Entrevista de Maria Lúcia Ferraz Carlos
Entrevistado por Elisangela Venceslau, Ravenia Victoria
Santa Cruz do Calvário , 10 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
Entrevista MR DHV 0017
00:00:26
P1: Boa tarde, Lúcia
R: Boa Tarde
P1: É um prazer estar aqui com vocês, nessa entrevista para o museu da pessoa, que você foi uma das pessoas escolhidas para estar representando aqui a nossa comunidade, então nós vamos dar ínicio.
R: Muito obrigada viu, o prazer é meu tá…
P1: Igualmente…
R… E aquilo que eu puder colaborar, eu vou né, expor, e vou responder né, tudo que me for perguntado, vou fazer o máximo para ser uma entrevista boa.
P1: Vai ser se Deus quiser…
00:01:03
P2: Boa tarde, Lúcia, espero que esteja tudo bem…
R: Boa tarde, tudo bem.
P2… Conte para nós um pouco sua origem, seu nome completo, onde você nasceu?
R: Eu nasci na fazenda do sobrado né, que meu avô também era dono da fazenda do sobrado, e a minha mãe casou, eles foram lá para o sobrado e lá nasceu eu e a minha irmã, depois é que meu avô né, levou a família para a fazenda do sobrado, e meu pai herdou a fazenda da esperança. Então, quando eu vim para esperança, fazenda esperança, eu tinha 2 anos, e Mirnevina que a gente chama de Nem, tinha um ano. E desde essa época eu vivo né, na fazenda esperança, estudei na escolinha do sobrado, que o professor era o senhor Cordeiro, que já faleceu. Ali nós estudávamos o primeiro, o segundo ano e terceiro, depois nós íamos para escola de Santa Cruz, onde a gente fazia uma prova, e nesta prova a gente ia pro terceiro ano lá, foi o que ocorreu comigo, que ocorria com todos, nós eramos naquele tempo 27 crianças
00:02:32
P1: Era o ciclo de alfabetização, que parece que chamava naquela época, né?
R: Isso, chamava ciclo, primeiro ano A , primeiro ano B, que é como se fosse o pré escolar hoje, né. Aí fomos para Santa Cruz, a gente ia a pé, quando eu tirarei o quarto ano a minha tia...
Continuar leituraEntrevista de Maria Lúcia Ferraz Carlos
Entrevistado por Elisangela Venceslau, Ravenia Victoria
Santa Cruz do Calvário , 10 de março de 2023
Projeto Memórias do Rio Doce
Entrevista MR DHV 0017
00:00:26
P1: Boa tarde, Lúcia
R: Boa Tarde
P1: É um prazer estar aqui com vocês, nessa entrevista para o museu da pessoa, que você foi uma das pessoas escolhidas para estar representando aqui a nossa comunidade, então nós vamos dar ínicio.
R: Muito obrigada viu, o prazer é meu tá…
P1: Igualmente…
R… E aquilo que eu puder colaborar, eu vou né, expor, e vou responder né, tudo que me for perguntado, vou fazer o máximo para ser uma entrevista boa.
P1: Vai ser se Deus quiser…
00:01:03
P2: Boa tarde, Lúcia, espero que esteja tudo bem…
R: Boa tarde, tudo bem.
P2… Conte para nós um pouco sua origem, seu nome completo, onde você nasceu?
R: Eu nasci na fazenda do sobrado né, que meu avô também era dono da fazenda do sobrado, e a minha mãe casou, eles foram lá para o sobrado e lá nasceu eu e a minha irmã, depois é que meu avô né, levou a família para a fazenda do sobrado, e meu pai herdou a fazenda da esperança. Então, quando eu vim para esperança, fazenda esperança, eu tinha 2 anos, e Mirnevina que a gente chama de Nem, tinha um ano. E desde essa época eu vivo né, na fazenda esperança, estudei na escolinha do sobrado, que o professor era o senhor Cordeiro, que já faleceu. Ali nós estudávamos o primeiro, o segundo ano e terceiro, depois nós íamos para escola de Santa Cruz, onde a gente fazia uma prova, e nesta prova a gente ia pro terceiro ano lá, foi o que ocorreu comigo, que ocorria com todos, nós eramos naquele tempo 27 crianças
00:02:32
P1: Era o ciclo de alfabetização, que parece que chamava naquela época, né?
R: Isso, chamava ciclo, primeiro ano A , primeiro ano B, que é como se fosse o pré escolar hoje, né. Aí fomos para Santa Cruz, a gente ia a pé, quando eu tirarei o quarto ano a minha tia quis que eu fosse para Mariana estudar, e ela levou uma para Belo Horizonte para morar com ela, e a outra que sou eu, fui para Mariana estudar, né. E estudei em Mariana até, o que nós chamamos hoje de sétima série, depois eu venho para escola normal, venho para Ponte Nova, porque éramos muitos, e minha tia não ia pagar o colégio para todos, então né, por causa dos meus irmão, mamãe achou melhor que eu viesse para Ponte Nova, e aí eu fui para Ponte Nova, com as meninas que eram menores, então eu ficava lá com elas e a minha avó, mãe da minha mãe, ficava conosco lá. A escola normal também, naquele tempo já era cara, como ela é cara hoje, e nisso, em Rio Casca, começou a primeira escola normal estadual , e então nós fomos para lá fazer prova,e nós passamos, então as meninas foram para lá no sexto ano, e eu já fui no segundo grau, no segundo ano, e formei em Rio Casca, né. E Eu, depois que eu formei em Rio Casca, eu vim para Santa Cruz, aí eu já era noiva, namorava Carlos, namoramos 6 anos, ficamos noivos 4. E casei, um ano e meio depois fui morar em Ponte Nova, e infelizmente veio uma gravidez, eu tinha 15 dias de casada quando eu fiquei grávida, e essa grávides foi grávides de risco para mim, não para a criança, porque o médico achou que eu não ia engravidar tão cedo, que eu precisaria de um tratamento, e nada disso, né. Naquele tempo a medicina era muito atrasada, ele não, o que ele detectou é isso aí, exame, um exame muito ainda rudimentar né, e eu fiquei grávida e uma gravidez assim, que eu ficava mais no hospital do que em casa, porque nada, nenhum tipo de alimento,nem água parava no meu estômago, então fui ficando desidratada, então tive que ficar os 6 primeiros meses todinhos sem sair do hospital. E foi uma gravidez muito séria, depois eu passei, e em casa quando eu começava , 10 dia e eu já não aguentava mais, tinha que voltar para o hospital, porque mesmo em casa eu tinha que alimentar de soro e plasma, e no final de 9 meses, nasceu uma menina com 4kg e tanto, muito forte,mas eu pesava 39 kg, então muito doente, anêmica. E nessa gravidez, que mexeu muito com a cabeça do meu marido né, que ele era novo, no primeiro ano de casado ele enfrentou todas essas dificuldades viu, sozinho,né, porque ele não comentava isso com ninguém, que mamãe também, com menino pequeno, não tinha jeito de me olhar, então uma prima, que hoje mora em São Paulo, que foi ficar para… E nessa, com ele, com essas dificuldades, me dando muita assistência, o sócio colocou as vendas de firmas não cadastradas no nome dele, nós ficamos falidos, teve que vender a herança dele para pagar, e nisso né, eu tenho, eu tinha minha irmã que trabalhava em Belo Horizonte, era professora, e trabalhava na Souza Cruz, então ela nos levou para lá, para tentar começa a vida, né. E eu tratar da saúde, que eu também fiquei muito doente, e então ela pagava o aluguel da minha casa até Carolos arrumar trabalho,e meu pai me ajudava nas despesas. Eu fiz um tratamento, e fui trabalhar numa escola particular primeiro, eu tinha sido concursada, eu tinha passado no 28° lugar, então logo depois veio a minha nomeação e eu fui ser professora num bairro Tupi, e morava na sagrada família né, e a Cristina minha nova, e a minha irmã saiu do emprego para me ajudar a olhar no outro horário, eu levava a Cristina novinha, era muito boazinha, tinha um colchãozinho que eu colocava do lada da minha sala, e deitava ela lá de baixo da mesa, para eu dar aula, né. Eu era alfabetizadora, por isso que com 2 anos ela já sabia ler, um dia eu surpreendida, que meu aluno não estava dando conta de ler, ela levantou a mãozinha e falou; “ Mãe, pode ler pra ele?” Eu quase morri, 2 anos, de tanto né, não é porque é inteligentíssima não, é porque de tanto ficar numa sala de aula , né. De manhã numa sala de aula, de tarde outra sala de aula, que eu levava né, para a outra escola, para trabalhar.
