A juta chegou aqui em Juruti assim: parece que um japonês tinha as primeiras sementes de juta que vieram pro Brasil. Elas vieram no cabelo dele, porque era proibido trazer de lá. E aqui, em qualquer terra dessas, se molhada, a gente coloca a juta e, com dois, três dias, ela começa a brotar. Quan...Continuar leitura
resumo
Em seu depoimento, Manoel nos conta a genealogia do comércio e produção de juta, história que se junta e se mistura com o município de Juruti, no Pará. O cultivo, a plantação, a colheita e vários causos de sua vida na juta: Manoel nos conta tudo, inclusive a origem dessa cultura, cujas sementes teriam ido parar na região através dos cabelos de um japonês. Além disso, nos conta a história de seu pai, antigo comerciante da região, sua mãe e sua madrasta, professora que muito lhe ensinou. Sabemos também sobre as suas diversões de juventude, as festas locais, o que se dançava, a atividade de pesca e o carnaval de Juruti. Por fim, Manoel "Maravilha" nos conta a história de seu apelido e de seu envolvimento no Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
história
imagens (8)
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
data (ou período): Ano 2010 Imagem de:Manoel Maravilha
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
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Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
data (ou período): Ano 2010 Imagem de:Manoel Maravilha
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso sentado em um banquinho. Há utensílhos de cozinha ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso apoiado em uma janela. Há móveis e fotografias ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso apoiado em uma janela. Há móveis e fotografias ao fundo. Está sorrindo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso apoiado em uma janela. Há móveis e fotografias ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso apoiado em uma janela. Há móveis e fotografias ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso sentado em um banquinho. Há utensílhos de cozinha ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso sentado em uma cadeira. Há partes de uma casa ao fundo.
Manoel de Souza Lima (Manoel Maravilha)
Homem idoso apoiado em uma janela. Há móveis e fotografias ao fundo. Está sorrindo.
história na íntegra
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Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
Depoimento de Manoel de Souza Lima
Entrevistado por Marcia Trezza e Isaac Patreze
Juruti, 18 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV_101
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
Revisado por Juliana Parente
Tags: família, Juruti, comércio, brincadeiras, juventude, festa, dança, ape...Continuar leitura
Depoimento de Manoel de Souza Lima
Entrevistado por Marcia Trezza e Isaac Patreze
Juruti, 18 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV_101
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
Revisado por Juliana Parente
Tags: família, Juruti, comércio, brincadeiras, juventude, festa, dança, apelido, produção de juta, enchente, malva, pesca, carnaval, Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
P/1 – Senhor Maravilha, o senhor pode dizer o seu nome completo?
R – Manoel de Souza Lima.
P/1 – O senhor nasceu onde e em que data?
R – Eu nasci... O lugar? Ponto Chique, Igarapé município de Juruti.
P/1 – Quando? Em que data o senhor nasceu?
R – A data do meu registro, né? 18 de novembro de 1942.
P/1 – Essa é a do seu registro. E a data real do seu nascimento?
R – A minha mãe falou que eu nasci em 29 de junho, que ela é mais velha, uma professora, 18 de novembro de 40. Mas só quase eu não considero essa data, eu considero 18 de novembro. Mais ou menos é assim.
P/1 – E seus pais? O senhor ia falando da sua mãe.
R – Minha mãe era Dolores Gomes de Souza. Minha mãe legítima. E meu pai Manoel Teixeira de Lima.
P/1 – E eles trabalhavam em quê, seu Maravilha?
R – Papai foi comerciante muitos anos, 50 anos de comerciante. Ele comerciou Ponto Chique, Maranhão, Curumucuri que se chama o Maranhão, Curumucuri e Areial. Três partes ele comerciou, fora as outras como Miri, lá ele também teve comércio, era um gerente comerciante.
P/1 – Ele era do Maranhão?
R – Não. É filho daqui. Filho de Juruti. Inclusive nós somos de uma família muito pobre, mas humildes. Nosso tio foi Américo Pereira Lima, tem até um colégio com o nome dele aqui, foi intendente mais de 15 anos. Foi o primeiro prefeito eleito pelo povo em eleições diretas. Foi eleito deputado, Américo Pereira Lima é irmão do meu pai.
P/1 – E o seu pai era comerciante, o senhor falou umas cidades, todas essas cidades eram aqui mesmo?
R – Não. Era comunidade que chamava, comunidade do interior como tem hoje, comunidade... A cidade de Juruti tem a comunidade de São Pedro e aí vai, essas comunidades que tem, muitas comunidades. Inclusive eu vim pra cá... Aí a minha mãe morreu, eu fiquei garoto, fiquei com uns quatro pra cinco anos de idade. Aí o papai casou com outra mulher. Eu considerei como mãe, chamava mamãe pra ela, Filomena Guimarães de Lima, pra minha madrasta. Inclusive ela é difícil chamar meu apelido ou meu nome. Ela só chamava meu filho. Ela teve muitos filhos com papai no matrimônio, mas me amava muito. Ela morreu está fazendo um ano e pouco. Era minha madrasta. Minha mãe morreu está fazendo mais de 60 anos. Ela me deu uma boa criação, pelo menos eu sou um camarada humilde que tudo por onde eu ando eu deixo minhas amizades com os outros graças a Deus.
P/1 – O senhor falou que era professora ou entendi mal?
R – Professora. Ela foi professora aposentada. Filomena Guimarães já, a segunda mulher do meu pai.
P/1 – E ela dava aula aonde, seu...
R – Ela deu aula pelo interior. Lecionou no Curumucuri, lecionou na Santa Rita, lecionou na Ilha do Vale...
P/1 – Esses lugares o...
R – E o fim da... Espera aí. E antes dela se aposentar lecionou aqui em Juruti numa escola municipal antiga. Aí ela se aposentou, estava idosa se aposentou.
P/1 – Esses lugares que ela foi lecionando, ela ia como pra esses lugares? Vocês moravam nesses lugares?
R – Quando ela ia pra lá a gente já tinha aqui a casa, aqui em Juruti. A gente ia pra lá só pra arrumar despesa pra ela. Passava uns dias lá com ela e voltava pra cidade. Ela viveu a vida dela assim, da história da minha madrasta eu sei contar, agora da minha mãe eu estava muito novo quando ela morreu.
P/1 – E seu pai tinha o comércio? Conta um pouco desse comércio como era.
R – Ele foi comerciante muitos anos nessa... Maranhão, Ponto Chique, Maranhão e Areial, que eu me lembro bem que ele comerciou nessas três partes. Mas ele me contou, eu não vi, ele também comerciou num local chamado Miri, uma comunidade próxima a Juruti. Miri. É aquele onde tem um lago bonito. Ele também comerciou lá comprando farinha, manteiga, todas.
P/1 – Como é que ele fazia esse comércio? Como é que era esse comércio? Era um lugar assim ou ele ia fazendo pelas comunidades? Conta um
pouquinho isso.
R – Quando ele ia, vamos dizer, a filial da Ponto Chique todo tempo, aí de lá se ele fosse comprar pirarucu pra outra região, farinha, aí ele levava mercadoria pra lá, arrumava uma barraca que se chama e lá ele colocava a mercadoria e passava a negociar. Então esse era o ramo do meu pai, esse comércio. Até eu acho mais ou menos pela década de 70 por aí ou 60. Aí foi enfraquecendo o negócio dele. Ele vendia muita mercadoria a prazo e ficaram devendo muito, aí ele ficou triste com aquilo e parou de negociar.
P/1 – Ele vendia a mercadoria que vocês produziam ou não? Outras coisas?
R – Outras coisas.
P/1 – Que tipo de produtos?
R – Ele vendia era... Como se diz? O que ele vendia muito é açúcar, café, arroz, querosene. Mesmo panos, naquele tempo vinham panos em farda, aquelas caixas grandes de fardas, comprava de Belém da Ferreira de Oliveira, negociou com a Ferreira de Oliveira muito. Quando foi na década de 44 o meu pai fez um... Naquele tempo chegou a juta pra Juruti, né? Pra cá pro município mais ou menos nessa época aí. Derrubavam muitas matas, capoeira pra plantio de juta. Aí a água... Eles destruíam muito. Aí financiam muito, né, mercadoria que tinha pro povo também plantar. Ele plantava e o povo que ele financiava também plantava só que ficaram devendo muito pra ele. Ele ficou com medo de negociar e foi diminuindo o negócio, foi caindo. Mas continuou sempre, trabalhava em juta, comecei a trabalhar com ele, trabalhei na Santana ainda era garoto. Aí foi. Eu fiquei rapaz, trabalhava aqui mesmo em Juruti com os outros em juta. Eu de 59... Em 60 eu me casei bem jovem.
P/2 – Senhor Maravilha, os produtos que o seu pai comercializava onde que ele buscava esses produtos? Aqui em Juruti mesmo ou algum outro lugar?
R – Olha, o negócio no começo ele comprava de uma firma que se chamava Viúva Marcos Belicha daqui de Juruti. Era uma grande firma que tinha, era uma família judia, né? Eles tinham um grande comércio, seu Marcos e aí ele comprava dele a mercadoria e levava pro interior. Depois ele foi apresentado pra uma firma grande em Belém, Ferreira de Oliveira e aí ele passou a comprar de Belém direto. Negociava grande mesmo, negócio muito forte, negociou muito. Foi a época que apareceu a juta.
P/1 – O senhor lembra quando o senhor era criança, o senhor participava assim em alguma coisa dessa atividade do seu pai?
R – Não. Eu me lembro tipo um sonho quando eu era garoto, né, bem novo. Eu lembro assim do comércio que nós tínhamos no Porto Chique, eu me lembro bem, eu era bem novinho, mas eu me lembro.
P/1 – Que lembrança o senhor tem? Que imagem o senhor tem assim do...
R – Era um comércio forte do meu pai, uma carra grande, bonita, um bom lote de gado, nós tínhamos um bocado de gado. Tudo isso acabou. Depois que a minha mãe morreu meu pai ficou solteiro mesmo, novo ainda, ele teve algumas mulheres particulares até que ele chegou ao ponto de casar. Aí foi quebrando o negócio dele, depois ele adoeceu também e preocupou nossa vida. Eu fui ficando rapaz também, ajudava muito no mantimento de casa, trabalhava com os outros pra ganhar diária pra ajudar a família já quando o papai foi ficando numa situação muito difícil depois de doente. Eu era o mais velho, porque o meu irmão mais velho se chama Bruno, mas ele nunca parou assim diretamente com papai. Parava pra Belém, parava por aí. Eu sempre com papai até ficar a paz.
P/1 – Quando o senhor era criança, que lembrança o senhor tem da sua infância? O senhor fazia o que durante o dia?
R – Ah, depois de vir pra Juruti, eu era um menino, gostava muito de brincar, jogar peteca, tantas petecas. Em Juruti tinha essas brincadeiras, peteca, tinha patela que a gente jogava, aquelas carteiras cigarro que a gente tira, a gente brincava e jogava.
P/1 – Como que é isso? Como que é essa brincadeira?
