Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Luiz de Souza
Entrevistado por Gisele Rocha
São Bernardo do Campo, 09/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB07_Luiz de Souza
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Muito obrigada, senhor Luiz, por estar aqui dando a sua entrevista pra gente. Gostaria, pra começar, que você falasse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Luiz de Souza, moro em Maracaí, São Paulo, dois de novembro de 1955.
P/1 – Senhor Luiz, pra ir aquecendo a nossa história, eu vi que você nasceu numa outra cidade, Maracaí, né?
R – Em Maracaí.
P/1 – Você morou lá até quantos anos?
R – Olha, eu vim de lá com seis anos de idade. E eu vim direto pra São Bernardo.
P/1 – E antes de chegar a São Bernardo, o que você se lembra de Maracaí? Você lembra como era lá a cidade de sua infância?
R – Olha, porque lá é cidade turística. Não tem aquele Menino da Tábua? Não sei se você conhece, que é de lá. A história que o menino morreu, então tem uma história aí, sabe? Todo mundo vai lá visitar. A cidade é pequenininha, sabe? E eu morei numa cidade chamado Pau Queimado, uma vilinha. Então, quando você tem mais idade, não tem muita emoção, mas só sei que lá… Que a turma vai lá. Tem o menino que nasceu lá, morreu e lá a turma vai lá visitá-lo. Dizem que foi um bom menino, sabe? Isso que eu lembro. Porque faz tempo que eu não vou lá. Tenho tio que mora lá, não vou lá. Eu sempre tô viajando, às vezes eu vou lá. Mas é um lugar bom, é pequenininha a cidade. Eu gosto de lá. É pequeno, legal pra viver. Quando eu tô meio sem saco, eu vou pra lá, fico lá. Lá moram três primos lá, então eu vou pra lá. Porque lá eu sou bem recebido, todo mundo me quer bem, então eu vou.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho dez irmãos.
P/1 – Dez irmãos? E quando então você fez seis anos, você saiu?
R – Eu vim pra São Paulo. Eu morei em São Bernardo... Eu vim pra São Bernardo em 1964. São Bernardo. A gente era quatro irmãos. Quando eu cheguei pra cá, aqui não tinha nada, era mato, não tinha nada. Eu lembro que a gente morava em casa, ali na casinha, tinha que arrancar todos os tocos da casinha, porque... Nós éramos irmãos. Comecei a vir pra cá, não tinha nada, não tinha vida nenhuma. Essas ruas aí não tinham nada. A gente ir pra São Paulo, a dificuldade. Tinha um ônibus só pra ir pra São Paulo. Eu fiquei morando lá uns 15 anos, depois mudei de cidade, de bairro, mudei para o Jardim Farina. Foi indo, foi indo, aí também casei. Eu tenho 34 anos de casamento, tô casado até hoje. Trabalhei em várias firmas. Trabalhei em várias firmas. A última firma, eu fui vigilante. Aposentei em Minas Gerais, que eu fui morar pra lá. Eu fiz uma loucura aí, mas foi bom, porque eu consegui aposentar lá. E às vezes eu viajo, porque ficar em casa é meio estressante demais. Eu tenho quatro netos. Eu que olho o neto, desde pequeno, então às vezes eu passo nervoso, eu tenho problema de nervoso, eu sou estressado. Eu dou esporro, como se fosse gritar, entendeu? E a minha mulher, minha mulher calma demais, eu sou nervoso, qualquer coisinha eu já estouro. Às vezes o vizinho fala assim: “Nossa, o seu Luiz tá falando alto demais. O que aconteceu? É briga lá?”. Não é briga. É porque eu estresso, porque neto não dá pra olhar mais. A gente já tem uma idade que não dá pra olhar neto mais. Então, eu acho que os meus... Eu já trabalhei demais. Eu gosto de viajar. Eu gosto de viajar. Depois de velho, eu gosto de viajar. Eu não gostava. Porque a profissão minha é motorista, só que eu não fui seguir a carreira de motorista. Aí, depois de seis anos, aí eu comecei a viajar. Eu faço uns serviços extras assim, levo caminhão da Mercedes pra fora, eu ganho um dinheirinho por fora. Não é assim, pra ajudar. Pra ajudar, porque meu benefício dá pra me manter, manter minha mulher e meus filhos, eu não tenho enrolação. Foi bom, foi legal, porque eu saí da cidade, aposentei, porque aqui não consegui, fui. E é isso aí, entendeu?
