Projeto CSP
Depoimento de Maria Ozélia dos Santos Marques
Entrevistado por Eliete Pereira
Sítio Cercadão, Caucaia, Ceará 29/05/2014
CSP_HV_002_Maria Ozélia dos Santos Marques
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Cristiane Costa
P/1 – Dona Ozélia, pra gente começar, a senhora pode falar o nome da senhora completo?
R – Maria Ozélia dos Santos Marques.
P/1 – E onde a senhora nasceu?
R – Eu nasci aqui.
P/1 – Ah.
Qual é o nome daqui?
R – É sítio Cercadão.
P/1 – E qual foi a data de nascimento da senhora?
R – Pera aí, vou olhar aqui direito.
P/1 – Tá bom.
R – Olha aí.
P/1 – A senhor nasceu, então, no dia 24 de abril de 1935.
E o nome dos pais da senhora?
R – É Maria Joana de Souza.
Maria Joana de Souza.
P/1 – E o nome do pai da senhora?
R – Raimundo Gomes dos Santos.
P/1 – Eles também são daqui?
R – São daqui também.
P/1 – E como que eram os pais da senhora?
R – Ah, os meus pais era maravilha.
Era.
A minha mãe era uma pessoa muito boa, meu pai também.
P/1 – E o quê que eles faziam?
R – O meu pai era da roça, ele plantava.
P/1 – Ele plantava o que?
R – Plantava milho, feijão, mandioca, macaxeira, jerimum, batata.
P/1 – E a mãe da senhora? Ela ajudava ele?
R – Ajudava ele mas o trabalho dela mais era em casa porque era muita gente pra almoçar, pra merendar e ela tinha que ficar na cozinha.
P/1 – Vocês eram quantos irmãos?
R – Nós éramos 13.
P/1 – E a senhora era em qual posição? A senhora foi das primeiras?
R – Eu fui das primeiras.
P/1 – Quantas irmãs e quantos irmãos?
R – Nós era quatro irmã e nova irmão.
P/1 – E como que era casa com esse tanto de irmãos?
R – Nesse tempo não tinha casa de tijolo, as coisas era mais difícil.
Era casa de taipa mesmo, feito de madeira, de barro, casa bem grandona.
P/1 – E era ali aonde a senhora tem a casa? Ou não?
R – É, era ali.
Era ali, naquelas mangueiras grandes, ali.
P/1 – Ah, to vendo.
R – Nós fomos nascida e criada ali, naquelas mangueiras.
P/1 – E a senhora nasceu também nessa casa?
R – Nasci também nessa casa.
P/1 – E como que era a infância de vocês, assim?
R – Ah, a nossa infância era maravilha, que não tinha nada do que tem hoje.
P/1 – E como que era, assim? Descreve pra gente.
R – A nossa infância foi trabalhar, ajudar nossos pais, plantar, colher, tudo isso.
P/1 – E você.
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R – Nós cuidávamos dos animais.
P/1 – Ah, é? E vocês tinham algum tipo de brincadeira que vocês gostavam de fazer?
R – Só quando.
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Quando nós fomos crescendo, eles faziam uma festa chamada São João de rádio, só pra nós, olhe.
Era só pra nós, nós dançava só nós mesmo, os irmãos com as irmãs.
P/1 – Ah, é? Mas de rádio? Como assim? Era com rádio ligado, vocês tinham uma rádio?
R – Não, era um rádio de pilha.
Tu já não viu?
P/1 – Sim.
R – Pois é.
Era grandão, um rádio bem grande.
P/1 – Assim, tinha o rádio e ficavam dançando?
R – Era.
Abria o rádio e aí tinha as músicas de São João, no rádio mesmo.
P/1 – E a senhora lembra alguma música daquela época?
R – Ah, eu não lembro, não, ó.
P/1 – E a senhora gostava de dançar?
R – Ah, eu gostava, sim.
P/1 – E tinha outra festa que vocês gostavam?
R – Tinha festa mas nós não ia, não.
P/1 – Por quê?
R – Porquê não deixavam.
P/1 – O pai da senhora era severo, então?
R – Era, ele era.
Aí, ele deixava, assim, tinha um amigo da gente que morava do outro lado daqui, sabe? Aí, ele mandava chamar ele, pra perguntar se ele tava, esse menino, pra ir pra festa mais nós.
Se ele fosse, nós ia; se ele não fosse, nós não ia.
Aí, ele saía e dizia assim “ó, toma conta das meninas, se arrumar de namorado não é pra vir, não, é pra ficar lá, na festa” não era pra nós, não.
Sabe o que nós fazia? Nós levava dinheiro e dava pro homem, que ele deixava nossos namorados vir mais nós (risos).
P/1 – Ah, era (risos)?
R – Era!
P/1 – Contra essa história pra gente.
A senhora lembra de alguma situação que a senhora teve que fazer isso, que houve um namorado especial da senhora?
R – Teve, meu namorado mais especial foi o que era o meu marido.
Mas aqui ali foi um serviço pra eu casar com ele, sabe? Porque ele era safado.
P/1 – Ah, o seu José?
R – Ele era danado, assim, pra namorar, pra beber, sabe? Aí, eu pedi a ele pra deixar o negócio de beber, pra ver se meu pai gostava um pouco dele “calma, quando nós casar eu deixo”.
E deixou mesmo, tá com 65 anos que ele deixou de beber.
P/1 – Ah, é? E como que a senhora conheceu o seu José, dona Ozélia?
R – Nas festas, às vezes nós ia pra.
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Ah, conheci ele?
P/1 – É.
Conta o dia que a senhora conheceu ele pra gente.
R – Eu conheci ele numa festa de São João que teve bem aqui, numa prima minha, bem aqui nessas mangueiras.
Teve uma festa de São João, elas convidaram ele e ele veio.
Aí, a gente começou a namorar.
P/1 – Ah.
E vocês chegaram a dançar juntos na festa?
R – Dançava, dançava junto.
Mas meu pai não queria, não, era um sacrifício medonho.
P/1 – Porque o pai da senhora não gostava do seu José.
R – Não gostava dele, não.
Aí, quando a gente casou, a pessoa que ele mais adorava na vida era ele.
P/1 – Ah, é? E a senhora casou quando a senhora tinha quantos anos?
R – Eu tinha 16 anos quando me casei.
P/1 – A senhora gostou dele e já falou “vamo casar”?
R – Não, a gente namorou ainda e depois nós casamos.
P/1 – Quanto tempo que vocês namoraram?
R – Nós namoramos quatro anos, assim, que ele sabia e quatro anos escondido (risos).
Escondido mesmo.
P/1 – E vocês faziam o que? Vocês saiam por aqui, por aqui próximo? Vocês passeavam por aqui, então? (Interrupção) Quando vocês iam namorar vocês saiam por aqui, então, dentro do pedaço?
R – Namorar era um sacrifício, ia lá pra casa mas ninguém namorava, não.
Aí, a mamãe botava num banco, assim, e o papai outro, assim, e fumava cachimbo, o pobre saía lá de casa puro cachimbo.
P/1 – Quem fumava cachimbo?
R – O meu pai e a minha mãe.
P/1 – Eles plantavam tabaco?
R – Não.
P/1 – Não.
Eles compravam mesmo?
R – Iam pra fazenda comprar.
Era.
P/1 – Aí, eles ficavam lá, olhando vocês, enquanto vocês tavam namorando?
R – Era, nossa vida era assim, não é como hoje, não, minha filha.
Muito diferente.
P/1 – E o seu José foi o primeiro namorado da senhora?
R – O meu foi.
O primeiro namorado e o último.
P/1 – E vocês chegaram a fazer uma festa quando vocês casaram?
R – Ai, quando nós casamos foi uma festona.
P/1 – Ai, fala pra gente.
R – A noite todinha, foi tanta comida que teve que ainda sobrou pra outro dia.
Foi lindo, meu casamento foi lindo.
P/1 – O quê que vocês fizeram de comida para o casamento?
R – Era porco, galinha, carneiro, tudo isso.
P/1 – E veio todo mundo?
R – Todo mundo.
P/1 – Da família?
R – Da família veio todo mundo.
P/1 – E teve alguma música? Teve.
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R – Ah, festa, festa de forró.
Nesse tempo era festa de forró.
P/1 – A senhora lembra alguma música, assim, daquele época?