R – Carteira de cigarro tem a... Como se diz? A capa do cigarro. A gente abre aquilo e dobra bem aquilo, a gente fica com aquilo quando a gente era garoto tipo um dinheiro. Tinha número 20, tinha número 15, o número das carteiras de cigarro bem preparado. A gente chegava lá: “Embora brincar” fazia a roda “Quanto cada?” era carteira. Naquele tempo eu me lembro que tinha cigarro Aspirante, Continental, todos eles tinham um número. Aí a gente colocava, se era Continental: “Coloca aqui”. Aí fazia uma linha assim meio longe e uma patela chamava um pedaço de pau assim bem quadrado, de lá jogava pra linha. Aquele que chegasse mais perto da linha era o primeiro, entendeu? De lá a gente já rapava, quem acertasse rapar... Era assim que era a brincadeira, peteca, patela que era isso, ficha...
P/1 – Como era a ficha?
R – Ficha da tampa de guaraná, aquelas tampinhas. A gente abria bem aquilo e brincava com aquilo dobrando assim, batendo, dobrando aquilo e apostando. Era brincadeira de criança também. Depois de maiorzinho eu comecei a jogar sinuca, eu gostava muito de sinuca, jogava mesmo, era bom no taco camarada.
P/1 – Tinha algum truque assim, umas manhas?
R – Tinha, eu era...
P/1 – Conta pra gente.
R – A minha coragem de jogar... Naquele tempo, a juventude daquele tempo não é como a de hoje. Naquele tempo jovem não tinha um grupo de jovem como tem hoje. Hoje tem um grupo de jovens, né? O rapaz vai praquele grupo, tem rapaz que é bem bacana, tem uma memória boa, tem um... Apareceram os mais novos, aquele tempo não. Às vezes os jovens convidavam a gente pra fumar, às vezes até pra beber uma birita, pra brigar. É. Quem fosse fraco da memória brigava com o próprio parceiro. Era. Era assim a juventude do passado e às vezes pra gente entrar pra jogar uma sinuca, pra dizer: “Eu vou tirar meu nervoso e tal.” Tomava uma dose de São João da Barra, mandava tomar bebida assim pra ficar corajoso pra jogar. Jogava. Era assim que era o tempo de jovem, de rapaz aqui. Mas o resto graças a Deus foi bom.
P/1 – E tinha as festas?
R – Festa, festa dançante. Juruti era muito pequeno, mas tinha clube. Tinha Clube do (Nhão?), tinha Clube do Juvenil que faziam clubes assim de dança dia de sábado, domingo. Isso eu acho difícil hoje porque aqui em Juruti onde eu me criei, eu me criei aqui, né? Quando a gente tinha festa infantil das crianças dançarem dia de sábado. Hoje não tem mais.
P/1 – À tarde assim?
R – À tarde, dia de sábado ou dia de domingo de manhã tinha a dança das crianças: “Amanhã vai ter a dança das crianças”. Os meninos e as meninas dançavam, aprendiam a dançar. Hoje tem muito rapaz que nem dançar sabe porque não tem um clube de criança. Nesse tempo não, cada qual desde garoto queria dançar melhor. Quando ficasse rapaz e entrar num clube sabia bem dançar. Hoje eu acho que é difícil, a gente não dança, dançava todo tipo de...
P/1 – Que tipo de dança era?
R – Era valsa, dançava valsa, dançava aquela outra, como que é? Samba. Essas coisas todas a gente dançava na época. Hoje, pelo que eu vejo, a pessoa só dança um pra um lado outro pra outro. Hoje é difícil, é diferente do passado. Uma diferença que eu acho em Juruti também do passado pro presente hoje é que naquela época a gente entrava num clube de dança, apesar de que era pequeno e era atrasado, só entrava em traje de passeio, uma festa social, se o cara não tivesse um paletó ele não entrava. Hoje não tem mais disso.
P/1 – E tinha os músicos que tocavam?
R – Tinha os músicos. Era violino na época, na viola, violino, violão. Tinha cuíca. A cuíca é um instrumento que a gente faz fffff. Pandeiro, isso já existia. Mas eram bonitas, alegria, não existia esse negócio de tanta confusão como hoje, a rapaziada do presente hoje muitas vezes vai a uma festa só pra brigar.
P/1 – E as moças como é que iam?
R – As moças eram comportadas também. Chegava numa festa todo mundo sentava nas cadeiras, num banco, né, e os rapazes iam puxar pra dançar. Era assim que era, era muito bacana.
P/1 – E o senhor era um bom dançarino.
R – Eu dançava, gostava de dançar muito.
P/1 – Dançava muito.
R – Dançava. Até agora no passado eu ainda dançava aqui com a minha mulher, ela gostava de dançar também.
P/1 – Senhor Maravilha, e esse nome? Como é que o senhor... Onde o senhor ganhou esse nome? Como que o senhor ganhou esse nome?
R – Esse apelido de Maravilha?
P/1 – É.
R – Esse apelido de Maravilha não era meu, era de um colega meu filho de um promotor. O nome dele era Valvique Viana Pará, filho de um promotor que chamava (Danisar?) Tavares Pará. Moravam perto, próximo lá. Eu não sei de onde surgiu o apelido nele que já até morreu. Nós éramos garotos de uns oito a dez anos por aí, aí apelidaram ele de Maravilha.
P/1 – Ele.
R – Ele. O apelido era dele, aí eu ia passando perto dele disse: “Ê Maravilha”. Ah, quando disse assim ele ficou bravo. Pegou uma pedra e correu atrás de mim e a garotada, em vez de apelidá-lo, acabou me apelidando Maravilha. Ele ainda quis ficar bravo: “Mas olha, esse apelido é muito bonito, não fica bravo”. Depois começou a me chamar de Maravilha, papai, mamãe, meus irmãos aí não teve mais jeito. Mas não era totalmente meu o apelido Maravilha, era dele. Inclusive quando ficamos rapaz a gente sempre brincava com isso, falava: “É Maravilha, ficastes com o meu apelido.” Eu dizia: “Não. O apelido era teu mesmo.” Pois é rapaz.
P/2 – Quantos irmãos o senhor tinha, seu Maravilha?
R – A primeira parte de mãe nós éramos quatro. O primeiro matrimônio, né? Do segundo matrimônio somos vários, do segundo matrimônio. Nós éramos do segundo matrimônio eram dez, do primeiro quatro. Éramos 14 irmãos. Fora os filhos bastardos que o meu pai teve também, filho bastardo ele teve alguns. Ainda tenho irmãos bastardos aí. O pai do Jesus, do Saúde, são pessoas de bem que procedem bem, os filhos deles são comerciantes, estão bem.
P/1 – Senhor Maravilha, só pra eu entender um pouquinho assim, o senhor falou que o seu pai sempre teve um comércio forte em vários lugares, aí depois chegou a juta. Mais ou menos em que época veio essa juta?
R – Ele me falou que foi em 1944.
P/1 – E ele tinha esse comércio forte.
R – Tinha comércio forte.
P/1 – Conta com mais detalhe assim. O senhor morava ainda no interior?
R – Não era no interior, era no lugar em Ponto Chique, lá que ele era comerciante.
P/1 – Certo.
R – Aí ele arrumou duas filiais do comércio, ele colocou. Ele colocou um comércio no Maranhão que é terra firme, é um lago central que tem muito bonito, o Curumucuri. Lá tem bem no final do lago do Curumucuri, indo pra lá tem uma casa eu acho que é comércio de um pessoal lá, chama-se Maranhão. E Areial era outra, eles compravam farinha pra levar pra várzea pra freguesia do meu pai, pra financiar pros fregueses. Porque naquela época quando financiava a juta, se eu ia plantar a juta na época, eu tinha que ter um patrão. O patrão financiava tudo pra gente, a partir de julho, agosto ele começava a te levar açúcar, café, farinha, sabão, rede, roupa, tudo que a gente precisava a gente financiava durante o tempo pra pagar na colheita da juta que a gente ia colher em março.
P/1 – Levava a mercadoria pras pessoas e aí depois quando elas colhiam é que pagavam?
R – Pagavam. É assim que era no passado.
P/1 – E aí quando chegou a juta ele fazia isso, ele financiava mercadoria?
R - Financiava. Verdade.
P/1 – E como é que a juta chegou? O senhor era menino.
R – Era garoto.
P/1 – Mas o senhor conhece essa história? Como é que essa produção de juta chegou?
R – Olha, o papai contava, me contou na época, o que eu lembro, né? Ele falou que em 1944 quando chegou a juta pra cá ele plantou na época uns 30 pra 40 hectares. Derrubou muitas matas pra plantio. Foi na época que ele meteu financiamento no meio. Não sei se é verdade, falaram que veio um, parece que um japonês tinha as primeiras sementes de juta que vieram pro Brasil, vieram no cabelo de um japonês porque era proibido trazer de lá pro Brasil a semente de juta. Acho que naquele tempo não existia tanto a federal pra fiscalizar e ele pegou e encheu. Porque a semente ele colocou no cabelo e veio embora pro Brasil. Aqui em qualquer terra destas se molhada a gente coloca a juta com dois, três dias ela começa a brotar. Quando ela brota, ela com três, quatro meses cria galho lá em cima. Naquele galho já dá esses carocinhos, a semente. Aí de lá pronto. Depois de a gente ter a semente foi crescendo muito, aí apareceu muita semente. Agora essa época que ele trouxe a semente eu não tô certo, mas quando o papai começou a trabalhar na juta em 1944 ele tinha semente pra plantar quando quisesse porque aqui no município de Alenquer tem produção de semente própria,
de juta, planta e vende a semente. Eu acho que está até parado porque não plantaram mais pra cá.
P/1 – E aí foi se espalhando essa cultura...
R – Espalhando, espalhando. E aí o pessoal, quando apareceu a juta era pena, isso eu já me lembro. Derrubavam lindos que eu falei até pra vocês, lindos derrubavam pra plantar juta porque a juta dava dinheiro rápido, sabe? Se você plantasse a juta, planta a juta em outubro aí novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março tá colhendo. Já vem tirando a fibra dele e enxugando pra fazer varal, enxuga em fardo e já vai vendendo e já vai pegar o dinheiro. Naquela época qualquer um andava comprando juta, o dinheiro no bolso: “Quantas fardas de juta tem pra vender?” “Tem dez fardos.” “Embora pesar.” “Pesa quanto?” “Tanto.” Fazia tanto, puxava do bolso, pagava na hora. Era assim que era a juta, era um dinheiro bem bacana.
P/1 – E quem compra? Quem comprava a juta?
R – Aqui em Juruti a firma Viúva Marcos Belicha comprava muita juta, negociou muito isso, financiou também muito o povo de Juruti. Até uma região de obra existe, eram grandes comerciantes, mas eram comerciantes. Eram judeus. O povo de Juruti tinha o maior respeito por eles, financiavam muito também. A gente trabalhava muito nisso.
P/1 – E quando o seu pai fez todo esse financiamento e também começou a trabalhar com a juta ele contratava as pessoas pra fazer o trabalho...