P/1 – Deixe-me voltar um tiquinho. Seu Luiz, quando você e sua família, vocês vieram pra São Paulo, seu pai veio a trabalho? Foi por algum motivo ou...
R – Meu pai trabalhou na firma antes, uma tal de Mercantil, não sei se você lembra, na Anchieta. Ele trabalhava, nós éramos quatro irmãos, trabalhava na Mercantil. Nós viemos morar com meu tio, morar com meu tio de aluguel. Depois foi indo, foi indo, mudamos de casa.
P/1 – Então primeiro vocês moraram com o seu tio?
R – Com o meu tio. É. Na casa do me tio.
P/1 – Depois seu pai conseguiu...
R – Conseguiu um terreno, que não era bom, era cheio de eucaliptos, teve que trabalhar o dia pra arrancar. Mas foi devagarinho, crescendo, crescendo, até conseguir uma casinha. Mas foi em 1964, por aí, essa casa.
P/1 – E o senhor sempre morou, nessa época, na região de São Bernardo?
R – São Bernardo. Eu fui em 1998... 1998? Em 1988, eu fui pra Minas Gerais, Teófilo Otoni. Eu fui com... Fomos eu e meus filhos, certo? Porque eu trabalhava e eu fui seguir outra vida. Quer dizer, foi bom e foi ruim, porque a cidadezinha lá é pequenininha, não tem muito serviço. Eu fui pra lá. Fiquei seis meses lá, voltei pra São Paulo. Voltei de volta. Também novo, aí minha vida começou a ficar, eu fui pra Teófilo até conseguir levantar. Depois de cinco anos, comecei a levantar a minha vida. Porque minha vida tava... Sabe? Eu fiz uma loucura. Eu tinha tudinho, meus móveis, vendi tudinho pra ir embora pra lá. Cheguei lá, fiquei seis meses lá, corri, fui à Bahia, não tinha serviço, não tinha serviço nenhum, fiquei lá. Aí, voltei pra São Paulo. Aí, comecei de novo. Comecei devagarinho até subir. E devo a Deus onde estou hoje, porque lutei muito. Porque caí e levantei de novo, fui levantando. Porque tinha três filhos, é ruim demais. Digo graças a Deus porque eu levantei, consegui o meu objetivo, que eu queria me aposentar, consegui, entendeu? Eu fiz loucura, fui pra Atibaia, fui pra Contagem. Não sei se eu fui certo ou não, mas num ponto foi bom, porque eu consegui me aposentar lá. Isso aí.
P/1 – Seu Luiz, pra gente entender onde o seu mora agora, eu vou ainda voltar. Quando o senhor voltou de Minas Gerais, então, o senhor já tava casado...
R – Casado.
P/1 – Já tinha filhos.
R – Eu casei foi em 1969. Tô até hoje. Com a mesma mulher até hoje. Em vez que ninguém tá aí, eu tô até hoje. Sério mesmo. Eu falo mesmo. A turma fala assim: “Nossa, Luiz, tá até hoje?”. Vai fazer 34 anos de casado agora.
P/1 – Você lembra o ano que você voltou de Minas?
R – Voltei no mesmo ano, foi em 1998. 1988. 1988. Em 1988, eu voltei.
P/1 – E o senhor veio pra que lugar de São Paulo?
R – Eu vim sozinho primeiro. Deixei os filhos lá, vim sozinho, vim pra São Bernardo. Eu trabalhei de caseiro, trabalhei quatro anos de caseiro pra manter. Naquele tempo lá, era dinheiro URV. Você lembra, né, URV? Então, eu ganhava o dinheiro lá, aí eu consegui ficar lá morando lá. Eram três irmãos, trabalhei quatro anos lá nesse sítio. Aí, consegui uma casinha pra morar. Aí começaram a vir meus filhos, veio um, vieram dois, voltou de novo. Aí, comecei de novo, comecei de baixo. Primeiro, caseiro, aí foi subindo devagarinho, entendeu?
P/1 – Sua esposa veio, seus filhos.
R – Veio também, os filhos vieram, aí eu comecei tudo de novo.
P/1 – Vocês moravam nesse sítio, nessa casa que o senhor cuidava?
R – Nesse sítio? Não. Eu morava com a irmã dela, depois eu fui pra casa do sítio. Morei seis anos, porque são três irmãos.
