Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Sebastiana Rufino Tenório
Entrevistada por Karen Worcman
Laranjal do Jarí, 25 de julho de 2013
HVC053_Sebastiana Rufino Tenório
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Conta de novo para mim o seu nome completo.
R – Sebastiana Rufino Tenório.
P/1 – A senhora nasceu aonde?
R – Eu nasci num lugar por nome Recreio, no interior.
P/1 – Interior da onde?
R – Daqui do.
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já ouviu falar no Parú?
P/1 – Não, me explica, onde é?
R – Fica para cá, para cima, lá para banda de Almeirim, acima de Almeirim.
P/1 – Aqui é no Amapá?
R – Aqui é no Amapá, Almeirim fica do outro lado.
P/1 – Então é no Pará que a senhora nasceu?
R – É, nasci no Pará, então aí eu fui criada em Almeirim.
P/1 – Como era Almeirim?
R – Almeirim esse tempo, Almeirim, quando eu fui me entendendo, Almeirim, tinha poucas casas, não tinha, não era nem uma cidade ainda, que hoje em dia é uma cidade, tinha pouquinhas casa, não tinha tanta coisa, tantas casas.
P/1 – Como é o nome do seu pai e da sua mãe?
R – O nome do meu pai, chamava Cândido Rufino dos Santos, o nome da minha mãe era Ester França Barbosa.
P/1 – O que o seu pai fazia?
R – O meu pai, ele cortava balata, ele cortava maçaranduba, ele era pescador, a profissão dele era essa.
P/1 – O que é balata?
R – Balata é um pau que dá o líquido que tira o, tira o leite, para fazer a borracha.
P/1 – Então o seu pai fazia seringa?
R – É, era, era por nome, não era seringa, seringa é uma coisa e balata era outra.
P/1 – Por quê?
R – O pau, o pau se chama, tipo uma maçarandubeira, sabe, que corta.
P/1 – Mas ele fazia isso?
R – Aí tirava o leite e fazia aquele bloco grande e baixava nas águas, aí para banda do.
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P/1 – Ele trabalhava para um grupo?
R – É, ele trabalhava para um empresário que morava em Almeirim, só que nesse tempo eu ainda não entendia, assim, bem mesmo de negócio, essas coisas, e aí eu sei que ele ia para balata e vinha, passava de seis meses para lá, aí baixava.
Aí nessas alturas ficava só eu e minha mãe e meus irmãozinhos, que era um bocado.
P/1 – A senhora é a mais velha?
R – Eu sou a mais velha.
P/1 – A senhora foi a primeira a nascer, a sua mãe, antes da senhora.
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R – Não, antes de mim tem dois, que ela se casou com o primeiro marido, aí teve dois meninos, aí o marido dela morreu, aí com o tempo, aí apareceu esse meu pai, que meu pai veio de Monte Alegre, ele era de Monte Alegre, ele.
P/1 – Aqui do Pará também? Pará ou Amapá?
R – Não, Monte Alegre já pertence a Santarém.
P/1 – Pará?
R – Para banda de lá de Santarém, aí ele veio, eles se casaram, aí nasceu eu.
P/1 – E a sua mãe, o que ela fazia?
R – A minha mãe, ela era parteira.
P/1 – Ah, é?
R – Era parteira.
P/1 – A primeira parteira da família foi quem?
R – Não, a primeira parteira da família foi a vovó, a minha avó, a minha avó morreu com 96 anos.
P/1 – Ela era parteira aonde, Dona Sebastiana?
R – A minha avó, lá pelos interior mesmo, aí chamava: “Vá buscar, fulana”, quando era a minha avó, a minha avó ainda era viva nesse tempo que a minha mãe começou a partejar, a minha vó ainda era viva, inclusive até ela fez até um parto meu ainda.
P/1 – A sua avó que fez seu parto?
R – A minha avó, foi, aí pronto, aí depois disso foi, a minha mãe, minha mãe, minha mãe, aí depois morreu a minha mãe, aí ainda ficou a minha avó.
P/1 – A sua mãe morreu antes da sua avó?
R – É, morreu antes da minha avó e depois morreu a minha avó, aí acabou a coisa, aí ficou as filhas, a gente morava lá pelo interior.
Aí quando uma precisava, assim, porque no interior não tem que nem aqui, porque aqui já tem hospital, qualquer coisa corre para o hospital, qualquer coisa para o hospital, lá não, lá era lá mesmo.
P/1 – E aí a senhora aprendeu a partejar como?