R – É contatava. Ele levava gente pra casa assim, pra trabalhar, fazia várias paragens mesmo do município de Juruti até aqui. Ia ao Curumucuri, convidava um pessoal ia toda parte, saía, andava por todas essas comunidades de lá pra cá, trabalhava com muita gente. 50, 60 diaristas todo dia. Em casa era um movimento muito grande. Na época de 40, 45 por ali.
P/1 – E o senhor nessa época era pequeno, era criança...
R – Era garoto.
P/1 – E nessa época o senhor chegou a fazer alguma coisa com a juta ou...
R – Não. Nessa época não. Eu comecei a trabalhar em juta quando eu já tinha ai mais ou menos uns... Comecei a trabalhar quando eu já tinha uns 15 anos, 14 por aí.
P/1 – Então o senhor estava contando que aí expandiu assim a juta e o comércio do seu pai, o financiamento todo e aí aconteceu alguma coisa que o senhor falou que começou a dar pra trás. Como que foi exatamente?
R – Foi. Isso aí é o financiamento da juta, porque muitas vezes a gente vai, compra a mercadoria do patrão, vai plantar juta. Tem vezes que, quando a enchente vem rápida, ela pega a juta verde e a juta verde não tem futuro, a fibra dela é fina. Se você plantar um hectare de juta e ela amadurecer você colhe três, quatro toneladas, mas se for verde você não colhe nem 500 quilos. Então é por isso ficavam devendo pro patrão, se pegasse a juta verde aí o cara não podia pagar a conta porque o produto pra pagar a conta era a juta. Já a água pegou verde, não tinha valor. A juta pra ser pesada ela deve quando chegar, desgalhar aí ela já fica no ponto de colheita, desgalhando. E também quando ela cria semente ela já está muito madura, custa a amolecer na água, tudo é mais difícil.
P/1 – Tem que ser no ponto. Tem que colher no ponto.
R – No ponto. Três pra quatro meses a juta está mais que boa. Ela tem dois tipos de plantio também, a juta, a gente planta ela... Tem a safra de plantio que é em novembro e tem que a gente planta de máquina em leira assim, 40, 45 centímetros, uma carreira aqui outra aqui uma da outra, apertar pra capinar. E tem plantio que se chama de juta do verão que a gente semeia quando vem saindo a terra a gente vai jogando. Você limpa uma área grande, qualquer parte assim da várzea, quando está cheio você começa a limpar o capim que está em cima daquela área. Vai tirando, a água vai resvalando você vai tirando. Quando sair a terra está limpa , e quando a terra vem saindo a gente já vai jogando a semente. Essa é a juta do verão.
P/2 – Mais ou menos em qual época do ano? A data do ano.
R – A juta do verão a gente semeia a partir de agosto, desde julho, conforme a enchente for rápida, estar vazada. Ela começa a vazar em julho, né, a gente já começa em agosto, aí ela cresce. Se a gente planta em agosto ela cresce. Começa fim de julho, agosto, setembro, outubro pra novembro tá colhendo a juta madura. E se você for numa terra boa você emenda a safra, você pode ir plantando aquela mesma terra que você colheu a juta do verão você planta outra safra com máquinas. Faz duas colheitas só numa terra.
P/1 – A de inverno é no começo do ano.
R – É.
P/1 – E como é a de inverno que o senhor começou a falar, eu não entendi bem, aquela que vai... Como vai fazendo? Da terra assim...
R – Não. A juta da safra mesmo é plantado à máquina.
P/1 – Como que é?
R – A gente derruba a mata ou a capoeira, queima, depois de queimado tudo, ficam alguns paus no meio, porque tem que ter pau porque quando a água vier aqueles paus são pra afogar a juta, entendeu?
P/1 – Pra?
R – Pra amolecer a juta. Tem que afogar ela. Quando a gente corta a juta no roçado vai amarrando os feixes todinhos. Amarra todo o roçado, depois a gente vai empilhar uma do lado da outra. Faz aquelas pilhas de 200, 300 feixes. Depois com aqueles paus que ficam no roçado a gente vai afogá-la. Entendeu como é? É assim.
P/1 – Entendi.
R – E a juta do verão já é mais difícil porque a gente tem que carregar ela da terra, não tem água no verão. Carrega ela pra uma paragem, pra um lago e lá a gente tem que por em cima daquela juta capim, em cima pra colocar terra pra poder ir pro fundo pra amolecer. Dá um trabalho. É mais trabalhoso que a juta da safra, a do verão.
P/1 – Então afoga ela não é no rio, é na margem?
R – Não. É no rio mesmo, mas é na beira do rio onde é baixo porque pra gente lavar a juta ela tem que ficar nessa posição do umbigo, a água. Se você passar pra cá já é mais difícil. Quando a água cobre a juta, a gente tem que fazer andaime assim com os paus bem seguros na base d´água, mergulha pra puxar ela lá do fundo pra colocar em cima do pau. Já é mais difícil do que colher com a água no umbigo, aí é bacana que se lava rápido, é bonito, mas se for num lago fundo é ruim, tem que mergulhar pra tirar.
P/1 – E às vezes afoga tá raso, depois passa um tempo encheu.
R – É. Quando enche ela fica no fundão. A gente sempre afoga a juta numa terra baixa, bem quando a água está baixa. Daqui a água. Afoga todinha que ela fica coberta, aí a água vem subindo, vem, vem. Quando ela é verde, nova que ela começa a desgalhar pra afogar com oito dias a gente lava. Se ela for de flor, de frutas já são 12, 15 dias pra amolecer porque ela tá com a casca grossa, aí ela demora mais pra amolecer pra lavar. É mais difícil ela.
P/1 – Que parte da árvore... É uma árvore, seu Maravilha?
R – É uma árvore. Olha, esta grossura aqui a juteira.
P/1 – Fina assim.
R – Essa grossura. É. Ela é comprida. Ela abrange três... Conforme a posição da terra, quando a terra é boa...
P/1 – E pega das folhas?
R – Ela cresce, a juta é plantada assim, uma perto da outra, a máquina faz tac tac tac que vai embora aquela carreira. Daqui pra cá a gente já está com a dimensão aqui tac tac. Este vão aqui é pra capiná-la, para a gente entrar no meio. A gente planta outras carreiras e essas vão ficando essa distância umas das outras, coisa que dê pra gente entrar no meio pra capinar. Quando a gente joga muita, que a máquina joga muita semente ela embaraça o crescimento porque é muita juta, entendeu? Grela muito grosso. E quando é plantado cinco, seis pés, até três ela cresce mais rápido porque ela não cresce apegada. A gente tem que a máquina na posição pra ela crescer mais rápido, se jogar muito aí ela fica cheia de filo, quando ela cresce aquele filo caindo pro lado é obrigado a gente a tirar. Chama aqueles que têm muita juta em cada cova, né? Desfila pra ela poder desenvolver, engrossar mais. Mas quando é bem plantada ela desenvolve rapidinho, engrossa: “Olha lá a grossura”. Quando ela é assim, esmirrada ela fica daí pra baixo, fina, os filos dessa grossura assim. Tudo é assim.
P/1 – E é essa máquina que joga a semente? Como é essa máquina, senhor Maravilha?
R – É uma máquina, a gente mesmo faz.
P/1 – Ah é?
R – É. É até de um litro...
P/1 – Como que o senhor faz?
R – De um litro de óleo, desses óleos de azeite a gente parte ele no meio, faz assim, prega nos lados de um pau, dois paus, igual de uma máquina assim.
P/1 – Pode pegar. Só pode falar só o que o senhor usa.
R – São dois paus assim, a gente o coloca, duas tábuas bonitas assim e faz a caixa, uma caixa assim com este comprimento. Porque aquela caixa que a gente coloca é pra colocar a semente da juta dentro de um buraquinho que é pra ela cair e a gente mete um negócio que ela, conforme a gente graduar cai a quantidade de juta. Se a gente abrir muito cai muita semente. Entendeu como é? E a ponta é de ferro, ajeita um ferro, isso a gente compra tudo pronto, a gente com aquilo planta.
P/2 – Senhor Manoel, a semente é bem miudinha?
R – É pequena. É pequena a semente de juta. Daquela pequena semente ela cresce muito bonita e é rápido. Se você plantar numa terra... Se a gente plantar a juta numa terra, eu derrubei uma capoeira dois hectares ou três aquela capoeira e queimei. Queimo bem a terra aí dá uma chuva. Se deu uma chuva esta noite quando é amanhã de manhã eu vou plantar. Aquela juta com dois dias ela está grelada porque a terra está molhada. Aí ela desenvolve rápido. Agora quando não chove, vamos dizer que o plantio da juta safra é novembro, fim de outubro pra novembro. A gente a planta, só queimo o roçado e já vou plantar, esperando a chuva. Entendeu como é? A gente planta todo o roçado aí o cara tem a sorte. Se a chuva vier com dois, três ou quatro dias aí ela não demora pra grelar, mas se ela custar 15, 20 dias a juta não grela porque ela está numa terra seca, mas quando chove ela brota.
P/1- Que enchente foi essa que deu que o senhor falou que então começou a ter problema, as pessoas não podiam pagar? Foi uma vez que aconteceu isso ou de tempo em tempo...
R – Não. De tempo em tempo acontecia no plantio de juta. Tem vezes que a enchente vem rápida. Olha, graças a Deus este ano que nós... Ano passado eles tinham apertado todo o fundo dessas comunidades. Então se eles estivessem plantando a juta iam ter muito prejuízo, mas porque veio rápido. Este ano já estamos no fim de abril tá tudo terra ainda. Então quer dizer que se tivesse plantado a juta ela ia amadurecer muito bem.
P/1 – Então não foi uma única enchente, de tempo em tempo acontecia de encher.
R – Acontecia. Olha, teve um ano, 53, foi uma enchente muito grande. Dizem que ela, essa enchente de 53, isso eu já me lembro muito bem, 53 a enchente abrangeu essa do ano passado porque era muito grande. Todo mundo que tinha juta perdeu tudo. Perdeu porque nem que ela tivesse madura o cara não tinha... Quando ela cresce muito rápido, a água, que ela vem com muita força não dá tempo do cara colher quatro, cinco hectares de juta não. E quando era tempo de juta era difícil até a gente ajeitar trabalhador porque todo o pessoal plantava, um não podia ajudar o outro. Aí perderam muita juta em 53, uma enchente muito grande, muito prejuízo. Mas o governo ajudou muitas pessoas no prejuízo. E aí, isso já me lembro muito bem, nós pelo menos perdemos numa região que chama, aqui logo baixando aqui o Rio Amazonas tem uma que chama Santana, aí no interior. Aí nós trabalhávamos em 53 que fizemos uma roçada de filado linda e papai adoeceu. Eu ainda era garotão. Perdemos toda a juta. Linda a juta. Foi pro fundo. Quando ela vai pro fundo amolece, sabe? Amolece o pé dela e aí é difícil pra gente cortar.