00:08:56
P1: Eles aceitavam, nessa época você podia levar ?
R: Não, não podia. Eu expliquei, eu tinha uma fama, que eu ensinava até menino que babava a ler, então.. Eu não sei, é fama,porque eu fazia como toda professora faz, mas eu tenho muita paciência para ensinar, e eu tinha o jeito, sei lá,que Deus me deu um dom para ensinar menino ler, então elas pegavam aqueles meninos que não aprendiam ler e colocavam numa sala e me punha para ensinar, sabe? Então, por causa disso, as colegas abriram mão, e a diretora, de deixar, e a Cristina também não dava trabalho, nenhum, eu prometi a elas que, então ela não fazia isso para ninguém, mas fazia para mim, mediante né.. Ficar, tava começando a trabalhar, então com todas as dificuldades que eu tive que foram inúmeras,eu sempre tinha alguém para dar a mão. Eu tive a irmã, tive pai, tive colegas, sabe?
00:10:02
P1: Teve o apoio da família, e dos amigos em geral.
R: Na minha vida não teve nada que eu não tivesse alguém para dar a mão né, e assim eu fui trabalhar, trabalhei muito né, e me convenceram que eu devia fazer o curso superior, fazer pedagogia, porque eu ia ajudar muitas professoras, né. Me puseram essa coisa na cabeça e eu acreditei , e fui, conversei com Carlos: “ Para eu fazer o vestibular você vai ter que ajudar a olhar as menina a noite para mim” Ele falou: “Não, pode ir, que eu vou te ajudar” Né? E aí eu fui fazer o vestibular , não, antes disso, lá em Belo Horizonte, ainda trabalhando, eu fiquei grávida da Laisa,da minha segunda filha, e a outra tinha 2 anos e meio para 3 quando eu fiquei grávida da Laisa, porque eu não me dei com nenhum anticoncepcional da época, que eram pouquíssimos, então o médico trabalhou um método da época, que era o método de uma tabela, e essa tabela da muito certo? Sim, desde que a mulher esteja, tenha uma ovulação normal,mas eu não tive, no final de dois anos e meio eu não tive essa ovulação normal, então eu não sei se eu contei errado, não me lembro mais, só sei que eu fiquei grávida e foi a mesma coisa, eu fiquei mal de novo, muito mal. Meu marido foi em casa almoçar aquele dia, e eu fui com ele no ônibus e foi a minha sorte, que eu desmaiei no ônibus, a própria lotação, teve que, tava passando perto do Hospital Santa Fé, que ainda existe até hoje, e lá eu fiquei até a minha Laisa nascer, né, porque eu já estava muito ma. E o médico de novo, com o recurso melhor que Ponte Nova, né, achou que também era um problema muito sério, né, e que as outras duas pessoas que tiveram esse problema não sobreviveram, e que eu sobrevivi graças a Deus. Então, de novo essa gravidez séria, tive a Laisa, quando ela tinha 8 meses, né, que as colegas acharam que eu devia estudar, onde Carlos foi a minha…
P1: Salvação…
R… Foi a Salvação, porque ele olhava as minhas meninas a noite para eu estudar, eu trabalhava de dia, e ele olha as meninas para eu estudar,né. Então, foi um sacrifício muito grande da minha parte,um sacrifício muito grande dele também né, e depois que eu formei eu fui fazer especialização, estudei muito, sabe gente? Muito mesmo… E passei a ser professora do curso normal, né, chamava… Eu sou formada em pedagogia, com especialização em didática, e eu dava aula, era formadora de professoras, né. E trabalhei muito, muito mesmo, e criei as minhas meninas,né. Ele trabalhando, as minhas meninas também estudaram, formaram, e depois que eu, trabalhamos muito para comprar uma casa, que nós não tínhamos casa, né, juntamos um dinheirinho e compramos a casa. Só que essa casa já era no município de Contagem, sabe? Divisa com Belo Horizonte, e foi muito trabalho, né. Fiquei muitos anos na escola, em uma das escolas que eu era supervisora pedagógica, e professora, no outro horário, né. A escola, vocês eu não sei se vão lembrar, a escola foi invadida por “pivetes’, naquele tempo a gente falava ‘pivetes’ , né. E a professora me mandou um bilhete que eu fosse ao segundo andar, que lá estava tendo uma confusão, quando eu subi, esses meninos estavam chutando a porta, uns 5, assim de 12, 13, 14 anos, e aí um deles, eu falei: “ O que que vocês estão fazendo aqui?” Ele falou “ Você não tem nada com isso “ Eu falei: “Eu tenho, eu sou supervisora, vocês estão invadindo a salas, e eu não tenho nenhuma reunião, vocês vão descer “. Ele falou comigo que não ia descer,me colocou uma série de xingamentos, mas foi descendo, quando chegou na escada, ele me pegou pelo pescoço e foi esfregando na parede, eu eu infelizmente, ao invés de, infelizmente ao invés de ficar calada, eu falei: “ O moleque, eu tenho idade para ser sua mãe, e você me desrespeitando dessa forma? “ E ele falou “ Eu vou limpar a sua boca para você não falar esse nome mais comigo”. Aí me deu um soco, quebrou todos esses dentes, né, na época, e eu rolei pela escada, e foi também, uma tragédia muito grande, né, na época. Que não era só a minha escola que tinha sido invadida, outras também, mas com vitima, foi só eu, e ele então falou na polícia que ele só me bateu porque eu o chamei de moleque. Isso estava começando o ECA, então a delegada achou que uma pedagoga jamais poderia chamar um adolecente de moleque, e eu ainda recebi um processo, por causa disso, sabe? Eu só não fui exonerada, porque a escola e o bairro da época, fizeram um ato, né, de muitas assinaturas, os pais, para serem minhas testemunhas,mas ficou em mim um sentimento muito triste , né, porque eu chamei de moleque de susto, de medo né,e aí já estava começando essa proteção excessiva para o adolescente Eu acho que tem que ter o ECA, é importante sim, mas não soube entender a minha parte, né, e isso me trouxesse muita tristeza, mas eu já estava aposentando como professora, então aposentei, e fui para outra escola onde eu fiquei mais 20 anos, numa outra escola né, como supervisora pedagógica. E graças a Deus muito sucesso, viu,tanto como professora, eu só tive essa coisa, que não foi, foi triste porque fui mal compreendida. Realmente o educador tem que medir as palavras, mas as vezes o susto né, e a palavra moleque para ele, era muita coisa, era ruim, para mim moleque era só um "irresponsável “ né, que está me desrespeitando, mas o ECA entendeu..
