Versos do Afeto
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Debruço-me sobre Versos do Afeto, organizado por Brenda Braga e Morgana Lima, com uma frase de García Lorca à mão: “A poesia é a união de duas palavras que ninguém poderia supor que se juntariam, e que formam algo como um mistério."
O mistério da poesia se revela por inteiro, e aqui temos que concordar com Rubem Braga, quando somos inesperadamente tomados de emoção, por uma frase de um poema, muitas vezes acionada por palavras comuns, mas que assumem, na arquitetura poética, a dimensão do sublime. É quando a sensibilidade do leitor se acasala à do poeta, e o faz reter este instante na memória afetiva, ou emocional, que involuntariamente é visitada, em momentos bons ou ruins da vida.
O relembrar desses instantes afetivo-poéticos também nos transforma, penso eu, em leitores-poetas. Poetas dos instantes.
“O que é música é para ser cantado / O que se ler, foi escrito.” (Felipe Braz).
“Quando corria, voltava sempre de coração vazio.” (Brenda Braga).
“Saudade da época em que tudo estava completo.” (Morgana Lima).
“Oitenta anos! Será que é velhice, / Dores, remédios, médicos / Ou experiência, vitória, vida? (Grace Braga).
São três gerações de uma família de poetas – Grace Braga, Brenda Braga, Felipe Braz e Morgana Lima –, mãe, filha e netos, respectivamente, que reafirmam laços afetivos pela poesia. Embora de gerações distintas, é a memória familiar – lugar, por excelência, dos afetos –, o fio condutor de uma poesia a outra, enredando o próprio leitor e suas memórias ao corpo poético do livro. É neste sentido, talvez, que Paul Celan se refira à poesia como um retorno à casa. Quem sabe, a nós mesmos.
Grace, cujos poemas abrem a coletânea, faz parte de uma geração que ama a poesia. Tenho lembranças, ainda muito jovem, de vê-la declamando poemas inteiros de...
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Versos do Afeto
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Debruço-me sobre Versos do Afeto, organizado por Brenda Braga e Morgana Lima, com uma frase de García Lorca à mão: “A poesia é a união de duas palavras que ninguém poderia supor que se juntariam, e que formam algo como um mistério."
O mistério da poesia se revela por inteiro, e aqui temos que concordar com Rubem Braga, quando somos inesperadamente tomados de emoção, por uma frase de um poema, muitas vezes acionada por palavras comuns, mas que assumem, na arquitetura poética, a dimensão do sublime. É quando a sensibilidade do leitor se acasala à do poeta, e o faz reter este instante na memória afetiva, ou emocional, que involuntariamente é visitada, em momentos bons ou ruins da vida.
O relembrar desses instantes afetivo-poéticos também nos transforma, penso eu, em leitores-poetas. Poetas dos instantes.
“O que é música é para ser cantado / O que se ler, foi escrito.” (Felipe Braz).
“Quando corria, voltava sempre de coração vazio.” (Brenda Braga).
“Saudade da época em que tudo estava completo.” (Morgana Lima).
“Oitenta anos! Será que é velhice, / Dores, remédios, médicos / Ou experiência, vitória, vida? (Grace Braga).
São três gerações de uma família de poetas – Grace Braga, Brenda Braga, Felipe Braz e Morgana Lima –, mãe, filha e netos, respectivamente, que reafirmam laços afetivos pela poesia. Embora de gerações distintas, é a memória familiar – lugar, por excelência, dos afetos –, o fio condutor de uma poesia a outra, enredando o próprio leitor e suas memórias ao corpo poético do livro. É neste sentido, talvez, que Paul Celan se refira à poesia como um retorno à casa. Quem sabe, a nós mesmos.
Grace, cujos poemas abrem a coletânea, faz parte de uma geração que ama a poesia. Tenho lembranças, ainda muito jovem, de vê-la declamando poemas inteiros de Augusto dos Anjos. O gosto pela literatura e pela escrita (inclusive de crônicas) vem desde criança, quando aprendeu a declamar poesias no Colégio Joana D’Arc, no Bairro do Pina, no Recife.
Felipe Braz, seu neto, embora tenha partido prematuramente, deixou um rastro poético, como legado vivaz de sua existência/resistência. As poesias de Felipe, que compõem o segundo momento do livro, chamam atenção pela rima popular sertaneja, que conheceu de perto e se identificou com ela, em virtude da origem paterna ligada ao cariri paraibano. Sua poesia cheira a mato e a milho verde, quando a urbe sufoca.
Morgana Lima, sua irmã, vem a seguir. As poesias apresentadas nessa terceira parte da obra evocam a saudade. Se a melancolia está sempre associada a este sentimento, na poesia de Morgana, a saudade assume um frescor juvenil. É como se visitássemos a casa onde passamos a infância. Cada recanto é relembrado com a mais pura alegria.
As poesias de Brenda Braga, quarta e última parte do livro, são densas. Densas no sentido de um mergulho mais profundo na alma humana. São poemas que lidam com as contradições sociais e subjetivas do existir, a exploração do trabalho, a subordinação de cada dia, a espera do amor ou a busca dele, o espinho, o trovão, a vida. Sua poesia é um convite a desbaratar nós, por nós mesmos, pela solidariedade, pelo acesso à cultura e à saúde, pelo belo, disponível na natureza, pela poesia.
Os versos de Brenda parecem contrastar com suas divertidas crônicas, escritas ou contadas oralmente, em que personagens reais do cotidiano familiar e dos amigos, se misturam a elementos ficcionais, numa narrativa que instiga o ouvinte-leitor. Ou será que este lado da cronista é a parte que se revela por inteiro no bem viver que sua poesia almeja?
Versos do Afeto reafirma o que se observa na arte em geral, a influência do outro sobre a criação artística. De Grace a Brenda, o incentivo à leitura, à observação atenta do outro e das coisas boas da vida abraçaram filhos-netos pela arte da poesia. As expressões artísticas são os lugares mais seguros e imorredouros da beleza humana. Versos do Afeto, ao transformar a poesia em livro, quer dividir com o leitor esse lugar de experiência única, que só a arte é capaz de proporcionar.
A todos, uma boa leitura em Versos.
Praia do Pina, Recife, dezembro de 2021
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