P/1 – E nessa ocasião que o senhor falou que o seu pai adoeceu e vocês perderam tudo, o que aconteceu depois dessa situação?
R – Quando é assim a pessoa não pode pagar o compromisso que ele fez, porque pra fazer essa juta, como eu falei ainda agora a gente tinha que ter o patrão que financiava a mercadoria pro trabalho da juta, porque a juta era tão valorizada que a pessoa insistia pro cara plantar. Quando era o Banco do Brasil já financiava. O cara chega lá, emprestava um dinheiro do banco pra trabalhar na juta. Já era ruim, tinha vezes que a pessoa não pagava o banco porque a juta ia verde pro fundo. Aí ela lá com o gerente, falava com ele, às vezes ele esperava outra safra cobrando um jurozinho, até que não era grande. A juta deu também muitas doenças porque a pessoa vivia na água. Se tivesse juta agora a gente tava lá no lago, a juta mergulhando tudo. O dia inteiro na água, fazia chuva, vento, não ventou, cidadão tem que ir, porque se não for ele perde porque a água vai enchendo.
P/1 – E depois que afogou a juta aí passa aquele tempo pra ela amolecer, o que acontece depois? Qual é o trabalho que tem que ser feito?
R – Lavar. A gente vai lavá-la. Ela amolece a gente faz o andaime dela, as estacas, né? Carrega o pó assim que é pra colocar a juta em cima, a cabeça dela pra ir tirando o pau. Só fibra, só fica o bagaço.
P/2 – Isso é ela depois de cortada já.
R – É depois de cortada, afogada pra ir lavar.
P/2 – Como que é o corte, senhor Manoel? Vai com uma faquinha?
R – Com foice própria pra cortar. A gente faz de pau que nem aquelas... A foice é assim, deste tamanho assim, ela é assim ó. A gente pega um pedaço, qualquer pedaço de pau e mete aquele da foice tem dois buracos, porque a foice é de ferro, um assim outro assim. A gente serra com uma serra dessas de pau e mete ela naquele pau direito, mete o prego e amola ela, é a foice e vai só cortando a juta.
P/2 – Fazendo como se fosse uma foice menor.
R – Eu cortava em terra e em água com foice. Cortava muita juta.
P/2 – E vai pegando por feixe e cortando.
R – Pegando. Só pegando ela. Quando a gente está profissional pra cortar a gente não pega, ninguém agarra, a gente puxa assim, ela é carreira, né, a gente chega mais assim, pega o abraço da juteira em carreira, pega a foice e ffffffff. E aí a gente corta rápido. Eu cortava muita juta. Ontem eu disse a minha mulher: “Ah, mas se eu ainda cortasse a juta.” “Eu ainda ia plantar juta.” Ela que disse. “Ah, mas não dá.” Mas eu tenho ainda muito... Se tivesse a juta eu ainda plantava, trabalhava porque eu tenho disposição, ainda estou, graças a Deus ainda tenho disposição, vontade pra essas coisas.
P/1 – O senhor cortava bem então a juta.
R – Cortava. Cortava muito bem. Era uma alegria. O que era grito nesse interior gritando.
P/1 – Gritando? Por quê? Que horas que gritava?
R –É. Gritava: “Eh...” mexendo um com outro de um pra outro, era aquela gritaria o dia inteiro até peão ir embora pra casa.
P/1 – O senhor se lembra de alguma coisa engraçada ou diferente que aconteceu em algum dia dessas... O senhor tava lá cortando a juta e aconteceu alguma coisa?
R – Ah, tem vezes que... Comigo nunca aconteceu essas coisas ruins, mas teve gente que sucurijú até pegou na água. Tinha um camarada, ele era moreno, o baixinho já até morreu, eles eram 22 homens na roçada, aqui é que é a fundura da água. Ele não gostava de lavar juta perto dos outros porque quando está lavando juta a água espirra, puxa e ela espirra e tem gente que não gosta de estar muito perto. Eu gostava de fazer muito daqui pra cá era andaime. Eu colocava a juta pra cá, espirrava a juta pra cá, não pegava quase no parceiro, mas tem gente que fica perto um do outro aí molha o outro. Tem gente que lava com cuidado e ele não gostava de lavar juta perto dos outros. Os homens estão lá mais longe do que esse abacateiro e ele está lá como a beira da rua assim, 20 ou 30 metros longe do parceiro. Aí ficaram olhando: “Que é isso rapaz?” “Rapaz, esse negócio é uma coisa”.
Chegou lá com sucurijú que jogou lá, puxou ele pro fundo.
P/2 – Era grande?
R – Grande. Se não tivessem aqueles 22 dois homens, mas ele o matava já estava no fundo porque sucurijú enrola e aperta a pessoa até espocar e mata. Levaram ele com tudo e sucurijú pra terra e mataram a sucurijú. Então essas coisas de juta aconteciam. (final da parte1) (início da parte 2) Depois da juta afogada a gente lava. Lava a... Como eu estava dizendo, a juta tem a fibra dela, vai lavando tirando a fibra do pau, porque é um pau, a juta é um pau. Aquele pau não é muito duro, mas é... A malva tem uma diferença da juta, ela também dá uma fibra muito linda, a malva, e cresce mais do que a juta, mas o pé dela, aquilo é muito duro. Porque a gente corta a juta, ela fica desta altura, o toco na água interna a gente corta. A juta não corta quase o pé da gente, mesmo descalço no meio dela o toco não. A malva é diferente, é amolado e é duro. A gente lava ela tem mais trabalho pra gente lavar. Agora é rápida pra amolecer a malva, com quatro dias pra cinco já está lavando, ela é diferente da juta.
P/1 – Então o que vai da juta é aquele caule, aquele...
R – O que vai da juta é a fibra.
P/1- Não, mas o que leva pro rio, o que afoga são aqueles paus.
R – É. Vai levando o pau. Com a folha e tudo ela vai. Leva tudo. Quando a gente a corta, enterra, é mais difícil porque tem que carregar no ombro a juta porque tem terra. Coloca no ombro aqueles feixes de juta, dessa grossura assim mais ou menos o feixe que a gente faz. Conforme o tamanho que a gente queira fazer, tem gente que faz um feixe grande assim, mas é ruim até pra afogar porque fica dessa altura em cima da água. Ela sendo assim desse tamanho é mais bacana pra afogar, não leva muito peso. Agora quando é no roçado como eu tava fazendo de mata, porque tem os paus que vão ficando uns paus maiores, quando a água entra no roçado a gente vai cortando, a gente se metendo por baixo daqueles paus grandes. Só metendo-as. Aí afoga a ponta do rabo delas. Upa. É rápido.
P/2 – E a afoga pra ficar mais fácil de tirar a fibra?
R – Afoga pra amolecer.
P/2 – Pra amolecer.
R – A juta leva oito dias, sete pra amolecer conforme a posição. Se ela for uma juta com três meses pra quatro com oito dias ela está mole pra gente lavar, mas se ela já estiver de fruta são 12, 15 dias pra ela amolecer. Ela demora mais pra amolecer.
P/1 – Aí depois que ela está mole eu pedi pro senhor contar um pouco do que acontece depois que ela está mole.
R – Depois que está mole assim como eu falei.
P/1 – Então, mas aí as pessoas entram, ficam dentro da água?
R – A gente entra na água, vai na água pra lavar. Faz os andaimes pra colocar a juta em cima, os feixes. Lava primeiro o feixe, tira o bagaço e vai amontoando. Aquele bagaço não serve mais pra nada, aquilo só pra queimar mesmo quando chegou o verão. Aí vai amontoando e enrolando os feixes, feixes de juta, enrola todos eles e vai amontoando, vai amontoando. De tarde coloca na canoa e vai estender, faz o varal, o varal de pau. Vamos dizer que vai só estendendo a juta todinha e abrindo-a. Olha, a gente passava assim, quando eu trabalhava em juta eu fazia assim um grande varal pra estender a juta. Tirava ela quando estivesse seca. Tinha gente que fazia muita besteira com juta, vendia molhado, meio molhada. Quando ela é assim, farda mesmo ela apodrece, sabe? Tem que ser bem enxuta.
P/1 – E quanto tempo as pessoas ficavam pra poder soltar toda a juta, fazer os fios, quanto tempo, quantos dias as pessoas levavam fazendo isso?
R – Durante a safra.
P/1 – Quantos dias as pessoas ficavam trabalhando na água?
R – Durante a safra. Conforme o tamanho do roçado. Porque se uma pessoa plantasse um hectare ele não demorava muito pra terminar aquela colheita, mas se ele tivesse um roçado grande como eu cansei de fazer, cinco, seis, sete hectares leva mais. Porque a gente corta, geralmente corta grande o feixe de juta e afoga. Entendeu como é?
P/1 – Sim.
R – Ninguém corta o roçado todo. O feixe, afoga, quando está tudo afogado torna a cortar e afogar. Por quê? Se a gente cortar tudo só de uma vez e ninguém lavar o resto quando a gente for ver ela vai tá podre já. Porque quanto mais ela demora na água apodrece, passa do ponto de lavagem e fica mole. Tem vezes que o cara está lavando a juta já sai um pedaço da fibra é porque está podre já, está mole. Tudo isso tem na juta. A gente demora pra lavar. Começa a colher a juta, vamos dizer no começo de março. Passa março inteiro, abril, às vezes vai terminar lá pro fim de junho, de terminar aquele roçado grande, né? É assim que é. Custa. Todo aquele tempo a gente está na água. Ainda tem outra que não tem chuva nem vento. Pode estar chovendo como tiver tem que ir porque se ele não for ele vai perder. Perde porque a água vai enchendo e vai metendo lá pro fundo. Quando ele quiser colher, já cansei de colher e já está mergulhando. “Olha lá a fundura.” O cara mergulha lá. É bom quando é plantado demais que na mesma mergulhada a gente corta muito, mas quando é semeada como eu te falei que é, uma assim, outra assim, outra assim, não é em carreira é mais difícil, é muito difícil. Já trabalhei muito nisso, inclusive eu tenho esse meu filho que está aqui, o baixinho é o mais velho, está com 49 anos
ainda trabalhou um bocado na juta. Agora os outros não. Aquela minha lá... Eu mandei tirar um retrato agora de um filho meu que é vereador lá em Careiro. Ele também ainda trabalhou comigo na juta, mas os outros não, nem o Elton, nem o Manoel. Tem um filho que é o meu nome, Manoel de Souza Lima Filho. E tem uma que foi uma que foi embora, trabalha numa firma, tá se virando por lá.
P/2 – A gente ainda vai falar um pouquinho do seu filho, me deixa voltar um pouquinho. Seu Manoel, a malva é o mesmo processo de plantio, a colheita é igual a juta? Explica um pouquinho pra gente melhor sobre a malva.