P1: Que na verdade estava sentindo que era uma ofensa, né..
R: Ofensa, é, então eu tenho esse coisa assim, que não foi muito boa na minha vida, mas eu só tive sucesso como educadora, tirando isso aí, que não me… E que serviu também, para eu amadurecer na profissão, ajudar outros professores, ajudar também os adolescentes… Tudo que acontece com a gente, nós conversamos hoje, a gente tem que pensar na vontade né, de Deus para gente, que as vezes a gente precisa passar por algumas dificuldades, até para ser … Eu entendo assim, e assim, aposentei e antes deu aposentar, meu marido veio, que meus pais já estavam doentes. Eu pedi transferência para Santa Cruz, mas eu não consegui, porque eu tinha cargo de 40 horas, então se eu entrasse na escola com cargo de 40 horas eu tirava 2 pessoas, e isso era ruim também. Mas, nisso, ele me viu, que eu estava sofrendo muito com papai e a mamãe, assim, sozinhos aqui, já estavam bem idosos, aí ele veio na frente, né, e ficou 2 anos ficando aqui, e indo para Belo Horizonte que também estava aposentado. Depois eu aposentei, vim embora e estou aqui há 10 anos, sabe? Estou na casa dos meus pais, ajudei né, Elisangela sabe o tanto que eu ajudei né, mamãe, e a mãe dela acompanhava muito, foi uma grande amiga que eu tive nas dificuldades de lidar com mamãe com Alzheimer. Tinha cuidadora, mas Alzheimer é uma doença de filho, filho que tem que estar na frente, né, para ajudar os pais também. E papai faleceu eles tinham 68 anos de casados, mamãe não deu conta de ficar com ausência dele, já tinha uma propensão para o Alzheimer, e aí foi agravado, ela ficou 4 anos e meio, e aí ficou diabética, tinha policitemia, complicou, faleceu e eu, papai me pediu que eu ficasse no casarão tomando conta do casarão dele, e eu fiquei. Eu que herdei a casa, para que a família não dispersasse, hoje feriados, o ano inteiro, eu tenho a família em casa, né? Porque irmão vai, volta, vem, fica lé em casa,sobrinhos, netos, bisnetos, que eu já tenho 3 bisnetos, né.
0:21:15
P1: Na verdade você está na fazenda acolhendo, né?
R: Acolhendo a família, né, para a família continuar do jeito que papai queria, que o sonho dele era que a família continuasse unida, né. E Carlos é uma pessoa muito boa, muito paciente, que assim, praticamente quando ele casou comigo, os meninos estavam todos pequenos ainda, né, então quem, os 3 últimos, quem levou mamãe para o hospital para ganhar foi ele, né. Então eu e mamãe tivemos filhos praticamente juntas né. Então, essa, em resumo, é minha vida, né. Como professora, até não falei isso com vocês, que na.. Antes.. Quando começou a entrar na escola, a minha tia quis me levar para Belo Horizonte para estudar no Barão de Macaúbas, que era escola assim, de crianças muito inteligentes, minha tia me achava inteligente, porque todo mundo ia para escola já para aprender a ler, a mamãe me ensinava muito, a mamãe era contadora de história. Mamãe era aquela mãe, que naquele tempo ela contava, desenhava no chão toda a história que ela ia contando, sabe? Desenhava a varanda, colocava o galo garnizé lá, contava história, entendeu? Cada dia… Colocava uma onça, então mamãe era uma auto de data, e me incentiva a declamar, né. Eu lembro que no Taboão tinha dona Conceição de…que tinha um teatro, e mamãe me ensaiava para eu ir lá, para fazer parte das peças de teatro, o sonho dela era que eu fosse uma atriz de teatro, de teatro, ela achava que eu tinha que ser, mas fui professora, pedagoga, né? E então, ela… Fui para Belo Horizonte lá com titia, titia até me pôs no Barão de Macaúbas, e na primeira semana de aula, tinha que organizar um auditório, aí perguntou para professora qual de nós , dos alunos, que ia declamar, eu levantei o braço na hora, né, que já era acostumada, né, com certeza queria aparecer. Aí a professora chamada Dimeia Saraiva, ela falou assim: “ A que pena, você não vai poder não, sabe por que? Você tem um jeito de caipira, de gente da roça, seu jeito de falar, quando você melhorar seu jeito de falar, você vai fazer parte do auditório. Eu não sabia o que que era caipira, não sabia que meu jeito de falar era jeito da roça, eu não lembro mais, eu achei que eu era a tal, né, que eu sabia declamar, que eu era uma artista, eu achava, e de repente joga essa água no fogo, né. E eu não me adaptei a escola, eu não queria ir para aula, então o recurso de titia foi me voltar, e quando eu cheguei em casa, os meninos iam conversar, eu batia neles, meus irmãos, mamãe falava: “ Por que que você tá batendo neles? “ “Porque eles falam feio, eles falam igual gente da roça, então eu quero que eles falem bonito, para ir para cidade.” Eu achava que tinha que falar bonito para ir para a cidade né, e com isso eu fui… Mamãe foi para Santa Cruz e falou com a minha professora “Olha…”. Nisso aí eu já tinha feito escola de São Cordeiro né, fui para o Santo Cruz, ela falou “ Dona Zizi, dona Zizi, ela sabe tudo, mas só não pede ela para falar perto dos outros que ela não gosta de falar, mas ela faz a prova, faz a prova oral para a senhora,tudo lá na sala separada dos meninos.” Assim eu fui, tirei o quarto ano, quando eu fui para Mariana, mamãe também foi lá, avisou as freiras, que eu falava… Elas podiam fazer prova oral comigo, tudo fora da sala de aula, que na sala de aula eu não ia da conta de falar. Então eu fazia os trabalhos todos para as colegas, para elas apresentarem o trabalho,e eu só fazer parte, sabe? Fui pela vida desse jeito, sempre mamãe conversando, eu fazendo o trabalho para as colegas todas, então todo mundo me queria no grupo, porque eu fazia os trabalhos todos, para não falar em público. E quando eu passei no vestibular, eu fui aluna da Dona Lúcia Casa Santa, dona Lúcia tinha o hábito de sortear uma aluna para falar o resumo da aula dela daquele dia, e o primeiro dia de aula eu que fui sorteada, na hora que eu levantei para falar, no fundo da sala, a dona Dimeia Saraiva, subiu assim,na minha… Olha para você ver o que que é uma mente de uma criança, né, eu já era, já era professora, e tudo… Subiu assim na sala, e eu desmaiei, porque eu vi dona Dimeia “ A você vai falar? A seu jeito de roça”. Sabe, assim? Aquela