R – Aí eu aprendi partejar com a minha mãe, a minha mãe ia partejar com uma mulher, aí já me levava, porque eu já era grande, aí já era grandona, já tinha uns 16 anos, aí eu fui aprendendo.
P/1 – Como é que é, o que a senhora aprendeu de parteira?
R – Aprendi, assim, ajudar a segurar, porque a minha mãe, quando ia pegar um bebê, ela já ia pronta mesmo, vestida com aquela manta branca, com as luvas, as unhas todas aparadinhas, toda limpinha, passado álcool, tudo esterilizado as coisas.
A gente morava no interior, mas as coisas dela era tudo bem organizada, graças a Deus nunca morreu nenhuma criança na mão dela assim, nunca ninguém, nem mulher, nem criança, nem nada.
P/1 – E na sua mão?
R – Aí pronto, aí na minha mão também não, não morreu nenhum porque, assim, quando, aí nós morava no interior, depois meu marido veio, se empregou para cá, aí eu vim me embora para cá também, aí eu já tinha três filhos, aí digo: “Quer saber? Eu vou me embora para lá” e eu vim me embora para cá, aí foi o tempo, que quando chegou aqui já lá no Planalto, aí eu já ainda peguei ainda duas crianças lá, uma da minha comadre, que quando minha comadre estava sentindo dor, dor, dor, mandou me chamar, eu fui lá, cheguei lá, mas aí já, eu quase desprevenida, aí ela não disse também para que era, aí eu também vivia pronta, digo, aí eu corri lá, digo: “Isso é bem de criança”.
Aí eu foi lá, aí ela já estava tendo o bebê, aí eu só fiz jogar um pano branco por aqui, peguei o bebê, aparei o bebezinho, aí nasceu, aí foi o tempo que o marido dela chegou: “Não, embora lá para o hospital, leva para o hospital”, lá levaram para o hospital, só fiz embrulhar e levaram, não deixou eu terminar de fazer o serviço: “Leva para o hospital”, levaram para o hospital.
Aí pronto, aí um foi esse e o outro foi a outra minha colega minha também, estava com três meses, ela abortou até, aí ela estava, foi depois que ela caiu, não sei o que foi que aconteceu lá, sei que ela mandou me chamar, quando eu cheguei lá o bebê já estava nascendo também, aí eu peguei, mas estava pequenininho ainda.
P/1 – E aí esses dois a senhora perdeu?
R – Aí esses dois, aí eu peguei, aí outra também lá no interior, era outra da minha outra, minha amiga lá, aí ela estava lá, daí: “E agora, e agora, e agora”, aí deu dor nela, deu dor nela, eu digo: “E agora? E agora vamos segurar o negócio”, aí eu fui lá, só fiz, me ajeitei, fervi tudo as minhas coisas lá, tesoura que tinha e tudo e me vesti com o meu vestido branco.
Aí eu fui para lá e peguei o bebê, era uma menina, aí pronto, cortei o umbigo, queimei bem, preparei tudo e pronto, graças a Deus foi, aí pronto, já aqui eu ainda não, tenho puxado muito, muito mesmo.
P/1 – Mas esses partos foram os únicos que a senhora fez, não?
R – Foi, foi os únicos.
P/1 – Os três?
R – Os três.
P/1 – A senhora não partiu antes?
R – Não, aí aqui já não partidei mais.
P/1 – Mas antes, antes de vir para cá a senhora partiu muito?
R – Não, não, antes de eu vir para cá ainda partidei com esses três, ainda.
P/1 – Só três?
R – Só três, foi três lá.
P/1 – Ao todo a senhora fez três?
R – Lá, aí depois foi o tempo que eu vim para cá, aí depois de eu vir para cá, para esse lado daqui, aí pronto, aí fiquei na casa das parteiras sim, fiquei lá, fiquei lá, mas nunca teve a quadra de eu pegar, assim, um bebê.
P/1 – Mas vamos voltar lá para sua infância, Dona Sebastiana, a senhora nasceu lá em Almeirim e aí ficava a senhora e a sua mãe?
R – Não, ficava eu, a minha mãe e meus irmãos todos, ficavam tudo.
P/1 – A senhora que cuidou deles?
R – É, tudo, cuidava lá deles, aí foi, aí depois eu me casei, aí eu fiquei com a minha mãe o maior tempo, com a minha, depois nós se separamos, aí eu cuidava das crianças, até os meus irmãos pequenininhos, minha mãe saía para roça, para ir fazer farinha e mariscar, que o meu pai passava de seis meses, assim, trabalhando, esse negócio de maçaranduba, balata, sei lá o que ele tirava para lá, e passava de seis meses, aí ela que ficava.