R – Ah, não me lembro, não.
P/1 – Mas a senhora gostava de dançar forró?
R – Ah, eu gostava.
Eu não tenho inveja de nada mas quer ver eu com inveja é vendo uma pessoa dançar, que me dá vontade de dançar (risos).
P/1 – E, dona Ozélia, além do forró vocês tinham outras músicas que vocês gostavam de dançar, gostavam de ouvir, gostavam de cantar?
R – As músicas de São João, São Pedro, Santo Antônio, a gente gostava.
Mas só que nós gostava mas não saía.
P/1 – Vocês ficavam só em casa?
R – Ficava só em casa, ele não deixava a gente sair, não, ele era carrasco.
Ele plantava um roçados lá na Sumidade, pra lá da Caucaia, aí ele plantava e a gente colhia.
A gente colhia e, aí, teve uma festa de uma prima nossa, de uma casamento, ele disse “vamo colher o feijão pra poder ir pra festa”.
Aí, a gente foi colher o feijão, e quando foi o dia da festa, ele se esqueceu, fez que se esqueceu “Pai, hoje é o dia de nós ir pra festa” “Qual festa?” “O senhor falou que se nós fosse colher feijão o senhor deixava nós ir pra festa” “Ah, não me lembro disso, não.
Foi?” “Foi.
Olhe, pai, o feijão tá todo no saco, viu? Nós vamos deixar lá” “É, pois se arrume e vão pra festa!”.
Aí, nós dizia assim “pai, nós não têm batom, nós não tem perfume”, ele dava o dinheiro a nós e nós ia comprar.
P/1 – E onde vocês compravam?
R – Na Caucaia.
P/1 – Vocês iam lá pra cidade, então?
R – É, ia.
Ia de pé, não tinha ônibus no nosso tempo.
P/1 – E quanto tempo era mais ou menos pra chegar lá?
R – A gente saia de madrugadinha e quando era sete horas, oito horas a gente tava lá, só chegava de tarde.
Era muito longe pra gente ir de pé e vim.
P/1 – E você gostava de ir pra Caucaia?
R – Não gostava, não.
P/1 – Por quê?
R – Não sei, a gente era acostumada a viver dentro de casa, não gostava, não.
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P/1 – Mas era lá que.
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R – Tu acredita que eu to dessa idade e eu nunca na minha vida tomei um banho de mar?
P/1 – Sério?
R – Sério.
P/1 – Por quê? A senhora não gosta do mar?
R – Eu num.
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E além de eu não gostar muito do mar, ele não deixava nós ir, não, mulher.
Ali, lá na vazante, acolá, tinha um banheiro de palha bem grande, com camburão de barro.
Era cheio d’água, tinha pessoa pra encher todo dia, duas vezes, pra nós tomar banho e não tomar banho em barra.
A barra aí era cheia mas nós não ia porque ele não deixava.
Era carrasco o meu pai mas eu agradeço muito a Deus dele ter sido desse jeito.
Nós fomos criados desse jeito trabalhando, nós sempre fomos trabalhador.
Eu to dessa idade mas não inveja de quem é novo, de quem é trabalhador.
Mas por quê? Porquê ele me ensinou a trabalhar.
P/1 – Agora, dona Ozélia, lembrando, assim, a senhora pra comprar as coisas tinha que ir lá pra Caucaia?
R – Lá na Caucaia.
P/1 – Então, vocês, pra comprar batom, comprar roupa.
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R – Comprar batom, comprar roupa.
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P/1 – O que mais vocês compravam lá?
R – Comprar vestido, comprar calçado.
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A gente só comprava lá.
P/1 – E você, assim, não gostava, então de Caucaia.
Você achava o que? Que era muito.
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R – Eu achava muito longe, achava ruim porque a gente ia com sacrifício tão grande, voltava com sol quente, eu não gostava, não.
P/1 – Ah, era cansativo.
R – Era cansativo.
A gente só vivia cansado que nós trabalhava muito.
Nós trabalhava muito, assim, em campo, juntar feijão, juntar milho, cuidar dos animais.
Nós era quem cuidava.
P/1 – Vocês chegavam a vender essa colheita que vocês faziam? Vocês vendiam lá, em Caucaia?
R – Não, às vezes ele não vendia, não, porque a família era grande e ele tinha a barriga muito cheia, quando ele colhia o feijão ele dava à família inteira, Fulano não sei quem, Fulano não sei quem.
Portanto, não dava pra vender.
P/1 – Então, tudo o que vocês plantavam vocês consumiam?
R – Era.
Consumia, era.
P/1 – E isso também pros animais?
R – Pros animais também.
Nesse tempo ele tinha muito cavalo.
A gente pra levantar esse feijão que eu ter falei, a gente ia de cavalo.
P/1 – A senhora andava de cavalo?
R – Andava, sim.
P/1 – A senhora gostava de andar de cavalo?
R – Gostava.
P/1 – A senhora lembra de quando a senhora aprendeu a andar de cavalo?
R – Eu me lembro, era muito nova.
Era menina véia ainda quando comecei a andar de cavalo.
P/1 – E tinha um nome de algum cavalo da senhora? A senhora lembra do nome de algum cavalo que a senhora gostava?
R – O nome do meu cavalo era Preto.
P/1 – Preto?
R – Preto, que ele era preto o meu cavalo.
Era Preto o nome dele.
P/1 – E só a senhora que andava nesse cavalo ou os irmãos?
R – Não, nós tudinho, nós andava.
Nós tinha o João, que era danado, gostava muito de cavalo, esse era muito danado, nós só andava junto.
P/1 – Quem era?
R – Ele não vive mais nós, não, ele embarcou pra Amazônia e ninguém tem mais notícia dele.
P/1 – Um irmão da senhora?
R – Meu irmão, sim.
P/1 – E qual era o nome dele?
R – Dele? Era João.
P/1 – João.
E por que ele foi pra lá, o João?
R – Porque foi um pessoal com nós junto pra lá, aí, botaram na cabeça dele que lá era bom, não sei que, que ganhava muito dinheiro e ele era muito trabalhador, gostava de trabalhar, de ganhar dinheiro e, aí, ele foi mais essa família.
P/1 – Aí, ele foi pro Amazonas, então?
R – Amazônia e deixou uma noiva aqui.
Aí, essa noiva não esperou por ele e quando ela arranjou outro, a minha mãe escreveu pra ele e disse que ela tinha arranjado um noivo.
Aí, parece que ficou desgostoso e não veio mais.
P/1 – Não veio mais mas ele enviava carta pra sua mãe?
R – Enviava.
Aí, nem escreveu mais, nada, nunca mais.
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P/1 – Nunca mais vocês souberam dele?
R – Não, nunca mais nós soubemos dele.
P/1 – E, dona Ozélia, vocês estudaram aqui?
R – Aqui? Aqui dentro?
P/1 – É.
R – Não, lá pelos arredores, nós estudemo.
Tinha uma escola lá – a gente diz na pista mas nesse tempo não era pista, não, era só mato – e tinha uma escolinha lá dentro do mato, a gente estudava lá.
P/1 – Mas era aonde essa escolinha? Era perto de onde? Tem um nome esse lugar onde estava a escola?
R – Pera aí.
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Carassuí, o nome.
P/1 – Carassuí?
R – Carassuí.
P/1 – E quanto tempo mais ou menos vocês andavam pra poder chegar lá?
R – Ah, a gente saia bem cedinho pra chegar lá, quando chegava lá era sete horas, na hora da escola.
P/1 – E a senhora gostava?
R – Gostava.
P/1 – A senhora tem alguma lembrança dessa época? A senhora lembra de alguma professora?
R – Me lembra da minha professora, ela era muito carrasca, tinha essa coisa, ela botava nós de castigo.
Naquele tempo era palmatória, você se lembra? Naquele tempo tinha palmatória, quem fizesse as coisas erradas tomava toda dia.
P/1 – E a senhora levava muita palmatória?
R – Às vezes eu levava (risos).
Quando eu fazia alguma danação eu levava.
P/1 – Como que era a senhora quando era pequena?
R – (Risos) Eu era danada.
P/1 – Ah, era? O quê que a senhora fazia pra ser danada?
R – Ah, eu cortava, eu me subia em coqueiro, eu cortava de machado, eu capinava, tudo isso eu fazia mais o meu pai.