voz de dona Dimeia na minha cabeça. Aí fui socorrida, como se fosse uma epilética, tinha desmaiado, e eu escutava todo mundo falar, mas eu não sabia… Aí eu tinha uma professora chamada Rosa, e eu falei com ela o que tinha acontecido comigo, aí ela foi, ela era professora de psicologia, e eu fui fazer parte do departamento para ela trabalhar a minha mente. E eu já tinha tido problema de infância com gravidez de mamãe, então a minha mente, era uma mente assim, que captiva tudo e guardava, só pode né. E aí eu fiz um tratamento, e eu fiz o curso de pedagogia, e depois como supervisora eu tinha que falar em público todo dia, mas custei a tirar dona Dimeia Saraiva da minha cabeça, sabe? E eu na minha sala de aula, com minhas alunas, eu falava com elas. Meu primeiro dia de aula, a minha aula era essa minha história, que eu falava com elas: “Hoje eu estou aqui falando com vocês,mas eu sou essa aluna, então eu peço a vocês, ao serem professoras, saiba conversar com o aluno que vocês podem acabar com a vida de um aluno pro resto da vida,né”. E só não acabou comigo, por que? Porque eu tive uma mãe, que sem saber nada de psicologia, ela foi me trabalhando , fiquei gaga sem ser gaga, tudo para não falar, para falar com os outros que eu não falava em público eu era gaga. Para não contar que eu vi dona Dimeia no fundo da sala,que a gente é doido, né? Então eu inventava que eu era gaga, e a vinda inteira as pessoas achavam que eu era gaga, porque eu criava que eu era gaga, paraná falar em público, né. Então, tudo isso eu devo a essa professora, né, na faculdade, que trabalhou isso em mim, e eu também tive a coragem de falar com ela, porque que eu tinha desmaiado, se eu não tinha nada. Que eu vi dona Dimeia no fundo da sala, mas muito magrinha mesmo, sabe:? Você pensa bem, o que que é a cabeça de uma criança, né, que tem que ser trabalhado, porque se não vai pela vida tendo consequências, por causa de uma fala, né, de uma professora, por causa de uma fala de avô, que falava que comigo: “ O, sua mãe é capaz de não voltar”.Aí mamãe voltava, vinha criança, meu cérebro foi guardando, que gravidez era uma coisa que matava, que adoecia, que era uma doença. Então, eu fiquei grávida o que meu cérebro fez? Rejeitou, né? E muito trabalho pela vida, tive muita ajuda de muita gente, né. Sempre aparecia alguém para me conduzir né, e hoje estou aqui, né, diante de vocês, contando a minha história, né. Que é de muito sacrifício, de muitos …, mas eu venci todos com meu esforço e sempre, porque eu tenho um companheiro, né. Eu vou fazer 53 anos de casada, eu sempre tive esse companheiro que é meu ombro, sabe? Eu tenho até medo o dia que nós faltarmos, eu não da conta de viver sem ele, como mamãe, porque é um companheiro de ouro que eu tenho, né, quem conhece sabe. Está ali para me ajudar, a viver mesmo, né, só tem um defeito, não gosta de sair de casa, sabe? Mas deixa eu sair, me leva, mas não gosta de sair de casa, e eu amo bater uma perna. Eu gosto muito, eu trabalhei muito, mas tamém eu gosto muito de viajar.
00:30:57
P1:Conta um pouco das suas viagens para nós?
R: As minhas viagens, graças a Deus, eu tinha um sonho, mas fui pela vida trabalhando. Quando a minha filha caçula formou, ela foi trabalhar, e me deu a primeira viagem, foi em 2003, eu já amava, me deu a primeira viagem, que foi uma viagem para Portugal, Espanha e Itália, foi a minha primeira viagem. Aí eu gostei da coisa, e assim que eu podia, eu vou trabalhando, e vou juntando, quando eu tenho um tanto,eu vou lá e entro num pacote de viagem. As vezes levo até 20 meses, em, mas com isso, a cada 2 anos eu viajo, conheço 20 países.
00:31:57
P2: E o que você lembra dessa sua primeira viagem, de 2003?
R: Essa viagem foi maravilhosa né, fiz o caminho de compostela que foi maravilhoso, e tive a sorte de ser sorteada para receber uma bênção especial do papa João Paulo II, viu? Foi muito interessante para mim, porque nós éramos 30 pessoas, né. E algumas iam fazer uma outra viagem, e outras iriam ficar na Itália, e eu optei por ficar na Itália, para fazer, para conhecer um pouco mais, e nisso o guia conseguiu essa audiência com o papa, mas tinha que ser só 6 pessoas, né, daquele grupo. E eu fui sorteada, eu e mais 6, e eu tive a sorte né, de ter essa audiência particular com ele , e de receber a benção dele , né. Então para mim, isso foi,assim, indescritível. E o caminho de compostela que é maravilhoso, também que eu tive oportunidade nesse viagem né. E cada viagem você tem muita coisa boa, para a gente lembrar, né, e assim todos os países que eu passei, graças a deus… Eu tenho uma colega que foi trabalhar comigo, e o filho dela era agente de viagem, eu falo para vocês que eu sempre tenho alguém para me dar uma mão?O filho dela era agente de viagem, e ele sempre que, por exemplo, ele fazia o pacote, e ele sempre reservava aqueles pacotes que tinham ofertas boas né, promoções, para a mãe dele, e a companheira de viagem da mãe dele era eu, né. E assim eu fui a cada 2 anos né, conhecendo vários países, hoje eu tenho a felicidade de dizer para vocês que eu visitei 20 países, né. O Egito, a Turquia, França,Áustria, Alemanhã, Suiça, Suécia, Dinamarca, a Noruega, a Finlândia, né, que são países que eu passei, Luxemburgo… São tantos que já estou até esquecendo os nomes, ta vendo? Esses anos todos… E agora por último, Jerusalém, que eu achei até que eu ia fechar com Jerusalém, porque estou com 76 anos,mas eu acho que eu ainda vou fazer os caminhos de Paulo, não sei, está na mão de Deus, né? Que já me ajudou a vir de lá até aqui, agora vou fazer os caminhos de Paulo se Deus quiser, né? Tudo isso, igual falei com vocês., a minha vida eu tenho ajuda de Carlos, né, que ele não gosta de viajar, mas nunca me proibiu de viajar, ao contrário, me ajuda, me leva até Belo Horizonte,me busca, porque eu não dirijo mais. Tenho problema de artrite reumatoide, e tenho pouca força na mão para dirigir, mas não fico assim, dependente demais dele, mas graças a Deus, ele faz tudo de bom grado, tem dia que ele falo assim também: “ Já chega de viajar, você já viajou muito” Eu falo: “ O meu filho, mais um bocadinho”. Aí ele me ajuda.