P/1 – E ela que arrumava comida para vocês?
R – Ela que cuidava, cuidava da comida e pescava e fazia farinha, nós plantava roça, tudo isso.
P/1 – A senhora começou a ajudar ela quando, com que idade?
R – Ah, eu com idade, acho que eu tinha uns seis anos, oito anos, eu já ia para roça tranquilo, era, batalhei muito mesmo.
P/1 – O que a senhora fazia na roça?
R – Fazia na roça era, minha mãe ia cavando e a gente ia plantando os paus da mandioca.
P/1 – Mandioca?
R – Mandioca, macaxeira, plantava abacaxi, plantava essas plantas que a gente planta mesmo, coqueiro, essas coisas, ia plantando.
P/1 – Ia todo dia para roça?
R – Não, tinha dias que às vezes não tinha comida: “Não, hoje a gente não vai para roça”, aí a minha mãe ia mariscar: “Ah, tal semana não tem mais a farinha”, aí minha mãe já ia, nós ia fazer a farinha, eu ficava com as crianças, que eu era a mais velha, eu tinha que dar um jeito de ficar com as criancinhas, que era escadinha, escadinha, escadinha, nós era em dez.
P/1 – Mesmo com o seu pai morando fora fazia tanto filho?
R – Mesmo que o meu pai morando fora assim, ele passava de seis meses, aí com seis meses ele chegava, aí ele tomava conta da farinha, tomava conta de fazer a farinha, pegar peixe, que ele era mariscador, pegava bastante peixe, vendia, era do que a gente vivia, era da pesca.
P/1 – Mas era, a senhora era muito pobre, Dona Sebastiana?
R – Não, nós era, nossa casinha era humilde mesmo, era casinha de palha, coberta de palha e assoalhada com paxiúba, que tira a coisa que faz o assoalho e era assim, até que o meu pai comprou um sítio, ele comprou um sítio, nesse tempo o sítio custou dez cruzeiros, nesse tempo, dez cruzeiros, nós morava, era tipo uma ilha, mas era uma terra firme bonita, nós tinha, tudo quanto era plantação tinha ali, era café, era tudo, nós tinha muita coisa lá naquele sítio, aí depois nós fomos crescendo, crescendo, já nessa vida lá de a minha mãe saía e nós ficava.
P/1 – Aí a senhora então não foi à escola?
R – Não, aí sim, aí quando foi um tempo, aí a minha tia morava em Almeirim, a irmã da minha mãe morava em Almeirim já, ela tinha uma casinha lá em Almeirim, aí ela disse: “Mana, a Cândida podia bem ir contigo”, que eles me chamam de Cândida, meu apelido, de Cândida, que o meu pai era Cândido e botaram meu apelido de Cândida, aí: “Está bom de levar a Cândida para aí, para lá, mana, ao menos para estudar”.
Aí a minha mãe que disse para minha tia, aí a minha tia disse: “Ah, mana, mas lá em casa”, às vezes, a senhora sabe aquela pessoa que não gosta de querer ajudar os outros, viu, minha tia era uma dessas: “Ah, mana, mas lá em casa já tem tanto”, ela também tinha um bocado de filho: “Já tem tantos”, e aí como quem diz: “Agora com mais ela”.
Mas disse: “Não, mana, mas eu ajudo, eu mando as coisas, eu mando farinha, tapioca e faço aqueles beijuzinhos que fazem, eu mando, aí tu vende lá e tira o dinheiro para comprar a roupa dela, a roupa da escola, o sapatinho dela”, nesse tempo eu ainda ia fazer, eu tinha dez anos.
Aí até que a minha tia resolveu, levei, foi, aí eu ainda estudei ainda o primeiro ano, no primeiro ano eu estudei lá, aí eu completei meus 12 anos lá na casa da minha tia.
P/1 – E aí?
R – Aí a minha tia pegou, não quis mais: “Não dá, não dá, não dá mais”, pegou, me levou para o interior de novo, lá no interior não tinha escola, como era que eu ia estudar? Não tinha escola, aí depois aí foi o tempo que aí eu fiquei e fiquei, fiquei, aí depois quando eu completei 17 anos, depois 18 anos, aí eu comecei a namorar com esse meu marido.