Ó, às vezes eu digo assim “nós somos pobre agora mas nós não era pobre, não”.
Quando meu pai era vivo, nós era rico.
Era.
Ele dizia assim, dia de sábado “Ozélia, bora beber um vinho” “Vamo”.
P/1 – Ele bebia vinho?
R – Bebia, vinho.
Ele “bora beber um vinho?” “Vamo”.
Eu botava pra ele beber mas eu não bebia, não, sabe.
Aí, quando ele tava quase melado, a gente ia na carteira dele e enchia a mão de dinheiro, ele não sabia (risos).
P/1 – E como que o pai da senhora tinha dinheiro? Ele vendia? O quê que ele fazia? Porque ele plantava.
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R – Ele matava gado.
Ele comprava o gado e matava.
P/1 – Aí, ele vendia a carne, então?
R – Ele vendia a carne, ele ia buscar goma, farinha, lá no Pecém pra revender em Fortaleza.
O ramo dele era esse, e plantar e colher.
P/1 – Então, ele tava sempre andando, também.
R – Ele sempre tava andando.
Aí, ele saia, deixava nós tudo pequeno.
Tem os meninos mais velhos, que era os meninos homem, aí dizia “vocês fiquem em casa e ajudem a mãe de vocês, não deixem ela trabalhar só, não.
Cuidado nas arengas”.
Aí, na saída dele, um dos meus irmãos arengou um com o outro.
Aí, ficou a confusão, imaginando quando ele chegasse, como é que a gente ia dizer que os meninos tavam com raiva um do outro.
Aí, a mãe disse assim “vocês não dizem”.
Aí, o pai disse assim “Ozélia, o que foi que houve na minha saída que a tua mãe tá triste?” “Pai, o Pedro mais José brigaram” “Por quê?” “Brigaram por causa de uma arenga mesmo”.
Aí, ele chamou eles dois, pegou na mão um do outro e disse “pega na mão um do outro, aí, e se abracem”.
Aí, fizeram, assim, com revolta, mas se abraçaram, se deram as mãos e em cada um ele deu uma chibatada.
Era carrasco o meu pai.
P/1 – Daí, ele dava um corretivo?
R – Dava, era.
P/1 – Você já levou um corretivo de seu pai?
R – Nunca, uma vez que ia me dar, ele comprou um par de chinelo pra mim e disse “tenha cuidado nessa chinela que foi caro” “Sim, senhor”.
Aí, eu perdi a chinela e ele quis me dar e minha vó disse “se você bater nela, você vai apanhar também, que ela é os pés e a sua mão, como é que você vai bater nela?”.
Pronto, aí nem me bateu, eu nunca apanhei dele.
P/1 – E da mãe, você levou?
R – Ela às vezes me dava uns cascudos que eu era danada.
P/1 – E, dona Ozélia, vocês tinham o hábito de fazer alguma reza em casa? Fazer novena?
R – Ah, rezava.
Nós rezava novena de São José em casa.
P/1 – E qual era o período que vocês rezavam?
R – É o mês de Março, que é o mês de São José.
P/1 – Mês de Março?
R – É.
P/1 – Aí, como que vocês faziam? Ia todo mundo pra casa de vocês ou era só a família?
R – Não, ia todo mundo, fazia convite, vinha todo mundo.
Aí, quando nós já tava tudo crescido, tudo grande, fez a nossa capela, aí, a gente rezava na capela.
Essa capela era só um quartinho, como aquela portinha ali, ó.
P/1 – E a senhora contou que a capela foi construída pelo pai da senhora, não foi?
R – Foi construída pelo meu pai.
Aí, ele deixou capelinha pequena, assim, sabe? Aí, a gente conheceu uma pessoa lá da Caucaia, que ele fez uma escolinha aqui dentro, justamente acolá, aí ele aumentou pra nós.
O padre também ajudou nós a fazer, aí pronto, ficou desse tamanho aí.
P/1 – Ela tá muito bonita agora, assim.
R – Tá.
P/1 – Houve uma reforma, agora, recente?
R – Não, houve não, é porque tem cuidado, a gente zela muito ela.
Faz tempo.
P/1 – Mas, assim, vocês faziam essas rezas na casa da senhora.
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R – Era.
P/1 – Aí, depois, foi o pai da senhora que decidiu construir, então, a capela pra poder rezar lá, então?
R – Foi, foi.
P/1 – Ia todo mundo lá?
R – Ia todo mundo, ficava bem cheinho.
No último dia de novena ele fazia aquele café com bolo, dava pra todo mundo.
P/1 – Ele gostava de reunir as pessoas aqui?
R – Gostava.
Assim, quando ele matava o gado, quando era no fim da tarde, que às vezes ainda sobrava a carne, ele dava a todo mundo, dava o restante, muito bom ele.
Mas a morte dele foi bem rapidinha.
P/1 – Como ele morreu?
R – Assim, eu passei aqui e ele disse assim “minha filha, parece que eu to com febre” “Que isso, pai, tá não” “Tá, pegue em mim pra tu ver que eu to”.
Eu peguei nele assim e achei ele quente mesmo.
Tu acredita que eu fui na mercearia, do outro lado acolá, quando eu voltei ele não falava mais.
P/1 – Do quê que ele morreu? A senhora sabe?
R – Diz que foi aquela doença que dava de repente, trombose.
P/1 – Ah, foi tipo um AVC que ele teve?
R – Um AVC, foi.
Isso mesmo.
Aí, eu fui na Caucaia e falei com o doutor Murilo, que nesse tempo era o médico que tinha na Caucaia, doutor Murilo.
Aí, o doutor Murilo veio com a gente, aí, chamou, assim “dona Ozélia, vocês vão se preparar porque o seu pai não vai sobreviver, não”, foi um dia de sábado.
Quando foi domingo, ele morreu.
P/1 – Então ele chegou a ir pra um hospital, então?
R – Não foi, não, trouxe o médico pra cá.
P/1 – Ah, o médico veio.
R – O médico veio pra cá.
Aí, o médico passou a noite com a gente, medicando ele, mas não teve jeito.
P/1 – E a mãe da senhora, então, era viva ainda?
R – Era viva minha mãe mas aí com seis meses que o meu pai morreu, ela sentiu muito a morte dele, ela foi ficando, assim, sem graça, sem querer comer, triste.
Aí, com seis meses, ela ficou doente e morreu também.
P/1 – Ela morreu de que, a mãe da senhora?
R – Morreu, assim, parece que falou de tristeza, uma coisa assim.
P/1 – De tristeza, é.
R – Que eles eram muito unido.
P/1 – E onde que eles foram enterrados?
R – Tu sabe onde é Caranguejo, um cemitério que chama Caranguejo, pra banda do?
P/1 – Uhum.
Foi pra lá?
R – Foi pra lá.
P/1 – Dona Ozélia, vamo voltar um pouquinho, como é que era a comunidade antes, aqui, o sítio Cercadão? Esse sítio aqui era.
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R – Era pouca gente que tinha, que era só nós, o pai, a mãe, nós, os filhos dela.
P/1 – Esse sítio era da família de vocês?
R – Era da família nossa, era.
Aí, depois, ficou grande assim porque foram nascendo os filhos, foram casando.
Aí, foi morando tudo junto.
P/1 – O sítio Cercadão a senhora sabe por quê que tem esse nome, Cercadão?
R – É porque era um cercadão só, a cerca forma um cercado todinho, ó.
Aonde é nosso é cerca.
É por isso que chama o sítio de Cercadão.
P/1 – Ah.
E desde o tempo do pai da senhora se chama Cercadão?
R – Desde o tempo do meu pai que chama Cercadão.
P/1 – A senhora sabe, assim, quem é que comprou essas terras primeiro? Foi, assim, da família do pai da senhora, então?
R – Foi a família do meu pai que comprou.
P/1 – Eles tinham algum nome, assim, que todo mundo.
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R – Eu não me lembro, não sei se o nome dele era Manuel, era tataravô.
Só que aqui, minha filha, tem 300 e não sei quantos tempos.
P/1 – E, assim, vocês foram a primeira família a morar aqui, no sítio?
R – Foi.
P/1 – A família do pai da senhora?
R – Foi.
P/1 – Tinha algum irmão do pai da senhora aqui? Parente dos pais?
R – Tinha mas eu conhecia ela muito pouco, ele faleceu bem novo.
