus não aprendi a beber e nem fumar. Misturado essas pessoas tudo, sem pai, sem mãe, sem pai e não aprendi nada dessas coisas ruins, graças a Deus.
14:37
P1 - E o senhor trabalhava lá na roça mesmo? O senhor falou que com 16 anos foi morar no Bento.
R - Eu fui morar no Bento com 8.
P1 - Aí o senhor trabalhava lá mesmo?
R - Ajudava o meu pai a fazer carvão, ajudava meu pai fazer carvão.
P1 - E com o dinheiro que o senhor recebia desse trabalho, o senhor ajudava a família?
R - Antigamente a gente recebia dinheiro, a primeira coisa que fazia era dar para o pai, né! Passava tudo para os pais! Aí dava para o meu pai. Eu nem sei falar a verdade, nem sei o que ele fazia com o dinheiro, não sobrava nada para mim, toda a vida eu fiquei sem dinheiro. Fui ter dinheiro mesmo depois dos 18, eu comecei a trabalhar por minha conta, para mim mesmo, ajudava a família, mas já tirava o meu, já tava mais esperto, né! Já tirava o meu!
15:30
P1 - E hoje em dia, o senhor trabalha ainda com a mesma coisa, ou não, o senhor não trabalha, como é que é?
R - Hoje não! Hoje em dia eu sou aposentado, vivo a minha vida sozinho mesmo, já tenho minhas coisas, minhas mesmo. E sigo a vida aí.
P1 - O senhor se casou, como é que é?
R - Não, não! Eu me casei na primeira instância, agora não, agora eu sou separado há 10 anos.
P1 - E o casamento do senhor, teve festa de casamento, ou não teve, como é que foi?
R - Casamento de roça tem festa, né! Sempre tem, né! O comes e bebes na festa não falta não, fia! Na festa de casamento comes e bebes não falta não.
P1 - E o senhor tem filhos?
R - Tenho cinco!
P1 - E eles moram com o senhor, como é que é, o que que eles fazem?
R - Os meus filhos mora… comigo só mora, nenhum, um que mora na parte de cima, eu moro numa casa de dois andares, eu moro na parte de baixo e ele mora na parte de cima da casa. O resto não, a minha filha mora de frente de mim, negociei com a Renova para comprar uma casa para ela, mora de frente comigo. O outro mora em Barro Branco. A outra filha mora com a mãe, na Cabana. E o outro casado mora em Santa Rita. Acho que deu tudo, deu cinco, né.
17:02
P1 - Seu Zezinho, qual que é a relação do senhor com a comunidade de Bento Rodrigues?
R - Boa! Graças a Deus! Não tenho um inimigo, todo mundo gosta de mim, graças a Deus!
P1 - O senhor tem bastante amigos lá? Você tem essa convivência até hoje?
R - Os que estão vivos até hoje, tenho a convivência com todo mundo, graças a Deus!
P1 - E como é a vida do senhor hoje, aqui em Mariana, pós rompimento?
R - Ih rapaz! Pós rompimento, a vida vai levando, levando a vida, não boa, boa, não, mas… Boa é na roça, no lugar da gente. Você criado na roça, numa comunidade pequena, todo mundo conhece todo mundo, você chega na cidade você fica perdidinho de tudo, perdido de tudo. Para dizer a verdade, eu tenho amigos aqui na Mariana, que eu não vi até hoje, 7 anos se passaram a gente não encontra mais. Então, não adianta falar que é igual morar no Bento, não é nunca! É totalmente diferente!
18:14
P1 - E como foi essa transição Bento, Mariana, Roça, cidade?