Ichi, aí ele morava uma distância daqui como lá, não sei para donde, era assim nosso namoro, sabe, não tinha, só quando a gente se encontrava, que às vezes ele ia passear lá em casa, beijos, coisa e tal, esse negócio de hoje em dia ter esses beijos.
P/1 – Mas como é que é que a senhora conheceu ele? Conta para mim.
R – Ah, nós, eu conheci ele assim, eles chegaram, eles são de Gurupá, aí eles chegaram de Gurupá, moravam na casa de um senhor lá, que tinha um sítio também grande, eles moraram lá, aí depois ele saiu de lá, aí foram para outro, outra casa de uma minha tia minha e lá eles ficaram, lá, a mãe deles, só a mãe deles com eles, eles eram cinco.
Aí e tiveram lá e tiveram lá e depois a gente fomos crescendo, um crescendo quase igual, eu com ele, quase igual, aí um dia nós se via, outro não se via, um dia, passava mês, semana, dia, não se via, e era assim, até que um dia deu certo, aí nós se juntamos, eu com ele.
P/1 – Mas ele que pediu a senhora para casar com ele?
R – Foi, foi, dia dez de dezembro, não sei de que ano, já esqueci até a data.
P/1 – Quantos anos a senhora tinha?
R – Eu já tinha uns 18 anos.
P/1 – Aí a senhora ficou a fim?
R – Foi, aí eu peguei e fiquei, mas eu fiquei morando com a minha mãe, fiquei, fiquei, fiquei.
P/1 – E a sua mãe achou bom?
R – A minha mãe aceitou, porque pelo menos eu fiquei, nunca errei na minha vida para esta que nem essas outras que, porque menina do interior você já viu, é tão apoucada que não tem essa influência, eu não tive influência assim, de dizer: “Eu vou brincar, hoje eu vou brincar, hoje eu tenho minhas bonecas”, não, nunca teve.
A boneca era eu mesma que fazia, minhas bonequinhas de pano, nunca teve uma boneca, hoje em dia eu vejo, tem criança que tem tanta boneca, poxa vida, lá no tempo da minha infância, da minha criancice, eu gostaria de ter uma boneca daquelas, mas não teve, as bonecas que vieram foi primeiro dos meus filhos, veio a primeira, aí.
P/1 – Com quantos anos a senhora tinha, quando teve?
R – Eu tinha, ia fazer 19 anos quando teve minha primeira filha, aí lá Deus tirou.
P/1 – Tirou ela?
R – Foi, aí morreu pequenininha ainda, aí foi, foi, foi, passou quase um ano, aí engravidei de novo, aí eu teve outra, outra menina, aí já estava grandinha, aí Deus precisou, levou de novo.
P/1 – O que foi que ela teve?
R – Eu não sei, não dizem, porque assim, no tempo dos antigos aparecia espírito, aparecia não sei o que, visagem, não sei o que, era assim, aí diz que assombrou, aí eu mandei benzer, não sei se foi alguma doença que deu, sei que deu uma febre e disso ela morreu.
P/1 – As duas ou a segunda?
R – As duas, foi, as duas, uma pequenininha, aí depois veio a outra e morreu de novo.
P/1 – E aí?
R – Aí depois passou o tempo, aí foi, foi, aí eu tenho um menino, o meu mais velho, ele mora para ali, para cima, aí de lá para lá, pronto.
P/1 – Todos vingaram?
R – Foram, vingaram, aí depois ainda morreu mais um outro, aí morreu com sarampo, morreu de sarampo.
P/1 – Então a senhora teve 13 ao todo?
R – Treze, foi, teve, é, aí eu tive três meninos, três meninos, com o adotivo quatro.
P/1 – Então espera aí, a senhora teve duas que morreram.
R – Foi, duas, foi.
P/1 – Como é o nome dele?
R – De quem?
P/1 – Do seu mais velho, que está vivo?
R – Do meu mais velho é Francisco.
P/1 – Aí depois dele é que morreu outro?
R – Foi, depois, não, depois dele veio uma menina, que está para Brasília, aí depois dela, essa menina, foi que veio esse menino que morreu, chamava Afonso, o nome dele, aí depois veio a outra, aí veio a outra e veio a outra, aí veio a caçula, aí pronto, aí ele fez vasectomia e não teve mais, aí eu também operei, fiz períneo e pronto, acabou.
P/1 – Depois de dez também.
E os dois que a senhora pegou para criar a senhora pegou da onde?