P/1 – E os primos da senhora? A senhora não tinha primo por aqui?
R – Primo? Primo eu tenho por aqui.
P/1 – Ah, mas aqui dentro do sítio Cercadão?
R – Aqui tudo dentro, é.
P/1 – E a terra sempre foi esse tamanho que tem hoje?
R – Sempre foi esse tamanho que tem hoje.
P/1 – E, dona Ozélia, voltando, assim, quando vocês faziam essas novenas, faziam essas rezas, a senhora lembra alguma oração que vocês oravam?
R – Me lembro, não, faz muito tempo.
P/1 – A senhora não lembra, não?
R – Não lembro, não.
P/1 – Então, vamo voltar a quando a senhora se casou.
Quando a senhora se4 casou, a senhora ficou na casa do pai da senhora ou não?
R – Não, quando eu me casei eu fui morar lá na terra dele, aonde ele morava, na Canafístula.
P/1 – Ah, então não era aqui no sítio Cercadão?
R – Se eu morei aqui quando me.
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P/1 – É.
R – Não.
Aí, depois, eu tive meu primeiro filho lá onde ele morava.
Aí, depois, meu pai me trouxe pra cá e pronto, tem o resto da minha família todo aqui.
P/1 – Mas por que o pai da senhora trouxe a senhora pra cá?
R – Ah, porque ele queria muito bem a mim e era acostumado a viver só por minha vida.
Tudo o que ele queria fazer eu tinha que estar no meio.
P/1 – Ah, era?
R – Era.
Tudo o que ele ia fazer.
Se ele fosse fazer farinha, por exemplo, e eu não tivesse em forma pra ir trabalhar com ele na farinhada, ele não vinha.
P/1 – Vocês faziam farinha aqui?
R – A casa de farinha é do outro lado de lá, é.
Lá da casa dá pra ver.
Lá da casa dos pais dá pra ver fazer.
P/1 – Ah.
E a casa de farinha era vocês que trabalhavam, então?
R – Era nós que trabalhava.
P/1 – Só a família de vocês? Os irmãos, a mãe da senhora?
R – Era só nós que trabalhava.
P/1 – E, assim, a senhora ficou feliz de ter voltado pra cá?
R – Ah, eu fiquei.
Eu sentia muita falta deles.
P/1 – E quando a senhora voltou pra cá, a senhora ficou morando na mesma casa que a senhora morava antes, quando era solteira?
R – Não.
Aí, quando eu cheguei aqui, ele já tinha feito a minha casa.
Eu morava bem pertinho da minha casa, acolá, do outro lado assim.
Minha casa era lá.
P/1 – Então seu pai fez a casa?
R – Fez a casa, uma casinha pequena e, aí, depois que a gente construiu uma maior, aquela grande, pra caber a família.
P/1 – E como era a vida de casada, já que a senhora gostava de ir pras festas?
R – A minha vida de casada – até hoje – Graças a Deus nós estamos com 65 anos de casado e nós não tivemos nenhuma.
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A única discussão é dele ir na cozinha e eu ir na sala.
Nunca, nós somos muito unidos, Graças a Deus até hoje, tive os meus filhos, não tenho o que dizer dele e a gente criou muito bem criado, são uns menino bão.
P/1 – Quantos filhos que a senhora teve?
R – Tive 12.
P/1 – Doze filhos?
R – Uhum.
P/1 – E a senhora tem todos os filhos aqui?
R – Todos aqui.
P/1 – E como que a vida da senhora mudou, assim? A senhora teve os filhos, a senhora chegou a trabalhar também? Ou ficava só cuidando das crianças?
R – Não, toda vida eu trabalhei em casa.
Aparecia uma costura, e costura ganhava aquele dinheirinho.
Mas nunca trabalhei fora, não.
P/1 – E como que a senhora aprendeu a costurar?
R – Ah, se eu te contar uma coisa não acredita.
P/1 – Me conta.
R – Eu era bem pequenininha, comecei a costurar na mão, eu costurava na mão, com agulha.
Costurava pra todo mundo, o pessoal trazia roupa pra eu fazer.
P/1 – Mas a senhora aprendeu com a mãe da senhora?
R – Eu aprendi por minha conta mesmo.
P/1 – Mas a mãe da senhora costurava também?
R – Não.
Eu tinha uma madrinha, que ela vinha me buscar, às vezes ela tava com muita costura e ela vinha me buscar pra ajudar ela.
Aí, eu fui aprendendo com ela, com essa madrinha.
P/1 – Ah, e a madrinha da senhora morava por aqui, por perto?
R – Morava perto mas não era aqui.
P/1 – Qual o nome da madrinha da senhora?
R – Essa minha madrinha mataram ela.
P/1 – Nossa.
Como que mataram ela?
R – Ela tava em casa, aí o marido dela chegou em casa e falou “Ozélia, tu nem sabe que a tua madrinha morreu” “Morreu? De que?” “Ela tava costurando, aí eu cheguei lá na sala e ela tava caída no chão, tava morta”.
Aí, quando eu cheguei lá, o tamanho que era o corredor aquele rastro de sangue, sabe? Eu digo “padrinho, que sangue foi esse?” “Minha filha, eu acho que foi um derrame que deu nela” “Foi, não”.
Aí, que eu boli nela, assim, o pescoço dela tava degolado, aqui assim nela.
P/1 – Mas quem que fez isso?
R – Até depois foi descoberto.
Essa pessoa que matou era uma pessoa que não morava tão longe daqui, não.
Ele ficou.
.
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P/1 – Mas por que matou?
R – Pra roubar o dinheiro dela, que ela era costureira e ela tinha dinheiro.
Aí, ele matou ela.
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P/1 – E ele foi preso?
R – Aí, ele ia caçar o dinheiro e aonde ele caçava a mão dele ficava na parede, que ele sujou de sangue.
P/1 – E ela tava sozinha em casa?
R – Ele tava lá no quintal, trabalhando, só eles dois.
Ele tava no quintal, limpando o terreno e ela só, costurando.
Ele chegou, fez todo esse trabalho e ele não viu.
P/1 – Faz tempo isso?
R – Ah, faz muitos anos.
Eu ainda era solteira nesse tempo.
P/1 – Ah, é?
R – Era.
P/1 – E a senhora aprendeu, então, com a madrinha da senhora?
R – Aprendi alguma coisa de costura com ela mas eu costurava na mão.
Aí, o meu pai sempre me prometia uma máquina, sempre me prometia uma máquina “ainda te dou uma máquina” “Pai, eu vou esperar”.
Quando foi um belo dia, ele comprou uma máquina.
P/1 – Então, o pai da senhora que deu de presente a máquina?
R – Foi, foi.
P/1 – Aí, a senhora lembra, assim, a primeira peça que a senhora fez nessa máquina?
R – As primeiras peças que eu fiz na máquina foi do meu irmão caçula que ia nascer, acredita?
P/1 – Quantos anos mais ou menos a senhora tinha?
R – Nesse tempo?
P/1 – É.
R – Ah, nesse tempo eu tinha uns 12 anos.
P/1 – Ah, então a senhora era bem jovem quando a senhora começou a costurar?
R – Era, eu comecei a costurar eu era pequena.
Não to dizendo que eu era pequena?
P/1 – E a senhora fez, então, as roupas do irmão da senhora?
R – Fiz pro meu irmão que ia nascer.
P/1 – E o quê que era?
R – As camisinhas, cueiros.
.
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P/1 – E como que a senhora fazia pra comprar os tecidos? A senhora ia pra Caucaia?
R – Ia pra Caucaia, comprar na Caucaia, tinha que ser tudo lá.
P/1 – E a senhora tinha já a loja que a senhora ia lá, pegar o tecido?
R – Na Caucaia tinha muita loja e a gente ia lá, escolher onde que a gente ia comprar, o que a gente queria.
Tinha.
P/1 – Aí, a senhora começou a costurar só pra casa, então?
R – Ah, eu costurava só pra casa, pras minhas amigas, pras minhas irmãs.
P/1 – A senhora chegou a vender as roupas da senhora, que a senhora fazia?
R – Não, elas traziam o tecido pra mim costurar.
Foi muito bom.
P/1 – A senhora ensinou alguém a costurar?
R – Ensinei as minhas meninas mas tem uma que não sobra nada.