R - Essa transição foi difícil, viu! A transição mais difícil que eu já tive na minha vida. De todos os perrengues que eu já passei na vida, desde a infância, a mais difícil foi essa. Porque a gente teve que correr muito para não morrer, Deus deu a gente livramento, que só Deus mesmo! A gente tem que agradecer muito a Deus de estar vivo hoje! Porque se fosse à noite, eu não estaria aqui dando essa entrevista não, estaria morto! Mas Deus deu livramento para gente, a gente tem que agradecer a Deus muito por isso. A transição de lá da roça para aqui, é muito diferente, igual eu te falei, é muito diferente. Porque você sai de uma comunidade que você é amigo de todo mundo, e vem pro meio da cidade que você nunca viu ninguém. E ser crucificado pelas pessoas daqui, não são todos, mas o que eu ouvi, gente! De coisa, de palavreados da comunidade aqui de Mariana, alguém de Mariana, bastante gente, vou falar para você que não é pouco não! Falando que nós estava entupindo lugar de Mariana, que nós era muito folgado, que nós era isso… Coisas terríveis de escutar, escutamos aqui em Mariana. Mas foi passando tempo, passando o tempo, acabaram acostumando com nós. Eu já vi alguns, já até falei com alguém na porta de um banco, na porta da Caixa, o cara falando comigo, “ah, esse pessoal do Bento veio para cá, Paracatu, veio tudo para cá porque de barragem, porque não ficou lá para morrer todo mundo!” Já escutei isso! Escutei isso! Pessoal fala, “não, eles vem para cá só para poder sugar dinheiro das companhias”. Aí estava eu e as minhas duas netas, por incrível que pareça, eu e minhas duas netas. Aí a gente foi engrossando o pescoço, engrossando o pescoço, aquilo foi dando uma raiva, dando uma raiva. Eu não aguentei não, eu tive que levantar, eu minhas duas netas também, que elas são um bocado duras igual eu mesmo. Eu eu não gosto de amolar ninguém não, mas se pisar no calo, pisar no calo, pisar no calo, não para de falar mal da gente! A gente tem que reagir, né! Tem que reagir! Aí eu levantei e falei com o moço, “sabe de onde que eu sou?” “Sei não!” “Pois é, você tá falando mal de Bento, de outros lugares que foi rompido a barragem aí, é porque você não tem um filho que passou por isso, se você tivesse um filho que passasse por essa situação, você não fazia isso, não falava o que você tá falando não! Nós estamos aqui não é porque nós queremos não, nós fomos obrigados a vim para a Mariana, nós não veio porque quis não, nós veio porque fomos obrigados, e você morar na cidade obrigado não é boa coisa não, se você tivesse passado um terço, uma unha do que nós passamos lá, você não tava falando essas besteiras que você tá falando aí não! É melhor você ficar calado, porque eu tô conversando com vocês, mas eu tenho amigo aí que não conversa não! Eu tenho amigo aí que se escutasse uma coisa dessa, você tava comendo grama a muito tempo! Eu não, eu sou mais tranquilo! To conversando com vocês, mas para de falar essas besteiras, porque vocês não sabem perto de quem vocês estão falando não! Uma hora você vai dar com a cara na água aí, e não vai reclamar não”. Aí ele falou, “o moço, desculpa! Eu não sabia!” Pois é, desculpo, desculpo, tudo bem! Mas, por favor, não fale mais isso mais não, você não sabe de quem você está perto, hoje você está perto de mim, amanhã você pode estar perto de um cara mais violento que eu. E tem lá mais violento, mais nervoso, todo lugar tem! Eu sou nervoso, mas eu não sou violento com ninguém, só vou explicar pro cara a realidade da vida. Porque Igual eu falei, se ele tivesse passado com o filho dele a situação que eu passei, ele não falava aquelas besteiras. Por ele morar na cidade, nós vim da roça e vim para a cidade, nós está invadindo o espaço… Nós estamos invadindo, mas não foi porque nós quis invadir não, nós fomos obrigados a invadir o espaço dos outros. E todo mundo que morava lá no bairro da Santa, que era o ponto turístico de Bento, todo mundo era bem recebido, chegava lá na Santa tava lotado de gente de Mariana, esses empresários de Mariana ia tudo, e era tudo bem recebido, ninguém nunca falou uma besteira com eles. E aqui, a gente chega aqui e só escuta besteira! Não faz isso não, sô! Você não sabe o que o outro passou não, então você fica calado, é melhor! Aí pediu muita desculpa, desculpei também. Ele pegou, acho que ficou com tanta vergonha que saiu, foi embora, não quis nem…. Não precisei brigar com ele, só contei a verdade para ele.