P/1 – E o sítio era aqui na região de São Bernardo?
R – É. São Bernardo. É.
P/1 – E depois que vocês moraram no sítio, pra onde vocês foram?
R – Depois do sítio, eu fui morar em casa de aluguel também com a minha irmã. Tudo de aluguel, nada de graça, foi tudo de pagar aluguel. Com a minha irmã. Morei seis anos lá, aí eu consegui comprar uma casinha lá para o lado do Colina. Comprei uma casinha lá, fui morar lá. Fiquei lá um tempão. Aí, eu cismei de trabalhar, mexer com sítio de novo, fui pra Atibaia. Fui em fevereiro até o mês oito, Carnaval. Fiquei seis meses lá, voltei, aí a irmã dela queria ir embora pra Contagem, minha mãe foi também. Eu falei: “Eu vou, porque não pode deixar”. Eu fui morar em Contagem, onde eu aposentei. Consegui aposentar lá.
P/1 – Então o senhor viajou bastante.
R – Bastante. É. Porque eu não sei se foi uma... Porque um fala assim: “Você quebrou a cabeça, você fez coisa errada”. Mas não, eu tive que arriscar. Eu parecia cigano, fui pra vários lugar, mas eu fui na intenção de melhorar. Certo? Porque eu não tinha apoio de ninguém, de família nenhuma, era eu sozinho, e eu meus filhos. Então eu fiz essa loucura, viajei, fui embora, mudei, voltei de novo. É isso aí.
P/1 - Essa ida de vocês pra Contagem, quando vocês saíram de lá, vocês vieram pra São Bernardo de novo?
R – Eu morei em Contagem, eu fui pra lá em 2008, fui em abril de 2008, certo? Só que eu fui morar lá, a minha mulher veio pra São Paulo e não voltou pra lá mais. Não voltou pra lá mais. Eu fiquei sozinho lá. Morávamos eu e a irmã dela. Aí, tinha uma firma lá, eu peguei, tinha uma firma lá, firma de terceirizado, eu trabalhei lá. Depois eu comecei... Começou mexer com o INPS, eu aposentei lá. Eu fiquei três anos morando lá. Três anos em Contagem, pra conseguir... Eu vim pra São Paulo e ia lá, ia e voltava. Porque lá, eu ficava dois dias lá e seis meses aqui em São Paulo. Até que eu consegui aposentar, foi graças a Deus aí, porque eu queria aposentar, porque eu já trabalhei muito tempo já. Então, foi isso aí.
P/1 – Quando você estava em Contagem, onde sua esposa morava aqui em...
R – Morava pra cá. Veio pra cá e não voltou pra lá mais. Morava em São Bernardo.
P/1 – Aqui nesse bairro?
R – Veio para casa dos filhos, me deixou sozinho lá em Contagem com a irmã dela lá. Entendeu? E eu tive que ficar lá, porque eu trabalhava. Depois precisei afastar, aí comecei a vir para São Paulo mais vezes. Mas eu tenho vontade de ir lá. É uma delícia lá. Foi onde eu consegui. Foram dois anos lutando pra aposentar.
P/1 – Mas vamos falar um pouquinho agora antes da sua chegada aqui no conjunto habitacional, no condomínio. Como aconteceu? Como o senhor ficou sabendo?
R – Eu morei em favela, certo? Então nós, a gente tava lá, a gente teve que sair de lá, porque lá saiu. Então, a gente pagou aluguel dois anos, que mandavam 300 paus pra pagar aluguel até conseguir... Pagamos dois anos o aluguel, 300 paus, aí a prefeitura foi e fez o apartamento aqui. Que a gente esperava que não ia sair. Porque tava nessa aí. Porque nós demoramos pouco tempo, sabe? Tem um pessoal que ficou dez anos aí pra conseguir um predinho aqui. O meu foi rapidinho, dois anos só e eu consegui o predinho. Eu consegui morar aí hoje, tô aí até hoje. Meu não, é da mulher, porque tá no nome dela. Mas a gente lutou muito. Que a gente estava morando em risco, viver em risco é ruim. Aí, também viemos pra cá.
P/1 – Qual favela? Qual o nome dela?
R – Jardim Colina. Lá perto do Cemitério Colina.
P/1 – E vocês tiveram que sair dela por conta das enchentes?