Tem uma filha minha, minha filha mais velha, ela disse “mãe, vou fazer meu vestido, viu?” “Venha” “Mãe, corta aqui”, aí eu corto.
“Mãe, como é? Mãe, alinhava aqui”.
É assim, ela costura mas fica o tempo inteiro me perguntando.
P/1 – E a senhora ainda costura?
R – Ah, eu costuro.
Por falar nisso, eu vou até terminar umas fardas lá do Pecem.
P/1 – Ah, é? A senhora tá costurando pro pessoal da.
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R – Eu costuro há muito pros meninos do Pecem mas, assim, ó, às vezes pra acoxar as roupas, muito enorme.
Aí, é pra mim acoxar, ajeitar.
P/1 – A senhora fala das roupas da companhia, siderúrgica do Pecém?
R – É.
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P/1 – A senhora faz, a senhora costura as roupas do pessoal que trabalha?
R – Do pessoal que trabalha, eles mandam é muito pra mim reforma, que às vezes eles são finos e as fardas é muito grande, vem muito pra mim acoxar.
P/1 – E dona, Ozélia, assim, aqui é uma comunidade quilombola, Cercadão.
Como que começou a história de resgatar essa história da comunidade quilombola?
R – Eu não sei nem te explicar, quem sabe te explicar isso é a Prazer.
Eu não sei te explicar isso aí, não.
P/1 – Mas pra senhora o quê que seria uma comunidade quilombola?
R – Pra mim eu acho que é bom, porque até hoje eu não tenho o que dizer da minha vida.
P/1 – Ah, é? Mas mudou quando vocês começaram a se reconhecer como quilombola?
R – Mudou, sabe por quê? Porquê aqui não entrava ninguém.
Agora entra vocês pra conversar, pra explicar, tem as escolas que não tinha.
Esse quarto que nós estamos lá, de noite é cheio de gente adulto estudando, mulher, homem.
P/1 – E antes não era assim?
R – Antes não tinha, nós não tinha nada disso e agora nós tem.
P/1 – E, agora, falando dessas mudanças, dona Ozélia, daqui, da comunidade, antes não tinha associação de moradores?
R – Tinha, não, to dizendo que mudou tudo agora.
P/1 – Tudo começou depois de se transformar numa comunidade quilombola?
R – Foi.
P/1 – E além da igreja que tem aqui, a capela São Francisco, eu vi que tem uma igreja também evangélica.
R – Aquela ali foi feita agora.
P/1 – Ah.
E tem muitos evangélicos aqui?
R – Aqui dentro, dentro?
P/1 – É.
R – Aqui dentro não tem, não, vem de fora, pra lá.
P/1 – Ah, é?
R – É, aqui dentro não tem, não.
P/1 – E como a senhora vê isso, assim, a chegada dos evangélicos aqui?
R – Eu acho normal porque é uma coisa que reza também, é reza também.
O, como é? Os crentes eles não fazem, só rezam, lê.
Aí, eu não tenho que dizer nada, pra mim é comum.
P/1 – Ah.
E tem também o pessoal da Umbanda aqui?
R – Aqui não tem, não.
P/1 – Não tem, não? Então, assim, de religião, quando a gente pensa, os católicos, os evangélicos e só?
R – E só, é.
P/1 – Ah.
E, assim, aqui tem alguma.
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A senhora tava falando que tinha as festas, no tempo da senhora, quando a senhora era mais jovem.
Tem festa ainda aqui da comunidade?
R – Tem mas as festas de hoje não vale nada, nossa.
As festas de hoje é muito diferente das nossas.
P/1 – Que festa que tem aqui hoje que é diferente?
R – É porque hoje as festas, menina, no tempo de nosso tempo era forró pra tirar do ramo (risos).
P/1 – Não tem mais os forrós?
R – Eu não acho que tem, não.
A gente às vezes tem festa por aí e a gente escuta e não escuta forró.
P/1 – Mas se o pessoal quer fazer alguma festa aqui, no sítio, o pessoal faz geralmente onde, assim?
R – Rapaz, às vezes, logo.
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A gente sempre fazia brincadeira de São.
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A gente tinha o grupo de idoso, agora nós não tem mais.
A gente já fazia festa quando tinha grupo de idoso.
Nós dançava lá.
P/1 – Mas por que não tem mais, dona Ozélia?
R – Dança lá.
P/1 – Ah, lá na Associação?
R – É.
P/1 – Mas por que não tem mais o grupo dos idosos?
R – Porque um senhor que mora bem ali, o seu Sílvio, ele fez um acordo com nós, ele também é doido pelo grupo de idoso.
Aí, ele fez o grupo de idoso e combinou com a gente pra levar o grupo daqui pra lá, que é bem ali também, só não é dentro do terreno, do lado de fora.
Aí, a gente concordou, a gente ia pra lá.
P/1 – Ah.
E o quê que vocês faziam, assim?
R – No grupo de idoso?
P/1 – Isso.
R – A gente fazia muita coisa, a gente aprendia.
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Quem já sabia, ensinava os outros.
Por exemplo, eu sei bordar na mão.
Aí, você vinha, que era uma idosa, você não sabia, eu ia lhe ensinar.
P/1 – Ah, então a senhora deu curso de bordado?
R – Dei.
P/1 – E a senhora ensinou a costurar também?
R – Aí, tinha a que também sabia, que eu achava muito importante, fazer enxoval pra dar às mulheres que tava esperando nenê e que não tinha condições de fazer.
Vinha fazenda, não sei te explicar de onde é que vem.
Esse doutor Murilo, que ajudava a gente, é quem trazia.
Trazia as fazendas, a gente cortava as camisinhas, cortava os cueiros, a gente fazia tudo na mão.
P/1 – E vocês doavam, então? Vocês davam?
R – A gestante vinha também fazer com a gente.
Elas faziam as matrículas delas e faziam também.
Aí, no dia da entrega era bonito.
P/1 – Vocês faziam alguma festa quando tinha?
R – Fazia.
P/1 – Como que vocês sabiam? Eram as mães daqui, do sítio, ou vinham de outros lugares?
R – Não, vinha do lado de fora.
P/1 – Do lado de fora?
R – Vinha.
P/1 – Ah.
E quem que organizava tudo isso? Era o.
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R – Quem organizava era a minha irmã mas ela faleceu.
P/1 – Qual era o nome dela?
R – Era Maria, mas nós chamava ela de tia Badia.
P/1 – Tia Badia.
E a tia Badia fazia.
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R – Ela mora bem ali, o marido dela mora bem ali, ele ainda mora lá.
P/1 – E ela quem ajudava a organizar?
R – Nesse tempo ela quem organizava.
Aí, depois, quando ela morreu ficou Prazer, que organiza até hoje.
P/1 – E hoje quando vocês têm alguma atividade aqui, com todo mundo, é o que agora, assim?
R – Assim como?
P/1 – É uma festa? Tem a novena? É lá na igreja?
R – Tem a novena, é.
Às vezes ainda bota o rádio pra tocar bem alto, pra todo mundo ouvir.
P/1 – Ah, que tipo de música?
R – Só as músicas mesmo, as músicas que tem hoje, que hoje em dia ninguém canta mais forró.
P/1 – A senhora sente falta das músicas?
R – Eu não sinto mais porque eu não saio.
Eu to com 65 anos de casada e é 65 anos que eu não saio de casa.
Não saio de casa, não.
P/1 – A senhora não sai de casa?
R –Uhum, nem eu e nem ele.
P/1 – A senhora fica sempre aqui?
R – A viagem que eu faço é lá da minha casa pra cá.
P/1 – E como que é a rotina da senhora hoje? A senhora acorda bem cedo.
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R – Acordo bem cedo, faço café, vou fazer o almoço e vou costurar.
P/1 – A senhora já faz o almoço de manhã?
R – Eu faço o almoço de manhã.
P/1 – Ah, é? Mas que horas que a senhora acorda, mais ou menos?
R – Cinco horas.
P/1 – Cinco horas da manhã?
R – Cinco horas da manhã eu to de pé.
P/1 – Aí, agora, na casa da senhora tá morando o esposo da senhora e tem algum filho que mora com a senhora?
R – Tem um filho que casou e, aí, não deu certo o casamento dele.