23:04
P1 - Seu Zezinho, pensando lá no Bento, tem alguma coisa boa que o senhor lembra, que o senhor fica feliz que aconteceu lá?
R - Ah tem, muita coisa boa, só tinha coisa boa, não tinha coisa ruim! Coisa mais gostosa, época de carnaval, aqui na cidade não fui nem um dia no carnaval, mas lá no Bento o nosso carnaval é bonito. A coisa que eu mais gostava, que eu lembro é do nosso carnaval, juntava aquela turma de amigos e saía pela rua fora, tocando um trombone com o Sobreira, falecido Sobreira tocando trombone, o Tuím, que mora em Ouro Preto, tocando um Surdo Grande, ou então aquele negócio que tem na banda de música, aquele Baixão Grande lá. O Filomeno, tocando Clarinete. E nós saía para rua fora cantando, enfeitava a cabeça, aquele trem todo e saia cantando. Coisa gostosa, não é essa coisa violenta da cidade não, coisa gostosa da roça. Isso aí é uma coisa que me marca, eu tenho saudade.
24:12
P3 - O que que vocês cantavam?
R - Aquelas musiquinhas, marchinhas de carnaval antiga, “Rui, Rui, Rui roubaram a mulher do Rui, disseram que fui eu, eu juro que não fui! Rui, Rui, Rui roubaram a mulher do Rui, disseram que foi eu, eu juro que não fui!” Tinha uma outra também que eu não me lembro, tô tentando lembrar ela aqui… “oi, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí, você vai dar, não vai dar não, você vai ver uma grande confusão, eu vou beber, beber até cair, oi me dá, me dá, me dá, me dá um dinheiro aí!” E essas músicas ia cantando pela rua fora lá, todo mundo. Era gostoso demais, era a melhor coisa que tem, nossa! Todo mundo sem maldade, sem nada! É bom demais! Umas lembranças que faz até a gente chorar, sinceramente faz, essas lágrimas nos olhos, que a gente não tem isso mais nunca. Nem no novo Bento não vai ter e não vai ter. Essas coisas eu tenho certeza que não volta mais.
25:18
P1 - E o que mais tinha na comunidade seu Zezinho? Tinha festa religiosa?
R - Tinha festa de São Bento, festa muito boa. Festa de São Bento, festa de Nossa Senhora das Mercês, tinha festa no Cruzeiro, tudo isso tinha lá. Festa de São Bento uma das melhores festas que tinha.
P1 - Como é que era a festa?
R - Boa! Festa que vinha a gente de todo lado, tinha banda de música, a gente cantava no coral. Eu canto no coral de Bento faz 40 anos. 40 o quê? Eu canto desde os 18, vou fazer 70, é o quê? 50, 52 que eu canto no coral do Bento.
P1 - O senhor é católico?
R - Católico! Engraçado, sou católico e meus parentes, praticamente todo mundo evangélico.
P1 - O senhor ainda participa, canta no coral, participa da igreja aqui em Mariana?