R – A malva é diferente um pouco da juta. A malva pra gente plantá-la tem que escaldar a semente, já é outro processo. A juta você tira ela da saca, coloca na máquina e planta ela vai grelar. A malva, (as sacas?) com a semente da malva, o caroço é maior, é redondo, maior. Aí você pega uma vasilha, coloca no fogo e coloca a malva numa vasilha e escalda. Deixa enxugar pra poder plantar. Você entendeu como é? A gente planta igual juta com máquina, o buraco da máquina tem que ser maior pra cair o caroço que é maior. Aí ela custa mais a grelar, a gente não a colhe com três meses porque é pra colher ela com seis meses pra ela ficar bonita, a malva. Onde a gente planta, você planta pra colher a malva, também não presta a malva quase na água, ela tem que ser plantada numa terra alta pra cortar em terra. Depois de cortada a gente tem que deixá-la secar um pouco pra poder carregar. Não é cortar e carregar porque ela tem um pico, sabe, aquilo coça no corpo da gente. Se você for afogar a malva numa praia que tem água parada quando você for lavar aquilo dá uma coceira na gente, perigosa. É, rapaz.
P/2 – O melhor é lavar em água corrente, daí a coceira é menos.
R - Água corrente porque a gente vai lavar aquela coceira vai embora, é melhor. Mas ela dá mais trabalho sim. Agora ela é maior, é mais comprida, a fibra da malva é muito comprida e é bonita, bem alva mesmo. Linda. Ela é quatro metros, a juta dá três metros quando era uma terra boa, a juta não cresce igual malva não.
P/1 – Alguém plantava mais malva? Preferia por alguma razão?
R – Não. No começo ninguém plantava quase malva aqui. De uns tempos que apareceu. Eu ainda plantei malva também, mas não me dei muito com elas. Até pra gente tirar ela assim pra lavar ela é muito mais difícil do que a juta, ela engata muito no galho, sabe? O pau, vamos dizer, o andaime está aqui, está puxando, né? Quando a gente vai puxar a juta ou a malva ela vai ter que escorar no umbigo da gente, o toco dela. Entendeste como que é? Encosta aqui e puxa assim que é pra ver a fibra. A malva era ruim arriscando furar a barriga do cara porque aquilo é duro e amolado. A juta não. Ela é mole, o pé pode colocar e... A juta quando ela é fina a gente lava quebrada também. Ela está bem mole a gente pega um feixe desse tamanho, separa o feixe dali, quebra no joelho pá, um pedaço desse tamanho e fica todo o bagaço. Só faz o pé fica pronta a... E a malva não tem disso, você tem que lavar uma por uma, não quebra porque é muito duro o pau dela. Tem uma diferença a malva da juta sim.
P/1 – E como que o senhor começou a trabalhar com a juta, senhor Maravilha? Porque a gente entendeu que o seu pai tinha um comércio, o senhor não trabalhava com ele, mas de um tempo o senhor começou a trabalhar com a juta...
R – Por conta própria.
P/1 – Quando foi o começo que o senhor entrou mesmo pra plantar, pra colher? Como foi?
R – Olha, quando eu comecei a trabalhar foi na década de 60, 59 pra 60. Aí eu já comecei a trabalhar por minha conta porque eu me casei em 60, aí eu trabalhei por minha conta. Todo tempo eu plantava, comprava fiado produto e plantava juta todo tempo. Por minha conta na década de 60. Trabalhei em juta de 60 até... Porque retornei pra cá pra minha terra já foi em 96.
P/1 – E onde era que o senhor trabalhava...
R – A região?
P/1 – É.
R – Santa Rita. Lá vivi 36 anos. Durante eu vivi lá trabalhando... 37 anos eu trabalhei na juta direto. Pra não dizer que eu trabalhei direto eu trabalhei... Um tempo eu saí assim, mas minha família ficou lá. Trabalhei na (Gutierrez?) uns tempos, mas pouco tempo. Trabalhei na mineração por uns tempos, mas assim deu um ano. Aí eu vim, eu gostava de estar lá no trabalho. Isso deu um problema na minha aposentadoria que só. Não queriam me aposentar porque eu tinha me afastado do trabalho rural, meu maior trabalho.
P/2 – O seu primeiro trabalho foi direto com a juta?
R – Com a juta.
P/2 – O senhor tinha quantos... 16 anos o senhor falou, é isso?
R – Não. Quando eu comecei a trabalhar com juta, mas não assim por conta própria, eu tinha uma idade de uns 15 anos, 14 por aí assim. Eu trabalhava aqui em Juruti com os outros, praquele lado plantava muita juta, eu ia ganhar a diária, eu não tava trabalhando, tava estudando. Todo mundo aqui plantava juta, aí eu ia com o pessoal pra lá. Agora por minha conta própria foi de 59 a 60 eu comecei a trabalhar por minha conta mesmo. Eu me casei em 60, aí eu tinha que ter um negócio próprio meu mesmo. Eu trabalhei durante 36 anos em Santa Rita. Era só a juta.
P/1 – E o senhor trabalhava sozinho por conta e fazia e vendia, ou o senhor também tinha outros funcionários pra trabalhar com o senhor?
R – Uma época aí eu tinha, uns tempos com o decorrer dos tempos eu tinha alguns trabalhadores pra me ajudar que eu trabalhei numa área maior, né? Aí já arranjava pessoas de lá, pessoas pra trabalharem comigo, quatro, cinco diaristas. Trabalha assim por semana, de segunda a sábado. Quando sábado pagava o cara porque tinha ajuda, tivesse ajuda tinha o dinheiro. Era assim de primeiro, agora não está assim.
P/1 – Seu Maravilha, então, teve essa época forte da juta. Eu estou entendendo que foi mais ou menos de 40 até... Que foi a época forte da juta mesmo.
R – De 44, que eu me lembro que o papai contava...
P/1 – Até que época que foi forte?
R – Forte durante todo tempo. De 44 até 90... Forte mesmo foi até pela época de 96, 95 por ali assim. Quando eu vim pra cá...
P/1 - E o que aconteceu? Pode falar.
R – Quando eu vim pra cá, lá em Santa Rita eu ainda trabalhava em juta, mas já estava enfraquecendo, sabe? Eu não sei, dizem que a juta enfraqueceu porque o governo fechou contrato com a fibra da juta da Índia. Porque falam, eu não sei, há um tempo falavam que a juta da Índia vinha mais barata pro Brasil do que a própria produção nossa e aí baixou o produto da juta. Aí ela foi caindo, foi caindo e o pessoal deixava de plantar a juta aqui na região. Foi pela década de 96, 95 por aí. Até 97. Aí ela foi caindo. Por três anos ainda tinha juta que vendiam aqui, mas era pouco e dificil de plantar.
P/1 – Agora, pra eu entender também, seu Maravilha, tinha plantação esse trabalho que o senhor fazia e as pessoas além da juta elas plantavam outras coisas...
R – Plantavam. Lá na várzea a gente plantava banana, plantava milho, plantava roça, tudo a gente plantava e comprava lá. A gente plantava, a minha mulher era muito trabalhadeira. Gente aqui no interior é trabalhador, ela trabalhava, trabalhava e até agora ela é muito assim. Quando são cinco horas da manhã, ela está acordada tomando banho. Ela é assim. Ela quer fazer farinha lá pro interior que uma mulher lá. Mas ela plantava sim na época. Não era só juta. Pro alimento da gente plantava roça.
P/2 – Vou falar um pouquinho sobre a sua esposa. Que ano que o senhor casou senhor Manoel?
R – Em 60.
P/2 – 60. Ela foi sua primeira namorada?
R – Não.
P/2 – Namorou muito antes?
R – Eu namorei algumas mulheres antes dela.
P/1 – Como foi que o senhor a conheceu?
R – Conheci-a porque um irmão dela casou com a minha irmã. Aí ele casou com a minha irmã pra lá pro interior, com essa que é professora. Ela lecionava por lá, ela é aposentada por tempo de serviço. Um dia ele veio aqui comigo me convidar: “Cunhado, vamos embora comigo trabalhar na juta”. Estudo não tinha pra frente mesmo: “Eu vou”. Eu não queria nem ir, mas eu fui. Ela tava novinha ainda, uns 14, 15 anos ela tinha. Pra cá pra ali lá no interior quando chega um rapaz sempre, naquela época eu era novo, mulher do interior gosta muito de homem assim da cidade. Aí eu fui conhecendo ela, fui, fui, fui. Até que eu comecei a namorar ela e acabei me casando com ela. O marido da minha irmã é irmão dela, da minha mulher. Os meus filhos com os filhos dele também querem ser irmãos.
P/1 – Pois é.
P/2 – Foi criado tudo junto.
R – Não. Não foi criado junto. Quando eu me casei eu fui pra (Barraca?) lá no interior, que até hoje ainda tem lá no interior que eu o filho que tem lá um gadinho, que planta lá, tem um gado lá. Aí eu vim embora pra cá, ainda tinha os filhos pra estudar. Vai fazer isso 12 anos, eu fui em 96, faz 14 anos. É, quando eu vim já pra morar pra cá, aí eu não fui mais.
P/1 – E o dia do seu casamento? Como é que foi? O senhor se lembra?
R – É. O dia do meu casamento foi um dia de alegria porque quando a gente casa assim, ela era bem novinha, uma mulher nova, um homem novo também, eu tinha 19 pra 20 anos, ela tinha uns 15 anos pra 16. Muito novos nós éramos na época. Uma alegria muito grande pra nós, né? Construí uma família grande, ela teve 12 filhos, morreram dois em criança e dez criou. Estão todos grandes, a minha caçula é uma que está aqui, ela chegou outro dia lá no fim do mês. Só eles dois, só tem dois que estão perto de mim, este aqui e um outro.
P/2 – Quantos filhos o senhor tem?
R – Nove filhos vivos. Quatro filhos e cinco filhas.
P/1 – E foi uma alegria o dia do casamento.
R – É. Uma alegria muito grande. Este aqui me puxou, ele casou com uma menina novinha também, a mulher dele tinha 14 pra 15 anos. Ela é loira, a família deles é cruzada de italiano. A mulher dele, né? Descendente de italiano. Já os outros casaram pra lá, casaram com mulher nova também. Estão bem.
P/1 – E a pesca durante o... Tinha a juta, os alimentos que vocês plantavam e o pessoal que trabalhava com a juta pescava também, seu Maravilha? Ou não, é uma coisa ou outra?
R – Pescava. Na época tinha muito peixe ainda pra lá pro interior. A gente trabalhava na juta, às vezes a gente mesmo ia pescar e pegava o peixe vamos dizer. Eu tinha um puxirum amanhã, coloca o peixe na malhadeira hoje, amanhã eu tenho um puxirum grande. Porque tinha época que a gente trabalhava de puxirum, sabe?
P/1 – O que é? Como é isso?
R – Puxirum a gente convida as pessoas que tem... A juta, vamos supor, tem uma pessoa ali, tem meus vizinhos... Ê rapaz de cortar juta amanhã ou depois de amanhã, daqui uns quatro dias. Eu convidava dez pessoas. Puxirum porque eu ia pagar com a minha diária a diária dele. Entendeu como que é? Eu acho que é até uma oportunidade pro cara ganhar uma coisa. Só que o trabalho que a gente ia fazer numa semana fazia num dia, entendeu? Aí empurram pra mim a juta até no fundo, ajudam-me, dava-me dez pessoas era um puxirum. Aquele puxirum aí eu ia sair dez dias do trabalho, desenrascava-me e tinha que ajudar Fulano, Fulano, todos aqueles que me ajudaram ia pagar ajudando eles também. Isso que é o puxirum.