00:35:50
P1: O Lúcia, é , você já falou de seu pai, de sua mãe, fala um pouco para nós dos seus avós, eles nasceram aqui?
R: Não, meus avós, Joaquim Dias Ferraz, ele nasceu em Ubá, ele era de Ubá, e ele veio para Santa Cruz , para ajudar um primo na formação de plantação de fumo, que ele trabalhava com fumo nas fazendas lá em Ubá, Ubá, Rodeiro, Campestre, que hoje são cidades, mas pertenciam tudo a Ubá, e ele veio para ensinar o povo daqui, para ajudar o primo, e nessa ajuda ao primo, o primo quis que ele casasse com a filha mais velha, mas ele falou com o primo: “Não, eu quero a mais nova”. E ele casou com a mais nova, que é a que ele ficou em Santa Cruz, onde ele tinha um café, e ele fazia fumo, e vendia fumo nessa, juntou o dinheiro, para dar entrada nessa fazenda da esperança, que ela era da dona Inocência, família dos medeiros, e ele comprou essa fazenda, ele tinha muito orgulho para dizer que ele comprou em 5 anos e pagou em 3 né, e nisso a minha avó faleceu. Que a minha avó nasceu em Rio Pomba, mas veio com o pai, que era Zezé Gomes, José Gomes e ele comprou um sítio, né, e meu avô veio, que esse era primo dele, para ajudar na plantação de fumo, e nisso ele casou, comprou essa fazenda,pagou, a minha avó faleceu, ele casou novamente. Então, ele achou que a segunda esposa dele tinha que trabalhar para ele comprar uma outra fazenda para a segunda família, onde ele comprou a fazenda do sobrado, sabe? Para a segunda família, e a fazenda esperança ficou para os filhos da minha avó, que eram 4, morreu uma,ficaram 3, que é papai, tia Petita e tia Maria, que são os herdeiros né, da fazenda esperança. E depois foi dividido com tia Maria, tia Petita comprou em piedade para ela, quando ela casou e papai ficou com a outra parte, mas a minha avô Minervina era de Rio Pomba né, os pais dela também de Rio Pomba, e eles vieram, moraram uns tempos em Dom Silvério, Sem Peixe, depois comprou esse sitio do Sobrado, aonde meu avô veio para trabalhar com fumo, e acabou ficando, né. E aqui na fazenda do Sobrado ele faleceu, sabe? Mas, eles não eram daqui né, já meu pai já nasceu aqui né, e a minha mãe é de Piedade, a cidade próxima de Santa Cruz, o pai dela tinha um sítio lá, é da família dos Gonçalves, casou com meu pai ela tinha 16 anos, e viveram 68 anos de casados.
00:39:35
P1: Então, na verdade eles vieram para cá e nunca mais mudaram?
R: Nunca mais mudaram, criaram a família toda, né.
00:39:44
P1: Que são quantos irmãos? Você tem, então, quantos irmãos?
R: Eu tenho 10 né, e duas de criação, 10 irmãos e duas de criação, 12, sabe?
00:39:56
P2: Você sabe como os seus pais se conheceram?
R: Sei, sei, porque meu pai foi a festa em piedade, e mamãe também estava lá, na festa em piedade, né, aí ele conheceu e teve que ir lá no sítio para pedir meu avô para namorar, sabe? Mas não podia ir sozinho, meu avô Ferraz né, que teve que levar meu pai lá para conhecer a minha avô, né, porque conhecia já tinha que fazer um, assim, um compromisso, né? E eles namoraram um ano, e casaram a minha mãe tinha 16 anos, sabe?
00:40:40
P1: Casaram muito jovens, né?
R: É,isso, o sonho dela era ser professora, ela tinha o quarto ano,e naquele tempo o quarto ano né, e quando chegou aqui o administrador de Santa Cruz da época, que era seu Geraldo Vieira, ele era padrinho dela, queria que ela desse aula, mas ela já tinha duas crianças pequenas, né, eu e a… Aí meu avô falou: “ Não, minha filha, não vai ser professora não, você vai ajudar em casa, porque …” Ela obedecia muito né, mas ela tinha essa paixão dentro dela, que ela não pode né, aceitar uma sala de aula, mas ela fez tudo para que todas as filhas dela fossem professoras, nós todas somos professoras, sabe? Só uma que é formada professora, mas ela fez prótese, então ela trabalha em Belo Horizonte na prefeitura de Belo Horizonte, a caçula, mas as outras todas são professoras.
00:41:44
P1: Você fala 10 irmãos, como que foi essa infância sua, né, com 10 irmãos?
R: Nossa, maravilhosa, sabe? Eu tive uma infância que muito poucas pessoas tiveram, de brincar muito, né, em terreiro de café, em cantiga de roda, a noite de lua cheia, sabe? Era uma colônia, se chamava colônia, né, de 32 casas, né. Hoje a gente vê que são 4, 32 casas de muita criança, sabe? Então, a minha infância foi maravilhosa.
00:42:31
P1: Tinha festividade nessa?
R: Tinha, muita, muito baile, e tinha esse teatro lá de dona Conceição de… no taboão, ela era professora rural, e tinha esse.. Era um paiol, que ela fez um tablado assim, sabe? Onde ela ensaiava a gente para, então todo mês tinha uma festa no Taboão, tinha uma festa aqui nas casas, lá em casa mesmo,né, papai gostava…
00:43:08
P1: As Coroações?
R: As coroações, é, as coroações, Mamãe fazia os vestidos de coroação, então todas as meninas daquela idade de coroar, mamãe tinha o altar, né, lá em casa e que ela fazia aquela procissão subindo a escada, para coroar, sabe? Ninguém ficava sem coroar…
00:43:36
P1: Eu era uma dessas..
R: Pois é, você era uma delas, né? Porque as meninas de roça não tinham muito acesso a coroar em Santa Cruz, não, sabe?
00:43:47
P1: E naquela época não tinha o transporte…
R: Não tinha nada, muito difícil, é, então para gente ir a rua, a gente falava ir a rua né, que era a cidade, a gente ia a pé, né, e tinha uma pessoa maravilhosa chamada Elvira, que a gente falava Sá Erlvira, mas é Elvira, era que levava todas as moças, sabe? Dividia, ela ficava no meio, as moças tinham que ir na frente, e os rapazes atrás, sabe? Ai do rapaz que fosse lá na frente, nossa, no outro festa não podia ir, porque ela falava “Fulano não te levo mais não, que você me desobedeceu”. Então, sabe, a gente ia nas festas em Santa Cruz tudo com Sá Elvira, era maravilhoso, a minha infância foi muito, muito boa, né. A não ser assim, nas gravidez de mamãe, que mamãe ficava passando mal, e que eu não entendia muito né, e que vovó é que vinha de Piedade para ficar com a gente, mas ela coitada, né, na limitação dela, ela também achava mamãe, que a gravidez de mamãe, mamãe ia morrer. Mamãe vinha,hiperêmese gravídica até o quarto mês só, só a minha que durou o tempo todo, porque já era coisa da cabeça, né, mas foi muito bonita a minha infância.
