Projeto Medley
Depoimento de Sephora Silva
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
[00:00:01]
P/1 – Eu quero saber, pra começar, o seu nome todo, sua data de nascimento e onde você nasceu.
[00:00:08]
R – Bom, meu nome é Sephora Silva, quer dizer, Sephora Ferreira da Silva, mas eu uso Sephora Silva, que é um nome mais artístico, que eu uso para o trabalho. Eu nasci na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, no dia 20 de novembro de 1973, tenho 56 anos, já já é meu aniversário. E... bom, comecei a minha vida lá, mas muito bebê eu fui pra São Paulo, São José dos Campos, que foi a cidade onde eu fui criada e é o lugar onde eu digo até hoje que é a minha casa.
[00:00:53]
P/1 – E como é o nome dos teus pais?
[00:00:56]
R – (choro) Eu sou muito emotiva cara, eu começo a falar e começo a chorar, que horror isso!
[00:01:02]
P/1 - Nem começou e você já tá chorando?! (risos)
[00:01:04]
R – Nem comecei, pra você ver como eu gosto da minha vida, como a minha vida é importante pra mim, né. Como é importante pra mim viver, como a minha vida é importante e como eu dou valor à minha vida. Só de pensar que eu nasci e que eu ainda tô viva, eu já fico emocionada. Pensar no meu pai e na minha mãe que me aceitaram, que me quiseram, eu fico emocionada! Já pensou? Deixa eu pegar aqui o lencinho de papel, mas vai passar, isso foi só o primeiro impacto, daqui a pouco eu me acostumo e isso passa, foi só o primeiro impacto.
[00:01:54]
P/1 - E acho que também tem essa coisa da pandemia, deixa a gente mais sensível ainda né?
[00:02:00]
R - Acho que não viu Lila, eu sou assim mesmo, eu sou escorpiana cara, igual você, a gente é muito sensível.
[00:02:09]
P/1 - Eu também, de que dia você é mesmo?
[00:02:11]
R - Dia 20 de novembro, tu é 17, né, eu lembro! Então pô, acabou com a minha maquiagem isso, não acredito... tá muito manchadinho? (risos)
[00:02:24]
P/1 – Não.
[00:02:25]
R – (risos) Então, a gente é muito intensa, né! Eu também sou muito intensa, então eu sinto as coisas assim, tipo, mil vezes mais do que a média das pessoas, entendeu? Mas vamos lá. Bom, aí eu fui pra São Paulo...
[00:02:46]
P/1 – Não, calma, a gente tava lá no nome dos teus pais.
[00:02:49]
R – Ah sim, claro, claro. Meu pai se chama José Amauri da Silva, meu pai é de São Paulo, da cidade de Piquete, minha mãe se chama Diva Maria Ferreira da Silva, minha mãe é de Natal. Nossa, a minha família é uma mistura danada, cara, porque meu pai é de São Paulo; meu avô, pai do meu pai, é mineiro; a minha vó, mãe do meu pai, é carioca; a minha avó, mãe da minha mãe, é pernambucana e meu avô, pai da minha mãe, é português. Aí, os meus bisavós por parte de pai são alagoanos e meus bisavós por parte de mãe são portugueses. Portugueses fugidos do leste europeu, imagina!
[00:03:48]
P/1 – Tem alguma coisa de índios?
[00:03:53]
R – Então, minha vó, pernambucana que é de Salgueiro. Ela tem descendência de índio, já pensou que loucura, hein?
[00:04:02]
P/1 – Por isso que você tem... diz que é parda, né? Porque… tem esse traço indígena, né?
[00:04:13]
R – É. Na minha família tem tudo, tem negro, tem branco, caucasiano, tem índio, cara, eu sou 100% brasileira, eu sou a síntese da mestiçagem brasileira (risos). Ai gente, eu tô com o nariz vermelho, vai ficar muito feio isso na fotografia, deixa eu passar um pozinho no rosto?
[00:05:01]
P/1 – E você podia falar, por favor, o que os teus pais faziam quando você era pequena? Qual era o trabalho deles?
[00:05:10]
R – Meu pai era militar, ainda é militar da reserva, militar da aeronáutica e ele trabalha com aviões. Ele é o que se chama na aeronáutica de mecânico de terra, tem o mecânico de voo, que é aquele profissional que vai junto no avião pra se der alguma pane, alguma coisa, e tem os que ficam em terra, que são os que recebem os aviões, que fazem verificação, que entendem da mecânica, de peças, de tudo. Meu pai é mecânico de terra, minha mãe é dona de casa, ela só veio estudar pra se formar depois que a gente já tava grande, mas ela era dona de casa, ainda é dona de casa, mesmo tendo estudado, ela ainda optou por continuar sendo dona de casa mesmo.
[00:05:58]
P/1 – Ela estudou o que?
[00:05:59]
R – Psicologia, estudou psicologia. Ela se formou quando eu tinha 13 anos de idade.
[00:06:13]
P/1 – E você tem irmãos, qual o nome?
[00:06:15]
R – Tenho dois irmãos, tem o Samir, que é meu irmão do meio, e tem o Savio, que é meu irmão caçula e mora no Canadá.
[00:06:28]
P/1 – E eles fazem o que?
[00:06:30]
R – Samir é administrador de empresas e executivo, né, de uma empresa. Savinho ele é… trabalha na área de TI, análise de sistemas, e, na verdade, hoje ele é cientista, ele trabalha com a criação de software muito avançado pra diagnósticos médicos, esse tipo de coisa, e ele mora no Canadá já há uns 20 anos já, é cidadão canadense ele, né. É casado com uma baiana – ó, mais gente na minha família, vê que loucura, mais mistura, né – casado com uma baiana que também é da área de TI, né. E meu irmão Samir é casado com uma inglesa/portuguesa/pernambucana (risos), aí é mais mistura ainda né. Tem dois filhos, o Douglas e o Adam, o Douglas é meu afilhado. Meu irmão Savinho tem a Isabel, tinha a Ângela também, mas agora só tem a Isabel.
[00:07:48]
P/1 – E o que é que você se lembra da sua infância, como era a tua casa na infância, o teu bairro?
[00:07:56]
R – Nossa, eu morava num lugar maravilhoso, morava no Centro Técnico Aeroespacial (desculpa, eu tô chorando de novo porque eu me lembrei da Ângela, a minha sobrinha, eu falei).
[00:08:13]
P/1 – A eu imaginei, eu até passei assim…
[00:08:16]
R – Pois é, eu lembrei dela, mas ela tá ótima onde ela tiver. Mas vamos lá, eu morava no CTA (Centro Técnico Aeroespacial), que é onde está o ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Eu saí de lá de Natal bem bebezinha e fui morar lá direto. Foi uma infância incrível, porque, primeiro que o lugar é maravilhoso, eu acho que não poderia ter sido criada num lugar melhor do que esse, era um lugar muito protegido, muito protegido. Era um lugar onde a gente brincava na rua, todas as brincadeiras eram na rua, ninguém brincava dentro de casa, nem quando tava fazendo muito frio, né, porque São José é muito frio, São José é uma cidade muito fria, ali no pé de Campos do Jordão, né. Então, a gente, poxa, eu estudei em escola pública, grupo escolar, estudei em colégio de freiras quando eu comecei o primário, no Instituto Auxiliadora, mas depois voltei pra escola mesmo de dentro lá do CTA. O CTA é um lugar muito importante pra mim, porque é um lugar muito cosmopolita, eu convivi com filhos de muitos estrangeiros que iam dar aula no ITA, então, japonês, americano, indiano, filipino, francês, alemão, e a gente brincava com todas as crianças, então, desde criança eu já sou uma pessoa bastante cosmopolita por ter tido esse convívio com crianças do mundo inteiro, com culturas completamente diferentes, tanto que a minha melhor amiga era uma japonesa, chama Harumi Furumaki, eu nunca me esqueci, incrível, né? O nome do pai dela era Nobu Furumaki, a mãe, Kio Furumaki, e o irmãozinho dela, que já tinha nascido no Brasil, Oscar, que eles chamavam de Oscaro, né. Com sotaque bem de japoneses, “karo”, e a Harumi era minha melhor amiga, ela era japonesa mesmo, não era nem nissei nem nada. A gente teve... tive convivência com gente do mundo todo. Então assim, outra coisa também muito importante pra mim, acho que já desde criança era pra eu ser arquiteta mesmo, sabe, porque eu já observava demais toda a parte de arquitetura das casas, tanto que eu lembro assim, de detalhes arquitetônicos que me chamavam atenção e que eu ia bem pertinho ver, “como é que funciona isso?”, né. Eu lembro que tinha uma janela numa casa, era uma janela que se chama janela ideal – depois eu descobri isso, depois de muitos anos – era uma janela que quando você abre a parte de baixo, a de cima também levanta, então ela tinha três partes, era a parte da veneziana de madeira, a parte que era de vidro e a parte que era de tela, porque tinha muito mosquito lá, muito pernilongo. Então assim, essas coisas sempre me fascinaram, o material, eu lembro exatamente da casa assim, de desenhar a casa toda, então assim eu acho que eu já tinha essa coisa mesmo de ser arquiteta quando eu era criança, né, de desenhar casa, de brincar com… brincar de casinha, pra mim, era fazer vários ambientes diferentes, a cozinha… Imagina, eu subi numa árvore, tinha uma árvore que era perto da minha casa e era uma árvore que eu dizia que era a minha árvore, era uma árvore que era toda espalhada assim, baixinha, e a gente ia brincar, eu dizia assim, era meu apartamento, aqui é o quarto, aqui é o banheiro, aqui é a sala, sabe assim, a gente brincava muito nessa árvore espalhada. Foi uma infância bem tranquila, muita bicicleta, muito subir em árvore, muita imaginação, sabe, crianças muito soltas na rua o tempo todo. Cara, eu me lembro de uma coisa muito engraçada, que, em São Paulo, quando chega na época de dezembro, os ipês começam a florescer, muitos ipês de muitas cores, tinha um ipê bem no parque, entre um bloco e outro de apartamentos (que eram baixinhos, eram só térreo e primeiro andar), tinha um parque imenso, uma praça enorme e aí essa praça era cheia de árvores, de banquinhos, imagina, projeto Lúcio Costa, urbanismo de Lucio Costa e arquitetura de Oscar Niemeyer – olha que privilégio, eu ser criada nesse lugar e depois eu virar arquiteta, pra dizer “eu vivi a arquitetura moderna brasileira na sua raiz de quando foi construída”, né, porque foi Brasília e o CTA construído na mesma época né. Os dois lugares foram projetados pelos mesmos arquitetos, né – e tinha um ipê na frente da minha casa que ele era todo branco, então quando ele florescia, ficava todo branco e quando as flores começavam a cair, o chão ficava todo branco, isso, imagina, em pleno dezembro. A gente se vestia de roupa de inverno, com touca, cachecol, com tudo e ia pra esse lugar branco dizer que era neve, cara, porque associava neve ao Natal, e no Natal a gente não tem neve (risos), vê, coisa de criança, né. Isso eu nunca me esqueço, a minha mãe “mas vocês vão morrer de calor com essa roupa”, e a gente, todo mundo vestido com as suas roupinhas de inverno, pra tirar foto na neve, e a neve era a flor branca do ipê que caia no chão, bem coisa de criança, né. Então, foi uma infância muito bacana, desde pequenininha também eu já era louca por cinema porque tinha um cinema lá no CTA e tinha um transporte no ônibus, que passava na casa de todo mundo pra pegar as crianças pra irem no cinema sábado às 3 horas da tarde. Então, eu com 7 anos de idade, eu ia sozinha pro cinema, com meus amiguinhos, minhas amiguinhas, pra ver filme às 3 horas da tarde. O ônibus passava, pegava as crianças, levava pro cinema, depois quando acabava o filme, saía levando as crianças todas pra casa, então era o programa de final de semana, se não era aniversário de ninguém, era cinema com certeza. E eu lembro do primeiro filme que eu vi, se chama “A floresta encantada”, um filme dos anos 40 que era a história de umas crianças que descobriram os duendes numa floresta e ficavam administrando essa coisa de não pode contar pros adultos e, ao mesmo, querendo viver essa história com esses duendes encantados, parecia até que eles sabiam que os adultos quando eles descobrissem, iam fazer alguma coisa com os duendes, né, então eles não podiam... bom, eu lembro demais dessa história, era muito linda essa história. E aí pronto, foi o primeiro filme que eu lembro que eu vi, que eu era muito pequenininha, mas eu me lembro. Bom, aí depois quando a gente... eu morei em São Paulo até os 11 anos de idade e me lembro de muitas coisas importantes que aconteceram nessa época, tipo o incêndio do edifício Andraus, do Joelma, sabe assim, foram coisas bem complicadas, porque foi passado ao vivo na TV.
[00:16:13]
P/1 – Você se lembra onde você tava quando você ouviu a notícia? O que que você se lembra desses momentos?
[00:16:17]
R – Foi na hora do almoço, a gente almoçando, claro né, tinha televisão ligada e a gente ouvindo, veio o incêndio, porque entrava tipo ao vivo né, no jornal da TV. E aí foi bem complicado, porque eles filmaram muita coisa na hora, então você via ali as coisas, entendeu? Bem difícil, mas eu lembro.
[00:16:48]
P/1 - Esse é o que, do Joelma?
[00:16:50]
R – Dos dois, do Andraus e do Joelma. O Andraus foi em 72, se eu não me engano, e o Joelma foi em 74, se não me engano. Bom, e outras coisas legais, tipo Festival da Canção, onde eu vi Secos e Molhados no Anhembi transmitido direto. Às vezes eu acho que eu tenho memória meio de elefante assim, porque eu lembro de umas coisas muito, sabe.
E eu me lembro, Secos e Molhados estourando na TV, nas revistas, muito incrível. Eu me lembro eu, até hoje, eles lá assim, dando show lá no Anhembi e isso sendo transmitido pela televisão. Outra coisa que eu lembro também é da novela Gabriela, quando passou pela primeira vez, que criança não podia assistir, porque era uma novela censurada, e às vezes eu ficava olhando na brechinha da porta (risos) não conseguia dormir e eu ia lá e ia ver, não podia ver né, quer dizer, não podia, meus pais não queriam, né. Porque realmente Gabriela era uma novela que falava de outras coisas, que criança, realmente, não tinha porquê. Tanto que quando passou a segunda versão eu quis assistir a novela toda né, pra ver e… que mais? Muitas coisas legais, muitas coisas bacanas da infância. Ah, e as viagens de carro que a gente fazia, a primeira vez que eu fui, por isso que quando todo mundo pergunta pra mim “você é de onde?”, eu digo “eu sou de São Paulo”, porque eu não tenho nenhuma lembrança de Natal, né, assim, eu nunca morei em Natal, na verdade, então pra mim, “você é de onde?”/ “Natal” / “ah que legal, como que é lá?”, eu digo “não sei”. Porque a primeira vez que eu fui à Natal eu tinha 6 anos de idade, foi a primeira vez que eu vi, que eu fui na cidade, que eu fui visitar meus avós, que eu fui conhecer minhas tias, né, assim, mesmo! A cidade... mas assim, tem umas coisas muito bacanas que eu também lembro. A primeira vez que eu vi o mar do Rio Grande do Norte, que é muito diferente do mar de São Paulo, né. A gente ia pra férias em Caraguatatuba, que era a praia que a gente ia, mas a areia cinza, bem fininha, cheia de concha e o mar é diferente, quando você chega assim, quando a primeira vez que eu cheguei que eu vi o mar de Natal… na verdade não foi nem de Natal, essa lembrança que eu tenho, é a lembrança de uma praia chamada Redinha, que é uma praia que fica perto de Natal, cara, eu nunca me esqueci disso. Porque você vai chegando de carro e você chega pelo alto, aí de repente a areia começaca a ficar toda branquinha e aí você via aquele mar gigantesco, um azul que assim, brilhando, que assim, nunca esqueci disso, né. Aí a gente fez essa viagem pra Natal, fez várias vezes inclusive, a gente sempre fazia essa viagem de carro. Ou ia pelo litoral e voltava pelo interior, ou ia pelo interior e voltava pelo litoral, ou seja, a gente ia passando por Minas, pela Bahia, por Sergipe, Pernambuco, até chegar em Natal. Então, a gente conheceu muitas cidades, quando eu era criança conheci muitas cidades do interior, né, que era importante né, porque em cada cidade que a gente chegava, a gente via uma coisa diferente. Eu me lembro até hoje que a gente ficou numa hospedaria numa cidadezinha bem pequenininha de Minas, que eu não lembro como é que é o nome agora da cidade, mas eu lembro de uma cena, a gente chegou de noite pra dormir. Imagina, a família com três crianças, pra gente se acomodar e dormir pra no outro dia voltar, e a gente foi tomar um... foi jantar, na verdade, o jantar foi uma sopa com pão, né. Esse pessoal não tava esperando receber uma família, porque era um lugar muito pequeno, e aí eu lembro da moça dizendo assim “olha o pão tá meio murchechento, mas é o pão de hoje”, e a gente ficou “o que é isso, pão murchechento? Mamãe o que é pão murchechento? Eu não vou comer esse pão não, que esse pão aí ta murchechento, que história é essa de pão murchechento?” (risos), e ficou todo mundo assim, as crianças, é lógico. Minha mãe: “que nada, é porque o pão tá um pouquinho murcho”, aí perguntou, chamou a moça e falou “você podia explicar pra eles o que é um pão murchechento?” aí ela falou “ah, é porque o pão é de hoje mas ele já tá meio mole, não é um pão fresquinho, ta vendo, não é nada disso não”. Aí a gente foi e comeu, coisa de criança né, “que palavra é essa né”. Aí, assim, eu nunca me esqueci dessas coisas, e entre outras né. Tipo na Bahia, em Jequié, a comida completamente diferente, mas a comida baiana, maravilhosa, um arroz branco, branco, branco. Era um arroz que era feito com leite, sabe, era a primeira vez que eu comi acarajé na minha vida, sabe, foi nessa cidade. E aí, tantas outras coisas que no meio do caminho iam acontecendo, né, tipo, do hotel de Aracaju, abri a janela e vi um monte de barco! Porque era perto do Porto o hotel, sabe, então eu tive muitas lembranças bacanas de viagem, tipo o carro esquentar no meio da estrada e parar num lugar e quando a gente olhada do lado, tinha uma pedra e tinha um filete de água, era uma cachoeirinha caindo, então sabe assim, tem muitas coisas bacanas, né. E, ah, são muitas lembranças boas de infância. Tipo, conheci um menino em Natal, ficar apaixonada pelo menino e aí voltar de Natal pra São Paulo escutando toca-fitas no carro e tocar Detalhes, de Roberto Carlos, e chorar (risos) vê, uma criança de 6 anos de idade, que loucura, né? Primeiro amor, né. Primeiro amor, 6 anos de idade, eu me lembro, o nome dele era Hugo, Huguinho. Já pensou, que loucura? Mas eu lembro, lembro demais… Outra coisa importante da minha infância foi a minha, digamos, educação musical. Eu comecei a estudar piano com 4 anos de idade, eu já gostava muito de música, eu já cantava as músicas de ouvido, e a minha mãe resolveu me colocar pra estudar piano. Então eu estudei piano a partir dos 4 anos de idade, né, e assim, a minha mãe tinha uma cultura, um gosto musical muito bom, então eu aprendi muito sobre música. Sobre música popular brasileira, sobre música internacional, porque a minha mãe escutava muita música e ela escutava música o tempo todo. A minha mãe fazia faxina em casa ouvindo música, então, eu fui aprendendo muito sobre música e aprendendo música clássica também, né. E assim, com 10 anos de idade eu dava recital de música em auditório, né, depois tudo isso acabou, eu vou explicar porque. E assim, hoje eu gosto muito de música, eu sou DJ nas horas vagas, eu gosto muito, sempre gostei muito de pesquisar sobre música por conta dessa minha educação musical e dessa coisa da música estar muito presente na minha vida o tempo inteiro. Então, assim, eu tenho uma memória musical muito forte, de todo tipo de ritmo, de ópera, de música clássica, de música de todo tipo, e tenho o ouvido muito sensível pra coisa ruim, uma música ruim me faz mal (risos), verdade, uma música mal feita, uma música sem harmonia, uma música sem melodia, que não tem potencial, e a gente vê isso muito na música, na nossa música que a gente tem hoje no Brasil, né? A gente perdeu os poetas, a gente perdeu os grandes arranjos de orquestra, a gente... tudo bem que as coisas se renovam e as coisas vão pra frente, mas a gente tá com um problema sério de qualidade no Brasil hoje, em muitas coisas. Bom, aí vamo lá, é, depois que a gente…. Diga.