P/1 – E aí quando... O senhor ia falando da pesca que tinha o puxirum...
R – Na pesca é a mesma coisa, eu tenho um puxirum depois de amanhã, eu tenho dez pessoas. Naquela época ainda pescava de espinhel, tempo que nós temos agora tinha muita mata ainda. Já colocava o espinhel de noite, matava tambaqui, assava e no dia do puxirum tinha o peixe. Depois apareceu malhadeira. A malhadeira veio pra destruir, rapaz. Tinha gente que ia pegar muito peixe com malhadeira. Aqui na Santa Rita na época do passado veio uma japonesa pra cá que era, não existiam, não sabiam pescar de espinhel. O rapaz que foi por a primeira vez não viu aonde é que tinha o peixe, já estava velho, tudo. Ele me contou que era a primeira vez que ele pescava por espinhel lá na Santa Rita. Era um igapó muito grande, não lembro o nome. Só nessa noite eles pegaram 45 tambaquis. Só tambaqui grande, só no espinhel. Era iscar e o peixe pular na isca aquipiquipi, iam e matavam. Era muito fácil. Quando eu fui pra lá na década de 59 ainda tinha fartura, muita gente pegava muito peixe de espinhel também. Ninguém tinha precisão nem de comprar peixe na época, colocava espinhel de noite tinha peixe pro puxirum. Mas agora acho que está difícil.
P/1 – Aí depois veio a malhadeira? Malhadeira que chama?
R – Depois veio a malhadeira.
P/1 – O que é a malhadeira?
R – Malhadeira a gente coloca ela na água...
P/2 – Malhadeira é a rede.
P/1 – Uma rede.
R – A rede. O peixe passou, lá ele fica. Ainda mais que ele não enxerga. Aí pega o peixe também. Ela é pra, destruir ela é boa, mas ela é boa pra pegar o peixe. Tem pessoas que vivem socorrendo peixe aqui no município de Juruti.
P/2 – Espinhal ou espinhela?
R – Espinhel.
P/1 – Tem alguma história interessante dessas pescarias, enquanto vocês pescavam?
R – Tem. A história que tem que muitas vezes a gente, eu pelo menos, quero citar eu, teve época que eu colocava... Porque peixe liso, quando a gente coloca espinhel, ele só pega com isca de peixe, surubim, pirarara. Eu cansei de matar surubim com fruta. Eu digo que ele pegava, tem uma ciência, eu digo que é assim mesmo como dizem, coloca a isca, a fruta no anzol, naquela fruta os peixinhos vão roer a fruta e o surubim vem pra pegar o peixinho. Quando ele pula o anzol tcha. Então por isso talvez até ele se engane, ele pensava que ele ia pegar o peixinho que tava comendo a fruta, o peixe pula fora e o anzol tcha na boca do surubim. Aí dizem: “Mas rapaz, peguei um surubim com isca de fruta”. Não. Não é. Era o peixinho que tava roendo a isca e o surubim pulou pra pegar o peixinho e o anzol o pegou. É assim que é mais ou menos essa história do peixe.
P/2 – Senhor Manoel, voltando um pouco à juta. O senhor nos contou sobre o plantio, a colheita, a lavagem e depois ela vai pro varal pra secar. A partir daí qual que é o caminho da juta? O que é feito?
R – A partir de depois que ela é enxuta a gente amarra ela todinha, os feixinhos são amarrados todinhos, depois enfarda, faz um fardo de 30, 40 cabeças de juta redondas assim. Bonito. Apertam todos os fardos, aqueles fardos assim, aí são vendidos por quilo. É por tonelada. Depois de seca e fardada a gente vai compactando, embora pesar a juta. Já tá tudo enfardado com aqueles cordões, três, quatro cordões pra apertar. Aí pesa a juta, 40, 50 fardos que a gente chama, se der uma tonelada, acho que a gente nem vê o preço da juta. Naquela época quando tava terminando parece que a juta terminou custava um real e 20 centavos mais ou menos o quilo. Então uma tonelada dava mil e pouco, né? E aí quem colhesse muita juta progredia muito dinheiro. E aí vai por intermédio de economia. Se a gente tem um patrão, chega lá compra coisa que não é nem pra comprar. Entendeu como é? Quando vai ajustar a conta, a conta está muito grande, aí tira um saldo pequeno. Tem pessoa que é econômica, ela não compra fiado grande, compra pouco. Ele planta a juta, qualquer coisa ele paga, o resto que sobra da juta é chamado de saldo, tira um saldo grande, tantos cruzeiros de saldo que foi a economia.
P/2 – E a juta era vendida pro financiador? Era direto pra ele?
R – Era. Era praquele que financiava a gente.
P/1 – Que também vendia os produtos? Os outros produtos.
R – É. Os outros produtos. Então tinha patrão que de certa época o patrão só dava pra gente a despesa vamos dizer, açúcar, café, sabão, querosene, farinha, tudo, né? A rede se não tivesse pra... Não dava dinheiro. O dinheiro ele só ia dar na colheita da juta. Entendeu como é? Quando o cara começasse a colher é que __________ de dinheiro. Já pra colher. Aí a gente precisa porque tinha que pagar o trabalhador, ____________. Eu comprei muita juta também lá, quando eu tava lá no interior. Tinha uma merceariazinha, comprei um bocado de juta. Nessa época Antônio Raimundo era um grande comerciante também, depois da Belicha ir embora pra Óbidos, pra Belém, né? Ficou Antônio Raimundo, aí ficaram muitos. Ficaram (Isaias?) todos eles financiavam aqui. Chico Viola, todos eles financiavam pros fregueses plantarem a juta.
P/1 – Senhor Maravilha, o senhor falou que comprava a juta? Não entendi.
R – Eu ainda comprei juta. Comprava, mas pro patrão.
P/1 – Ah, entendi.
R – Entendeu? Aquele que me financiou pra eu plantar, esse depois quando ela começa a colher dava dinheiro pra gente comprar também. Entenderam como que é? Aí eu já comprava porque quando fosse buscar minha juta da minha colheita já trazia a que eu tinha comprado também. Entendeu como é? Porque a gente tirava lucro, a juta é por porcentagem. Quando ela terminou, ela tava com 5% de porcentagem, de uma tonelada a gente tira 50 quilos.
P/1 – Isso...
R – Aí você pesa, né? Bruto deu mil quilos. Mil quilos são uma tonelada, mil quilos. Aí são 5%, em vez de ele pagar os mil quilos ele só pagava 950. Entendeu como é?
P/1 – Sim. O que financiou.
R – É. O que financiou. E qualquer comprador fazia isso.
P/1 – Mas então o que plantou que fez todo esse trabalho ficava só com 5%?
R – Não. A porcentagem daqueles 5% era tirado da juta. Você entendeu como é?
P/1 – Sei. Entendi.
R – De cada cem quilos o cara tira cinco quilos. Aquilo é a porcentagem mesmo dado da juta, da agricultura mesmo. Ela tem esse direito. Logo no começo eram 3%, depois passou a 5%. Quando eu parei de trabalhar eram 5% já.
P/2 – Como era o transporte da juta até Juruti? Era de barco?
R – De barco. Aí iam buscar a juta nos motores lá no interior.
P/2 – Conta um pouquinho como que era essa coisa de pegar o feixe, levar até o barco. Eram muitas pessoas que faziam esse serviço?
R – Era. Era pra carregar. A gente tinha três, quatro, cinco toneladas de juta. Dá muitos fardos, cem, 150 fardos de juta mesmo. Tem fardo de cem, 50, tinha uns que faziam demais demasiados. Cem quilos o fardo de juta, pesava muito, né? Tinha que ter gente suficiente pra um ajudar o outro a carregar e o barco ia, iam só jogando pra dentro do barco os fardos pesados já. Quando não pesava lá vinha pesar na casa do patrão na balança romana. Aí pesava e depois ia ajustar a conta. Mas era muito alegre, eu não andava sem dinheiro, tinha muita grana. Juruti na época da juta era uma alegria, muito alegre. Toda parte do interior. Santa Rita foi uma das regiões mais produtivas de juta, lá é que era terra da juta mesmo, trabalhava muito. Paraná, município de Juruti, né? Paraná, Dona Rosa, Ilha do Vale, _______ eram as regiões mais produtivas do município de Juruti. O resto plantava, mas era pouco.
P/1 – Juruti que o senhor está falando é aqui onde nós estamos?
R – É aqui. É aqui que era a região mais produtiva do município de Juruti.
P/1 – A região aqui, essa cidade assim, nessa época comparando com hoje o senhor vê que diferença, senhor Maravilha? Nessa época que o senhor disse que todo mundo era muito alegre...
R – Porque era pequeno. Juruti era... Aqui tem um... Não disse o negócio do bairro, aqui atravessa a _______ era um bairro, chamavam Cidade Velha, tinha poucas casas. Ali pra frente onde tem um Banco do Brasil agora também tinha pouco. Era muito pequeno. Tinha só uma escola, Américo Pereira Lima, uma escola velha que tinha bem aqui nessa arriada ali. Tem até uma barraca lá. Não tinha senão essa escola. Aí todo mundo estudava porque era pouca a população, tinha pouca gente. Depois foi crescendo devagar, as famílias que tinha eram muito poucas. Eu confiro nos dedos as famílias que tinha. Quando eu já estava ______, né? São poucas famílias. Conhecido. Mas esse movimento... Eram de poucas famílias, mas era alegre porque... Um desses dias tava entrando um camarada, eu falei na dança, né? Não tinha o carnaval? Houve um carnaval em Juruti. É ruim, não dá nem vontade de ir, chega pra lá tem uns porres, tem briga. Naquela época os velhos brincavam com a pouca população que era. Brincavam alegres, contagiavam-se, pintavam-se, era tudo alegre, não tinha briga, não tinha nada. Era bonito com pouca população e agora não. Cresceu Juruti. Aumentou. Muito diferente.
P/1 – E as pessoas tinham as suas produções de juta nas comunidades.
R – Nas comunidades.
P/1 – E elas se comunicavam? Vinham pra cá? Como que acontecia isso? Porque as pessoas ficavam trabalhando distante daqui do centro.
R – É.
P/1 – Tinha esse movimento? Como que era, seu Maravilha?
R – Esse movimento só vinha à cidade pegar mercadoria quando acabava, entendeu? Tava trabalhando na Santa Rita levava despesa daqui. Aquela despesa durava conforme você tivesse gente pra trabalhar. Comigo ela não durava muito. Açúcar, café, as despesas, farinha. Você levava dois sacos com farinha, aí seu pessoal, tava me ajudando seis homens, comia mais, né? Aí quando terminava eu só vinha à cidade no patrão: “Patrão, eu quero isto, eu quero aquilo.” Lá ia de volta e era assim até chegar a época da colheita. Todo tempo a gente vinha à cidade só buscar alimento.