00:45:15
P1: O que que mais te marcou na sua infância..?
R: As cantigas de roda e as brincadeiras de zorra, zorra é um… Papai que fazia no terreiro de café, a gente é um, tinha, como é que eu vou falar, assim? É um centro com uma tábua, assim, né. Tinha um bambu que a gente firmava nele, e ali a gente ia até tontear, né. E brinquei de corda, passa anel, nossa, nós amamavamos..
00:45:48
P1: Essas brincadeiras eram todas criadas com vocês, né?
R: É, todas mamãe né, mamãe que adorava essas coisas, né, e juntava no terreiro de café, que hoje é ali o curral de Ronaldo, ali que era o terreiro de café, sabe? Que tinha aquilo lá em casa, mas é lé, que na época de lua cheia, mamãe ia com todo mundo para lá, rezava o terço, é, mamãe rezava o terço, fazia as novenas. Isso tudo ficou na minha cabeça, sabe?
00:46:21
P2: E você lembra alguma cantiga de roda?
R: Aquela que: “ Pai Francisco entrou na roda…”Muitas cantigas ficaram, mas assim, hoje a voz está ruim, né. A que eu mais gostava era dessa: “ Meu chapéu tem 3 pontas”, essas músicas que eu não vou lembrar muito agora não, sabe? Mas, eu tenho elas assim, né, na mente. Eu sei que uma a gente fica em 3 né, até que uma tem que ir lá escolher, e para substituir. Eram muitas brincadeiras, e eu fui pela vida, como professora também trabalhando, sempre, sabe? Na hora do recreio eu tava brincando com os alunos, né, que essa infância eu levei também para a sala de aula, essa paciência de ensinar, de vivenciar isso na sala de aula, foi de mamãe, sabe? A gente quando ia para escola, mamãe, nós já sabíamos tudo, mamãe já tinha alfabetizado a gente em casa. Acho que a vontade que ela tinha de ser professora, ela ensinava a gente em casa, né? Eu tenho uma irmã que é canhota, e essa padeceu um pouco, porque era aquele tempo que amarrava a mãe, né, então ela teve muita… Ela chama Minervina também, a gente a chama de Nem, ela tem muita dificuldade às vezes, teve muita dificuldade para fazer o curso de pedagogia, todo mundo levava 4 anos, ela levou 8, tinha muita dificuldade, eu acho que é, acho não, tenho certeza que foi esse problema de amarrar a mão para tentar escrever com a outra, tanto é que ela escreve com a letra muito feia com a direita, porque canhoto… não era só ela, todas as pessoas que eram canhotas usava esse método de amarrar a mão, e isso é um problema seríssimo né?
00:48:35
P1: E forçar né? Forçar o Aluno a escrever…
R: Forçar, isso… Então, hoje a psicologia explica muito bem isso, né. E papai não quis estudar, assim como meu avô pôs as filhas para ir para Mariana estudar, papai não quis, papai levou para escola, que naquele tempo era escola agronômica, né, em viçosa e ficou só 3 dias, voltou e falou: “Eu quero carrear boi, eu quero até puxar inchada, mas eu não quero estudar”. Então, meu avô tinha essa frustração, sabe? Dele não querer estudar, e com isso não estudou mais ninguém, né, 8 ou 80, sabe? Mas, eu tive a sorte de mamãe trabalhar muito, mas muito mesmo, as vezes tratava de 50, 80 capados para sustentar a gente no colégio, né, então nós todas estudamos graças a ela, que papai o, se as filhas ficassem dentro de casa para ele tava ótimo. Eu namorei 6 anos, quando Carlos falou que ia casar ele falou: “ Para que, meu filho? Fica um pouco mais”. Quer dizer, adorava as filhas dele dentro de casa, sabe? Era um pai, não era pai repressor, não era pai… Muito bom, sabe? Deixava a gente sair, passear, conversava muito conosco, mas deixava, era um pai liberal, para aquele tempo…
00:50:08
P1: Que naquela época não tinha pai nenhum liberal, né? Não podia ir pra festa, né, se você participar tinha que ter alguém muito responsável para levar… É, então…
R: Nossa, pois é, papai deixava a gente, confiava cegamente, sabe? E,diferente de outros pais da época, né. Então, isso que eu herdei, assim, sou uma calma, né, tinha muita ansiedade, para eu, até hoje as vezes eu sou convidada para fazer alguma coisa eu fico um pouco apreensiva para falar, né, mas hoje eu sou curada daquela coisa de falar em público, tando é que eu estou aqui, né.
00:50:58
P1: Lúcia, você fala muito da suas escolas, que estudou fora, mas e quando você estudou, que na verdade você estudou na área rural, né?
R: Área rural…
P1: Como que era essa escola, como foram os seus professores?
R:Era escola multisseriada, na sala de aula tinha do primeiro até o terceiro ano, e era professor, né, professor cordeiro. E era muito, ele era muito bom para ensinar a gente, mas ele não tinha muita paciência com aluno que desobedecia. E enquanto ele estava naquele tempo, multisseriada é assim, ele estava trabalhando com o primeiro ano, mas ele já colocava um livro na mão do segundo, um outro livro na mão do terceiro, só sei que ele conseguia dar aula com a sala multisseriada, né. Não tinha merenda, a gente que tinha que levar as merendas, e era muito interessante que todo mundo levava feijão, farinha com linguiça picadinha, sabe? Com ovo frito, todo mundo, a latinha de massa de tomate, né
00:52:12
P1: Cada um levava a sua?
R: Cada um levava a sua né, um mexido, tanto é que até hoje eu gosto de mexido, é por isso,punha naquela latinha, para gente merendar, isso era normal de todo mundo. Aí quando a gente foi para Santa Cruz não, lá já tinha a tal sopa, que cada um, cada aluno ou cada sala tinha que levar o arroz, o feijão,o fubá e o alho, sabe? Todo mês era uma sala,e não lembro de ninguém falar assim “Fulano não tem”. Todo mundo levava, né, o que tinha em casa, e lá fazia uma sopa, e que a gente achava deliciosa, sabe?
00:53:01
P1: É, porque se quisesse merenda, cada um tinha responsabilidade para levar, então…
R: É, isso, não lembro de ninguém ter uma merenda chique, bacana. Não, eu acho que eu era tão feliz com aquela latinha de massa de tomate, feijão e linguiça mexido, que eu nem lembrava que… Não via também, eu não lembro de ter visto outras, que não tinha nada para comprar, igual mais tarde a escola tem, tinha lá a lanchonete… Não tinha disso não, tinha lá a padaria do Joventino, que depois que a gente saia da escola ia lá e comprava um pãozinho doce, para gente vir comendo pela estrada a fora.