[00:26:13]
P/1 – Tá, você ia falar de….
[00:26:19]
R – Eu ia avançar pra minha mudança de São Paulo para o Ceará.
[00:26:25]
P/1 – Tá, antes da mudança, qual a tua lembrança da escola?
[00:26:31]
R - Ah, da escola, então, minha escola, bom, eu te falei, eu estudei em duas escolas lá em São José, né? Um foi um grupo escolar que era uma escola pequenininha que tinha dentro do CTA, que atendia aos filhos das pessoas que moravam lá, de todos os militares e dos civis também que moravam lá. E tinha uma escola chamada Instituto Auxiliadora, que era um colégio de freiras né, então a minha mãe me colocou e eu fiz o jardim da infância no grupo escolar e depois a minha mãe me colocou nesse Instituto Auxiliadora, pra começar o primário, porque a maioria das meninas iam pra essa escola de freiras. E eu fui pra essa escola, era uma escola particular, minha mãe estudou em colégio de freiras e queria que eu estudasse em colégio de freiras também, então pra mim tanto faz, um colégio ou outro, mas assim, eu tinha boas lembranças. Era um colégio só de meninas, não tinha meninos, nessa época, colégio de freiras e de padre era tudo separado, né. Então era um colégio só de meninas, tinha um uniformezinho lindo, era tão lindo o uniforme da escola, camisinha branca de botãozinho com sainha azul de preguinha e tinha um bolsinho, era muito frio e a gente ia de meia, sapatinho de amarrar, sabe, era bem bonitinho. E eu me lembro de uma história, muito engraçada, porque eu era muito pequenininha, tinha 6 anos, né, e aí eu estudava de manhã, era muito muito cedo, levantar em São Paulo de manhã cedo, no frio, se arrumar e tudo, tirar a criança da cama é complicado, você sabe disso, né, no frio é complicado! Mas eu lembro que eu tava tão empolgada com a escola e eu gostava tanto da minha escola, que um dia eu acordei sozinha, um frio danado, acordei sozinha, me vesti toda e achei estranho que minha mãe não foi me acordar. E aí eu acordei, eu me arrumei toda, botei a meinha, botei tudo, a blusinha por baixo, tudo, e aí fui lá acordar minha mãe e meu pai, né? “Ô mãe não vai pra escola hoje? Ô mãe, o que que aconteceu? Porque você não me acordou?”, aí a minha mãe olhou e disse “filha, hoje é sábado, não tem aula (risos) não tem aula hoje, aula é só de segunda a sexta, não tem aula hoje, é sábado, não tem aula”. E aí eu, tão empolgada que eu tava de ir pra escola né, então me arrumei toda, fiquei toda feliz que eu me arrumei toda, até o sapato eu amarrei sozinha, tudo eu fiz sozinha, arrumei o cabelo, escovei o dente, fiquei toda pronta, “minha filha hoje é sábado, volte pra cama, tá muito cedo”, eu falei “pô que decepção né?”. Aí eu entendi a diferença do final de semana pro meio da semana, aí foi muito engraçado isso. E aí depois, acho que não era uma escola barata, era uma escola cara, por alguma razão, lógico, não deu mais pra eu estudar nessa escola – acho que eu fiz o primeiro e o segundo ano lá – aí eu voltei pro grupo escolar, pra essa escola pública. Escola pública em São Paulo nos anos 70, eram escolas públicas incríveis, eu me lembro que tinha o ginásio também, todos os filhos de todos os militares, os civis, os estrangeiros, estudavam na escola, no ginásio que tinha. Eu me lembro que a saia, o uniforme deles era diferente do da gente, porque era uma saia cinza, um cinto vermelho e uma camisa branca, eram as cores de São Paulo, né. As cores de São Paulo, o preto, o branco e vermelho, só que a saia era cinza, não era preta. A gente tinha uniforme também, um uniforme com as cores de SP e tinha uma blusinha de tecido que tinha um bolsinho e no bolsinho tinha o brasãozinho de SP, das escolas públicas. E eram escolas ótimas, a escola era bem pequenininha sabe, tinha um pátio cheio de eucalipto, tinha muito eucalipto em São Paulo, e aí era legal, eu era, foi ótima, foi uma escola ótima, assim, não tenho nenhum trauma não. Só de uma briga que eu tive de um menino que tentou bater no meu irmão e não deixei ele bater, eu fui lá e dei uma surra nele (risos). Foi, eu fiz isso, cara, eu fiz isso.
[00:31:20]
P/1 – Teu irmão é mais novo?
[00:31:22]
R – Mais novo, eu sou a mais velha de casa, só que assim, nós somos muito pertinho um do outro. Eu e Samir somos quase gêmeos, porque nós ficamos 40 dias com a mesma idade. Eu tinha essa coisa de ser a filha mais velha, porque eu era cobrada de ser a filha mais velha, então eu tinha que cuidar dos meus irmãos. Mas eu era tão criança pequena igual a eles. Savinho já é bem mais novo do que eu, deve ter uns 3 anos de diferença, mas Samir não, Samir tem 11 meses de diferença entre eu e ele. Mas eu era a filha mais velha, então eu tinha essa responsabilidade, então você ver um menino mais velho tentar bater no seu irmão, eu corri pra cima do cara e dei uma surra no cara, tipo de montar em cima dele e bater, bater mesmo. De ser chamada na diretoria e tudo, porque tinha batido, me machuquei, aquela coisa toda, mas coisa de criança, né.
[00:32:20]
P/1 – E de professor, você tem alguma lembrança, algum professor especial? Alguma história com algum professor?
[00:32:28]
R – Tenho. Inclusive eu procurei essa foto pra mandar pra vocês e eu não achei, mas se eu achar eu vou mandar. Que se chamava Tia Judite, Tia Judite foi a minha professora no jardim de infância, ela era uma figura maravilhosa. E eu me lembro que teve uma peça de teatro e eu fiz o papel do Dunga, que era a Branca de Neve e os sete anões, e eu era o Dunga (risos), imagina, entrava muda e saía calada. Mas isso aconteceu porque eu era a menor de todas, eu sempre fui a menorzinha, a criança menor de todas, pequenininha, né. Só dei uma esticada boa quando eu, a partir dos 9, entre 9 e 10 anos de idade, eu dei uma esticada que eu fiquei uma criança grande e até disseram “nossa, essa menina vai ficar enorme!”, que nada, foi tudo diferente. Aí eu me lembro da Tia Judite, me lembro sim, tem uma outra professora também que eu me lembro no Instituto Auxiliadora que era Dona Olenca, olha o nome dela, Olenca, eu não esqueço desse nome e dessa professora, porque ela era uma bonita, era muito bonita. Sabe com quem que ela parecia? Com a Ivete Sangalo, hoje me lembrando, fazendo uma comparação, era como se fosse a Ivete Sangalo, mas mais bonita, porque ela era muito fina, sabe? Ela tinha uma cara meio de Julieta assim, de Shakespeare, aquele cabeção, aquela coisa assim. Aí eu me lembro dela, me lembro das freiras e me lembro da rigidez do sistema das freiras, era muito rígido e eu lembro que uma vez eu pedi pra ir no banheiro e elas não deixaram, e eu tava com dor de barriga e elas não deixaram eu ir no banheiro. E aí que que aconteceu, eu não me aguentei. E aí uma criança, uma outra amiguinha minha, eu me lembro do nome dela, Bessie, bem bonitinha de cabelinho curtinho, loirinha assim. Ela chamou a professora, porque eu tava assim com a cabeça baixa e ela me cutucava e eu não me mexia. Aí ela chamou a professora e a professora foi ver o que que tinha acontecido, aí quando ela percebeu o que tinha acontecido, aí me tirou da sala de aula, né? E aí isso foi um bullying assim, absurdo comigo quando eu era criança, porque eu, imagina, né? Aí tiveram que chamar minha mãe, aí eu tive que, eu me lembro que na época eu tive que vestir uma calcinha de uma freira, imagina, que horror! (risos) Eu tô rindo hoje tá, eu tô rindo, porque foi uma situação, mas na época foi horrível pra mim, eu não queria voltar pra escola, eu não queria mais ir pra escola, eu fiquei morrendo de vergonha.
Mas era a rigidez do sistema, eu não sei, não acreditaram que eu queria ir no banheiro, e não deixaram, e eu não aguentei, foi horrível isso. E depois aguentar todos os comentários e todos os apelidos que vieram depois, né? Não foi fácil, não foi fácil, mas coisas que acontecem. Acho que tudo acontece pra gente aprender alguma coisa, claro que na época eu era uma criança e não tinha esse discernimento né? Mas assim, eu era muito danada, entendeu? Então eu respondia à altura, brigava mesmo, então eu não queria nem saber, mas aquilo me magoava de alguma maneira, mesmo que eu brigasse, dissesse, sabe, fosse peitar quem tivesse, mas lá dentro de mim não era fácil. Eu não sei se isso ajudou a minha mãe a me tirar da escola e me colocar de novo na outra escola, eu não sei, eu não sei essa transição como foi. Só sei que eu tava nessa escola e depois eu voltei pra outra escola, né? Mas assim, eu era, eu acho que eu era uma boa aluna, mas eu acho que eu tinha problema de concentração, eu lembro disso. Porque eu ficava viajando muito, tinha muita imaginação, eu era muito criativa e tinha um raciocínio muito rápido, então era muito rápido e às vezes eu não conseguia acompanhar porque eu tava em outra coisa já. Sabe, eu acho que é meu ascendente em gêmeos que me deixa assim muito hiperativa mentalmente (risos), né. Mas assim, na parte de exatas mesmo, não era uma criança boa em matemática, mas em compensação, português, história, qualquer coisa de artes, línguas, era sempre 10, 10, 10, 10, 10. Sempre, só na parte de exatas que ficava naquela confusão, mas assim, nunca cheguei a ter uma uma dificuldade que, que me prejudicasse, entendeu? Bom, aí a gente foi pra, meu pai foi transferido pra, bom, eu tive muitos amigos lá, né? Em São Paulo, inclusive tenho amigos até hoje, hoje! Que eu me comunico com eles e são dessa época, que até hoje, a gente é amigo até hoje de dizer que é primo, de tão amigo que é, e de tão próximo e de tanta convivência e tudo. E de depois ter se encontrado em outra cidade e ter continuado a amizade, foi muito bacana isso também. Bom, aí a gente, meu pai foi transferido pra Fortaleza, e aí a gente foi pra Fortaleza e foi uma viagem bem traumática, na verdade, porque a gente aproveitou o final do ano letivo pra passar Natal, Ano Novo e férias escolares com a minha avó em Natal e depois seguir pra Fortaleza pra começar o ano, o ano letivo em Fortaleza. E aí, o que que aconteceu, nessa época, isso foi em 1970 e… foi o início de 1975, 75, a gente passou o ano né, 74 pra 75 em Natal, e aí teve a grande enchente que alagou Pernambuco e alagou o Ceará nessa época, e a gente não pôde ir, porque a gente tava de carro. Então as estradas foram bloqueadas, aliás não tinha mais estrada entre RN, entre Natal e Fortaleza, não tinha mais estrada, ficou tudo alagado, né? Muita gente desabrigada, e era muita gente desabrigada, não tinha avião da Aeronáutica pra que a gente fosse pro Ceará, né? A gente ficou esperando as águas baixarem pra gente poder viajar. Aí quando acho que no mês de março, a gente… mês de março? Foi, tipo na metade de março já. A gente tentou ir de carro porque já tinha melhorado, quando nós chegamos em Mossoró, aí já tinha começado a chover de novo, as águas tinham começado a subir novamente, mas ainda dava pra passar. Eu sei que a gente ficou, sei lá, alguns dias em Mossoró, que tinha um destacamento da Aeronáutica lá, hospedado lá no destacamento e deu uma estiada, disse: “vamos embora”, quando a gente chegou no meio do caminho, aí foi começando a chover, a chover, a chover, a estrada foi começando a ficar com muita lama, muita lama. O carro atolou, imagina, meu pai, minha mãe, três crianças pequenas e um cachorro, minha cachorra, Kelí é o nome dela. Aí eu sei que começou a chover torrencialmente e começou a encher, e começou a anoitecer, a luz caiu e a gente não tinha ninguém na estrada, só a gente, ninguém mais. A gente saiu do carro, a gente ficou em cima do carro, porque a gente não sabia o que ia acontecer… Aventura, muita aventura! E aí de repente, quando a gente achava que não ia mais ter jeito, aparece um jipe com uns quatro caras desse tamanho, aí vem a gente, o jipe 4x4 pela lama, até encontrar com a gente. E aí falou pro meu pai que não tinha como prosseguir viagem não, que tinha enchido tudo de novo e eles conseguiram, cara. Pegaram o carro, era uma Variant 2 eu lembro, era uma Variant, primeiro modelo da Variant, cor de vinho, caminhonetinha e tudo, viraram o carro de volta, puxa, botaram umas correntes no carro, puxaram o carro e a gente foi de volta pra Mossoró. E passamos um mês lá, a gente foi abrigado pela família do comandante do destacamento, eles abrigaram a gente lá. Eu lembro que eles tinham um casal de filhos, acho que o nome do filho deles era Ivo, Ivo, o pai era Ivo, era o Ivo também.