P/1 – E o financiador ficava onde?
R – Ficava aqui na cidade sempre, mas tinham os atravessadores lá pelo interior também que financiavam. Ainda me metia no mato...
P/1 – Conta como foi.
R – Eu me meti numa fria lá. Eu abri um financiamento. (risos) Eu abri um financiamento, veio uma enchente grande. Ficaram me devendo muito. Eu tô me lembrando disso. Eu sou daquela marca de gente que não servia, sabe? Ficaram me devendo vários, mas eu nunca... Eu tinha acanhamento. Logo eu penso: “Não paga porque não pode.” Eu tenho irmão que é um grande comerciante aqui, José Guimarães de Lima. Dizem que o cara é a melhor estação dentro da cidade e acho que é mesmo, mas ele é bacana pra ajudar os outros, mas o cara fica devendo ele vai e recebe. Recebe qualquer coisa de freguês. Eu não sou igual ele.
P/2 – Senhor Maravilha, depois que a juta chegava aqui financiador o senhor sabe que destino que ele dava a juta?
R – Eu sei. Daqui de Juruti ia pra Óbidos. Em Óbidos tinha a prensa. A juta, aqueles fardos eles iam prensar em Óbidos, tiravam todas aquelas farrapas das jutas, prensavam elas bonitinhas. Daí ia embora pra outras partes, pra São Paulo, pro Rio, por aí pra... E de lá já iam produzir o pano, essas coisas. Assim que era o destino da juta. Mas tinha prensa em Óbidos. Aqui não tinha prensa, mas lá tinha. Aí libera muita juta, era gente trabalhando na prensa em Óbidos que dava muitas _____, o movimento era grande. Era homem, era mulher, era criança, era muito, rapaz. O movimento era grande.
P/1 – Outras cidades além de Juruti produziam juta, o senhor tem lembrança disso?
R – Olha, eu sei que produziam juta, Óbidos, no município de Óbidos produziam, mas não era como Juruti. Alenquer. Plantavam, mas não era assim um movimento como Juruti. Porque Óbidos é pecuária, é agricultura que eles plantam muito pro interior de lá é farinha, outras agriculturas.
P/1 – E as mulheres, seu Maravilha, também trabalhavam com a juta algumas mulheres ou não?
R – Trabalhavam as mulheres. Mulher estava no meio dos homens lavando juta. Mais pra lavar a juta a mulher ia pra água também lavar. A minha ainda trabalhou bem nisso, na juta. Trabalhavam. Até criança trabalhava, ia garoto assim que não podia nem carregar o feixe de juta, às vezes o pai que carregava pra ele ir lavando. Eles indo já e tudo. Trabalhavam até as crianças em juta.
P/1 – Mais pra lavar?
R – Pra lavar. Mais pra lavar, pra cortar era difícil, nem mulher fazia. Só se fosse em terra, mas na água era difícil elas irem.
P/1 – Além das brincadeiras quando vocês estavam lavando, tinha algum costume assim...
R – Tinha. Beber cachaça. Caboclo bebia muita cachaça. Bebiam porque a cachaça dá uma coragem. Quando está chovendo, pelo amor de Deus, esse povo ficava era porre lavando juta. Eu bebia também no meio da ____, mas tinha gente que bebia muito, ainda mais quando era chuvoso assim, que chovia... Tem vez que chove o dia inteiro, o dia inteiro caboclo na cana trabalhando na juta. Aquilo dá uma quentura também no cara. Era grito, era aquela alegria, caboclo já meio porre no meio do ____.
P/2 – Seu Manoel, o senhor falou que o carnaval anteriormente era diferente do que é hoje. Tem mais alguma coisa que o senhor sente saudade dessa época que hoje é diferente?
R – Olha, que eu acho que é diferente do passado é o comportamento, sabe? Respeito. Na época quando eu era rapaz eu respeitava uma pessoa idosa igual como respeitava meu pai. Se uma pessoa idosa, quisesse fazer qualquer coisa errada e chegasse um senhor ____: “Não faça isso”. Eu não fazia. Respeitava. No tempo quando era rapaz. Hoje na rua se você for pedir ____ pra um menino, eu peço, pra mim nunca responderam mal. Eu me meto nesses garotos aí na praça quando eu vou, estão reunidos ali, muito rapaz. Aí é juventude, tudo bem. Eu sou muito conhecido. “E aí, por que vocês não estão com uma namorada, cara?” Às vezes algum está com uma garrafa: “Deixa de estar bebendo. Bebida não presta, rapaz, só presta pra destruir. De repente vem a polícia...” Rapaz, não tem um que me responde. Às vezes quando eu estou na praça, é difícil, mas se eu vir que vem uma bagunça lá eu vou lá: “Ê garotada, como é?” Principalmente aqui pro meu bairro, Maracanã, Santa Cruz, _____, todo esse pessoal você pode conhecer. Eu era pra ___ clube aqui, a gente luta com clube, a gente fica muito conhecido na cidade. Eu não conheço mais gente assim, que vem de fora porque tem muita gente de fora agora, agora já tá maior. Mas mesmo pessoas de fora têm _____ que me conhecem porque eu sou uma pessoa assim, eu gosto de conhecer. A pessoa andando: “E aí cara? Como é que está meu irmão? Da onde você veio?” “Eu sou de Santarém. A outra é de Belém, a outra é de Minas e assim, você é paulista.” Aí eu vou conversando. Eu sou desse tipo de gente, porque tem gente que não é assim _____. Meus irmãos são assim. O Zé _______, se falarem com ele bem, mas acho que porque a profissão dele é outra, né? Não pode também ser igual a mim. Assim no jeito dele, um cara rico já, considerado rico mesmo, mais fechado. Ele não. Às vezes até um dia eu estava conversando com ele lá na beira tudo que passava lá: “Ê Maravilha.” “Ê meu irmão.” “Tá bom cara?” E ele no meu lado nada: “Ê Zé calmo, heim. Fico chateado”. Disse: “Por que _______?” Disse esse termo que eu herdei do papai porque papai era assim um homem muito popular. Onde ele estava era gente contando história porque ele andou muito o papai. Eu também já tive, eu já fiz... Eu já tive em Santarém, daqui pra baixo eu já estive em Santarém, Belém. Quando eu trabalhei, já trabalhei no sindicato de trabalhadores rurais também vários anos como tesoureiro. Eu fui num congresso na CUT pra São Paulo. Fui num congresso da CUT no Rio de Janeiro que teve por lá. São Bernardo dos Campos um congresso em São Paulo. Tivemos no Rio, no Maracanazinho no tempo do Leonel Brizola.
P/1 – Seu Maravilha, isso que eu ia perguntar pro senhor. (final da parte 2) (início da parte 3) A gente estava aqui conversando, não é seu Manoel? Falando dos avós e o senhor ia falando do seu avô que ele era claro, mas que já era daqui, já nasceu aqui, mas o senhor ia falar alguma coisa.
R – É. O meu avô, o meu pai que contava, ________, né? Ele era um homem muito calmo. Ele era bem claro meu avô. Ele casou com a primeira mulher, teve três filhos, primeira esposa dele. Esse que foi intendente aqui muitos anos, Américo Pereira Lima, Rosana e Ana. Aí ela morreu, a primeira mulher do meu avô. Aí ele casou com a segunda que era minha avó. Ela era descendência de cabocla, morena. Aí ele construiu uma grande família com a segunda mulher. O mais velho era o tio Epitácio, Epitácio Silva, papai que era _______ e aí foi. (corte no áudio)
P/1 – Tem o quê?
R – Ele era Lima e Pereira, da família daqui mesmo, sabe? É daqui mesmo. Ele era uma pessoa assim, calma, ele era uma pessoa de bem, tinha bens, propriedades, um gado, muitas casas ele tinha, o meu avô. Quando ele casou com a minha avó, ele construiu uma família grande que foram justamente os filhos do segundo matrimônio, igual quando papai construiu uma família grande com o segundo matrimônio. Depois o filho mais velho dele era Américo, esse que foi intendente aqui. Américo Pereira Lima. Foi intendente meu tio muitos anos. Era calmo também, falava calmo, claro, bonito homem, era bonito meu tio, bem claro. Ele casou também duas vezes e a mesma coisa do pai dele, teve três filhos com a primeira mulher e uns dez com a segunda. Aí ele foi embora quando ele foi eleito deputado pra Belém. Essa nossa família tá muito grande em Belém, os filhos dele estão todos lá. Já tive dois tios prefeitos aqui. Firmino Guimarães de Souza foi prefeito aqui. Foi pra Belém também com a família. Meus primos estão todos bem. Não faz dias entrou um aqui, ele é juiz, o Vander Lima de Souza, meu primo. Formou-se em juizados, formou-se em advocacia depois em contabilidade, tem várias formaturas. A mulher também é contabilista, as filhas formadas. Estão bem. E com as outras está tudo bem graças a Deus. Eu falando em família, minha família é de uma parte de uma família humilde. Nunca eles falaram que meus pais... Isso é pessoa de má conduta, sabe? Papai sempre dizia pra mim: “Meu filho, eu digo uma coisa, não procede mal porque papai nunca foi preso, nenhum dos meus irmãos nem eu.” Aí eu disse pra ele: “Papai eu tenho fé em Deus que eu nunca vou tomar pra dentro de uma cadeia.” Se vocês soubessem quantas quando eu estou andando que eu falo com esses soldados. Eles têm o maior respeito por mim.
Gosta muito de mim o policiamento. Olha, os meus filhos graças a Deus também não me deram trabalho, graças a Deus.
P/1 – Seu Maravilha, eu só gostaria de saber um pouco dessa sua história participando do sindicato. Na época em que o senhor trabalhava com a juta diretamente, desde o início havia algum movimento de trabalhadores? Desde ali do começo se o senhor puder contar pra gente essa história como foi que aconteceu.
R – Não. Desde logo que eu trabalhei na juta não existia esse movimento. Esse movimento veio de 79 pra cá que fundaram o sindicato de trabalhadores rurais aqui. 79. Daí dele que veio começando o movimento com o sindicato que foi abrangendo as comunidades, colocando delegado sindical nas comunidades. Aí foi crescendo o movimento sindical por isso. O sindicato daqui também cresceu, afiliou-se na CUT, na CGC, essas coisas. Justamente foi a época que eu também era engajado no sindicato. Aí tivemos uma eleição aqui e me elegeram como tesoureiro do sindicato daqui da sede de Juruti.
P/1 – Como foi a fundação do sindicato? O senhor falou que começou o sindicato. O senhor lembra como é que ele se organizou? O sindicato dos trabalhadores rurais.
R – No início o presidente do sindicato era o senhor Durval. Quando ele era o presidente do sindicato daqui a organização dele foi diferente da nossa.
P/1 – Como?