R – Pelas enchentes, também pra... Enchente também e iam tirar morador. Quer dizer, tirou, acabou. Porque lá agora virou prédio. Porque lá moravam 160 famílias.
P/1 – Quantas?
R – Cento e sessenta famílias. Cento e sessenta. Tanto é que cem vieram pra cá. Não, 60 vieram pra cá, ficaram cem lá. Cem famílias lá. Dos cem que ficaram lá, conseguiram a casinha lá. Que lá não conseguiram vir pra cá. Aqui é bom, sabe, é pertinho, gostoso morar aqui, sabe? Não é ruim, não. E ficaram cem famílias lá. E a gente pagou aluguel, dois anos de aluguel, conseguimos aqui, estamos até hoje. Dois anos vai fazer que eu to aqui já.
P/1 – E lá nessa época, o senhor tem alguma história que você se lembra de algum caso ou de algum fato ou muito triste, ou muito alegre, ou muito engraçado?
R – Eu lembro que morei de aluguel, fui pra lá, morar em favela. Eu tenho uma firma lá, eu fiz acordo lá com a firma, fiz acordo pra comprar a casinha, casinha meio assim, foi quatro mil que eu paguei. E tinha um rio que enchia. Enchia, sabe? Tinha um homem lá, pegava cobra pra mostrar pra prefeitura, foto. Porque eu lá era responsável pela favela, me puseram pra responsável, entendeu? Administrava a favela, sabe? Então, tudo que vinha lá era eu. E tinha um rio lá, até saiu no jornal, no jornal lá, na foto lá, eu e o... Acho que foi o... Saiu lá. “Luiz, vem cá.” Tinha só eu no meio da favela, não tinha mais ninguém morador. Aí falou assim: “Tira foto do rio lá”. Falou assim: “Luiz, tem que ser você, porque não tem mais ninguém pra ser”. Eu peguei e fui. Enchia, era horrível, rato. O cemitério lá na Colina, eles queimam, sabe? Quando queima, barata, tudo vai pra casa dos outros. Porque quando queima assim, é mau cheiro do rio, barata, tudo vai pra casa dos outros. Diz que lá é horrível. Eu morei lá porque não tinha mais lugar pra eu ir, mas quando queimava coisa lá, a gente passava mal. Mau cheiro.
P/1 – Como é? Queimava como?
R – Queimava os corpos. E tinha um rio que corria, sabe? E descia tudo para o rio. E o rio, tinha um rio assim, quando enchia, vinha pneu, tudo. Quando enchia lá, antes de piscinão lá do Farina, não tinha piscinão, então enchia. Enchia as casas tudinho, sabe? Aí, quando queimavam os corpos era o mau cheiro. Vinha muito do cemitério. E juntava inseto. Inseto passava tudinho. A gente morava lá, mas não era bom.
P/1 – O senhor sabe o nome desse rio?
R – Não sei. Eu vi porque era um rio que... Acho que era rio Saracantan. Tinha um rio que vinha de Santo André, cortava numa favelinha, saía na prefeitura. Porque lá, tinha um rio lá, corria e não tinha o piscinão antes, agora fizeram, encheu. Então, quando enchia, essas casinhas de lá enchiam de água. Eu lembro que quando fazia... Tinha rato, tudo tinha lá. Era pra mostrar pra prefeitura, tirar foto, não tinha nada. Jurou pra nós que nós sairíamos de lá logo, não saímos, veio… E, rapaz, tudinho. A gente lutou, lutei até sair lá. Fui para o aluguel e tô aqui hoje. Mas o lugar mais ruim que eu morei foi lá. Péssimo mesmo.
P/1 – E quando o senhor chegou ao apartamento novo, depois disso tudo que você contou, o que você sentiu na hora que você viu o apartamento?