Cara, a gente tomava café, almoçava, jantava na casa desse pessoal todos os dias. Sabe o que é isso, você abrigar uma família de cinco pessoas e um cachorro? A gente dormia no alojamento, mas fazia todas as refeições lá, né. Durante um mês inteiro cara, a gente ficou lá, eu sei que quando a gente chegou em Fortaleza, quando conseguimos, meu pai conseguiu um avião, conseguiu um avião pra gente, né, pra levar a gente, aproveitou que o avião ia aterrissar no destacamento. Essa é a lembrança que eu tenho, tá, pode ser até que tenha acontecido de forma diferente, mas essa é a lembrança que eu tenho, né. Sabe que a lembrança da gente também é uma coisa muito, que a gente constrói às vezes né? Mas eu lembro que como os aviões da aeronáutica estavam fazendo esse trabalho de levar comida, levar remédio, esse trabalho assistencial, né, meu pai, acho que conseguiu que um desses aviões que parariam lá por conta de mantimento, alguma coisa pra levar pra esses lugares que tavam precisando, a gente conseguiu, a gente conseguiu ir nesse avião pra Fortaleza, né. E aí depois de muito tempo, quando melhorou, meu pai foi buscar o carro que ficou lá em Mossoró pra levar o carro pra Fortaleza. Aí quando a gente chegou em Fortaleza, já era, cara, fim de maio já, tava acabando o primeiro semestre da escola. Resultado: eu não pude ir pra série que eu ia, eu tive que repetir de ano pra poder acompanhar, aí eu repeti de ano, que era a quarta série. Era pra eu ir pra quinta série, como eu ia mudar do primário pro fundamental, era totalmente diferente do que era o primário, então resolveram me colocar de novo pra eu poder fazer, repetir de novo o quarto, depois ir pra quinta série, pra entrar no fundamental. Né, eu perdi um ano de escola aí. Mas aí foi tudo bem, aí é outro mundo, outro mundo, outra cultura, Nordeste, é outra história, muito diferente, a cidade muito mais, muito pobre, entendeu, a gente vê que São Paulo é São Paulo né gente? São Paulo é outro mundo né? São Paulo é um mundo à parte, não adianta querer comparar São Paulo com nenhuma outra capital do Brasil, porque São Paulo é outro mundo, é diferente, aí você vai de uma cultura muito mais avançada e muito mais avançada e convivendo com estrangeiros, sabe, de gente do mundo inteiro e com outra, sabe. Aí vai pra um lugar muito legal, que as pessoas são muito legais, mas a cidade é muito pobre, muito atrasada. Pra mim isso foi como se fosse o meu primeiro retrocesso na vida, né, mas foi legal, porque ainda existia a coisa de ser criança. Eu aprendi outras coisas, jogar pedra, sabe, brincar de jogar pedra que eu não sabia né brincar de outras coisas. E foi a época que eu estiquei muito, fiquei uma criança, uma menina grande pra minha idade né? Bom, aí menstruei com 10 anos idade, foi um choque pra mim! Eu adorava subir em árvores. Eu era a menina que subia em todas as árvores que aparecesse na minha frente, eu subia em todas as árvores, andava de bicicleta, brincava na rua, carrinho de rolemã, era muito moleca, aí de repente com 10 anos de idade você menstrua, você não sabe o que é isso, claro, você não sabe o que é isso na questão da mudança, mas a minha mãe me explicou, lógico né.
Mas assim, foi uma mudança muito radical na minha vida, muito radical, imagina, eu com 10 anos já toda formada de corpinho e eu querendo ser criança e sem ser criança, e as mudanças acontecendo, e bom, foi meio chocante pra mim essa primeira mudança né. Foi bem chocante, mas aí foi outro aprendizado. Bom, vida que segue, a escola diferente, estudei em escola pública de novo, depois em outra escola particular. A gente não morava no mesmo lugar que os militares moravam, porque era um lugar muito longe, a gente foi morar num bairro muito bom em Fortaleza. Um bairro muito bom, que é o melhor bairro de lá na época, e aí eu conheci muita gente bacana, conheci muita gente legal, morava perto da praia. Foi uma época muito boa, sabe, bem diferente, não tinha esse costume de ir na praia né, que em São Paulo tinha isso né? Era férias! Até hoje eu tenha isso dentro de mim, pra mim praia é férias. Eu moro na praia e não vou à praia. Porque pra mim praia é eu sair, esquecer que existe trabalho e tudo, e ficar sem fazer nada uma semana inteira, entendeu? E até hoje eu tenho isso dentro de mim, de verdade, eu sou muito paulista, muito paulista, muito paulista, sabe? Eu acho que a primeira infância, eu acho que é a coisa que determina mesmo nosso comportamento, como é importante isso, né? Então, Fortaleza, ali foi quando a minha mãe pôde estudar, que a gente já tava mais velho, já tava mais criado. Ela fez, ela estudou psicologia, era a época que meu pai viajava tanto, que nem em São Paulo, meu pai viajava muito, muito. Assim, o meu pai viajava muito, ele ficava meses fora de casa, ele viajava muito. Então minha mãe praticamente criou a gente assim né, na medida do possível, praticamente só. Meu pai tinha que viajar muito, no trabalho dele né. Em Fortaleza não, ele ficou mais lá e foi mais fácil pra ela poder estudar, pra ela conseguir estudar. E assim, foi legal, primeiro namorado foi lá, primeiro amor. É, como eu digo, o que pode ser consolidado, porque aquele outro era só uma imaginação de criança, lógico né. Embora nunca tenha esquecido, aí foi o primeiro namorado, foi muito legal, coisas diferentes, eu ia pra muitas festas e minha mãe me levava pra todas as festas que eu queria ir, eu sempre fui muito baladeira, sempre fui pra balada, sempre adorei ir pra balada, sempre, sempre fui baladeira. E a gente morou em Fortaleza quatro anos, né, foi um período que aconteceram coisas muito difíceis na família, né? Minha mãe é muito nova, o pai também, casaram muito jovens, então acho que eles estavam vivendo um período difícil pra eles né, porque os dois muito jovens, com filhos já grandes e tipo, é como se em algum momento da vida, aquilo que eles pularam ia acabar faltando, sabe? Então foi um período muito conflituoso de família que a gente teve em Fortaleza. Então, meu pai foi transferido para o Rio Grande do Sul, imagina, a gente sai de Fortaleza e a gente vai para o Rio Grande do Sul. Sai de Fortaleza e vai morar em Canoas, que é uma cidade que fica do lado Porto Alegre, é como se fosse Recife/Olinda, e a gente vai pra lá. Chegar lá, mês de abril. Aí mais uma mudança, né? Eu saio da mudança do ginásio e vou pro ensino médio lá, quase que eu perco o ano de novo porque a gente chegou lá em abril, mas aí eu: “não eu não vou repetir de ano não, eu vou, vou pegar”, e entrei no 1º científico lá. Um frio, eu saio de 30°C e a gente chega lá tá 10°C, e baixando a temperatura, frio, um inverno assim, daqueles úmidos. A gente já não tava mais acostumado com o frio por causa dos quatro anos que eu tinha passado no Ceará, né, e eu tinha um papagaio (risos), no Ceará eu tinha um papagaio que era meu animal de estimação, que eu adorava ele. Eu fui obrigada a deixar meu papagaio, não pude levar meu papagaio porque ele não ia aguentar o frio. A gente teve que deixar ele lá, o nome do meu papagaio era Fred. Era lindo, ele era um papagaio muito bonito e ele falava muita coisa bacana, inclusive cantava e dançava, era incrível! É verdade (risos), ele cantava e dançava. Mas vamos lá, chegamos no Rio Grande do Sul, muito frio, uma cidade totalmente diferente, uma cultura completamente diferente do que a que eu tinha vindo, tanto de SP quanto do Ceará. Eu tive dificuldade pra entender o que eles diziam no início, porque o sotaque era completamente diferente, eu não sabia se eles estavam falando português ou se estavam falando espanhol, porque eles misturavam as palavras.
Era um negócio assim que eu tinha que ficar prestando atenção, claro que depois de uma semana, a gente já entendeu o que que eles tavam falando, mas era uma loucura. Tudo diferente, os horários diferentes, a comida diferente, a escola completamente diferente, as abordagens diferentes, as amizades começavam diferentes. Gente, o Brasil é um país muito múltiplo de tudo o que você pode imaginar, essa coisa do Brasil ser essa extensão gigante faz uma diferença enorme na nossa cultura, é tudo muito diferente. Então, eu aprendi o que que era colono, lá eu aprendi o que era ser colono. “Ah porque fulano é colono (...) ah, os colonos”, “que colono, que é isso?” Os colonos são descendentes de italianos, de alemão, de polonês, né? Que são as colônias maiores que foram pra lá, tem a colônia espanhola também né? Que também é grande, mas não se compara com os alemães, italianos e poloneses, né? Então assim, as pessoas que eram colonas eram as pessoas que foram criadas nas colônias. Cara, eles não sabiam falar português! Tinha um lugar que você chegava pra visitar, não falavam português, os filhos falavam, os pais não falavam. Falavam italiano que não era nem oficial, era um dialeto. Alemão a mesma coisa, polonês a mesma coisa! Falavam alemão dialeto, falavam polonês dialeto. Os filhos falavam com um sotaque muito “deferente”, que você não conseguia entender uma palavra do que eles tavam falando! Era assim que eles falam, uma loucura. Então assim, eu aprendi muita coisa, aprendi a beber vinho no RS, né, aprendi sobre uvas, entendeu? Sobre pão, sobre geleia, sobre doces, sobre confeitaria, sabe? Era assim, era outro mundo muito diferente, né? As pessoas eram, os adolescentes eram mais livres do que no Nordeste. As mulheres principalmente, embora existisse, lógico, uma cultura gaúcha muito machista, do homem, do gaúcho chê, ser muito macho. Tem muito isso lá, mas era uma cultura mais livre, os adolescentes eram muito mais livres. A primeira vez que eu ouvi a palavra “ficar com alguém", a expressão “ ficar com alguém” foi lá. No Ceará não tinha isso, no Ceará você não ficava com ninguém, você namorava, pegou na mão, tava namorando e era um compromisso. Lá não, cara, lá você ficava com a pessoa, numa festa. E você não tinha que namorar com a pessoa, você ficava, beijava, abraçava e tudo, adolescente e tudo, às vezes namorava porque rolou né? Mas não necessariamente porque teria que acontecer, imagina, isso era 1979 e lá já era assim, a coisa do ficar com a pessoa já era… Os adolescentes eles eram mais resolvidos nisso aí, entendeu? Eu tive que aprender isso, porque eu já vim de outra cultura de adolescente, já diferente né? Então tive que aprender sobre isso.
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P/1 - E você teve alguma história de adolescente assim? De relacionamento ou de amizade?
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R - Então, eu tive um namoro em Fortaleza, um namoro mesmo. Eu namorei dois anos com um menino, comecei a namorar com 13 anos ele, acabei um pouco antes de me mudar, porque tinha que acabar porque não tinha como continuar, tinha que acabar, né, mas assim, foi uma grande paixão na minha vida, o nome dele era Adriano, uma grande paixão. E eu me lembro que ele era um menino que tinha acabado de chegar dos Estados Unidos, olha como a questão das culturas e da coisa das afinidades já são moldadas pela própria cultura que a gente tem.
Eu como era uma pessoa que já vinha de São Paulo, de um lugar super cosmopolita, que já tinha convivido com um monte de estrangeiro, eu conheço esse menino, que também era filho de militar, ele tinha acabado de chegar dos EUA, um menino que já vinha com outra cabeça, falando outra língua, foi assim: “pá, conhecer o menino e grudar”, tanto ele comigo quanto eu com ele. Porque a gente tinha uma visão de mundo muito diferente, entendeu, era outra coisa. A família dele que tinha morado fora e era outra história bem diferente. E eu namorei dois anos com esse menino, foi uma descoberta de amor muito forte, eu era muito apaixonada por ele, ele era muito apaixonado por mim. Agora, era um amor de adolescente né, lógico. Mas a gente era muito amigo, muito amigo, muito amigo. A gente passava horas conversando, era um namoro muito adulto pra um casal de adolescentes, mas ao mesmo tempo não era um namoro de adulto, era um namoro de adolescente. Mas o nosso comportamento entre nós, era de uma amizade muito grande, a gente era muito amigo e a gente conversava pra caramba, sabe assim, tinha muita coisa assim, muito boa. Então, foi um primeiro amor muito bom, digamos que isso também foi muito determinante pra mim, porque eu já tive um nível de relacionamento com o meu primeiro namorado muito forte, tipo, era um, era um compromisso. A gente tinha um compromisso um com o outro, de vida, não era uma coisa de criança, era uma coisa mais adulta mesmo. Da gente ter consciência de que eu era namorada dele, que ele era meu namorado e que a gente combinava tudo junto, era muito bonito, entendeu, era um amor bem bonito, então eu já comecei nivelando por cima, digamos, os meus relacionamentos, né? E isso pra mim foi difícil depois, muito difícil. Porque quando você vai pra um lugar onde os adolescentes tem namoro de adolescente, tudo bandavuô, você quer ter aquele relacionamento que você conhece que é bom pra você e você não consegue ter mais. Foi o que aconteceu comigo no Rio Grande do Sul, tive namorado lá, tive! Mas era outra história, cara, era muito diferente, porque a galera era da bandavuô mesmo, porque assim, era namorado, mas ao mesmo tempo tinha uma certa liberdade, então eu não me adaptei, porque eu tava acostumada com um namoro que era uma coisa muito harmoniosa, muito de amizade, muito. E eu não me adaptei muito, tive namorado lá sim, mas eu peguei ele com outra menina, né? Minha intuição sempre foi uma coisa muito forte, eu sempre tive umas intuições assim, tipo: vai lá agora, faz isso assim. E eu sempre vou seguindo a minha intuição, quando eu não sigo a minha intuição, as vezes que eu me dei mal na vida foi porque eu não segui minha intuição, quando eu sigo a minha intuição dá tudo certo. E aí assim, eu fiquei muito traumatizada com isso, digo: “poxa, porque você faz isso, porque você fez isso comigo? Eu sou tão legal com você, porque você tinha que fazer isso comigo?”. Então aquilo foi meio traumático pra mim, sabe, e aí eu não quis mais, tipo, não quis mais namorar com ninguém, não quis mais saber de ninguém, preferi ficar na história de como todo mundo fazia, ficar. Não confiei muito mais nas pessoas, nos meninos, né, preferi ficar, e eu passei, digamos, eu sempre determinei quem eu quero pra mim, eu nunca foi escolhida, nunca fui princesinha de achar que alguém ia me escolher e eu ia ter que gostar de alguém por causa disso, não, eu sempre escolhi com quem eu quero ficar, fim. Sempre foi assim, a minha vida toda, e aí foi bom, fiz o meu segundo grau.
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P/1 - E como foi a descoberta da sexualidade, com esse primeiro namorado já rolava? Ou só depois no Sul?
[01:03:05]
R - Não, aí foi uma coisa muito mais, é, não, com o primeiro namorado sim, mas não foi uma coisa é, digamos, o que você consome, não teve nada consumado, foi uma coisa de sensações mesmo, entendeu? De saber que, assim, tinha uma coisa muito forte ali, entendeu, que a atração física era uma coisa muito forte, muito determinante pra você manter um relacionamento, entendeu? Lógico que existiu uma certa descoberta, mas não foi nada muito, digamos, profundo. Isso foi uma coisa que aconteceu mais, depois, quando eu tava mais velha, lógico né? Quando eu tava no RS, e aí sim, surgiram outras oportunidades, de não de chegar a ter uma relação sexual, mas de chegar a provar várias coisas ali, entendeu, a ter uma certa entrega, né, e a ser uma exploração desse novo mundo. Eu sempre tive muito essa coisa do romantismo, de ter a primeira vez com a pessoa que eu acreditasse que era a pessoa certa pra mim, certo, por exemplo, eu me sentir segura, eu realmente querer aquilo, achar que poderia estar na hora, então eu sempre fui muito racional nesse ponto, nunca me deixei levar pela emoção só. Porque tava louca de tesão, deixar as coisas rolarem, isso nunca aconteceu comigo, nunca, sabe assim.