00:53:41
P1: Quando tinha o dinheiro ainda, né?
R: Quando tinha, aí o que que mamãe fazia? Falava conosco, assim: “ Vocês não podem comprar, só pode comprar o pão doce se vocês puderem dividir para todo mundo”. 27 menino,aí mamãe achou melhor não comprar o pão para nós, porque a gente tinha melhor condição, né, de comprar, para os outros não verem que a gente tinha e eles não tinham, né. Igual ir a cavalo,não deixava que eu fosse a cavalo, tinha que ir junto com os outros, para a gente não ser diferente. Mamãe nunca deixou que nós fossemos diferentes dos meninos da colônia,sabe? Tinha que ser igual, ela criou a gente desse jeito, nós tínhamos que ser igual aos meninos da colônia, sabe? Fui criada assim, com respeito às pessoas, não achar que tinha… Quer queira, quer não, eu tinha uma melhor condição financeira do que os outros, né, mas mamãe não deixava, a gente desde pequeno que a gente aprendeu que a gente tinha que ser igual. Tanto é que a gente lidava na colônia, comia feijão na casa do outro, era desse jeito.
00:55:04
P1: Chegava, o que tinha…
R: O que tinha a gente comia, sabe? E achava delicioso, todas as comidas, né, então, essa coisa de discriminação, eu só fui conhecer isso quando eu fui para a cidade, né. E nunca vi ninguém, nesse lugar, passando fome, não. Nunca via, via as pessoas com uma casa mais simples, mas a comida eu nunca vi faltando, todo mundo trabalhava muito, sabe?
00:55:35
P1: Eram muitas roças, né?
R: É, eu fui conhecer miséria quando eu fui trabalhar, quando eu mudei para Belo Horizonte, que até morar em Ponte Nova eu não conhecia miséria de ninguém não, né,
. Fui conhecer miséria em Belo Horizonte, que eu fui trabalhar em favela né, escola de favela, então aí eu vi miséria, aí eu fui conhecer um mundo que eu nunca tinha visto na vida, quer dizer, que eu vivia numa bolha, né, porque estudei interna, depois fui para Santa Cruz, Ponte Nova, então quando eu tive que ver isso eu sofria muito, sabe? Ver meus alunos com muita dificuldade, sabe, aluno as vezes que chegava sem tarefa, porque pai queimava caderno, irmão rasgava, então eu lidei com muita dificuldade das pessoas, depois que eu fui para Belo Horizonte, que eu trabalhei muitos anos em escola de periferia, sabe?
00:56:43
P1:Então, na verdade você tem muitos amigos, igual… Na comunidade onde você morou, né? Morou não, mora, foi, mas voltou, mora até hoje, né?
R: É, tenho muitos amigos no bairro que eu morei, né, nas escolas que eu passei, graças a Deus, sabe? E hoje na nossa comunidade, graças a Deus eu convivo e gosto de todo mundo, né. Hoje eu acho que eu nem sei viver, vai fazer 2 anos que praticamente eu não vou em Belo Horizonte, as vezes eu só passo, mas ficar lá eu não dou conta mais, sabe? Pessoal está reclamando, o pessoal da escola que eu aposentei vieram aqui me ver, porque eu tenho dificuldade com a cidade, eu gosto mesmo é de roça. E hoje eu estou na roça, sou ministra da eucaristia, sou catequista, né, e faço parte da pastoral familiar, onde eu dou curso de noivas, né. De início eu eu até falei para… “O que que eu vou fazer para dar o curso de noiva?” Aí ele falou “Não, só a sua vida…” . E eu fui pensar e realmente, vou fazer 53 anos de casada, a minha vida serve de exemplo sim, né, para os noivos que eu tenho trabalhado, sabe? Carlos como marido né, com todas as dificuldades, acho que é importante sim, mas eu achei que eu estava velha para isso, mas não, esse acho já foram 3 casais esse ano que passou que eu, que nós dois trabalhamos no curso de noivos, agora já estão casados. Esse ano ainda não apareceu não, porque o padre manda mais pessoas do lado de cá, da roça para eu dar o curso, porque diminui um pouco o sacrifício deles irem na cidade, nós somos 4 casais que da o curso, a maioria é do lado de lá, né, do lado de cá acho que só sou eu e o Carlos, sabe? Vou da o curso para Ravenia, né Ravenia? Quem sabe em Ravenia?
P2: Nã, não, não mesmo.
R: Não? Mas o curso é bom boba, muito bonito, viu?
P2: Não eu dispenso, eu agradeço, mas eu dispenso.
R: Tá, não sei.
00:59:23
P1: O Lúcia, e hoje na comunidade né, que você mora hoje, qual a sua relação com as festividades, né? Que acontecem…
R: Olha, hoje nós estamos com algumas dificuldades, porque enquanto nós tivemos a nossa coordenadora né, Lourdes que eu não posso deixar de falar, que é uma pessoa que era muito animada né, e ela achava que eu a animava, e eu tinha certeza que ela me animava, então era uma dupla, sabe? Que deu muito certo, e nas novenas ela não tinha tempo ruim para ela, aí depois que ela foi eu ainda estou aprendendo a lidar com a ausência dela né, e eu não tenho assim, tanta habilidade quanto ela na comunidade, porque ela também nasceu e criou aqui, mas ela ficou aqui,e eu tive que sair um pouco. Então, ela tinha um relacionamento muito grande com as pessoas, isso me ajudava, ela falava que eu estava ajudando ela, mas é nada, ela que estava me ajudando sabe? Mas, agora as pessoas né, em número muito pequeno, tem a dificuldade que nós temos hoje, a estrada, né, nós não podemos mais faz novena e sair de um córrego, a gente fala córrego né, de uma comunidade para a outra, por causa de boi, porque hoje a gente não aguenta correr mais, na estrada né. Então, não tem estrada nem para carro, e nem para andar a pé, praticamente, né. Hoje mesmo o Carlos subiu lá para ver se dava para passar, tá horrível, né? Então, infelizmente nós estamos vivendo num abandono do pode público , e para eu ir lá eu tenho que ir a cavalo, aí meu cavalo caiu da ribanceira, morreu, agora tem que comprar outro, né, porque para ir lá em cima no sobrado tem que ir a cavalo, porque eu não aguento ir a pé mais, né. Carro não está passando, então cada dia menos pessoas, então hoje nossa comunidade é comunidade de idoso, de idoso, né. Porque tem você lá em cima, tem a sua irmã e pronto, e cá em baixo nós somos o que? 4 casais né, de pessoas mais velhas né, só tem a Juçara e o Julinho, que são mais novos, então hoje a comunidade é comunidade de idoso, as nossas novenas né, estão sendo feitas com muita dificuldade por falta de estrada. Todo mundo tem carro hoje, então tinha que ser melhor, né? Tinha que ser melhor, que no tempo meu e de Lourdes era tudo a pé , nós íamos para novena tudo a pé, eu era mais nova, ela também, e hoje todo mundo tem carro, quer dizer que tinha que ser muito melhor, nós não temos estrada, né. É uma ironia, né, é um paradoxo, né, hoje nós temos, todo mundo tem carro, mas não tem estrada, no passado era muito melhor que ninguém tinha, mas todo mundo se encontrava para nadar a pé, porque podia, não tinha essa dificuldade, né.