Aí, ele saiu e ele mora comigo e ele arranjou uma moça que ele tá junto com ela mas ela mora no Garrote e ele é o piscineiro do Icaraí, ele quem cuida da água no Icaraí é ele.
Aí, ele passa a semana mais eu e no fim de semana vai pra lá.
É o mais velho.
P/1 – E a senhora, então, faz o café da manhã também pra ele?
R – É pra ele, então.
P/1 – Aí, a senhora prepara o almoço, logo de manhã.
Aí, depois, o quê que a senhora faz, assim?
R – Aí eu vou trabalhar na minha máquina.
P/1 – A senhora já fica costurando, então?
R – Fico costurando.
P/1 – A senhora aperta, então, as roupas lá dos trabalhadores do.
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R – Vem de todo canto, de todo canto vem reforma pra mim.
Sempre tem uma roupa pra reformar, botar um botão, tudo isso eu faço.
Eu costuro também e corto também.
P/1 – Então, a senhora trabalha pra fora?
R – Trabalho.
P/1 – Ah, a senhora trabalha então a senhora tem uma renda com a costura da senhora?
R – Tenho.
Tenho, se eu fosse juntar, é que eu sou meio estragada, sabe? Dinheiro comigo é ter, gastou.
P/1 – Ah, é? A senhora gosta de comprar, então?
R – Gosto de comprar, chega uma pessoa na minha casa e “dona Ozélia, me arranja tanto” assim, eu arranjo se eu tiver, eu empresto.
Eu sou assim.
P/1 – E o marido da senhora ele recebe algum tipo de aposentadoria?
R – Ele é aposentado.
P/1 – Então, a renda de vocês é a aposentadoria do marido da senhora e a costura, o trabalho da senhora?
R – É, as duas rendas que nós tem, as nossa aposentadoria e às vezes que nós tem umas costurinhas pelo menos.
P/1 – E, dona Ozélia, vocês têm gasto aqui com luz, com água? Vocês pagam?
R – Paga.
Aqui paga luz e paga água.
P/1 – Vocês sempre tiveram energia aqui?
R – Não.
P/1 – Quando que chegou a energia elétrica aqui?
R – Tá pra uns 20 anos.
P/1 – E como que foi essa mudança da energia elétrica? Antes não tinha.
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R – Tu sabe de uma coisa? Eu batalhei sabe quantos anos por essa luz? Seis anos.
Pedindo a um, pedindo a outro, pedindo pra ajudar a um, pra ajudar a outro, até que um belo dia chegou.
P/1 – A senhora lembra o dia que chegou?
R – Não lembro, não.
P/1 – Não, mas a senhora lembra a situação, quando chegou a energia, como mudou a vida de vocês?
R – Ah, mudou, porque aqui era tudo escuro, de noite era muito escuro.
P/1 – E como vocês faziam, assim? Vocês tinham gerador, alguma coisa assim?
R – Não, era lamparina.
Era lamparina de gás, com gás.
Comprava aquelas lamparinazinhas de lata e, aí, a gente botava, comprava já feito, comprava só gás e, aí, usava
P/1 –Não tinha televisão, então, antes?
R – A primeira televisão que entrou aqui foi lá em casa.
P/1 – Foi?
R – Foi.
Ele foi trabalhar em Fortaleza, que ele era mestre de obra.
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P/1 – O seu José?
R – O meu esposo, era.
Aí, quando foi um dia, ele chegou lá em casa, não era nem nove horas da noite que ele veio, um dia de quarta feira, veio em casa, ver como é que tava as crianças.
Quando chegou em casa, faltava três dos meninos “cadê os meninos?” “Zé, ele foram assistir a novela”, que tava passando a novela do Jerônimo, lá do outro lado, longe, era longe daqui pra lá.
Eles foram, eles três.
Vixi, ele ficou muito chateado, porque chegou os meninos não tavam em casa.
Aí, ele dormiu e os meninos não chegaram.
Quando os meninos chegaram, eu abri a porta bem devagarinho, pra ele não ver, os meninos entraram, aí chegou a hora dele sair – que ele ia de pé pra Caucaia nesse tempo – quando ele acordou quatro horas os meninos tavam dormindo e ele não viu.
Tu acredita que quando foi de noite ele não veio deixar a televisão pros meninos não mais sair?
P/1 – Como que ele fez? Ele comprou lá, então?
R – Comprou, nesse tempo à bateria.
Ele comprou a televisão e veio deixar pros meninos e contratou um senhor pra quando a bateria secar, eles encher.
Sabe onde eles encheram? Pra lá da Caucaia.
P/1 – Nossa.
E demorava quanto tempo a bateria?
R – Menina, num instante ele secava.
P/1 – Se um dia você assistisse uma hora de televisão já secava?
R – Não.
Mas passava, assim, três dia, quatro dia, pra pode secar.
P/1 – E a senhora lembra quando a senhora viu a televisão pela primeira vez?
R – Olhe, fiquei tão satisfeita, fiquei tão feliz e lá em casa enchia de gente pra assistir as novelas de noite.
P/1 – E a senhora lembra dos programas que a senhora gostava quando chegou a televisão?
R – Só gostava das novelas.
P/1 – Só das novelas?
R – Só das novelas.
P/1 – A senhora lembra alguma que marcou a senhora?
R – Não lembro, não.
P/1 – Porque a senhora conversou que os filhos das senhora foram assistir aquela novela do Jerônimo, que era Irmãos Coragem, eu acho.
R – Sim, era.
Não era essa, é a que passava na televisão.
P/1 – E a senhora acompanhava sempre as novelas, então?
R – Acompanhava, não perdia nenhuma.
Aí, de noite ia tanta gente lá pra casa, assistir a novela.
P/1 – E a senhora gostava dessas pessoas que chegavam todo mundo lá?
R – Gostava, gostava.
A gente ficava mais animado.
P/1 – E, dona Ozélia, falando agora da transformação que ocorreu aqui, na região, com a companhia siderúrgica do Pecem, com a obra do porto.
Houve alguma mudança aqui, na comunidade?
R – Houve, sim, porque tinha muito jovem desempregado, e agora são tudo empregado lá, pelo menos na minha família uns quatro.
P/1 – Uns quatro que estão trabalho lá na obra? Uns quatro que tão trabalhando lá, na construção?
R – Tem um que tá trabalhando dentro do mar.
Um neto meu tá trabalhando dentro do mar.
P/1 – E, assim, qual a impressão da senhora da vinda da obra? Tem pessoas da família da senhora trabalhando lá?
R – Estão trabalhando, tem bem uns três ou quatro que trabalha.
P/1 – E outras pessoas aqui da comunidade, assim?
R – As outras pessoas da comunidade trabalham em construção, Fortaleza, Caucaia.
Eles vão e vem todo dia.
P/1 – Agora, a mudança maior, então, foi o emprego que trouxe?
R – Foi o emprego, foi o emprego que trouxe.
Aí, tem um ônibus que vem buscar e vem deixar, deixa bem ali no portão, os meninos que trabalham, todo dia.
P/1 – A senhora lembra quando surgiu essa ideia de construção do porto?
R – Me lembro, não.
P/1 – Mas como a senhora ouviu falar da história da construção do porto?
R – Ai, na televisão, no rádio, que falava.
Passava na televisão o pessoal começando o trabalho.
Não teve de ver, não? Passou na televisão o começo do trabalho de lá, a gente via na hora do jornal.
P/1 – E qual foi o primeiro parente da senhora que foi empregado?
R – Pera aí, vamo ver se eu sei.
P/1 – Foi um neto da senhora?
R – Foi.
.
.
Sabe quem foi? Foi o marido daquela buchudinha.
P/1 – Em quê que ele foi trabalhar lá?
R – Não sei.
Eu sei que ele foi trabalhar lá.
Olha a ovelha como vem pra cá (barulho de ovelha ao fundo, risos, interrupção).
(.
.
.
) não sei quantos anos ela fez, foi uma festona aqui, foi uma festa.
P/1 – Só retomando a nossa conversa sobre a construção do porto.
A senhora tava falando que a mudança que trouxe pra senhora.
.
.
R – Pra mim foi o trabalho.
P/1 – O trabalho?
R – Que tinha muita gente desempregada e, agora, tem muita gente empregada, tanto daqui de perto, mais de longe, que não tinha.
Primeiro o ônibus passa ali cheinho deles, ele sai pegando as pessoas, sabe? Foi bom por isso, que surgiu emprego.