Sempre foi muito, e assim, como eu tinha essa coisa muito esclarecida na minha casa, então eu nunca tive problema de desespero nem de ansiedade por isso, porque eu saía pra todo lugar, eu ia pra todas as festas, eu tinha a oportunidade de fazer um monte de coisa, acampar com os amigos. Então, assim, eu não tinha essa ansiedade de sair de casa pra ficar com alguém e ficar naquele desespero, eu nunca tive isso, muito pelo contrário, eu sempre fui muito tranquila com isso, muito, muito tranquila com isso. Só que eu não sei até que ponto isso me prejudicou, porque a minha primeira vez foi muito ruim, embora eu tenha me resguardado muito, né. E aí foi outro choque cultural, eu estar em um lugar que eu poderia ter tido minha primeira vez na tranquilidade, porque os meninos estavam muito resolvidos com isso em relação às meninas, e isso foi no RS, certo? Eu nunca vi ninguém, nenhum dos meus amigos, discriminar nenhuma menina porque transou com ela lá, muito pelo contrário, era uma coisa mais de liberdade, né, e aí eu me resguardando, aquela coisa toda, não sei o que, e aí quando eu vim pra morar em Pernambuco, eu já tinha, a gente foi transferido pra cá, eu cheguei aqui com 21 anos. Inclusive, deixei um namorado lá, né, com quem eu deveria ter transado a primeira vez, não fiz, certo, e aí a gente acabou o namoro e tudo mais. E aí eu vim morar aqui, eu já tava na faculdade, já era estudante de engenharia. O meu segundo grau foi um segundo grau é, meio complicado porque é aquela coisa né, eu queria fazer uma faculdade mas tinha uma certa dificuldade na matemática e na física, era muito boa em português, muito boa em línguas, muito boa em biologia, muito boa em um monte de coisas, mas nas exatas eu era mais ou menos, mas eu botei na cabeça que eu queria fazer engenharia civil. Meus pais diziam: “você não vai passar no vestibular, não vai conseguir passar no vestibular”, não acreditavam em mim não, mas eu sou muito, sabe, tá certo. E eu passei, cara, vestibular pra engenharia civil na faculdade que eu queria, sem fazer cursinho, nenhum cursinho eu fiz, eu estudei sozinha, né, eu sou muito assim, determinada, quando eu quero uma coisa eu vou lá e consigo, eu tenho isso comigo. Isso me ajudou depois nas histórias mais complicadas, né. E eu consegui passar, eu passei inclusive na Federal pra matemática, eu passei pra matemática na Federal e passei pra engenharia civil na PUC, que era onde eu queria estudar. Passei pra engenharia civil na PUC, comecei a fazer engenharia civil na PUC e aí meu pai foi transferido, né, e aí quando eu cheguei aqui em Recife, eu fui pra federal em engenharia civil e foi um choque pra mim, foi um choque muito grande, eu tive um choque cultural aqui, muito grande. Eu nunca vi um lugar tão machista em toda a minha vida, e olha que eu posso falar porque eu rodei esse Brasil, eu rodei o Brasil, cara. Então eu conheci gente do Brasil inteiro, mas como Pernambuco não existe em lugar nenhum, Pernambuco é o lugar mais machista que eu já vi na minha vida. E aí eu fui estudar na federal onde tinham 50 alunos na turma, 10 mulheres e 40 homens, então eu venho de um lugar onde os adolescentes são super livres, muito mais livres e mais resolvidos. As pessoas ficavam, não tinha problema, aqui não tinha essa história de ficar, não tinha, aqui tinha a história do cara cortejar a menina pra namorar com ela, namorava com a menina e ficava com outras meninas que eles não queriam namorar na rua, cara. E deixava a namorada em casa, era assim que funcionava, eu achava aquilo um absurdo, eu tinha 21 anos, eu era de maior, todo mundo que tava junto comigo era da mesma idade, “como é que vocês fazem isso? Vocês são adultos”. Mas os caras com vinte e poucos anos já, as namoradas tinham 15, 16, 14 anos, os caras com 20 anos, sabe? Eu sempre me relacionei com pessoas da minha idade, isso foi uma coisa que desde sempre eu aprendi, meu pai me ensinou isso. Eu me lembro quando eu morava em Fortaleza, eu com 12 anos de idade, eu era uma menina linda, corpaço, 12 anos, mas tinha um corpaço, era toda lindinha, então os meninos mais velhos se interessavam por mim, mas mais velhos eram com 16 anos, entendeu, 17, eu tinha 12 anos de idade, e me lembro que meu pai uma vez falou pra mim: "minha filha”, meu pai sacava né, meus amiguinhos todos, porque eu falava tudo em casa, meus pais sempre souberam de todas as amizades que eu tive, sempre. Pra onde eu ia, com quem eu ia, o que eu ia fazer, sempre, né. Então o meu pai uma vez chegou pra mim e falou assim: “minha filha”, sacando né, que o menino mais velho tava me cortejando, e eu bem 12 anos de idade, imagina. Aí meu pai falou pra mim: “minha filha, olha, se você quiser namorar, pode namorar, não tem problema não, agora, namore pessoas da mesma idade, porque vocês vão ter as mesmas ideias, vão ter as mesmas referências, vão gostar das mesmas coisas e vão descobrir as mesmas coisas”. Então aquilo ali ficou, tipo… Fico emocionada quando eu falo isso (choro), porque isso, pô, meu pai é um homem incrível, ele é uma referência pra mim em algumas coisas boas, não é referência, é referência em algumas coisas que eu também não quero pra mim, mas ele é muita referência de coisas maravilhosas pra mim. Então, esse conselho que o meu pai me deu, imagina eu tinha 12 anos, meu pai falou isso pra mim numa boa, sabe, “minha filha, você se relacione com pessoas da sua idade porque vocês vão descobrir as mesmas coisas, um menino, uma pessoa mais velha do que você, não vai ficar na sua idade, vai querer que você vá pra idade dele, né. Então, um menino com 17 anos vai querer que você seja uma menina de 17 anos, e ele não vai querer ser um menino de 12 anos pra estar com você”. Eu entendi a mensagem, entendi completamente. Tanto que depois eu, meu primeiro namorado, foi um menino da minha idade, eu tinha 13 e ele tinha 14 né? Tipo você ter com 15, 14, todo mundo da mesma idade, né. Mas eu nunca fui uma pessoa de olhar pra uma pessoa muito mais velha que eu, eu sempre me interessei por pessoas da minha idade, regulando comigo. E sempre foi muito fácil pra mim, sempre a partir desse conselho que eu recebi do meu pai. A única vez que eu não fiz isso na minha vida, foi a pior coisa que eu fiz na minha vida, a única vez que eu não fiz isso, foi muito ruim, tá?
[01:13:09]
P/1 - O que foi?
[01:13:09]
R - Então, voltando pra Recife, né? Eu…
[01:13:13]
P/1 - Pera aí, o que foi essa vez que você falou que ele…
[01:13:16]
R - Então é isso o que eu vou falar agora, né? Aí tô aqui na faculdade de engenharia, estudando, fazendo amizade com as pessoas, difícil de fazer amizade, porque a cultura é muito aristocrática, muito fechada. “Quem é você? Como é seu nome?”, “Sephora”, “Sephora de que?”,”Sephora Silva”, “Silva de quem?”, “Silva de fulaninha, Silva de num sei quenzinho? Qual é a sua família?”, aí eu: “como assim?”, “Ah, mamãe, ela não é daqui, ela acabou de chegar de fora”, “Ah tá”. Então, era uma coisa de descobrir minhas referências, né? De saber de onde eu vinha pra saber se eu era legal pra ser amiga daquela pessoa, né? Quem sou eu? Qual é o meu background? Qual é a minha família? Eu tenho família de grana, não é família de grana, é pobre, não é pobre, o que é isso? Isso pra mim foi um choque, porque eu nunca me relacionei perguntando: “como é seu sobrenome? Você é fulaninha de que?”. Nunca tinha escutado isso na minha vida, nem no RS, que a coisa do sobrenome determina muito, de que colônia você vem, no RS tem isso. Fulaninha de tal, pra saber se a colônia é alemã, se a colônia é italiana, se a colônia é polonesa, entendeu? Pra saber sua descendência cultural, né, aqui não, aqui é a sua descendência social, econômica, muito forte isso aqui em Pernambuco.
E isso foi mais uma cultura que eu tive que aprender a lidar com essas coisas né, e aí me deparei com meninos que ficavam, quando eu ficava com eles em alguma festa, no outro dia eles não olhavam mais pra minha cara, nem olhavam pra mim, nem falavam mais comigo.
Porque ficaram comigo e não eram meus namorados, e eu tive que aprender isso, eu tive que me retrair pra me relacionar com as pessoas, eu me retraí, porque eu disse: “não, pera aí que esse lugar aqui é muito diferente, eu preciso…”. Meu primeiro ano em Recife, foi a primeira vez na minha vida que eu me deparei com uma, digamos, situação que eu posso hoje chamar de depressão. Meu aniversário de 22 anos, eu tava tão destruída com tudo o que eu tava vendo à minha volta, eu tava tão acabada, com tanta coisa nova, e que eram coisas que eu não conseguia lidar, que eu lembro que o dia do meu aniversário, eu saí andando pela praia, eu fui parar no hospital, sozinha, fui parar no hospital da aeronáutica, entrei lá, deitei numa cama, numa maca e fiquei, fiquei deitada na maca (choro) e os médicos vinham: “Como é seu nome? O que é que você tem?” Eu não conseguia falar, eu só conseguia ficar deitada, assim, não conseguia falar. Fiquei, aí eles me deixaram lá, não insistiram, me deixaram lá, aí de vez em quando vinha um enfermeiro: “Tá sentindo alguma coisa? Tá sentindo alguma coisa?”. E eu não conseguia falar, até que eu consegui falar e eu dei o telefone da minha casa, eles ligaram pros meus pais e meus pais foram me buscar. Porque eu tava mal pra caramba, tava me sentindo super mal, tava me sentindo sozinha, não conseguia ter amizade, não conseguia firmar amizade. Só tinha duas pessoas que eram meus amigos, uma que era carioca, mesmo que a família fosse daqui, já tinha morado fora e tudo. E o outro que é meu amigo até hoje, meu amigo do peito, que é Givaldo, que fazia engenharia comigo e depois a gente fez vestibular pra arquitetura e os dois passaram na mesma turma, ele é arquiteto e é meu amigo até hoje, que são pessoas maravilhosas. Mas assim, a história toda social tava muito forte em cima de mim, eu não tava conseguindo lidar com aquilo. Aí eu sei que esse ano foi um ano muito difícil pra mim, muito difícil, 1985, foi um ano muito difícil pra mim.
Mas aí depois eu fui me recuperando, eu sou uma fênix, eu me recupero assim... Aí eu arranjei um namorado, que era, fazia mestrado em engenharia civil, porque ele era engenheiro também, eu tinha 22 anos e ele tinha 28, ele foi a única pessoa mais velha que eu namorei em toda a minha vida. Eu achando que porque ele era um homem mais maduro, mais velho, né, eu tava me recuperando, tava querendo me apaixonar, ficar bem, ter um namorado, tudo. Vamo namorar, vamo namorar e tava namorando com ele, disse: “não, eu vou transar com esse cara”. E aí fui.
E aí a gente foi pro motel, né. E aí chegando lá, eu disse pra ele: “olha, eu sou virgem, eu nunca tive nada com ninguém, já aquelas coisas de adolescente, tudo, mas eu nunca tive relação sexual com ninguém”. Aí ele disse pra mim: “ Mas você já tem 22 anos” e eu disse: “Ué, eu sou uma pessoa muito romântica, eu fiquei esperando a pessoa certa pra isso”.
Aí eu senti que ele me olhou com uma cara meio diferente, e nesse momento eu senti uma coisa estranha, eu senti um pouco de medo, sabe? Que eu não conseguia explicar o que que era, mas ele era meu namorado, né, ele era meu namorado. E a gente começou aquela coisa toda e aí eu senti o comportamento dele diferente, meio violento, e aí eu disse: “Não, não quero, não quero, não, não vamos fazer isso não, porque eu não tô me sentindo bem”, e ele: “como assim não? Claro que sim”, e aí eu disse: “não, não, comecei a empurrar ele, comecei a empurrar, empurrar, empurrar” e ele: “não”. Aí ele pegou a minha mão, juntou, botou assim pra cima e aí veio com tudo pra cima de mim. E aí foi muito ruim.
E aí ele viu que era virgem, ele não tinha acreditado em mim, eu fiquei desesperada. E eu fiquei desesperada, tipo, consegui empurrar ele, consegui me vestir, consegui sair. E saí andando pela rua, de madrugada.
Não tão de madrugada, era muito tarde da noite, num lugar muito ruim.
Ele veio atrás de mim, já arrependido do que tinha feito, né, eu, morrendo de medo dele, mas eu não tinha dinheiro, eu não tinha dinheiro pra ir pra casa. Eu tive que entrar no carro dele, e ele me deixou em casa. Nunca mais eu olhei pra cara dele, e na minha casa, ele ficava ligando, ligando, ligando, e eu dizia que não, que não, que não queria falar com ele. A minha mãe dizia: “mas porque você não quer mais falar com ele? Ele está embaixo te esperando, vai lá falar com ele”, Fernando o nome dele, “Vai lá falar com Fernando”, eu dizia: “não vou”. “Por que, por que, por que?", “Ah, mamãe, porque eu descobri que ele estava me traindo com outra pessoa”, pra encerrar o assunto. Eu fiquei com aquilo dentro de mim, o que que aconteceu? Seis meses depois, presa com aquilo, eu tive uma crise nervosa, muito forte, me sentindo super culpada, e aí falei pro meu pai. Não falei pro meu pai o que tinha acontecido, eu falei pro meu pai que eu tinha transado. Mas eu não falei pra ele o que tinha acontecido, se eu falasse isso com meu pai, meu pai era capaz de fazer alguma coisa. Mas eu falei pro meu pai, não falei com a minha mãe, falei com meu pai, meu pai foi a primeira pessoa que soube que eu tinha transado, não a minha mãe. Aí ele disse: “minha filha, é por isso que você tá assim? Isso é a coisa mais normal do mundo, você é uma mulher, você não precisa se sentir desse jeito, você é uma mulher adulta, essas coisas acontecem, não fica se sentindo desse jeito”.
Só que ele não sabia que eu tava me sentindo mal pelo que tinha acontecido, então eu me aliviei de uma maneira, contando pra ele que eu tinha transado, mas eu nunca, jamais contaria pra ele, o que realmente aconteceu, que nunca ia fazer isso. E aí, depois disso, o que acontece? Você tem que se recuperar, né, eu passei um tempão sem me relacionar com ninguém, já vinha da crise de ter me mudado, da cultura de ser diferente e aí cela com, carimba com uma história dessa. Mas eu digo: “eu vou morar aqui, eu tenho que me recuperar, eu tenho que viver bem porque nem todo mundo é igual, as pessoas não são iguais”.
E aí nesse, nesse momento, me levaram num centro espírita, né? Aí comecei a assistir as palestras, comecei a achar bacana, eu sempre fui muito sensitiva, eu sou médium, sempre fui. Nessa época essa crise que eu tinha tido foi meio que confundida um pouco com essa minha sensibilidade, por isso eu comecei a frequentar o centro, que foi muito bom pra mim, porque eu comecei a aprender, estudando o Evangelho, estudando espíritas, o livro dos Espíritos, o livro da mediunidade, eu fui entendo um monte de coisa, isso foi me ensinando muita coisa. Sobre mim, sobre as coisas que a gente passa, sobre as situações que a gente vive, as situações que a gente aprende. E aí eu fui me recuperando até que eu conheci um menino, aí eu também não queria mais namorar com ninguém, não queria namorar com ninguém, assim: “vou viver minha vida, minha liberdade, eu estou numa idade muito boa que…”. Fui tentar me recuperar e conheci um menino muito legal, Toninho o nome dele, ele era, ele fazia engenharia de pesca. Nessa época eu já tinha passado no vestibular, ah, fiz vestibular, foquei pra fazer vestibular pra arquitetura, abandonei, foi tão difícil pra mim esse ano que eu passei na engenharia, que no ano seguinte eu abandonei a engenharia, eu abandonei, eu não tranquei não, eu abandonei completamente, entendeu? E aí resolvi que eu ia fazer vestibular pra arquitetura, estudei e passei super bem classificada. Mais uma vez meus pais ficaram: “Será que ela passa?”. Passei de novo, muito bem! E aí comecei a fazer o curso, o pessoal era diferente, eram bem mais jovens do que eu, o pessoal da minha turma. Já era pra eu estar, eu passei em arquitetura no ano que era pra eu estar me formando em engenharia, imagina. Aí foi, aí o Givaldo, esse meu amigo, foi comigo, que a gente passou na mesma turma. Ele era um super amigo, muito, muito amigo, querido, foi muito importante pra mim. Então, aí eu conheci esse menino e tudo, e eu disse: “vou arriscar ficar com esse menino pra eu tirar esse trauma da minha vida”, aí fiquei com ele, só que ele é tão legal, ele era tão legal, assim tão, da minha idade ele, um pouquinho mais novo que eu. E ele falou: “eu tenho namorada”, aí eu disse a ele: “E aí?”, aí ele: “Eu não sei o que que eu vou fazer”, eu digo: “Continue com a sua namorada, não tem problema, a gente pode se encontrar de vez em quando". Foi a minha primeira experiência de ser amante de alguém, porque ele era daquela cultura, cara, ele tinha namorada de 16 anos de idade, deixava ela em casa, ia ficar com outra menina. Aí eu disse “Tá, beleza, quando eu quiser a gente fica, se não eu também não fico”, e aí pronto, aí foi alguma, foi bom, que ele era muito bacana, ele era muito gente boa, ele era, a gente conversava muito e ele quis acabar o namoro dele pra ficar comigo. Aí eu disse: “Não faça isso, que eu não quero namorar, eu não quero, eu quero estudar, eu quero me dedicar ao meu curso, eu não quero que nada me atrapalhe, então é melhor você ficar com ela”. “Ta bom”, acabei, então. E durante o curso de arquitetura, o curso foi muito bom pra mim, eu me dei muito bem com meu curso, era realmente isso o que eu deveria ter feito desde o início. Eu era uma aluna tipo, espetacular dentro do curso, super engajada, super estimulada sabe, tive incentivo de todos os professores, gostavam muito de mim. Tive estágios maravilhosos, fui bolsista do CNPQ, fui bolsista da FACEP, era assim uma super aluna. Acabei o curso em quatro anos e meio mas não deixaram me informar porque tinha que completar os cinco anos, né. Foi muito bom, foi uma fase muito linda na minha vida, que eu aproveitei muito. Eu conheci muita gente, eu aprendi a lidar com as coisas que eu não conseguia lidar dentro da cultura pernambucana, né. Fiz amigos, que eu tenho amigos maravilhosos até hoje. Até hoje são meus amigos, até hoje eles são meus amigos. E aí, o que acontece lá durante a faculdade, eu ganhei um prêmio internacional de arquitetura. Eu, Juliano, Bisa e Macarrão, nós fizemos um trabalho que foi totalmente desacreditado na faculdade e foi ovacionado nesse concurso internacional, foi uma coisa muito engraçada, porque o professor que julgou o nosso trabalho falou: “ah, esse trabalho...”, enquanto que lá fora o trabalho bombou loucamente, a gente ganhou em primeiro, de 127 países. Imagina, a gente ganhou o primeiro lugar, aí depois disso né, todo mundo deu a mão à palmatória. Altas entrevistas na televisão e jornal e tudo mais.