R – Olha, porque a gente tava lutando por isso aí. Porque a gente não tinha escolha, sabe? Porque a gente tava no aluguel, a prefeitura ia cortar o aluguel nosso, não ia pagar mais, então o jeito era vir pra cá. E a gente mora aí, lá do Colina são 60 famílias só, o resto tudo misturou. Porque nós... Misturou. Então nós mudamos pra lá, a prefeitura entrega tudo no chão, cru, tem que ser reformado, tudinho, mas é tudo no grosso. Melhor que aluguel, né? Que a gente pagava aluguel, ia ter que pagar aluguel depois, porque a prefeitura ia cortar nosso aluguel. Então, em vim pra aí, foi bom. Eu gostei daí, porque é melhor, pertinho, então eu gostei. Não é meu ainda, mas um dia vai ser meu ainda, se Deus quiser. Eu quero que seja meu, porque eu quero comprar. Eu vou comprar, certo? Porque vai ter uma hora que vai vender, então a gente tem isso aí. E lá, eu sou síndico geral lá desde 2012, 2011 que eu sou síndico de lá, até hoje, tô até hoje. Porque lá tudo é responsável. E lá onde eu moro são 16 síndicos, só que a maioria tudo saiu fora, entendeu? Ninguém quer ficar, porque não ganha nada. É muita responsabilidade, entendeu? Sai muita decepção, sabe? Eu tô até hoje pra ajudar, porque não tem ninguém pra ficar.
P/1 – Você me contou lá fora, seu Luiz, o que você faz como síndico? O que você cuida? Explica pra gente.
R – Quando é assim, eu mexia com dinheiro. Porque antes disso aí, a gente cobrava a água, a água vinha 15 reais, eu recebia o dinheiro da água, passava para o outro bloco pra pagar. Porque tinham outros responsáveis. O bloco, às vezes dá mil e 800 de valor, certo? Pra dividir. Então, tem pessoas pra pagar. Então eu recebia o dinheiro, cobrava tudinho. Depois eu fiquei responsável pra tudo, porque lá tudo sou eu: luz, tudo. Queimava, então eu ia lá mexer. Agora não, porque eu parei, mas antes eu mexia, tudo era eu que mexia: era luz queimada, eu tinha que mexer, dentro de casa eu mexia. Eu falei assim: “Olha, a partir de hoje, vocês se virem, eu só mexo fora só”. Porque não tem só eu, tem a casa dos outros pra mexer, é feio, é horrível. Então, eu falei assim: “A partir de hoje, cada um se vira aí, não vou mais”. Porque uma vez eu fui ajudar uma pessoa, acabei complicando minha vida, porque a mulher tava em casa e o cara não gostou. Então, eu nunca mais fiz. Então, eu falei assim: “Olha, a partir de hoje, cada um cuida da sua vida. Quebrou a lâmpada aí? Troca, se vira, não me chame”. A prefeitura falou que agora, a partir de agora somos nós que vamos ter que nos virar, então, aí eu não mexo mais nada. Eu sou síndico, mas só pra coisa de emergência só.
P/1 – E é o senhor que cobra...
R – Não. Quem cobra é outra mulher.
P/1 – É outra moça.
R – É outra síndica. Que não vem na reunião, só venho eu, porque ela não vem. O pessoal confia mais em mim que nela, porque ela mexe com dinheiro, sabe? E tem o fundo de caixa lá que ela deixa lá. Ela falou que quer por câmera, sensor no prédio, mas não é assim também, tem que juntar dinheiro, porque é caro. Então de 50 reais que ela arrecada lá, ela paga a água e a faxina, e o que sobra vai para o fundo de caixa. Só que acontece que ela quer usar o dinheiro, ela quer melhoria, mas não tem dinheiro, e acha que isso aí é errado. E a mulher quer sair fora. Eu falei assim: “Olha, quando você for sair fora, você procura pagar tudo que tem que pagar, não fazer que nem...”. Então, ela falou que quer sair. E o pessoal não quer que eu saia. Eu falei: “Olha, eu não saio, mas eu viajo, tudo”. Porque ali tá tudo certinho, tá tudo ok. Às vezes é coisinha à toa, coisinha pouquinha, daí eles mesmos fazem. Então, eu faço o que eu posso, porque não dá pra mexer tudinho. Porque lá tem coisa lá que é pra arrumar, eu arrumo. mas não vou obrigar ninguém, nem fazer obrigado, nem falar de mim. Às vezes vem aqui: “Entupiu lá”, eu vou desentupir, mas não tenho obrigado depois, ninguém fala nada. Eu faço o favor, mas ninguém agradece.
P/1 – Seu Luiz, pensando em tudo que o senhor já viveu, você consegue enxergar quais as mudanças, depois que você mudou para o conjunto, se existe alguma? O que mudou na sua vida?