P/1 – E, dona Ozélia, hoje, pensando em como tá a comunidade, que a senhora viveu, a senhora nasceu aqui.
Sempre morou aqui.
Quais seriam as principais transformações do sítio? O quê que a senhora vem em mente na cabeça da senhora, quando a senhora pensa: “nossa, como mudou hoje”? A senhora pode comentar pra gente?
R – Ah, sim.
Mudou, assim, porque era só nós e agora tem muita gente.
Mudou assim, nesse sentido, porque só era nós, as coisas era mais difícil, agora é mais fácil.
P/1 – E o quê que é mais fácil hoje, aqui?
R – Porque no meu tempo a gente ia fazer compra na Caucaia, como eu te disse.
Agora não é.
Não faz compra na Caucaia, tem bem pertinho, tem a minha cunhada ali que tem uma mercearia, a Francisquinha, que mora bem ali; tem outra senhora lá no portão com mercearia, tudo o que a gente quiser, tem.
P/1 – E ela vende tudo? Comida, então?
R – Negócio de comida a gente compra no Icaraí, carne, peixe, essas coisas.
Mas o resto por aqui tudo tem e antigamente não tinha.
P/1 – Mas a senhor, então, sai daqui pra comprar coisas em Icaraí?
R – O meu esposo ele vai pra Caucaia.
E tem um dos meus meninos, que casou, com a moça que ele endireitou dum colégio, lá do Guariju, ele vem pegar o pai dele aqui pra ir pra Caucaia, fazer as compras.
P/1 – A senhora não vai também?
R – Eu não, não vou, não, porque de primeiro quem ia era eu.
Quem ia era eu, por muitos anos eu fui.
Agora, eu digo “você é quem vai”.
P/1 – Por quê? A senhora não gosta de ir pra Caucaia?
R – Eu não gosto, não, ele não gosta de me levar, não, porque ele diz que eu gasto o dinheiro todinho.
Ele não gosta, não (risos).
P/1 – E a senhora gasta com que?
R – Com besteira.
P/1 – Ah, é? Tipo o que?
R – Nossa, por exemplo, eu entro num mercadinho eu não vou perguntar que preço é, vou pegando, vou despejando, quando vai pagar voa o dinheiro (risos).
E ele sabe escolher o mais barato, o mais caro (risos).
P/1 – Tá certo.
R – Eu não escolho, não.
Vou pegando e vou botando, não quero nem saber da pancada (risos).
P/1 – E, depois, como que a senhora faz pra pagar? A senhora leva dinheiro ou leva cartão?
R – Tenho que ir prevenida, não gosto de cartão.
P/1 – A senhora já teve cartão?
R – Nunca tive e nem tenho vontade de ter.
P/1 – Então, a senhora leva tudo dinheiro com a senhora?
R – Eu gosto, minha conversa é da cara limpa, eu gosto é tudo dinheiro, gosto do meu dinheiro.
P/1 – Paga é à vista, então?
R – É.
P/1 – A senhora já recebeu algum benefício social do Governo Federal?
R – Não.
P/1 – Algum tipo de Bolsa Família?
R – Não, eu não tenho Bolsa Família.
Quem tem é as minhas meninas, tudo tem.
Eu não tenho, não.
P/1 – Então, o dinheiro vem do trabalho que a senhora faz?
R – Tenho o dinheiro que eu trabalho.
P/1 – E a senhora tem muito trabalho hoje?
R – Eu vou ajeitar duas roupas dos meninos, que pra entregar sabe que hora é? Entregar onze e meia.
P/1 – Ainda falta a senhora terminar?
R – Falta.
P/1 – Então, daqui há pouco a gente tá terminando já a entrevista.
R – Então vamo que eu quero trabalhar (risos).
P/1 – Tá certo.
Ganhar um dinheirinho.
R – Ganhar um dinheirinho.
Aí, o pessoal sabe que eu tenho dinheiro aqui “o, tia Dedé, me empresta cem, tia Dedé?” “Eu empresto cem por 120”.
P/1 – Ah, a senhora cobra juros, então?
R – Eu cobro, que assim eu vou ganhar o quê?
P/1 – Tá certo.
R – Só pra tirar um dinheiro de um canto pra botar no outro (risos)?
P/1 – E a senhora empresta muito dinheiro?
R – Eu não empresto, não, porque eu não tenho mas se eu tivesse eu emprestava.
Só empresto mais pros meus meninos quando eles estão precisando.
Sabe quando que eu empresto muito dinheiro pra eles lá em casa? Pra eles jogarem no baralho de noite, lá é casa é uma graça de noite.
P/1 – Ah, vocês jogam baralho?
R – É o meu esposo que joga mais os meninos, mais os filhos.
P/1 – Eles apostam?
R – Apostam não, é só é brincando mesmo.
Mas é apostado, é à dinheiro.
P/1 – E a senhora joga baralho também ou não?
R – Eu não jogo, não, que pode perder aí eu fico doida de raiva, aí eu não vou (risos).
P/1 – Dona Ozélia, e os filhos da senhora todos moram aqui, no sítio?
R – Todos moram no sítio, só não mora esse que eu te falei, que mora no Guajiru.
P/1 – Ah, o restante todos moram aqui.
Inclusive eu vi que a senhora tem netos também aqui.
R – Tenho, mas menina, tenho!
P/1 – Então tá todo mundo morando aqui.
E como que é a questão da posse da terra, assim? Vocês têm o título da terra?
R – Tem, tem.
P/1 – E o título tá em nome da família, então?
R – Em nome da família, é.
P/1 – Então não tem briga.
R – Tem não.
P/1 – Não tem essa coisa de querer dividir?
R – Tu acredita que a minha família é grande e nós somos tudo unido? Onde na casa tiver faltando alguma coisa e na casa do outro tiver, é o mesmo que você ter.
P/1 – E dona Ozélia, a senhora falou que os filhos da senhora, a família toda unida e vocês têm algum tipo de festa da família ou festa daqui, ligada à capela São Francisco, que vocês se reúnem?
R – Ah, nós tem uma festa bonita, em Outubro.
P/1 – Qual festa?
R – São Francisco.
P/1 – Então como que é essa festa?
R – É a novena.
Assim, na novena, na época da novena.
.
.
P/1 – Que horas que é a novena?
R – A novena é sete horas.
Nós tem a novena aí.
.
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P/1 – Sete horas da noite?
R – É.
Tem a novena.
Aí, na época da novena, a gente manda o convite pras outras comunidades que têm igreja.
Aí, vem, as outras comunidades vem pra nossa igreja, rezar junto com a gente, toda noite vem uma comunidade.
Ah, no dia do São Francisco tem uma procissão muito bonita, rondeia o terreno todinho.
P/1 – Quando é?
R – Tem a procissão, dia quatro que é o dia de São Francisco, aí tem a procissão.
P/1 – É dia quatro de qual mês?
R – De Outubro.
P/1 – Aí, vocês fazem a procissão qual horário?
R – É seis horas.
P/1 – Seis horas da tarde?
R – Seis horas da tarde.
P/1 – Aí, vocês levam a imagem?
R – Leva a imagem, tem anjo.
P/1 – Quem são os anjos?
R – Os anjos são as criancinhas mais pequenas da família.
Quem tem na família, pequenininha, assim, ó.
P/1 – Uhum.
Aí, segue a imagem, os anjos?
R – A imagem vai na frente, o pessoal vai atrás.
Tem os músicos, os músicos da Caucaia vem pra procissão.
P/1 – Ah, é? E esses músicos são de alguma igreja?
R – Da matriz.
P/1 – Da matriz?
R – Da matriz da Caucaia, é.
P/1 – E, assim, a senhora participa sempre dessa.
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.
R – Toda noite eu venho.
P/1 – Tem algum canto que a senhora lembra, da procissão?
R – Tem o que?
P/1 – Algum canto, alguma oração da procissão?
R – Tem.
P/1 – A senhora lembra?
R – Tu quer que eu cante, é?
P/1 – Eu quero.
R – Mas minha Nossa Senhora repare se eu vou cantar, mulher (risos)!
P/1 – Não, eu quero que a senhor amostre pra gente pra gente poder conhecer também, porque a gente não conhece.
Mas, se a senhora não quiser cantar.
.
.