[01:30:17]
P/1 - Qual era o nome do prêmio?
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R - Era Environmental Design Research Association, era um prêmio de desenho ambiental, design ambiental, foi um parque, parque do Jiquiá, nós fizemos uma, uma, uma, uma proposta pro Parque do Jiquiá, que tinha a torre do Zeppelin, que é patrimônio histórico, então a gente fez uma super proposta. Com arquitetura desconstrutivista, super embasada, fundamentado com o que tinha de mais atual na época em termos de arquitetura, e foi muito bacana. Trabalho super criativo, desenhada a mão, com altos croquis, com a fundamentação teórica maravilhosa, foi muito bom, foi muito bacana. E a partir daí várias portas se abrem, né? Tendo o Congresso brasileiro de arquitetura aqui, eu já estava com uns contatos pra trabalhar, trabalhar fora. E aí nesse momento, eu conheço o Horácio, que foi meu ex-marido que era um arquiteto mexicano e a gente se apaixona, eu já estava com o pezinho no México e outro pezinho no Brasil, e aí com ele, foram os dois pezinhos no México. Fui embora pro México e lá eu tive meu primeiro emprego como arquiteta, em Cancun, fui morar em Cancun, e trabalhei numa construtora que era escritório de arquitetura chamada Aldebaran, e aí era arquiteta e aprendia, fiz casas de praia maravilhosas, fiz um monte de coisas bacanas, aprendi muita coisa, outra cultura totalmente diferente, uma outra forma de construir, de projetar, outro tipo de conceito. Foi importantíssimo pra mim, muito importante, sabe. É uma valorização do desenho que eles têm lá, muito grande, do desenho artesanal, do desenho que tem fundamentação da própria cultura, sabe, o design deles era muito fundamentado na cultura deles, é muito bacana isso. É uma coisa que realmente eles bebem na fonte mesmo, de toda a mestiçagem que eles têm, indígena no México, eles bebem muito da fonte deles. Foi muito importante pra mim isso porque tudo lá é muito conceitual e assim eu aprendi muito sobre o projeto conceitual. E ser conceitual é fundamental em qualquer tipo de projeto de design que a gente faça, qualquer coisa, eu aprendi muito isso com eles lá. Bom, e aí acabou que eu fui morar com o Horácio e aí lá eu me casei e depois aí eu voltei pro Brasil. Eu me casei em março de… Bom, eu viajei pra lá em 92, aí quando foi março de 93 a gente casou. O Horácio queria ter uma experiência no Brasil e queria vir morar aqui, então nós voltamos pro Brasil. E aí foi muito louco, porque eu cheguei no Brasil, marquei meu casamento pra setembro, casamento na igreja. Eu nem queria casar na igreja, mas eu fiz isso pelo meu pai, pela minha mãe, eu sou a única filha mulher, não custava nada casar na igreja. Pra eles, né? Me verem casando na igreja, eu já tava casada mesmo, mas achei legal, fiz uma festa pequena, pra poucos amigos. Casei no Convento São Francisco em Olinda, uma igreja lindíssima barroca, não tinha nada de decoração, nada, era só a igreja e as velas acesas, nada mais. Foi muito simples o meu casamento, foi muito bom, só tinha 50 pessoas no casamento, bem simples, mas muito lindo, um almoço que tinha opção vegetariana, foi muito bacana, cerveja gelada, foi bem legal. E aí eu recebo um telefonema do Conselho Britânico, cara. Eu tipo, dois dias antes do meu casamento, dois dias antes? Não! Meu casamento foi 13 de setembro, foi no final de agosto, o dia... final de agosto mesmo, tinha acabado de chegar no México, cheguei 15 dias do casamento, né? E dizendo que eu tinha uma bolsa pra fazer mestrado na Inglaterra! E eu “como assim?” / “Ô Sephora, você”, eu tinha feito pesquisa na universidade, fazia parte do grupo de pesquisa, tudo... Não estava mais com bolsa do CNPQ porque eu já tinha passado um ano fora, aí eu falo: “Cara, eu vou me casar no dia 13”, ela falou “as aulas começam no dia 1°, Sephora”. Foi na última semana de agosto, eu falei: “como assim? Eu não estou sabendo de nada”, “não você não está sabendo?”, “não estou sabendo de nada”, não sabia disso. Ai eu disse: “olha, eu acho melhor você passar a bolsa pra outra pessoa, porque eu não tenho condições, vou casar dia 13 de setembro, acabei de chegar de uma viagem internacional, acabei de chegar de uma experiência fora.” Tive que abrir mão da bolsa. Já pensou? Abrir mão da bolsa, não fui fazer o mestrado e fiquei morando aqui no Brasil com o Horácio. Um período dificílimo, porque era uma recessão econômica muito grande, a construção civil parada, a gente sem conseguir fazer projeto nenhum. Horácio não podia trabalhar, não podia assinar o projeto porque ele tinha que fazer equivalência de diploma, então eu fui trabalhar num escritório de arquitetura como colaboradora, que eu ganhava cinco vezes menos do que eu ganhava no México, de salário. Era o mínimo de salário, mas era o que tinha. Bom, aí a gente foi tentando fazer o que tinha que fazer, conseguimos fazer um projeto de arquitetura em Olinda, que foi a reforma de uma casa que nós trocamos por moradia. E nós fizemos o projeto e fizemos a obra, e ficamos morando na casa e aí como eu gostava muito de receber pessoas pra comer lá em casa, fazia comida mexicana. Diziam: “faça um restaurante, faça um restaurante”, aí foi quando a gente, sem grana, sem ter o que fazer, o dinheiro acabando, né, as economias acabando e todo e assim, “vamos fazer então, vamos fazer restaurante”, e aí fizemos o Viva Zapata, né. Eu era chefe de cozinha, o Horácio era o administrador, eu tive que aprender outro ofício, que não foi fácil, mas foi legal, foi uma experiência ótima, mas eu não faria de novo porque é muito difícil ter restaurante, você não tem descanso, você trabalha 24h por dia praticamente. Foi um período bem legal até que o pai do Horácio faleceu e nós tivemos que voltar pro México, aí nova temporada no México. Aí lá no México, eu já tinha começado a trabalhar com cinema aqui. E aí lá eu aproveitei a universidade, fazer o curso de capacitação e formação visual, que era um curso de formação técnica que tinha na universidade, eles ainda não tinham o curso de cinema. A graduação, só depois que eles tiveram a graduação e eu fiz esse curso lá, que era muito bom eu trabalhei muito com produção, direção de arte lá. E aí a gente teve uma crise muito grande no casamento, porque problemas de família do Horácio e acabou afetando nosso casamento, eu queria engravidar, queria ter filho, mas eu não conseguia engravidar, pedi pra ele fazer exame. Depois a gente descobriu que ele que não podia, que ele tinha que fazer um tratamento, mas ele não queria admitir isso, eu sei que isso foi enchendo meu saco e chegou uma hora que eu disse: “tchau, eu quero que você resolva o que você quer da sua vida, porque eu já sei o que eu quero da minha vida”. E aí nisso apareceu uma oportunidade de eu viajar pra Europa, eu fui me embora, fui me embora, fui pra Europa, fui pra lá, fui pra Inglaterra, aí fui viver um sonho que eu queria, que era viajar sozinha. Fui lá, passei oito meses viajando, oito meses viajando. Morei na Inglaterra, morei um tempo na França, morei um tempo na Espanha, conheci um monte de gente, foi muito legal. E aí tive que voltar pro Brasil, porque tinha que resolver minha vida, né, voltei pro Brasil, o Horácio tinha voltado pro Brasil e a gente resolveu retomar o casamento e aí continuamos com o restaurante e aí as coisas, né, falei: “eu quero ter filho, eu quero ter filho”. E aí a gente resolveu, né, mas aí as coisas não foram ficando muito bem, acho que ele tinha resistência de ter filho e não queria ter filho, e também não tinha coragem de me dizer que não queria ter, né? E nisso o tempo foi passando e quando foi em março de 98 eu fui fazer meu preventivo, que eu sempre fiz, sempre eu tive uma educação de saúde muito grande na minha casa, então eu sempre tive o hábito de fazer exames preventivos. Desde que eu comecei minha vida sexual eu fazia exames preventivos, eu fazia colposcópio ótica, fazia preventivo contra o câncer, eu sempre fiz isso, sempre me cuidei. E tinha descoberto um HPV, tinha feito tratamento, sabe, e tinha ficado boa, e quando eu passei esse tempo fora, eu fiquei sem fazer meu preventivo, né. Quando eu voltei, eu protelei um pouco isso e quando eu fui fazer meu preventivo, descobri que eu tava com câncer de útero. Foi um preventivo muito bem feito, porque tava muito no começo, isso salvou a minha vida, sabe. Então foi um preventivo muito bem feito, mas eu tive um adenocarcinoma, que é um tumor devastador, é um câncer devastador, ele é mortal mesmo. Se ele é descoberto tarde, ele não tem cura mesmo, ele é muito difícil de curar. Como eu tava muito no início, então eu tive tempo de fazer o que chama de conização, tirar um pedaço do útero. O médico foi muito legal, porque ele disse: "você é muito nova”, eu tinha 34 anos. “Você é muito nova ainda, você pode ter filho. Você quer ter filho?”, e eu disse: “quero”. E aí fez a conização, aí fizeram aqueles exames todos pra saber se tinha foco, se não tinha, aí deu tudo certo, tudo livre e eu fiquei boa. Quarenta dias depois, eu descobri um nódulo na minha mama direita, voltei correndo pro médico e aí ele pediu um ultrassom, fiz o ultrassom e o ultrassom deu que era um nódulo fibroso, eu comecei a fazer um tratamento desse nódulo fibroso com remédio natural, e nada do negócio ir embora, o nódulo crescendo. Três meses depois eu fiz outro ultrassom, de novo veio o mesmo diagnóstico. Isso era, abril eu descobri, final de abril eu descobri, maio eu fiz o exame, o ultrassom, em agosto eu fiz outro exame, que foi o que deu o segundo diagnóstico, que era nódulo fibroso. Só que aí quando foi em setembro, logo no começo de setembro, ele começou a aumentar muito, o nódulo, e aí um dia ele amanheceu, ele tava roxo aqui, um negócio gigante, parecia um limão, saca? Um negócio grande, aí eu acordei com o Horário e disse: “Horácio, vamos no hospital que isso não tá normal, não tá normal” e a gente foi pro hospital. Cheguei no hospital, aí na emergência o médico olhou, aí chamou ginecologista, oncologista, mastologista, cirurgião plástico… Aí eu disse: “doutor, eu não sou médica, mas isso não é um nódulo fibroso, isso é uma coisa muito pior”. Aí quando eles olharam, apalparam, olharam, isso era 10h da manhã, às 11h eu tava sendo operada, só deu tempo de eu ligar pra minha família e dizer: “vou ser operada agora”, mesa de cirurgia direto! Tipo, fazendo exame de sangue, fazendo eletroencefalograma, tudo pra fazer, 11h eu tava na mesa de cirurgia, aí eles tiraram o tumor, tiraram um pedaço do seio, mandaram pra análise e eu fiquei três semanas esperando o resultado, porque se desse o resultado positivo, eu teria que fazer outra cirurgia. E aí veio a notícia de que era um tumor devastador, era outro tumor daqueles, tipo, que se fosse descoberto um mês depois não tinha mais jeito, porque ele era super invasivo, né, e eu fiz a cirurgia, eu fiz a mastectomia radical, que eles chamam, né, tirei o seio todo, todos os nódulos linfáticos e fiz a histerectomia, então adeus filhos, né? Ovário, útero, trompa, tudo! E aí, fiz a cirurgia, me recuperei da cirurgia, 15 dias depois eu tava fazendo radioterapia. Eu fiz 35 sessões de radioterapia todos os dias, de segunda a sexta, eu passei 35 dias dentro de um hospital fazendo radioterapia, porque eu chegava 1h da tarde e eu saía de lá às 7h da noite. Chegava final de semana e eu tava exausta, completamente exausta. Tava casada com Horácio, tudo, ainda. Mas o casamento em crise, eu já não sabia o que fazer, a gente perdeu tudo o que a gente tinha, porque a gente fechou o negócio, claro, não tinha condição de continuar. E quando a gente fechou o negócio, a gente teve que pagar as indenizações. Nós ficamos sem nada, um centavo, a gente não tinha um centavo, né? Aí a gente vê, aí nesse momento a gente vê os amigos né, quem são os amigos, né? E aí eu me lembro que eu tava nessa situação, e sem grana, sem poder trabalhar, Horácio não podia trabalhar, ainda conseguiu dar umas aulas, mas ele não tinha como trabalhar oficialmente, né, e aí os amigos se juntaram, os amigos artistas, todos, se juntaram, fizeram um bingo pra mim, pra arrecadar dinheiro (choro). Eles fizeram dez caixas, com dez surpresas dentro, e as surpresas eram trabalhos, quadros, gravuras, CDs, livros. Então prepararam dez caixas e fizeram um bingo pra mim, bingo ou foi uma rifa? Não, foi uma rifa, eu acho, foi um bingo não. Não, foi um bingo sim, foi um bingo. E aí foi um sucesso, foi um sucesso. Consegui na época arrecadar, acho que em torno de cinco mil reais, era muito dinheiro pra época, sabe, e aí eu consegui pagar umas dívidas, consegui pagar minhas dividas, né, consegui ainda economizar um pouquinho. E aí nessa época o Horácio já tinha decidido que ia embora e aí foi aquela decisão difícil, “se você não pode me ajudar, também não me atrapalha”. Eu quero ficar viva, eu quero dar certo na vida, né, e a gente se separou, então infelizmente o “na saúde, na doença” não funcionou (risos). Funcionou na alegria e na tristeza, funcionou na pobreza e na riqueza, mas na saúde e na doença não funcionou. Aí a gente, né, na época isso foi muito difícil pra mim, mas eu entendo, ele não tinha estrutura, ninguém pode ser obrigado a viver uma coisa que não tem condições de viver, né. Então eu fiz o tratamento da radio, né, aí nisso eu tinha feito uns trabalhos nos EUA, antes de fazer a cirurgia da mama, né, quando eu tava com o nódulo, eu tinha viajado pros EUA, tinha feito um trabalho lá, tinha feito a produção aqui, mas a produção ia ser editada lá e eu viajei pra lá pra fazer essa edição. Lá eu conheci um cara, ficou meu amigo, super gente boa, e a gente continuou se comunicando, então quando eu saí do tratamento, que eu fiz o meu primeiro controle da mama, que eu vi que eu tava bem, aí eu falei: “vou viajar de novo, né”. Aí fui pros EUA, ele: “venha, venha, venha, venha pra cá, venha pra cá”. Jason, o nome dele. Aí foi quando Horácio foi embora e eu fui para os EUA, passei uns dois meses lá e voltei pro Brasil. Quando eu voltei pro Brasil, que eu fiz o meu segundo controle, eu tava com câncer de pulmão, aí descobriram quatro nódulos no meu pulmão esquerdo. Um era do tamanho de um limão e os outros três eram menores, e aí era metástase da mama. Eu não fiz reconstrução de mama, porque na época os médicos disseram que não era aconselhável, porque como o meu tumor era muito, muito invasivo, muito forte, se colocasse a prótese ou alguma coisa, poderia camuflar algum tipo de coisa em algum exame. E eles estavam certos, porque eu tive metástase no pulmão, e aí o prognóstico era o pior possível, tipo: vamos fazer o que é possível. Esse foi o prognóstico. Eu me lembro que receber a primeira notícia foi um choque, de eu estar com câncer. Receber a segunda notícia…
“Você tá com câncer de mama”, tipo, o gato subiu no telhado, o gato caiu do telhado, coisas assim desse tipo, sabe. E aí quando eu recebi a terceira notícia, eu disse: “não me deem a quarta, porque eu não vou conseguir, esse é o meu limite”. Aí foi quando eu fiz a quimioterapia, aí eu fiz uma quimio cavalar, era uma quimio aplicada uma vez por mês, que era muito forte a dose. Imagina, há vinte anos atrás o tratamento era muito diferente do que é hoje. Eu podia morrer do tratamento e não morrer do câncer, porque o tratamento fazia com que todo o meu sistema imunológico ficasse concentrado apenas em acabar com o câncer, então eu ficava totalmente aberta pra qualquer tipo de doença que pudesse acontecer. Então eu não podia ter uma febre, eu não podia ter uma gripe, eu não podia ter uma infecção, eu não podia nada, né. E aí assim, foi terapia, foi força de vontade, foi tratamento espiritual maravilhoso, agradeço muito. E foi vontade de viver, cara! Foi decisão, sabe. Eu me lembro que quando eu cheguei na minha terceira quimioterapia, eu tava tão acabada, eu tava tão destruída, eu tava tão cansada e tão traumatizada, com todas as furadas que eu tinha levado, porque não era só a quimio, eram todos os exames que eu tinha que fazer semana a semana, até chegar a próxima quimio. Eu não tinha mais veia pra fazer exame, eu só posso usar um braço pra fazer, porque o braço direito eu não posso, por causa dos nódulos, só podia usar um braço, não tinha mais veia, eu não tenho veia no braço quase. Não tinha mais veia no braço, era na perna, era no pé, era na mão, era em qualquer outro lugar, não tinha mais. Eu não podia ver agulha, aliás, até hoje eu não posso ver agulha na minha frente, que eu ainda tenho dificuldade, mas assim, eu me lembro muito bem que eu fiz a pergunta pra mim mesma: “você quer?”