R - Aqui em Mariana eu fiquei um pouco parado, que me bateu uma depressão depois desse trem lá, bateu depressão demais, tô tomando remédio. E eu comecei a cantar no coral, mas depois dava uma crise de choro dentro da igreja, então eu parei de cantar por causa disso. Tô tentando voltar agora de vez aos poucos, já fui lá em Padre Viegas, uma missa que teve lá em Padre Viegas, coral do Bento teve que participar, aí eu fui. A Claudia que mexe com o coral do Bento é uma menina muito boa, é uma menina muito boa, legal demais a Cláudia que mexe com coral lá, ela falou, “ô seu Zezinho, o senhor pode vim aos pouquinhos, vai aos pouquinhos, vai aos pouquinhos, até o senhor ambientar muito, ambientar de novo”. Mas eu canto, quando eu tenho vontade de ir eu vou no coral, canto, bato pandeiro. Forte lá eu no pandeiro, Zezinho com violão e Irene no triangulozinho dela lá. Mas é muito bom.
27:12
P3 - Com quem você aprendeu a tocar o pandeiro?
R - Rapaz, o pandeiro eu aprendi a tocar com um colega meu, tocava pandeiro demais, falei, um dia eu vou tocar esse trem também! Ele não me ensinou nada, eu só ficava vendo ele batendo, eu vi ele batendo lá, aí um dia eu comprei um pandeiro, vou começar a bater esse trem. Aí comecei a dar uns tapas naquele trem, machucar ele um bocado, aí machucando um bocado, eu acabei aprendendo bater alguma coisa. Não sei tocar pandeiro muito bem não, mas para a igreja tá bom.
P3 - E você lembra a primeira vez que você tocou o pandeiro?
R - Na igreja! Lembro! Tava tocando na igreja lá, na época era dona Laldelina, donda Lálá, uma das mais velhas do Bento, comecei o coral com ela, eu tinha 18 anos. Como eu fazia a segunda voz, ela fazia a primeira voz, eu fazia a segunda, nosso senhora, nosso dueto era bonito demais, saudade daquela veia, morreu com 97 anos, parece. Saudade dela! No dia que eu não podia ir na igreja, “Zezinho porque que você não veio? Nossa, faltou você para fazer a segunda voz!” Aquele tempo todo, aí eu comecei a gostar daquelas coisas e veio o pandeiro, naquela época veio o pandeiro, comecei a bater na igreja, tocando aqueles trem, que era a Geralda Marcolino tocava para nós, não era o Zezinho ainda, Geralda Marcolino que tocava para nós, batendo, que ele toca mais tranquilo. Aí eu fui aprendendo, batendo aquele negócio, aprendendo. Pandeiro não é difícil não, é só pegar o ritmo do violão, você vai embora.
29:00
P1 - O seu Zezinho tem alguma coisa da vida do senhor que o senhor queira contar que eu não te perguntei?
R - Praticamente tudo, perguntou tudo!
P1 - E como foi contar a sua história hoje aqui para nós?
R - Muito bom relembrar o passado, apesar que dá uma tristezazinha na gente, uma crisezinha, que o olho da gente mareja uma lágrimazinha, mas é por causa… Não é por causa da história, é mais por causa da história do rompimento para cá, a gente pegou depressão, depressão deixa a gente muito emotivo, qualquer coisinha acaba saindo lagrima do olho. Mas excelente ideia, gostei muito! Ainda mais sendo entrevistado por você, melhor ainda, né menina! Pelo amor de Deus! E conhecer você agora, que eu não conhecia, também foi o maior prazer. O maior prazer de ter conhecido vocês! Gente demais! Boa demais!
30:00
P1 - Eu não perguntei seu Zezinho… Mas eu também… eu sou de Paracatu, eu sei que o senhor é do Bento, eu te conheço, mas o senhor não me conhece.
R - Tô conhecendo agora!
P1 - Eu já fui na casa do Senhor!
R - Já?
P1 - Já!
R - Gente!
P1 - Eu sei que os reassentamentos estão sendo feitos, o senhor vai voltar lá para o novo Bento, ou o senhor vai ficar em Mariana, como é que é?