R – No sindicato dos trabalhadores rurais tinha criador que era fazendeiro, tinha comerciantes, no sindicato dos trabalhadores rurais. Na década de 83 por ali, 83 pra 84 por aí assim, foi escolhida uma nova diretoria onde foi eleito Salomão como presidente, (Orlandino?) como secretário e eu como tesoureiro. Nós fomos olhar nos livros e estava errado. O que nós fizemos? Vamos embora tirar da nossa classe quem não é da nossa classe. O que nós afastamos? Fazendeiro pra cá, comerciante pra ali e aí ficou sindicato de trabalhadores rurais. Trabalhadores rurais. Entendeu como é?
P/1 – E teve alguma reação desses que foram...
R – Teve. A gente fazia grandes... Fizemos uma reunião assim, tipo um congresso pra explicar o que é sindicato de trabalhadores rurais porque eles não eram trabalhadores. Não era o sindicato de fazendeiros nem de comerciantes. Cada classe tem o seu sindicato.
P/1 – E como foi essa reunião?
R – Essa reunião foi em grupo, nós fizemos uma reunião grande aqui pra explicar pra eles porque muitos deles também não sabiam. Eles pensavam que os comerciantes podiam ser também do sindicato dos trabalhadores rurais, o fazendeiro. Então a gente fez essa reunião pra explicar pra eles que o sindicato, este sindicato não era de fazendeiro e nem de comerciantes. Era de trabalhadores rurais, aquele que trabalha com a enxada, com terçado, entendeu? Aí pronto, conformaram-se com isso.
P/1 – E os trabalhadores? Como é que é a participação deles? Como é que foi? Como é que tem sido? O que o senhor acha senhor...
R – Olha, eles depois se organizaram os trabalhadores porque cada comunidade tem um delegado sindical. Cada comunidade do município. Lá tem um representante do sindicato da comunidade, um delegado. Lá eles fazem reuniões nas comunidades explicando que o sindicato é uma organização dos trabalhadores, eles têm que se organizar por intermédio de associações. Aí eles já estão organizados agora, já sabem qual é o papel deles, de cada sócio do sindicato.
P/1 – E o senhor continua tesoureiro do sindicato?
R – Eu? Não. Depois que eu me aposentei eu me afastei do sindicato, né? Eu vou às vezes lá, mas participar assim só particular. Tem um rapaz aqui que até fui eu que o arranjei pro sindicato no meu lugar, o Zé Maria. Ele está em Belém. É Maria do ______ que chama. Ele foi escriturário quando eu saí, nós o elegemos tesoureiro no meu lugar. Depois foi até perdendo o sindicato. Está bem. Está na CUT em Belém.
P/1 – Fala um pouquinho da sua participação, seu Maravilha, enquanto dirigente sindical, enquanto trabalhador militante do sindicato.
R – Quando eu trabalhei no sindicato eu ia às comunidades, eu ia participar, fazia reuniões explicando que o sindicato é da classe trabalhadora, que todo trabalhador tem que se organizar, tem que se associar pra ter direito a uma aposentadoria. O sindicato ganha uma causa, o trabalhador rural tem que ser associado. Tudo eu explicava e o pessoal se organizou muito. Agora eles estão se organizando mais no sindicato da colônia dos pescadores. É muito ____ na colônia aqui.
P/1 – Porque muitos trabalhadores rurais também são pescadores.
R – São pescadores é verdade. É assim que é.
P/1 – E as suas viagens pra São Paulo, pra... O senhor ia contando que participou de alguns congressos...
R – É. Eu fui participar. Aqui fui eu pra São Paulo, fui eu, Salomão e o Manoel Esteves pra São Paulo. Chegamos a São Paulo lá numa repartição Santa Isabel, passeamos lá uns quatro dias e de lá que nós fomos pro congresso em São Bernardo, Vera Cruz parece. Muito bonito. Muito povo. Porque cada Estado vai um pouquinho de gente, né? _____ reunindo pouco por pouco... Tivemos também lá num congresso discutindo um negócio de reforma agrária, essas coisas. Daí eu fiquei feliz por isso. Depois eu fui pro Rio. No Rio foi diferente, fiquei com medo. Nós fomos em 86 pro Rio. Quando nós vínhamos voltando, nós fomos em dois ônibus da Transbrasiliana, quando vinha voltando um dos nossos ônibus veio numa rota e outro na outra. Acho que eu fui na rota de Minas ele se virou no ______, caiu, matou nove pessoas. Todas daqui de Santarém, de Óbidos. Amigos da gente, conhecido. O Paulo Rossi que é deputado federal foi _________ na época que ele ainda não era. Era pra nós seguirmos nossa viagem, nós tínhamos que mudar o resto do pessoal que quem tivesse morto ia chegar à sua casa e quem tivesse vivo ia pro hospital Aí eu me entristeci. Aí nos deram como mortos pra cá. Aí a pessoa fica muito apavorada. Até eu tinha morrido. Quando chegamos a Santarém... Porque doente já tava em Santarém ou morto, viemos de avião. Aí eu me entristeci, a família: “Não vai mais porque isso, porque aquilo.” A gente fica triste quando não tem uma força, qualquer coisa. Quando a pessoa está fazendo uma coisa junto e começa a dizer não faz a gente fica triste, a gente abandona. Mais por isso me afastei. Depois que me aposentei me afastei. Às vezes eu vou ao sindicato com a Fátima lá, o pessoal do sindicato que a gente conversar, mas já não tenho responsabilidade lá.
P/1 – Seu Maravilha, eu vou fazer só uma última pergunta pro senhor que é assim, teve toda essa força da juta, o senhor organizou o sindicato dos trabalhadores rurais, o senhor falou que agora a juta teve essa queda, né? Já comentou com a gente o que pode ter acontecido. E a situação hoje desses trabalhadores rurais? O senhor que foi um trabalhador que tem essa linda história que o senhor já contou pra gente, como é que o senhor observa hoje esses trabalhadores, essa organização deles, a produção que não é mais a juta. O senhor pode comentar um pouquinho pra gente?
R – É. De certo tempo pra cá a maioria desse pessoal parou de trabalhar na juta, a maioria deles foi se aposentando. As pessoas do meu tempo, vamos supor, quem trabalhava lá quase todos já são aposentados, até os mais novos. Aí eles já vêm da aposentadoria a maior parte. Os filhos, tem muitos, lá na Santa Rita tem muitos meninos que eram garotos e também tiveram a oportunidade de estudar e formar ajudando os seus pais do seu próprio... Uns estão numa firma, outros estão por ali. O meu filho, pequena escala, tem um filho mais velho 22 anos o ele é quase formado como ele tá pra, trabalha em empresa aqui, agora ele foi transferido pra de Porto Velho, por ali. Está ganhando bem. Vai de lancha daqui pra Santarém, Santarém pega o avião pra lá. Ele veio outro dia aqui, novo o rapaz, tá bem então ajuda os pais. Então muito desse pessoal do meu tempo que a gente trabalhava em juta, eles não trabalham mais porque têm aposentadoria, porque vivem da aposentadoria. Ficaram idosos também, uns já estão idosos, já morreram. E os jovens uns estudaram, tiveram oportunidade, estão bem, outros vivem da pesca ainda no interior, principalmente na várzea, da pesca. Agora, da terra firme eles vivem da roça. Plantam macaxeira, a mandioca, vivem da palha, da madeira, da terra firme, né? Da várzea é do peixe porque não tem outra renda lá agora. Rapaz, querer ganhar dinheiro, ele tem que pescar pra ganhar um dinheiro. Se o pai não der o dinheiro ele tem que pescar pra vender o peixe pra ter o dinheiro, porque não tem mais juta, não tem mais outra coisa, só isso. Tá assim a situação.
P/2 – Seu Manoel, pra encerrar eu queria que o senhor falasse pra gente como que o senhor se sentiu em contar pra gente a sua história, e se o senhor se lembra de algum outro causo, alguma visagem, alguma coisa engraçada que o senhor queira contar pra gente ao longo dos seus longos anos.
R – Olha, a vinda de vocês aqui, primeiro lugar pra mim foi um grande prazer, sabe? Vocês me darem essa oportunidade de estar com vocês aqui, vocês virem na minha barraca aqui pra mim foi uma honra, uma satisfação muito grande. Falando em visagem da minha parte eu... Eu lembro uma vez quando eu era rapaz o papai dizia pra mim, naquele tempo quando filho ia sair de casa era meio fugido pra ir a uma festa. Juruti era pequeno, essa rua que chama Rua da Saudade pra cemitério era uma estrada, não tinha rua. Uma festa na casa de uns parentes meus lá diante do cemitério. Eu tive lá com o meu tio Marciel. “Papai” eu enganei o papai, nem sei pra onde eu ia “Vou nessa festa”. Eu tinha uma namorada lá e eu... Cheguei lá, naquele tempo lustre não tinha, quando tinha era até dez horas e acabava. Pra lá era interior. Pegar lá e deu dez, deu 11 a festa... Eu dei de olhar no pessoal e não vi ninguém daqui do meu bairro. Meu Deus do céu, tinha que passar no cemitério ainda. Aí um primo meu disse: “Meu primo, não vá”. Eu digo: “Mas como que eu não vou, que se eu não chegar em casa eu vou apanhar do papai. Eu vou embora.” “Mas não vá.” Eu fui embora. Fazia três dias que tinha morrido um senhor aqui que chamava (Quirino?), ele era fanhoso. Vim embora. Enfim, joguei a camisa aqui, só olhava pra frente. Quando eu vinha passando mais ou menos aonde é o Banco do Brasil agora, perto de cá, eu dei um chute numa pedra no escuro. Aí eu chamei um nome: “Pô, mas está muito escuro”. ele disse: “Está escuro mesmo”. Aquela voz igualzinha a do (Quirino?). Ah meu irmão, eu dei uma carreira que não teve pedra, não teve parede, não teve nada. Em casa a porta era de palha, sabe? Não tinha madeira. Eu caí lá pra dentro e essa minha irmã que é professora: “Papai, acho que o Manoel está de porre.” Foi ela que disse. Foi a vez que eu tive um susto. Eu não sei o que era aquilo. Aí eu contei para ele disse assim: “Ah, isso é medo.” “Mas eu não estava nem me lembrando dele, como que é com medo?” Chamei aquele nome, né, porque chutei uma pedra e a voz veio quando eu disse que tava muito escuro, a voz veio dizendo no meu ouvido que tava muito escuro mesmo. Pois é.
P/2 – Tá bom, seu Manoel, muito obrigado pelo seu depoimento.
P/1 – Foi muito bom. A gente aprendeu bastante, viu seu Manoel? Obrigada.
R – Eu também agradeço muito vocês.
FINAL DA ENTREVISTARecolher
Título: Vivendo a juta
Data: 01/01/1900
Local de produção: Brasil / Pará / Juruti
Personagem: Manoel Maravilha Entrevistador: Isaac Deluca Patreze Transcritor: Ana Carolina Ruiz Entrevistador: Márcia de Fatima Elias Trezza Revisor: Juliana Parente Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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