Eu me lembro que eu tava fazendo terapia, e aí eu disse pra minha terapeuta assim: “eu não aguento mais, eu não aguento mais… Não aguento mais, eu não sei se eu vou conseguir, eu não aguento mais, tô acabada, eu não consigo dormir, eu não consigo funcionar, eu não consigo descansar, eu penso no tratamento, eu penso nos exames, eu não consigo mais, eu tô careca, eu tô gorda, eu tô feia, eu tô inchada”, né. Toda animada, era uma animação, ninguém sabia o que eu tava sentindo. Na rua era uma animação, em casa era quietinha, porque eu tava na casa dos meus pais e graças à Deus eles puderam cuidar de mim, mas eu tava acabada, eu tava destruída por dentro. Tendo que administrar isso, administrar ficar bem pra não deixar os outros piores do que já estavam, sofrendo, né, e ao mesmo tempo, tendo que administrar um trauma que tava acontecendo ali comigo de não ter seio, de ser muito nova, de não poder ter filho, de estar sozinha, sabe? Muita coisa! Aí eu me lembro que eu falei: “não sei se eu vou aguentar”, mas aí ao mesmo tempo eu disse: “eu tenho que tomar uma decisão, se eu quero viver ou se eu quero morrer”. E aí nessa hora eu disse: “Eu quero viver! Eu não vou morrer, eu vou viver!” E aí mesmo sofrendo pra caramba, eu fui buscar, não sei ainda, uma força pra eu continuar esse tratamento. E aí eu fiz a quarta quimioterapia que foi tenebrosa, que foi tenebrosa assim, que eu lembro que eu saí de cadeira de rodas porque eu não via mais a minha mão, tudo ficava em câmera lenta, eu tava completamente drogada, sabe, eu via as minhas mãos inchadas, tava tudo e não tava, era só viagem mesmo, do remédio que era muito forte. Eu via as minhas mãos roxas, tudo formigando, eu me sentindo super mal… Era um negócio tão ruim, sabia? Mas aí tipo, consegui fazer a última quimioterapia e disse: “agora eu vou rezar, eu vou me trabalhar pra que, quando eu fizer os meus exames eu não, não vai ter mais nada, não vai ter mais nada, não vai ter mais nada”. E aí eu fiz, um mês depois, a tomografia e aí não tinha mais nada! Eu tinha feito uma tomografia, o tratamento tava funcionando, mas eu ainda tava com nódulos, quando eu fiz a segunda tomografia, não tinha nada. Os médicos não acreditaram na época, eles não acreditaram no que eles tavam vendo. “Sephora, isso é milagre”, eu escutei isso: isso é um milagre Sephora, o seu prognóstico era muito ruim, isso foi um milagre, o que aconteceu!” Foi a minha vontade de viver, foi a minha vontade (choro). E ainda teve um detalhe importantíssimo, quando eu tava doente, eu recebi uma visita, uma visita que não é daqui, uma visita que é lá de cima. Recebi uma visita lá de cima, e aí a visita disse assim pra mim: “Olha, você tem que ficar, você não pode ir embora agora, você vai ter um sobrinho, ele vai nascer em 2001, então você não pode ir embora, você tem que ficar aqui. Você tem outras coisas pra fazer aqui”. Eu escutei claramente, eu escutei claramente a pessoa dizendo isso pra mim, né. Aí eu comecei a botar metas na minha vida. Meta 1: Ver meu sobrinho nascer. Meta 2: viajar de novo pra Europa, visitar os lugares que eu fui, que eu adorei, que me fizeram muito bem, e conhecer Paris. Eu passei um mês na França e não tinha conhecido Paris. Eu escrevia as metas no papel assim, eu escrevi as metas no papel. Tudo o que eu queria pra mim, tudo o que eu queria fazer, isso quando eu tava doente ainda, quando eu tava bem malzinha. Aí eu quando eu recebi a notícia do… Aí eu falei pro meu irmão né, falei, eu me lembro que eu falei pra ele, eu disse ó: “Eu não posso ir embora não, porque eu tenho que ver meu sobrinho nascer”, falei pra ele. “Que sobrinho?”, eu disse: “você vai ver, eu preciso ver meu sobrinho nascer”. Meu irmão também é sensitivo como eu, ele ficou todo… E eu disse: “eu quero viajar de novo, quero voltar pra Barcelona, um lugar que eu fui muito feliz, quero conhecer Paris”, fiquei com esses objetivos né, coloquei objetivos na minha vida. E aí eu, quando recebi a notícia de que eu não tinha mais nada, eu tava bem… Aí eu disse: “Ah, agora eu vou viajar!” Aí eu comemorei né? Eu comemorei, isso foi no final do ano. Eu até mandei uma foto, né, tem uma foto de eu no réveillon assim, eu tava comemorando que eu tinha recebido o resultado do exame e tava tudo bem. E aí eu falei com meus pais, os meus pais me deram a passagem pra viajar, aí eu viajei com a Germana, uma amiga minha, e a gente foi pra Portugal, foi pra Paris, foi pra Barcelona, fiz a minha viagem, reencontrei pessoas querida demais, que foram super importantes pra mim na época que eu morei lá. E aí pronto, aí foi batalhar pra manter uma vida saudável, pra manter uma vida com boa alimentação, uma vida com bom sono, com bons pensamentos em primeiríssimo lugar, bons pensamentos. Pensamentos positivos, sabe assim, foi um... Eu digo o seguinte, embora tenha sido muito difícil esse período, pra mim foi a melhor coisa que me aconteceu, sabe, de verdade, não é demagogia isso, isso é uma coisa muito sincera, foi a melhor coisa que me aconteceu. Se não tivesse acontecido isso na minha vida, talvez eu não fosse a pessoa, talvez não, com certeza eu não seria a pessoa que eu sou hoje. Não seria a pessoa com o otimismo que eu tenho, com a vontade de ser melhor que eu tenho, melhor que eu digo, não é melhor do que ninguém não, tá? Pra ficar claro, é melhor pra mim mesma, melhor pra mim e para todos que estão perto de mim. Foi assim, foi uma experiência bem complicada, mas uma coisa que eu digo é o seguinte: como é importante as mulheres fazerem seus preventivos, cuidarem da sua saúde, sabe, é muito importante, porque eu fui salva pela minha antecipação, eu fui salva pelo cuidado que eu sempre tive com o meu próprio corpo, entendeu? Por eu ser uma pessoa que ia regularmente ao ginecologista, sabe, sempre tava sabendo das coisas que estavam acontecendo, sempre me prevenindo com camisinha, sabe assim. Eu me lembro que antes de eu me casar com Horácio, a gente fez exame de HIV, no México era obrigatório isso. Isso é importantíssimo, é obrigatório lá, você só casa se você tiver com exame de HIV, eu não sei se aqui no Brasil é assim. Acho que não né? Lá é obrigado, lá é obrigado fazer exame de HIV, é incrível isso! Então, assim, cuidar da saúde, cuidar da alimentação, cuidar do sono, cuidar do corpo, do exercício físico, sabe assim, nunca é demais não gente, é sempre uma coisa que só ajuda a gente. Graças à Deus sou tão intuitiva, tão intuitiva, que eu me lembro que quando eu cheguei em Recife, eu tive uma espécie de uma alergia muito maluca, eu não sei o que que foi. Acabou com a minha pele, o meu cabelo, foi um negócio super estranho, que eu comia muita carne, imagina, churrasco era a comida, eu comia carne sangrando, né, aí quando eu cheguei aqui eu tive esse problema e aí me deu uma intuição, um negócio assim… E ah, um detalhe: eu sempre fui uma adolescente muito anêmica, todo ano eu fazia tratamento pra anemia, mesmo me alimentando super bem, de tudo, sempre comi de tudo, tudo, fruta, verdura, tudo. E aí eu parei de comer carne vermelha, meus pais ficaram super preocupados, porque “pronto, essa menina sempre foi anêmica e agora sem comer carne vermelha, aí é que ela vai ter um treco, né”. Pois olha, nunca mais na minha vida eu tive uma anemia, nunca mais eu tive uma anemia! Nunca mais eu comi carne vermelha, eu não sei nem mais qual é o gosto da carne, eu como peixe, essa minha carne que eu adoro. De vez em quando eu como frango, mas eu nunca mais… Nem quando eu fiz a quimioterapia, nem quando eu fiz as cirurgias, que eu poderia ter recebido transfusão de sangue, nem nesse momento que os meus leucócitos foram pra baixo, que meu sistema imunológico ficou abaladíssimo, nem aí eu tive anemia! Eu acho que era algum problema da carne que afetava o meu próprio sangue, só pode né? Então assim…
[02:05:25]
P/1 -De que forma você mudou, o que é que você substituiu de alimentação pra substituir a carne?
[02:05:32]
R - Então, o peixe eu continuo comendo, peixe é uma carne muito saudável, né. Frango eu como, não é uma coisa que eu como sempre, mas eu como de vez em quando. Mas o peixe, sempre que eu posso comer peixe do mar, peixe branco, peixe do mar, certo, que é muito bom, é, feijão preto gente, feijão preto é a proteína do vegetariano, do vegano. É o feijão preto, ele tem muita proteína e ele tem muito ferro. As folhas verdes escuras, a couve, né, a acelga, a batata doce, o inhame, certo? Esses vegetais, tomate, cenoura, todas as folhas, todas as folhas, são as frutas, as verduras, todas elas, elas são importantíssimas para a nossa saúde. São as vitaminas que a gente precisa, e a gente precisa delas porque a gente usa as vitaminas pra processar as coisas que a gente mesmo produz, porque as vitaminas chegam no corpo da gente com as suas propriedades, mas elas não vem colocar dentro do corpo as propriedades delas, elas vem fazer com que a gente ative as nossas próprias propriedades. Então é um trabalho de troca que a gente tem aí com os vegetais, aliás, com toda a alimentação, né. Então assim, os feijões são maravilhosos pra gente né, um dia eu vou ser vegetariana, eu só não sou vegetariana ainda porque eu adoro peixe, adoro, adoro comida japonesa, coisa que eu como desde que eu era criancinha que eu como comida japonesa, por causa da minha amiga japonesa Haromi.
E assim, e não é só isso também né, é alimentação, é o horário de alimentação, é o sono, é dormir bem, é fazer uma terapia quando você não tá bem, porque a gente não tem obrigação de estar bem o tempo todo, né, acontecem coisas muito difíceis na vida da gente, que a gente tem que ter auxílio de fora, e às vezes esse auxílio de fora não pode ser sua família, às vezes não pode ser seu amigo, sua amiga. Às vezes as pessoas não tem tempo pra isso, então, vai fazer uma terapia, né, vai desafogar de alguma maneira, vai fazer exercício físico, vai dar uma caminhada, vai fazer um funcional, vai fazer uma academia. Não pra virar bombada, nem pra virar sarada, nem pra fazer dieta, pra ficar magérrima, pra ser outra pessoa, não adianta você querer ser outra pessoa, né. Acho que a gente vive num mundo midiático que acabou obrigando as pessoas a quererem ser outras pessoas e não a pessoa que ela realmente é. Então a pessoa deixa de se aceitar, deixa de aceitar seu corpo, né, deixa de aceitar a sua própria vida, porque tá querendo viver a vida de uma outra pessoa que não é a vida dela, então assim, se aceite, né, como você é, seu corpo, sua cabeça, suas dificuldades, sua inteligência, sua forma de lidar com as coisas, sua família, né, aceitar sua família, que às vezes é difícil isso também, seu pai, sua mãe, seus irmãos. Aceita as coisas que acontecem, a gente, assim, eu assim, sou muito é, digamos, como é que eu vou dizer, cuidadora da minha família, do meu jeito meio, como aquela música, “eu sei que eu tenho um jeito meio estupido de ser” (risos), porque eu sou muito direta, porque eu falo as coisas que precisam ser faladas, né. Porque às vezes eu faço as pessoas escutarem coisas que elas não querem ouvir. Mas às vezes a gente tem que fazer isso, né. Então, eu sei que eu tenho esse papel na minha família de tentar ser essa mediadora de várias coisas, entendeu? A gente teve um problema muito sério de família que meio que deu uma desmantelada na família, que foi a questão da minha sobrinha, que foi muito difícil, meu irmão até hoje tá tentando se recuperar, minha cunhada. A gente ainda não sabe qual é a consequência da… A consequência disso pra minha sobrinha mais nova.
[02:10:34]
P/1 - Conta um pouco disso.
[02:10:35]
R - Sim, então, em 2015, mais uma intuição que eu tive e que ainda bem que eu fui, no início quando, no réveillon de 2015 tive uma intuição muito forte. Me veio aquela coisa na minha cabeça que eu devia, que eu tenho que ir pro Canadá ficar com as minhas sobrinhas, porque eu, claro que eu conhecia minhas sobrinhas, já tinham vindo pra cá e tudo mais, né, eu já tinha ido pra lá e tudo, mas eu nunca tinha tido tipo assim, um mês inteiro brincando com elas, convivendo com elas, né. Não tinha tido. E aí quando entrou o ano de 2015 eu tive aquela intuição, disse: “eu vou pro Canadá esse ano e eu vou, minhas férias, eu vou tirar férias pra ficar com as minhas sobrinhas, eu quero ficar com elas, eu quero brincar com elas, eu quero ficar com elas”, e fui. Quando chegou no mês de agosto, no mês de férias lá, mês de agosto? Isso, no final de julho viajei e eu fiquei o mês inteiro com as minhas sobrinhas, levei no cinema, fiz elas passearem de ônibus, que elas nunca tinham andado de ônibus na vida, passeei com elas, dormi com elas, comi com elas, cuidei delas, fiquei com elas, assim, mesmo. Assim, elas nunca tinham tido essa experiência comigo, né. Tia Pepinha, tia Pepinha, tia Pepinha, que é assim que minhas sobrinhas me chamam. E eu fiquei com elas e foi muito bom, mas a minha intuição dizia pra mim, quem vai faltar nessa história? Aí eu pensava que era eu (choro), eu pensei que era eu que não ia ter mais tempo de estar com elas, por isso eu tava fazendo isso. Eu achei que alguma coisa poderia acontecer comigo, sei lá, que iria voltar a doença, qualquer coisa. Porque eu fiquei cismada com aqui, poxa, foi muito forte, eu tinha que fazer isso, não tinha como eu não fazer isso, sabe. E aí eu voltei pro Brasil em setembro de 2015 né, setembro eu voltei. E aí, quando foi novembro, eu recebo a notícia de que minha sobrinha tá com câncer de cérebro. E era um câncer incurável, intratável, minha sobrinha mais velha, a Angela, ela tinha 9 anos, e aí eu entendi tudo. Nesse momento eu falei: “caramba, eu queria que fosse eu, eu queria tanto estar certa, eu queria tanto que fosse eu, eu queria que a minha intuição se confirmasse que era eu” (choro), mas era ela. E aí foi um ano inteiro de muita batalha, tratamentos, tratamentos e pesquisas e ir atrás de coisa, meu irmão e minha cunhada naquele desespero de ver todo dia aquela criança que eles sabiam que ia morrer e que eles não podiam fazer nada. Meu irmão, imagina, meu irmão, uma pessoa que trabalha com diagnóstico médico avançadíssimo, quando o médico chegou com a imagem do cérebro da minha sobrinha, ele sabia analisar mais do que o médico e ele entendeu tudo o que tava acontecendo ali, ele não conseguiu trabalhar depois disso. Ele ficou muito traumatizado, não conseguia trabalhar, mas eles moram num país abençoado, Canadá, é um país abençoado. Pensando em tudo, eles não poderiam estar num lugar melhor pra passar numa situação tão difícil dessa, sabe? A minha sobrinha, ela teve toda a assistência imediata que uma pessoa pode ter num tratamento deste, imediato! Tudo foi imediato.