R – Tem um cântico que diz assim “Abençoa, Senhor, as famílias, amém.
Abençoa, Senhor, a minha também”.
Esse aí é um cântico que a gente canta na procissão.
P/1 – Bonito.
R – Aí, tem o de São Francisco também.
P/1 – Qual é o de São Francisco?
R – Pera aí, deixa eu me lembrar.
“São Francisco das Chagas o teu nome, pai augusto de.
.
.
”.
Ai, errei.
P/1 – Canta de novo.
R – Não sei, não.
P/1 – A senhora não tá lembrada?
R – Ai, meu Deus, eu queria saber.
Hum, hum, hum (cantarolando).
P/1 – A senhora mostrou, quando a gente foi na casa da senhora, uma oração que a senhora gosta de ler.
R – É, ler.
.
.
Uma oração.
Tu leu também?
P/1 – É, li.
A senhora tem esse hábito de fazer uma oração pela manhã?
R – Toda noite eu leio uma oração, eu gosto de ler.
De manhã, quando eu me acordo, eu leio aquela mas de noite eu rezo o Padre Nosso.
Eu gosto de rezar, eu ofereço pros meus filhos, pra minha família.
P/1 – E a senhora tem um altar da senhora na.
.
.
R – Tenho.
Eu tenho aquele e tenho um no meu quarto também.
P/1 – A senhora é devota em algum santo?
R – De Santa Edwiges.
P/1 – Por que a senhora é devota de Santa Edwiges?
R – Não sei, é uma coisa minha mesmo, de Santa Edwiges.
Mas tem muito santo que eu gosto, tem Santa Edwiges, São Francisco.
Eu gosto.
P/1 – E, dona Ozélia, a senhora tava comentando, assim, que a senhora estudou aqui perto?
R – Não era muito perto, não, era bem longe.
P/1 – É, era longe.
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R – Era longe que pra gente ir era assim, varando no mato, que não tinha o Icaraí nesse tempo.
P/1 – E a senhora só estudou lá ou estudou em outro lugar também?
R – Só estudei lá.
P/1 – E a senhora terminou até que série lá?
R – A quinta série eu fiz.
Mas os estudos de antigamente era muito diferente desses de hoje.
Esses de hoje, a pessoa tá na quinta série e sabe de muito e naquele tempo era só pra ler, escrever, fazer nome do pai, de mãe.
As professoras não era as professoras que era hoje.
P/1 – E ler, também, os cânticos?
R – E ler também os cânticos!
P/1 – E aqui, na capela São Francisco, tinha um padre, assim?
R – Tem um padre, tem o nosso padre?
P/1 – Qual é o nome dele?
R – É José.
P/1 – Seu José, então?
R – É.
Ele é quem celebra a missa nas terças feiras do mês nós temos a missa.
P/1 – E ele vem de onde, o padre?
R – Ele vem de Icaraí; ele mora em Icaraí.
P/1 – Ele mora no Icaraí?
R – Ele mora no Icaraí.
Icaraí que tem a matriz.
Aí, ele mora lá em Icaraí e ele vem pra cá.
P/1 – A senhora comentou dos evangélicos, que respeita, tal.
Mas, eles participam também? Tem muitos evangélicos aqui?
R – Aqui dentro não tem, não, eles vem de fora, pros arredores.
P/1 – Mas e aquela igreja que tem lá, assim? Não tem ninguém que more ali por perto, que.
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R – Tem a minha neta, a casa dela é pegada com a igreja.
P/1 – E ela é evangélica também?
R – Ela é.
P/1 – Mas ela.
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Assim, quando tem a procissão aqui eles não participam, então?
R – Participa, não.
P/1 – A senhora sabe por quê que ela é evangélica? Tem alguma história que é envolvida, assim?
R – Acho que é porque ela quis ir mesmo, que ela quis se arranjar com ele.
P/1 – O marido dela é evangélico também?
R – O marido dela também é.
P/1 – Tá certo.
A senhora tem mais alguém da família da senhora que é evangélico?
R – Tem só uma filha.
P/1 – E ela mora aqui?
R – Mora, mora bem pertinho da minha casa, aquela casa que fica assim, da minha casa.
P/1 – Ela é da mesma igreja?
R – Da mesma igreja, dali.
P/1 – Certo.
Agora, dona Ozélia, a gente tá encerrando aqui a nossa conversa.
A senhora sente falta, assim, do que foi esse lugar aqui, quando a senhora era mais jovem, do que hoje ou não? A senhora acha que.
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R – Eu sinto, sabe por quê? Porque no meu tempo era muito diferente desse de hoje.
No meu tempo era muito calmo, tudo muito limpo, hoje é tudo só amigo mas é diferente, eles saem.
Antigamente nós vivia tudo aqui dentro, agora é diferente, eles saem pra fora, dão cuidado, por isso que a gente acha mais diferente.
P/1 – E o “dão cuidado” é por quê? Por que tem mais violência?
R – Porque nesse Icaraí tem muita violência.
P/1 – Ah, é? E que tipo de violência? Assalto? Roubo?
R – Nossa, armado e assalto.
Por exemplo, meu filho mora lá no Grajiru, eu não vou lá porque tenho medo.
Tenho medo de me assaltarem no caminho.
Tenho medo, aí eu não vou.
P/1 – E aqui é calmo?
R – Aqui dentro?
P/1 – É.
R – Aqui dentro é, Graças a Deus.
P/1 – O problema é sair, então?
R – O problema é sair pro lado de fora.
P/1 – Uhum.
Mas, falando daqui, assim, como que a senhora vê as transformações? A senhora falou que cresceu bastante.
Tem uma escola aqui também?
R – De noite?
P/1 – Isso.
R – Tem, tem uma escola de noite, aí.
P/1 – E, assim, a senhora acha que essas mudanças boas, positivas?
R – Eu acho que é boa, porque antes não tinha.
Porque tem muita gente que estuda aí que não sabia nem fazer o nome e agora já sabe.
P/1 – E o que mais, assim, a senhora pensa? Os filhos estão crescendo, os netos também.
R – Eu to gostando mais negócio de estudo pra eles, é muito fácil, abraça o que eles queiram estudar.
Aí tem um curso, por duas horas, acho que é.
Desde meio dia pra cá tem um curso aí.
Tem muito jovem aprendendo aí.
Ainda aprende e ainda ganha dinheiro.
É oito real por dia que eles ganha pra estudar.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Hã.
E quem é que oferece esse curso? A senhora sabe quem é?
R – Não sei quem é, não.
P/1 – Então, os jovens daqui estudam aqui também?
R – Estudam.
Esse curso eles fazem aqui.
P/1 – E curso de que?
R – Tem muito curso aí, tem de Enfermagem, tem de pedreiro, tem muito curso aí.
P/1 – E, dona Ozélia, qual o sonho que a senhora tem hora?
R – Ah, meu Deus.
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O sonho que eu tenho hoje? Eu sou bem feliz, Graças a Deus.
Eu sou bem feliz, Graças a Deus, não tenho o que dizer da minha vida nem um pouco.
P/1 – Então a senhora não sonha com nada? A senhora se sente realizada, então?
R – Me sinto realizada.
P/1 – E a senhora pensa, assim.
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R – Ah, eu queria ser, sabe assim, ter muito dinheiro pra mim ajudar quem precisasse, só quem eu queria.
P/1 – Ah, é?
R – Era.
P/1 – Mas tem muita gente que tá precisando de dinheiro, assim, de ajuda da senhora?
R – Eu acho que essas pessoas, assim, eu acho que todo mundo tá precisando, a não ser uma pessoa bem rica.
P/1 – Mas, assim, o básico as pessoas têm aqui.
R – É.
P/1 – E o quê que pra senhora hoje é importante, assim, na vida da senhora?
R – É a minha família.
A minha família é muito importante pra mim.
P/1 – Tá certo.
Dona Ozélia, o quê que a senhora achou de ter contato um pouco a história da senhora?
R – Eu achei ótimo.
Achei ótimo.
P/1 – A senhora já foi entrevistada alguma vez?
R – Não, a primeira vez.
E eu querendo ir embora, mulher, terminar a minha costura.
P/1 – Ah, é?
R – É (risos).
P/1 – A gente acabou de terminar e eu gostaria de agradecer a entrevista da senhora, viu, dona Ozélia.
R – Quem agradece sou eu.
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