1:03:25
P1: É, porque naquela época o povo, todo mundo ia para as festas né, era a pé, aqueles mutirões.
R: A pé, é isso. Não tinha tanto boi igual agora tem, tinha muitos moradores, hoje não tem, né, hoje não tem, então hoje a comunidade tem essa dificuldade para se encontrar, sabe? Para as novenas que é tão gostoso né, os aniversários, né, até a nossa missa que é uma vez por mês, nós estamos com dificuldade, sabe? E o lazer foi tirando, foi tirando oportunidade da pesca, que também era uma coisa boa, né? Todo mundo saia para pescar, hoje nós não podemos pescar, porque o nosso rio…
P1: O lazer, né?
R: É, é um lazer que nós não temos mais, né, não sei quando que vai, nós vamos recuperar isso, só o dia que o poder público ver que… Estrada hoje é importantíssima, né, então… Nós vamos a missa na cidade, né, é, se tem médico tem que ir na cidade, então nós ficamos mais pobres do lazer, né, ficamos mais pobres na convivência, todo mundo gosta demais um do outro, mas nós nos encontramos menos hoje, né. Estamos aí com a campanha da fraternidade, com a via sacra, nós estamos fazendo cada um na sua casa, coisa que nós nunca fizemos, sempre nós nos reunimos, né, na casa… Cada um, um mutirão, vai para aquela casa hoje, fazer novena, vai para outra casa, agora nós não fazemos isso mais, porque não é justo todo mundo ir só para minha casa, porque eu sou idosa, até gostaria, mas é egoísmo, né, eu tenho que pensar que todo mundo tem que vir andando, só porque eu não aguento mais. Eles fazem isso, mas eu acho que é ruim, porque eu também posso ir para outras casas, desde que tivesse estrada, todo mundo tem carro, e nós reunimos menos, porque a gente vai a pé, sabe?
01:06:05
P1 Na comunidade tem a capela, né, onde tem a festa do… Você sabe contar um pouquinho para gente como surgiu aquela capela?
R: Aquela capela surgiu quando a primeira pessoa chamada Lira, ela tinha 9 anos, ela começou a ver Nossa Senhora lá na lapa, e os pais ficaram muito assustados, e foram até embora daqui né, porque… E aí surgiu que lá na lá estava aparecendo Nossa Senhora e depois mais tarde ela apareceu para uma outra pessoa que é vivo ainda né, que já veio nas nossas festas, já deu até depoimento, como ele é vivo ainda e viu Nossa Senhora, com isso criou-se o hábito de ir na Lapa rezar o terço, porque era um lugar que nossa senhora tinha aparecido, e rezando o terço muitas pessoas conseguiram muitas graças, sabe? Se a gente tivesse escrito, hoje nós teríamos, né, muitas graças registradas, porque a gente sabe da história, mas pouco registro. Então, a Georgina mais João Pedro, começaram a fazer lá uma capela, mas eles tinham poucos recursos, então seu Sebastião Lacerda é que ajudou a fazer uma capelinha naquele lugar, onde criou-se o hábito de todo dia 24, dia de Nossa Senhora da Lapa rezar o terço, e com isso foi passando de geração, em geração, até chegar a nossa agora, nós temos a festa, dia 24 de agosto, né, onde chega a reunir até 300 pessoas né, ou mais sabe? E hoje, nossa, até o dia 24 nós estamos com dificuldade, para chegar lá para rezar o terço, por causa da estrada, sabe? Todo mundo tem lutado, tem pedido, mas parece que nós ainda não fomos ouvidos, né, eu não sei, porque eu não tenho ido lá em cima, diz que está péssimo, né? Mas, esse mês, se Deus quiser, nem que seja a pé eu vou , sabe? Porque eu acho que é uma tradição que nós não podemos deixar, porque isso vem de mais de 100 anos
01:08:57
P1: Bem antecedentes, né? Muito antecedentes..
R: É, isso, então nós temos que deixar, né, esse legado para os novos, para eles não deixarem morrer, né Ravena?
P2: Com Certeza
R: É muita responsabilidade, mas, que eu estou te colocando, mas você é uma das que vai, sabe? Firmar, junto com sua mãe, com suas tias, né, enquanto eu viver eu estou aqui…
P2: E vai viver muito ainda, se Deus quiser…
R: Então nossas festas são maravilhosas, né, a comunidade se reúne e cada um colabora do seu jeito, e a festa tem comes e bebes, tudo de graça, viu? Até para 300 pessoas
P2: Cada um da uma ajudinha com o que pode…
R: Tudo, cada um da uma colaboração e a festa tem comes e bebes com fartura né, e tem leilão, bingo.. Dinheiro vai para, que não é muita coisa, mas vai para ajudar a matriz né, a comunidade. E nós temos uma escolinha extinta, onde celebra-se a missa uma vez por mês, que por causa da estarda, nós já vamos para o terceiro mês sem, né? Espero que esse mês a gente consiga ir, nem que seja a pé
P1: Se Deus qusier…
R: Não sei se eu estou respondendo, do jeito que vocês gostariam, mas to tentando
01:10:37
P1: Como foi para você hoje contar essa história para gente?
R: A princípio, eu achei que foi, que foi, assim, foi bom, foi legal, porque eu nunca imaginei que isso fosse interessante, entendeu? Comecei a conversar aqui com ele, ele achou interessante,e me pôs aqui na frente das câmeras, né, nunca achei que a minha história fosse tão interessante, mas sempre tem que ter a primeira vez, e eu estou aqui de coração aberto para colocar né, a minha história, e a minha sobrevivencia a essa história. E que hoje, eu sou assim, grata a Deus, por ter passado por todas essas dificuldades, mas que cada uma delas me fez crescer, sabe?
01:11:32
P1: Você gostaria que outras pessoas ouvissem a sua história?
R: Para mim não tem problema nenhum não, se ela é interessante,né, é, pra mim não tem problema nenhum, que é uma história, né, verídica, se eu ainda tenho, né, uma mente que ta guardando, que eu posso falar, pra mim não tem nenhum problema.
01:12:00
P1: Você tem algum sonho?
R: Meu sonho agora é esse,de fazer os caminhos de Paulo, né, sendo que algumas cidades agora na Turquia, infelizmente né, uma das.. Acho que duas cidades do caminho de Paulo eu já não vou mais ver, porque o terremoto, aquela tragédia lá, mas eu tenho esse sonho, sabe? De até 80 anos ainda fazer esse trabalho, e de ajudar a comunidade, enquanto eu estiver condições de ajudar, né, aí na catequese, ajudar minha comunidade cristã, né, e a minha comunidade aqui, ao meu redor, aquilo que eu tiver ainda possibilidade de ajudar, né ..
01:12:58
P2: Tem mais alguma coisa que você queira falar, que você quer falar, contar?
R: Não, acho que eu não estou lembrando não, viu?
Recolher