Ela foi socorrida por paramédicos em casa, porque ela já tava há dois dias que ela não conseguia comer, que ela tava vomitando… Meu irmão achou que ela tava com uma virose, coisa de criança, né, mas só que quando foi no sábado ela não conseguia falar, paramédicos levaram, no domingo fizeram todos os exames, constataram tudo. Ela foi imediatamente pro hospital, na quarta-feira foi feita a cirurgia. Sabe, uma coisa assim que, eles não podiam estar num lugar melhor, eles tinham que estar lá pra acontecer isso, pra eles se aliviarem um pouco da carga que é perder um filho. Eu acho que a maior coisa, a coisa mais incrível e linda que uma pessoa pode ter, é ter um filho, e a coisa mais devastadora que a pessoa pode ter na vida é perder um filho. Então, a pessoa vivenciar isso numa mesma vida não é fácil, muito difícil. Então, meu irmão e minha cunhada passaram o ano de 2016 nessa batalha, de tentar ver todos os tipos de pesquisa na área desse tumor, que chama glioma intrínseco difuso, intrínseco significa que ele está localizado numa área inoperável, difuso significa que ele é um câncer muito invasivo e intratável, porque não tem pesquisa quase nenhuma sobre ele, porque não tem como operar pra fazer as pesquisas, não tem como operar, então não tem tratamento pra esse câncer. O único tratamento é radioterapia, na verdade o que ela recebeu foi o feixe de prótons e que é uma radioterapia mais bam bam bam que existe. E aí conseguiu diminuir muito o tumor e ela conseguiu sobreviver um ano e quatro meses, os médicos acharam que ela não conseguiria sobreviver nem um ano, ela conseguiu sobreviver um ano e quatro meses. E assim, teve o melhor ano que os pais poderiam dar pra ela, mas com a alimentação, aí tem a história da alimentação… É uma alimentação muito forte pra ela se manter, tiraram o açúcar dela, e foi um tratamento sacrificante pra ela e pra eles também. Porque ao mesmo tempo que eles tavam cuidando dela, pra ela durar um pouco mais, tavam também tirando um pouco dela da infância, né, das comidas que ela gostava… Foi um período muito difícil, a minha sobrinha Bel, que na época tinha 7 anos, a gente não sabe ainda quais são as consequências disso tudo pra ela. Ela é uma fofa, ela é uma linda, criança que ficava na dela, sabe, assim. Tinha suas coisas de criança, lógico, 7 anos de idade. Mas assim, foi muito difícil pra ela, foi muito difícil pra família toda, foi um desmantelo geral, sabe? Eu não conseguia sorrir, eu passei dois anos inteiros da minha vida, do final de 2015, 2016, 2017 inteiro, eu não conseguia sorrir. Porque eu não me sentia no direito de sorrir, eu não conseguia, eu tinha uma tristeza tão grande. Era até contraditório, porque ao mesmo tempo que eu entendo a morte, no caso da Ângela, ela cumpriu o papel dela, ela só tinha que viver 10 anos aqui, era uma criança completamente diferente. Olha, pra você ter ideia, ela era uma criança tão iluminada, tão iluminada, que ela, ela tem uma corrida com o nome dela, lá. Porque ela era ativista, de verdade! Ela tem um passarinho que foi descoberto, que tem o nome dela, porque ela era ativista demais! Uma criança que protegia as pessoas, uma criança que ia pra internet, falava sobre o morcego não sei das quantas que tava em extinção, que as pessoas precisavam ajudar a entidade, que precisavam fazer pesquisa sobre os morcegos. Sabe uma criança assim, com iniciativa de uma coisa completamente diferente, sabe? Ela, todo ano fazia, arrecadava brinquedo pra dar pras crianças no Natal, pras crianças que não tinham. Então assim, era uma criança muito diferente, intuitiva demais também, sabe? Outra escorpiana, né. O aniversário dela é dia 9 de novembro, os escorpiões têm vidas muito difíceis, né. Se tem alguém que pode sofrer nessa vida é um escorpiano, porque o escorpião é uma fênix, ele vai renascer das cinzas de alguma forma. Aí assim… Pronto, ela fez o tratamento o ano inteiro, eu fui pra lá no final de 2016, pra ficar cuidando da minha sobrinha, voltei e aí quando eu voltei, 15 dias depois eu tive que voltar de novo, porque a minha sobrinha piorou muito, muito, muito. E eu tava lá quando ela morreu, no hospital, foi muito difícil! Mas... E aí a reconstrução da família, porque tudo fica abalado, né, reconstrução da família, reconstrução do pai e da mãe, da irmã, foi muito difícil, eles estão se recuperando ainda, já tão bem melhores, mas é aquela coisa, né, é uma cicatriz monstruosa que fica e não tem como ignorar, entendeu?
[02:22:09]
P/1 - E o que você faz pra cuidar da saúde mental?
[02:22:16]
R - O que que eu faço? Eu faço meditação diariamente, eu medito há 10 anos, há 11 anos. Eu medito diariamente quando eu acordo e muitas vezes eu medito no final da tarde também, mas não é todos os dias. Eu faço terapia quando eu sinto que eu não tô dando conta das coisas, eu faço parte de um grupo espírita, que eu preciso desenvolver essa coisa que eu tenho intuitiva, eu faço parte, eu estudo livros espíritas, eu tento cultivar os melhores pensamentos, os melhores comportamentos que eu posso, eu tento ser mais tolerante com as coisas que eu mesma não consigo aprender. A gente não sabe tudo nessa vida e não consegue aprender, por isso eu venho cada vez vendo que eu sei cada vez menos, mas tudo bem, cada um contribui da forma que pode. Eu tento, sei lá, tento viver da melhor forma que eu posso, eu sou muito intensa em tudo, tento ser o mais leve que eu posso, mas eu levo a vida muito a sério, eu levo a vida muito a sério, sou muito comprometida com qualquer coisa que eu faça. Sou muito comprometida com o trabalho, sou comprometida com as pessoas, sou comprometida com a minha família e muitas vezes isso é interpretado como se eu fosse uma pessoa pesada, eu não acho que eu seja assim, eu acho que eu sou séria. Então, eu fico pensando que eu sou assim. E o que eu tenho que tentar conviver da melhor forma que eu posso com as pessoas e eu acho que eu consigo. Eu tenho ótimos amigos, eu tenho amigos que realmente gostam de mim, não tenho muitos, mas os poucos que eu tenho, eles são muito bons, eles são muito queridos e eles são muito meus amigos, de verdade, eles já provaram isso pra mim.
Então eu acho assim, é um conjunto de coisas sabe Lila, é assim, é você tentar em primeiro lugar aceitar quem você é, aceitar seus limites, suas limitações, aceitar da forma como você tem condições de conviver com as pessoas, tentar enxergar o que você pode aprender com tudo isso, às vezes a gente consegue aprender, às vezes a gente não consegue. Às vezes a gente repete dez vezes o mesmo erro e não consegue ver no que tá errando, até que alguém chega aqui e diz pra gente: “você ta errando”. Eu acho assim, o primeiro passo é a gente ter consciência das coisas, é o primeiro passo, ter consciência já significa que você tá tendo um olhar sobre você e sobre tudo o que tá a sua volta, sabe? É um olhar de cuidado, um olhar de cuidado, mesmo que você não consiga responder a isso, melhorar, ou sei lá, se curar ou o que seja. Mas o fato de você ter consciência já significa você dizer: “aí tem um problema, eu tenho que tentar ver como é que eu faço pra cuidar dessa história”. É a consciência das coisas, o primeiro passo é ter a consciência, daí pra frente, como você vai cuidar disso, quais são os resultados que a gente vai ter com isso, aí eu não sei, a gente vai ter que aprender. O aprendizado é justamente esse, mas o primeiro passo é a gente ter a consciência, de qualquer coisa, da gente, dos outros, do lugar que a gente vive, do trabalho que a gente tem, da maneira como a gente age, como a gente reage às pessoas, né. Dizem muito, os estudiosos, que as pessoas são espelhos pra gente. Então quando a gente não gosta de uma pessoa, quando a gente não gosta de alguma coisa em uma pessoa, ou quando a gente gosta muito de uma pessoa, quando a gente gosta de uma reação de uma pessoa, tem muito a ver com a gente mesmo, né. Como a gente reage é como a gente é. Então cada vez que eu me deparo com uma situação que eu não sei lidar, uma pessoa que agiu de uma forma que eu não gostei, ou uma situação que eu não consigo, sabe? Eu falo: “opa, onde é que eu estou nessa história? Onde é que eu estou errando? Onde é que eu estou me sentindo mal? Ou por que que isso está me atingindo?” Porque sou eu né gente? Não é as outras pessoas, a gente reage a coisas que a gente vê fora da gente, mas é tudo nosso né? Então assim, é uma batalha diária, né? Todo dia a gente vai tentando se melhorar, acho que se melhorar é isso. Se melhorar em primeiro lugar é a gente tentar olhar pra dentro da gente e ver que pessoa a gente é, que pessoa que você é que convive com os outros? Que pessoa que você é que trabalha com os outros? Que pessoa que você é que convive com a sua família? Entendeu? Então assim, eu acho que o nosso aprendizado nessa vida, eu acredito em reencarnação, eu sou espírita, já falei. Então, assim, ser espírita e acreditar em reencarnação pra mim é um grande alívio, por que? Porque quando a gente tem um entendimento de que nossa existência não se resume a essa vida que a gente tá vivendo, que a nossa vida é muito maior do que essa vida que a gente tá vivendo, que é uma vida que já foi muitas vidas e que a gente tem uma bagagem de experiência muito grande, com muitas épocas que a gente viveu, com muitas vidas que a gente viveu, com muitas situações que a gente já passou, né. Acho que fica mais fácil a gente tentar encontrar justificativas pras coisas difíceis que acontecem com a gente, imagina se eu me revoltasse com o fato de eu ser uma mulher de 34 anos que perdeu um seio, que não pode ter mais filho, que tem que se reinventar como ser humano, que tem que conviver numa sociedade de homens machistas, que não querem uma mulher sem um seio, que tem que aprender a viver sua vida sozinha, que tem que se gostar muito, que tem que ser muito firme, entendeu? Pra viver uma vida de qualidade e não se deixar viver em relacionamentos tóxicos que podem acabar com a sua vida, só pra ter alguém do lado. Que tem que tentar entender que eu tenho que tentar ser feliz sozinha, e ser feliz sozinha não significa ter que ser feliz solitária, ser feliz sozinha é ser feliz como indivíduo, que tem condições, entendeu, de gerenciar sua própria vida, de gerenciar sua própria felicidade, de escolher com quem quer estar, como quer estar, da forma que quer estar. E não permitir que coisas muito ruins atinjam de forma que você acabe numa codependência horrorosa só pra se adaptar a sociedade que ta aí, entende? Então, se eu fosse uma pessoa que não acreditasse que nesta vida, tudo o que aconteceu comigo veio pra me ensinar, pra me fazer ser uma pessoa melhor e que, provavelmente, tudo o que eu passei na minha vida hoje são consequências de uma outra vida que eu posso ter feito tudo ao contrário do que eu tô fazendo, então eu vim repetir de ano e passar por tudo e dizer: “aprenda, aprenda porque você está tendo uma oportunidade e você quis isso pra você”. Porque a gente acredita nisso, que quando a gente vem pra cá, vem com uma programação de vida e você diz: “Não, eu quero passar por isso porque isso vai me ensinar a ser melhor, isso vai elevar meu espírito, isso vai me fazer evoluir”, “Então, você tem certeza que você quer passar por isso? Isso não vai ser fácil hein?”, “Eu quero!”. Aí você vem, aí você encarna numa família e aí você passa por tudo o que você tem que passar e aí, ou você tem consciência disso quando acontece, ou você não aprendeu nada. Ou você toma consciência de que as coisas difíceis que vêm na nossa vida, vêm pra ensinar a gente a ser melhor e a gente evoluir, ou você não tá aprendendo nada. É aquela coisa né? Ou você aprende com o sofrimento, ou você vai sofrer com o sofrimento. Eu preferi aprender com o sofrimento, e assim, aprender com o sofrimento é sofrer da melhor forma possível, da forma menos dolorosa possível. Que a gente não escapa da dor, é mentira também dizer que você não sofre né, com as coisas, a gente sofre, mas a gente não escapa da dor, mas a gente, digamos, não deixa a dor ser maior do que nós, do que nosso espírito. A minha dor nunca vai ser maior do que o meu espírito, ela existe e a gente passa por ela, e o sofrimento existe, mas ela não pode nunca ser mais forte do que eu (choro). E foi essa a decisão que eu tomei quando eu tava fazendo quimio: a dor não pode ser maior do que o meu eu, o meu eu é mais importante, o meu eu é mais forte, o meu eu tá aqui pra viver, o meu eu não está aqui pra definhar, vegetar, ir embora. Sabe, então, essa decisão, isso foi uma decisão, viver pra mim é uma decisão que eu tomo todos os dias. Viver é uma decisão! E quando eu digo isso, eu digo porque eu vejo que existem vários tipos de pequenos suicídios que as pessoas podem cometer na sua vida, entende? O suicídio não é só aquele ato que você comete de imediato, com veneno, com a arma, com o que seja. Existem outros tipos de suicídio que as pessoas podem cometer, quando elas não se cuidam, né, quando elas vão morrendo pouco a pouco, porque a gente vai morrer, né, todo mundo vai, mas quando você coloca seu corpo numa situação em que ele vai sofrer, e é voluntário isso, você põe porque você quer. Então assim, essas pequenas consciências que a gente vai tomando pouco a pouco, não que você não possa beber, se divertir com seus amigos… Mas você não precisa se transformar num alcoólatra porque você vai morrer, você tá cometendo um pequeno suicídio. É, não deixa de ser, então quando você tem essa doença, vá se tratar, porque isso é uma doença, se trate. Por que você vai entrar nas drogas? Isso é uma forma de se suicidar pouco a pouco, sabe? É muito difícil, eu não tô aqui pra julgar as pessoas, de jeito nenhum. Porque a gente nunca sabe quais são as razões que as pessoas têm pra tomar suas decisões, mas a gente que tem um pouco de consciência sobre isso, a gente precisa fazer alguma coisa pra tentar ajudar essas pessoas o máximo que a gente pode, sabe? Porque são pequenos suicídios que você vai cometendo pouco a pouco e que isso vai fazer muito mal para o seu perispírito, pra sua aura, entendeu? Pra sua vida e convivência com as pessoas, sabe? Então assim, viver é uma decisão diária! Viver é acordar todo dia e dizer pra mim: “Muito obrigada por mais um dia”, e quando eu vou dormir eu digo: “Boa noite, boa noite, obrigada, obrigada por mais um dia que eu vivi e por uma noite eu vou dormir e vou descansar porque amanhã, quem sabe, eu vou ter mais um dia”, então, viver é uma decisão diária que a gente tem na vida, sabe? Chorei muito, né? Eu acho que é isso, essa é a minha vida, essa foi a minha vida.
[02:36:22]
P/1 - Sephora, tem alguma coisa que você não contou da tua história, da tua infância ou da adolescência que você lembra agora, que você queira contar?
[02:36:36]
R - Tem a história do piano, lembra que eu falei pra você que eu ia falar do piano e falei que depois eu conto? Pronto, era isso o que eu tava me lembrando agora. Quando eu me mudei de São Paulo pra Fortaleza, de São José pra Fortaleza, eu já tocava muito piano, tocava muito, peças de mais de vinte páginas, sei lá, já tocava Bach, já tocava um monte de coisa bacana, já tinha feito recital, já tocava muito piano. E aí eu fui pro conservatório de música em Fortaleza, fui estudar no conservatório.
Lá em São Paulo eu estudava com uma professora de piano argentina, o nome dela era Regina Di Galla, não me esqueço, porque ela era uma figura. Ela é aquela figura que você tava tocando e ela vinha com a varinha e fazia “tuf” na sua mão assim, pra você ficar na postura correta, maravilhosa ela, super figura, com aquele sotaque forte de argentina que ela tinha. E aí quando eu fui pra Fortaleza fui estudar no conservatório de música e se supunha que o conservatório de música fosse um lugar muito mais “óó”, porque era um conservatório de música. E aí eu fui estudar com uma professora que tinha aula, sei lá, três vezes por semana. E eu não consegui me adaptar, porque essa professora passou um ano inteiro me ensinando uma peça, uma peça. Eu que já tocava piano, e aquilo foi me dando uma agonia, foi me dando uma agonia, eu tocava, tocava e ela nunca disse, sempre tava ruim, tava ruim, tava ruim e não me botava pra… Aí me botou pra tocar na banda sinfônica do conservatório, triângulo! Eu sou uma exímia tocadora de triângulo, tá? Não tenho nada contra triângulo, triângulo é um instrumento como outro qualquer, mas em vez de eu estudar piano, eu ensaiava com a banda tocando triângulo. E eu: “que coisa estranha, né?”. Resultado, quando chegou no final do ano eu não podia ver piano na minha frente, eu não podia mais ver o piano na minha frente, eu fiquei traumatizada com esse ano. Eu não quis mais estudar piano, não quis, eu tinha piano em casa inclusive, eu ganhei um piano quando tinha oito anos de idade, um piano lindo, maravilhoso, que eu tive que vender quando eu fiquei doente, porque eu precisei de grana, infelizmente, se não eu teria até hoje o piano comigo. Eu não quis mais estudar piano, eu fiquei traumatizada com o piano, eu tocava de vez em quando, e eu só tocava quando não tinha ninguém em casa, ninguém em casa. Sentava no piano e tocava, tocava o que eu queria, tocava música de ouvido, música popular, tocava as peças que eu tinha, tudo. Mas eu não estudava mais piano de jeito nenhum, eu fiquei traumatizada com o piano, tudo por causa desse conservatório, cara, dessa professora. Eu nunca entendi isso, porque ela fez isso comigo, um ano Lila, sabe o que que é isso? Um ano inteiro tocar, eu te digo que é a única peça que eu sei tocar até hoje. Ficou tão marcado em mim isso que hoje, se eu sentar no piano é a única peça que eu sei tocar, é essa clássica. Era um chorinho do Ernesto Nazaré, que não é fácil, tocar chorinho é bem difícil. Era um chorinho do Ernesto Nazaré, que é a única peça que eu sei tocar até hoje, claro, eu lembro de exercícios que eu fazia e tudo. Eu tenho uma memória muito boa pra música, muito, um ouvido absurdo pra música. Mas assim, eu não conseguia mais ler partitura, me bloqueei de um jeito que eu não conseguia mais ler partitura, não conseguia mais ler partitura, eu fiquei bloqueada. Isso foi uma coisa ruim pra mim, porque eu poderia ser uma super pianista (risos), porque eu gostava muito de tocar piano, muito, muito, muito mesmo.