R - Não! Eu vou voltar para o Bento, se Deus quiser! Não tem como. O no Bento, ou no Paracatu, agora tem uma briguinha, eu vou para o Bento… Paracatu. Sabe o que acontece, não tenho nem lote no Bento ainda, eles estão agarrando os lotes lá para mim, por causa que eu tinha dois mil metros de lote, eles querem me dar só mil. Eu já falei para eles, eu não aceito mil, quero dois! Não adianta! Aí eles já me falaram, vou te dar mil e você vai com mil para a justiça. Não quero justiça, eu quero terra, terra vocês têm. É por isso que eu estou sem lote até hoje, porque… Compraram 382 hectares, fui eu que apresentei para eles, e na hora de eles me darem dois mil eles não querem. Aí eu não aceito! Sou amigo de todo mundo, conversa com o pessoal da Renova normal. Tem muita gente do Bento que não gosta nem de ver, mas eu sou normal, não tenho nada a ver com funcionário não. Eu só quero que me dê o que eu quero, que eu tenho direito, meu direito, só isso, mas nada! Aí tenho essa rixinha, mas eu vou falar com eles, vocês não tem terra aqui, mas em Paracatu tem, eu quero ir para lá! …Mas a minha vontade é voltar para o Bento mesmo, porque ali que a minha vida inteira, dos 8 anos de idade até 62 anos morando no Bento, gente, é muito tempo! Eu não considero da região norte de Minas, Leste de Minas não, considero minha região aqui, centro, região central mesmo. Particularmente minha vida inteira foi em Mariana, Mariana e Bento Rodrigues, de lá eu vinha fazer as coisas em Mariana e voltava para o Bento, é uma coisa muito boa! Para morar em Mariana foi mais complicado, para acostumar, por causa dos preconceitos das pessoas, se tratam nós bem, até que a gente ia combinar bem. Mas até hoje ainda tem alguns preconceitos, mas graças a Deus tá um pouquinho demais, graças a Deus! Mas questão… tem gente do Bento que não gosta de conversar nem… Eu tenho amigo meu que fala, não sei como você vai fazer reunião em jornal de Renova, dá depoimento para Renova. Não tem nada a ver gente, o que que tem? Eu não tenho briga com ninguém, não tenho mágoa de ninguém não. Eu só quero que me dê aquilo que eu tenho direito, mas nada. Para isso não precisa ficar de mal de ninguém não. Para isso tem que tratar todo mundo bem. Quanto mais tratar bem, que eu não sei tratar mal as pessoas, é uma coisa que tá em mim, tratar bem as pessoas. Não adianta! Pessoa chegar aqui para falar para fulana que eu tratei mal, não! Tratar mal não, tratar bem, em qualquer lugar que eu tiver eu trato todo mundo bem. Agora, aquilo que é meu direito, eu posso ser amigo do amigo do amigo, mas aquilo que é meu direito não abro mão. Mas para mim não abrir mão preciso brigar com as pessoas? Preciso não, uai! Preciso tratar bem! Quanto mais bem eu tratar, mais amizade que eu faço! E coisa que eu gosto de fazer é amizade! Não importa se a pessoa trabalha em Renova, trabalha em Samarco, tenho tanto amigo que trabalha na Samarco, tem tanto amigo que trabalha na Vale. E a Renova nem falo, todo mundo praticamente é meu amigo, todo mundo me conhece, nunca agredi ninguém com palavras, nada, por causa de rompimento de barragem, não! Aquilo aconteceu, nós não queria que acontecesse, mas infelizmente aconteceu, agora não tem como voltar atrás, para isso eu não vou ficar com mais raiva de ninguém não. Eu só quero o que é meu, mais nada! Para isso eu tenho que ficar é bem mesmo! Eu tô rindo, que é engraçado que eu vou lá e converso com o engenheiro da obra, eu tô rindo, “eu só quero o que é meu doutor!” Mandaram falar comigo que eu tenho que ir lá ver o lote lá, era para ir na terça-feira passada, fez 8 dias outro dia, falaram para mim que não pode. Que ia cancelar a visita que o engenheiro tinha que adequar umas coisas lá, falei, “espero que seja adequado do meu jeito!” Se não tiver do meu jeito, com toda a minha boa vontade, não vou brigar com ninguém, só vou falar, se não tiver do meu jeito, só se for do meu jeito, só isso! Mas eu sou tranquilo, gosto de amizade, eu faço amizade até demais da conta, se eu chegar ali embaixo e tiver uma turma conversando ali, eu passo, “bom dia para todo mundo, e aí tudo bem? Já tô parando para fazer amizade, é desse jeito. Minha vida é um livro aberto, não gosto nada escondido, gosto de fazer amizade com todo mundo, sou amigo de todo mundo. Eu sou igual a mãe dessa menina aí. A mãe dela também era muito minha amiga, nossa senhora.