R – Olha, eu tenho três filhos. Eu, quando eu mudei, eu tenho uma filha que não sai do meu pé. Eu vim morar pra cá, ela veio mais eu. Ela tem duas filhas. Vou falar pra você, eu passei muito apertado, mudei, foi melhor, porque às vezes ia morar num lugar ruim, horrível, cheiro ruim. Pra mim foi melhoria, porque eu mudei, um dia vai ser meu, é novo. Não tem nada de… Foi melhor pra nós. A minha mulher... É dela, mas tudo bem. Mas espero que um dia seja nosso. É isso aí. Foi melhor, porque viver no meio do rato lá não dá mais. Não dá, não. Porque eu trabalhei muito tempo, aposentei, graças a Deus, eu queria isso aí só. Eu sou um cara viajante, meu filho me chama de louco, porque eu só viajo. Uma vez eu vou para o Paraguai, entendeu? Viajo sozinho. Porque você viaja dez dias na estrada sozinho. Porque eu dirijo caminhão também, sabe? Então, é muita responsabilidade, me chamam de louco. Meus irmãos nem sabem que eu viajo. Minha mãe fica doida. Eu tenho um amigo meu que tem carro, não conhece nenhuma BR. E eu conheço muitas. Então, graças a Deus lutei, tô aí, tô melhor. Antes eu tava ruim, mas to melhor agora, tô muito satisfeito. Foi melhor.
P/1 – Que bom, seu Luiz. Você acha que tem mais alguma coisa pra contar da moradia ou que a gente não perguntou?
R – Não, eu... Porque, olha, eu tô aí, certo? Também um dia eu posso... Porque meu sonho é mudar daí. Não agora, sabe? Porque aí, minha filha mora aí, vai ficar aí. Então, vamos supor, meu sonho é mudar para o Mato Grosso. Eu tenho ideia que lá é muito bom. Eu vou lá, quando eu vou lá, eu fico doidinho lá. Não sei, talvez um dia, quem sabe um dia eu vou pra lá. Meu sonho é mudar daqui. Porque São Paulo, pra mim já acabou São Paulo, porque eu já fiz o que eu tinha que fazer, não tenho mais nada pra fazer aqui. Eu tô velho, então quero fora. Eu gosto muito do interior, gosto de mexer com planta, jardim, eu adoro muito isso aí.
P/1 – Legal, seu Luiz. O que você achou de contar sua história?
R – Achei legal. Gostei, porque a história da gente é bom pra gente contar, porque tá aqui, tem soltar. Porque às vezes não tem uma pessoa pra conversar. Eu só tenho uma pessoa só. Minha mãe tá bem velhinha, ela não tem muita doença, mas meu pai é melhor, tem dia, sabe… Então, sempre é bom desabafar. Porque às vezes tem coisa que tá aqui entalado. Às vezes, vamos supor, você é ruim em casa, bom fora, mas não é, por quê? Porque em casa é diferente de fora. Minha filha assim: “É, o pai viaja, volta... Viaja normal, quando chega, fica nervoso em casa, por quê?”. Aqui em casa é problema, problema, problema, e só eu resolvo. Tem filho meu, com 30 anos de idade, que eu resolvo o problema dele. Pô, não é pra resolver. Já fiz muito já, já trabalhei muito já, porque eu vou lutar para o dos outros? Se vira, se vira. Mas não, eu sou muito bom. Eu sou bom. Eu não sei falar “não” pra ninguém, é sim, sim, sim. Sério mesmo. Se você precisar assim: “Luiz, faça um favor”. Eu faço o favor, certo? O problema é que eu sou um pouco nervoso. Eu sou estressado. Que fica em casa, dentro de casa, não tem nada pra fazer: televisão ou dormir. E neto perturbando você, não dá, né? Você vai falar um “A” pra filha, a filha acha ruim, o vô não tem voz ativa para o neto, então... Mas o resto tá tudo bem. Eu estou satisfeito com a minha vida, por estar aqui hoje. Eu to com 57 anos já, espero viver muitos anos, porque eu sou calmo. Agora, quando eu viajo, eu “desestresso” tudinho. Porque ficar em casa não dá, eu tenho que viajar. Já fiz muitas loucuras por aí pelo Brasil. Passei muitos dias já na estrada. E eu não tenho medo, não. Viajar, eu viajo mesmo. Chega de trabalhar. Chega. Agora é só passear.
P/1 – Tá bom, né?
R – Tá bom?
P/1 – Ah, seu Luiz, obrigada por ter contato a sua história.
R – Tá bom? Tá bom.
FINAL DA ENTREVISTA
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