[02:41:00]
P/1 - É incrível o poder de um professor, né? Como ele pode transformar pro bem e pro mal.
[02:41:10]
R – Exatamente, esse foi trauma, bloqueei a minha mente para a leitura de partitura completamente por causa disso, é uma loucura né? Só, acho que minha adolescência lá no RS foi muito legal, foi bem legal, matei muita aula, matei aula pra ir pro lago, ai meu Deus do céu, meu pai e minha mãe vão ouvir eu falando isso (risos).
[02:41:40]
P/1 - Vão descobrir agora.
[02:41:42]
R - Vão descobrir agora que eu matava aula pra ir pro lago com a galera e nossa, nem me fale, meu Deus do céu. Mas eu era tão boazinha, eu era uma adolescente tão boazinha, tão boazinha, sabe aquela adolescente que todos os pais queriam que as filhas fossem minhas amigas? Eu era essa menina. Por que? Porque eu era, não era boba, mas eu era muito tranquila, educada, entendeu? Era muito, tipo, eu era incapaz de dizer uma mentira, eu nunca menti pro meu pai e pra minha mãe, gente. Eu aprendi a dizer pequenas mentiras, não mentiras, fazer pequenas omissões na vida adulta, na minha adolescência eu não dizia nada, eu não mentia pros meus pais, eu nunca disse que ia prum canto e fui pra outro, eu nunca fiz isso. “Como foi a festa?” / “Foi assim, assim, assim” / “O que aconteceu?” / “Aconteceu isso e isso e isso”. Mas sabe o que eu me arrependo de ser assim? Porque a ideia de ser adolescente é você ser transgressor, ter aquelas pequenas transgressões, eu não fui transgressora, eu vim ser transgressora depois de adulta. Mas sabe por quê? Porque aí eu podia assumir tudo o que eu tô fazendo, entende? Até nisso cara, eu sou racional, não é possível, que louco (risos). Mas eu era uma adolescente muito legal, mas era uma adolescente que também sofria um pouco, sabe? Porque eu via essas coisas acontecendo ao meu redor, né, meninas que diziam que iam pra minha casa e não iam, e depois eu tinha que dizer pros pais dela que elas tavam na minha casa, sabe? Que era horrível pra mim, eu me sentia super mal de fazer isso. Então assim, eu não conseguia conviver com isso e às vezes acabava as amizades porque eu não conseguia conviver com esse tipo de coisas. Mas assim, não foi tanto também, né, porque eu tive umas amigas muito legais, tinha umas amigas muito queridas, muito queridas. Inclusive amigas que são minhas amigas até hoje, são minhas amigas, entendeu? Pessoas muito queridas, muito mesmo. Mas tinha isso, tinha esses pequenos conflitos de adolescente, sabe? Você nunca mentir pros seus pais e você ter que mentir pro pai da sua amiga, porque a sua amiga ia sair com o namorado e dizia pro pai que ia pro cinema comigo, coisas assim. Eu dizia: “por que você está fazendo isso?”, “porque se eu não fizer assim eu não faço nada”, isso não entrava na minha cabeça, porque na minha cabeça eu fazia isso. Eu vou pra um cinema, eu vou com tal pessoa, eu vou fazer tal coisa, e ninguém nunca disse pra mim: “você não vai.” Claro, acontecia do meu pai, minha mãe dizerem que eu não vou pra tal lugar que eu não ia se eles não achassem que era adequado pra mim. E lógico, eu como adolescente não entendia, mas depois eu me conformava, não fazia tudo pra ir e transgredia a ponto de fazer alguma coisa errada, entendeu? Nunca fiz isso. Não sei se deveria ter feito, né, sei lá, mas já passou, já ficou lá atrás (risos), mas só, só.
[02:45:13]
P/1 - Sephora, o que você acha desse projeto de memória das mulheres falarem sobre saúde da mulher? Das mulheres serem convidadas a contarem suas histórias de vida?
[02:45:32]
R - Eu acho esse projeto de vocês sobre as memórias e falar sobre saúde da mulher, eu acho muito importante. Por que? Muitas mulheres precisam falar, em primeiro lugar. Sabe? Precisam falar! Muitas mulheres não conseguem falar, muitas mulheres passam por muitas situações na vida que não conseguem falar com ninguém, sabe, eu acho que vocês estão dando uma grande oportunidade pra muitas mulheres falarem sobre si mesmas, porque elas não conseguem falar com os filhos, não conseguem falar com os maridos, não conseguem falar com a sua própria família, não tem como fazer uma terapia… E eu tenho certeza que vocês vão ter muitas mulheres sufocadas, que vão ter essa oportunidade de falar sobre elas mesmas, sem serem julgadas, certo, sem serem classificadas, né. Eu espero que as mulheres realmente tenham coragem de falar, porque é muito bom. Pra mim tá sendo muito bom, e olha que eu não tenho problema com isso, tá, eu falo mesmo, eu falo na terapia, eu falo com os meus amigos, eu falo com a minha família, eu falo com todo mundo, eu faço live, eu dou palestra, então assim, eu não tenho esse problema.
Claro, eu falei aqui sobre coisas íntimas, né, que eu nunca falei pra ninguém. Eu senti uma, uma oportunidade legal e uma, digamos, uma aura bacana pra eu poder contar algumas coisas pra vocês, coisas que ninguém sabe. Eu acho que vocês vão saber o que fazer com isso, da melhor forma possível, né, vocês são pessoas responsáveis e vocês querem repercussão, a melhor repercussão possível do projeto de vocês, então vocês vão saber o que fazer com isso. A gente tá fazendo aqui uma fala em confiança, né, então assim, eu acho que algo muito importante pra esse projeto é a oportunidade que as mulheres vão ter, de falar sobre si mesmas. Falar sobre a saúde, porque a saúde são muitas coisas, né, a saúde não é só o corpo. Saúde é a mente, a saúde é o intelecto, a saúde é o espírito, né, então tudo isso faz parte da saúde, de uma vida saudável. Então assim, eu acho uma grande oportunidade, de que as pessoas contem as suas histórias, né. As suas histórias de doenças que tiveram, ou de relacionamentos que tiveram. Contem as suas dificuldades com a sua família, as suas dificuldades com a sociedade, as suas dificuldades pra viver cada dia, entende? É uma grande oportunidade. Ontem, eu faço parte de um projeto chamado Projeto Escutatória. Escutatória é um projeto que surgiu a partir da prevenção ao suicídio, então a escuta é, a gente chama, a escuta com afeto e sem julgamento. Nós somos escutadores e escutadoras, a gente vai pras ruas, pras praças. Nessa pandemia a gente faz isso online, pelo Zoom. Então a gente escuta pessoas que querem falar qualquer coisa, a gente escuta pessoas, né, a gente faz interferência quando a gente vê que pode contribuir, mas ninguém é terapeuta, né. A ideia não é ser terapeuta, a ideia é apenas ser um canal de escuta praquela pessoa que não tem talvez com quem falar. E senta na cadeirinha na frente da gente no meio da rua e fala o que quiser. Ontem eu fiz escuta, eu fiz duas escutas e, por incrível que pareça, duas mulheres e as duas exatamente com o mesmo problema. Duas mulheres de classes sociais diferentes, que moram em lugares diferentes, que ninguém sabe nem quem é uma a outra, as duas falaram sobre exatamente a mesma coisa. E a minha conclusão que eu cheguei depois dessas escutas foi que a gente tem que praticar muito a sororidade, entendeu? As mulheres precisam apoiar as mulheres, porque as mulheres precisam de apoio, muito. Tem muitas mulheres que não conseguem falar, que não têm com quem falar, que não conseguem enxergar uma luz no fim do túnel pra situação que ela tá, que tá fazendo mal, certo? Muito mal, que tá fazendo essa mulher definhar, que tá fazendo essa mulher desaparecer pouco a pouco, a cada dia, e ela não tem com quem compartilhar isso, entendeu? E existem muitas mulheres que não sabem o que é sororidade, não sabem o que é apoiar outra mulher, que sabem o que é julgar outra mulher, que sabem o que é repreender outra mulher, entendeu? Que sabe o que é duvidar de outra mulher, sabe? Mas não sabe se colocar no lugar da outra mulher, a gente precisa disso, a gente tem que fazer isso. Se a gente não fizer isso entre nós mulheres, ninguém vai fazer, porque os homens não vão fazer. Não vão fazer, porque os homens são homens, não são mulheres, por mais que exista um homem solidário, por mais que exista um homem sensível, por mais que exista um homem que ame as mulheres, que queira estar com elas, que valorize, que admire as mulheres, mas ele é um homem, ele não é uma mulher. Então, se nós mulheres não fizermos esse papel de irmandade, de compreensão entre as mulheres, se a gente não se coloca o tempo inteiro no lugar da outra mulher pra tentar entender porque ela faz aquilo. Por que ela não sai desse relacionamento? Por que ela continua com esse homem? Por que ela continua tratando esses filhos desse jeito? Por que essa mulher não sai desse emprego que tá acabando com ela? Se a gente não tentar se colocar nesse lugar pra tentar ver como é que a gente pode ajudar, pegar na mão dela e dizer: “olhe, vamos pensar juntas numa alternativa”, a gente não vai pra frente nunca. Então esse projeto de vocês é uma forma de vocês darem essa oportunidade pras mulheres se colocarem, entendeu? Pro mundo com as coisas reais que elas sentem, e você vai ver que você vai aprender tanto com essas mulheres. Porque todo mundo tem alguma coisa pra dizer, todo mundo!
[02:53:44]
P/1 - E pra você, como foi contar sua história?
[02:53:48]
R – (choro) Foi bom, mas foi difícil. Mas assim, eu aceito desafios, sempre!
Pra mim foi um desafio, porque eu não sei como é que vai ficar no final, não sei o que que vocês vão colocar pras pessoas verem, mas assim, é isso, eu me propus. É como eu digo, eu levo a sério, as coisas que eu me proponho a fazer eu levo a sério. E mesmo sabendo que eu ia chorar, que eu ia falar sobre coisas que não são fáceis, né, porque a gente não ia fazer uma conversa rasa, pra ter sentido tudo isso aqui estar acontecendo, né, tem que ter uma coisa muito mais profunda, tem que ter uma coisa muito verdadeira, sincera e que, realmente, pra quem escutar, vai ter que fazer a pessoa refletir o que ela tá ouvindo, seja lá quem for. Então, assim, foi difícil… Ainda mais porque eu choro muito, né? Eu sou muito chorona (risos), eu sou muito emotiva, mas o que que eu posso fazer? Eu sou assim. Mas assim, eu só tenho a agradecer a oportunidade, né, agradecer pela oportunidade de poder falar com vocês, poder falar sobre as coisas que eu falei. Eu espero que as pessoas que vão escutar o que eu falei possam de alguma maneira, isso possa, de alguma forma, chegar pra elas como alguma coisa positiva, alguma coisa boa, alguma coisa que acrescente e enriqueça a vida delas. E assim, dizer que eu só tenho a agradecer, agradecer por tudo o que eu sou, por tudo o que eu tenho, pela minha família que eu amo (choro), pelo meu trabalho, pelos amigos, pelas amigas, por tudo! E só tenho a agradecer, cara, eu só agradeço todo dia. Porque a gente tem que agradecer, e não é ter que agradecer por obrigação não, é ter que agradecer por gratidão verdadeira, entendeu? Porque a vida é muito boa e a oportunidade de viver é sempre única, a oportunidade de viver ela é única, única mesmo, sabe? Assim, embora eu acredite em reencarnação e que a gente tem muitas vidas, mas esta vida, ela é única. Eu só vou ser Sephora, mulher, vivendo esta vida, com estas questões, agora! Posso voltar e viver outra vida, venho de outra vida, não sei quem eu fui, nem o que eu fiz, mas eu só vou ser Sephora uma vez, então, eu tenho que agradecer. Em primeiro lugar agradecer o meu pai e a minha mãe, porque eu só tô aqui por causa deles, porque eles me aceitaram, né, porque um pai e uma mãe podem não aceitar um filho. Mas eles me aceitaram, cuidaram de mim e cuidam de mim até hoje, até hoje eles cuidam de mim, até demais. Mas eu só tenho a agradecer e eu agradeço a vocês pela oportunidade.
[02:57:25]
P/1 - E quais são seus sonhos?
[02:57:27]
R - Nossa, eu tenho muitos sonhos, mas digamos que eu tenha sonhos que são realizáveis, todos os sonhos que eu tenho são realizáveis. Eu não sou uma pessoa que sonha coisas que eu nunca vou ter, porque, nem ter nem ser, porque isso é sofrer, né. Sonhar com o irrealizável é cultivar o sofrimento e uma frustração. Não, eu sonho com coisas muito bacanas, eu sonho em fazer viagem, viajar pelo mundo inteiro, porque eu sei que isso eu tenho condições de fazer, eu trabalho pra isso. Eu sonho em encontrar uma pessoa bacana, um companheiro legal, eu tô sozinha há muitos anos. Não que não tenha aparecido pessoas no meio do caminho, mas não foram pessoas que eu, que eu pudesse enxergar construir alguma coisa com elas, entendeu? Então assim, eu sou daquelas que prefere ficar só do que com uma companhia que não vai me, digamos, eu gosto de qualidade nas coisas, meu controle de qualidade é muito forte pra tudo. Minhas amigas falam: “Você é muito exigente Sephora, você é muito seletiva”, eu digo: “Graças à Deus, que bom que eu sou assim, já pensou se eu não fosse assim? Eu ficar aí sem ter um filtro, pra depois só não ter o que fazer com a sujeira. Ainda bem que eu tenho um filtro, meu filtro é maravilhoso, então já filtra logo já.” Mas eu sei que eu vou encontrar essa pessoa, eu quero ter um companheiro bacana, eu quero ter um companheiro legal. E um companheiro bacana pra mim não é uma pessoa perfeita, é uma pessoa que tem um bom caráter, porque isso pra mim é fundamental, ter bom caráter, e que goste de mim de verdade, do jeito que eu sou, com o corpo que eu tenho, da forma que eu penso. Nem que seja pra chegar pra mim e pra me ensinar a ser melhor ainda do que eu já sou, mas que me aceite como eu sou. Eu não vou ter corpinho pra agradar ninguém, nem vou ter roupitcha pra agradar ninguém, eu sou assim. Eu olho pras pessoas tentando aceitar as pessoas da forma que elas são, não é fácil, tá? Não tô dizendo que é fácil não, mas eu tento, então quero que alguém tente fazer isso comigo também. Então, meus sonhos são esses, são sonhos realizáveis, eu quero viajar muito, eu quero viver bem. Eu sonho em acordar todos os dias bem, com saúde! Eu quero viajar o mundo inteiro, tem muitos países que eu quero conhecer e eu quero trabalhar muito, pra ganhar muita grana, pra isso! Eu não quero ter nada, eu não quero ter casa, eu não quero ter apartamento, eu não quero ter casa na praia, eu não quero ter carro chique, eu não quero nada, eu não quero joia, eu não quero nada disso, eu quero viajar! O meu sonho é viajar o mundo inteiro! E eu sei que isso eu tenho condições de fazer, então são sonhos realizáveis, esses são meus sonhos. E que a gente tenha uma vida boa né, que a minha família tenha saúde, que meus sobrinhos sejam bem-sucedidos, minha sobrinha seja bem-sucedida, que meus irmãos fiquem bem, que as minhas cunhadas fiquem bem. E meus sonhos são sonhos que eu sonho com coisas que são palpáveis, entendeu? Eu não fico inventando moda, entendeu? “Ah, quero um iate de luxo”, não, não quero não, faço a menor questão (risos). É isso… Coisa material pra mim, ela é muito bem trabalhada, tá, é muito bem trabalhada no ter o suficiente pra eu viver a minha vida, que é uma vida simples. A única coisa que eu quero ter dinheiro é pra viajar, porque viajar é caro, né? E isso eu quero.
Então assim, eu trabalho muito pra ter condição de fazer isso e eu já fiz muita coisa, eu já conheci muitos lugares muito bacanas e eu quero continuar conhecendo. Então assim, meus sonhos são esses, e essa pessoa que vai aparecer no momento certo, na hora certa e quem sabe. E se também não for nessa vida, será em outra vida, o que que eu posso fazer, né. O que que eu posso fazer?
[03:02:40]
P/1 - Vai ser numa viagem (risos).
[03:02:43]
R - Bom, eu espero, pode ser que seja, só espero que não seja viagem da minha cabeça (risos). Tomara. Ah, mas é isso aí, meus sonhos são sonhos muito realizáveis.
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