35:01
P1 - Seu Zezinho, o que o senhor acha da demora na entrega dos reassentamentos? Qual o consentimento o senhor tem?
R - Aí você pegou pesado! Porque está demorando demais! Vou falar para você, se fosse um rompimento de barragem, coisa de natureza, igual tá acontecendo muito aí em São Paulo, nós já estávamos morando no Bento. Se fosse para nós fazer a nossa casa, para nós fazer do nosso jeito, morar do nosso jeito, já estava morando lá! Hoje você quer fazer uma coisa muito além daquilo que a gente tinha lá, vai demora 20 anos… Não sabe até quando vai, não tem previsão de entrega. A previsão, já fez quatro previsões e não fez. Lá no Bento tem 118 casas prontas, para 240, 7 anos, 118, tem mais 122 para fazer, pelo que passou sete para fazer, 118, faz a conta de 14 anos. Eu já estava morando no Bento há muito tempo, debaixo da lona, mas tava morando e fazia nossas casas. Mas aí é coisa de empresa, empresa tem aquelas burocracias tudo. Porque eu não ando mais para reunião nenhuma eu vou, até quando eu vou lá na área, eu vou de carro próprio, porque um dia eu cheguei lá no mirante, aí começou a chover, acabou a nossa visita era 11 horas, começou a chover, da relâmpago, aquele trem tudo, aí eles, agora não pode ninguém sair de casa, ninguém sai do escritório, ninguém sai de lá, ninguém sai de lá! Duas horas da tarde, começou a chover 11:00, duas horas da tarde a água já tinha estiado, só tava dando uns relâmpagozinhos. A segurança, não, não pode não! Nós com uma fome de lascar, não podia trazer almoço, não podia sair para nada. E nós vamos ficar aqui? Nós não somos Santos não fia. Não seu Zé, não pode ir embora! Aí o meu filho, quer saber de uma coisa, saltou de dentro do escritório lá, pulou a rampa, desceu, eles correndo atrás, segurança, não pode, não pode! Ele desceu, pegou uma carona, veio cá em Mariana, pegou o carro, foi lá e me buscou. Falei, não volto mais de carro de companhia de assentamento, porque tem essas burocracias. Eu vivi naquele lugar ali a minha vida inteira, debaixo de sol e chuva, nunca tomei um choque de relâmpago. Eu que apresentei o terreno para eles, eu que trabalhei naquele terreno desde 64, plantando aqueles eucaliptos, ajudando a plantar, ajudei a colher, ajudei a fazer carvão, e nunca tivemos acidente nenhum. É norma de companhia, mas para não ser nós companhia, prefiro andar com a minha condução própria, porque aí eu venho embora a hora que eu quero, não dependo de ninguém para me carregar, é por isso que eu ando com as minha condução própria. Mas resumindo, sete anos já passou, agora, espero que não espere mais 7 para concluir as obras não, porque senão, aí o papai aqui não vai lá não. E ele quer ir, se Deus quiser!
38:22
P1 - Seu Zezinho, senhor tem algum sonho?
R - Voltar para o Bento! Voltar para minha comunidade, ou Paracatu.
P3 - Tem mais alguma coisa que você quer colocar?
R - Não, tá de bom tamanho!
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