R – Sim, aí um foi, era filho da minha cunhada, ela morreu lá para Santarém, ela morreu e deixou dois gêmeos, aí foi o tempo que a minha sogra foi lá, aí trouxe, aí estava grávida da Du, aí o meu marido: “Não”, não queria, não queria, eu digo: “Não, embora pegar ele para nós criar, eu dou conta de nós criar”, ele era bem pequenininho, aí foi o tempo que, aí eu, ela pegou, ele foi, pediu, ele, e eu fui batalhar com ele para criar, pelejei, pelejei, até que consegui criar.
P/1 – Era difícil por que criar eles?
R – Não, era difícil assim, porque ele sabia que ia chegar o nosso, aí ia ficar difícil para mim, cuidar dele de resguardo e do outro bebezinho, que ele era bebezinho também, todos os dois, para criar todos os dois bebezinho assim era muito ruim, digo: “Não, mas não é ruim, não, eu vou criar, Deus vai me dar força para mim criar os dois”.
Aí eu, mas eu ainda queria mais uma outra menina que ela tinha, mais uma outra menina, digo: “Vai lá, pega os dois para mim, a menina e o bebezinho, que eu quero os dois”, aí ele: “Não, não”, ele não quis, não: “Não, é muito serviço, muito serviço, ichi, já basta os nossos, já não dá”, aí ele ficou com o bebezinho, aí eu criei o bebezinho.
E a outra foi a minha filha, ela teve a menina e aí ele não quis assumir, ele engravidou, o rapaz, que engravidou ela, aí eu mandei chamar ele, ele veio e não quis assumir: “Não quer assumir então deixa para lá, não vou jogar a minha filha na rua, grávida, com filho, e eu só por causa de um filho eu vou jogar minha filha na rua, não”.
Aí eu acolhi ela para dentro de casa, aí eu acolhi ela, ela teve a bebê, ela pegou, me deu a bebezinha, aí eu criei, mas é uma linda menina.
P/1 – E agora tão todos criados já?
R – Agora tão todos criados, agora tão todos criados, agora eu estou batendo a cabeça com dois netos, já desse meu filho adotivo, que eu estou batendo cabeça aí com eles, eles tão para lá, mas a menina é uma bonita de gorda, é gordinha ela.
P/1 – Mas ele, ele não cria eles, esse seu filho adotivo não cria?
R – Não, ele não cria porque ele viveu com uma mulher.
Aí a mulher começou a sacanear com ele, ele pegou, deixou ela, se deixaram, aí ele ficou com os dois meninos, ficou com os dois meninos para lá e para cá, e vive de aluguel, que eu nunca consegui ajeitar um pedaço para eles morarem, porque a minha vontade era de, se eu já fosse aposentada eu já tinha feito um casarão aqui para jogar eles tudo dentro, a minha vontade é deles morarem tudo aqui.
P/1 – Quais, todos os seus filhos ou só esse?
R – Não, só os dois que são mais, assim, mais ruim de situação, que é esse um que eu criei e esse menino, aí eu queria um casarão para jogar eles tudo dentro.
P/1 – Eles são ruins de situação por que, Dona Sebastiana?
R – Assim, porque eles vivem assim, de aluguel, não param, só vive para lá e para cá, não têm nada, a pessoa vive de aluguel é assim, não tem paradeiro.
Então aí ele pegou, mandou, que eu trouxesse eles para cá, os meninos, aí eu trouxe eles para cá, aí eles ficam comigo, aí eles estudam, a escola é bem ali, eles vão lá, levo lá e vem buscar e vou, é assim, mas eles tão.
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P/1 – Mas e aí, Dona Sebastiana, voltando, a senhora trabalhou no quê? A senhora casou e começou a trabalhar.
R – Ah, desde quando eu ainda era novinha eu comecei a trabalhar, eu já fui babá, eu já trabalhei de empregada doméstica, eu já trabalhei de lavadeira, eu já, ichi.
P/1 – Quanto tempo a senhora trabalhou de empregada doméstica?
R – Empregada doméstica, eu trabalhava, por exemplo, um ano numa casa, saía de lá, passava oito meses ali, e era assim, e até hoje.
P/1 – A senhora ainda faz esse serviço?
R – Até hoje ainda trabalho assim, só parei agora esses dias ali por causa que.
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P/1 – Dona Sebastiana, agora a gente vai recomeçar a nossa história, a senhora estava me contando dos seus trabalhos, então a senhora começou a trabalhar muito cedo e com a sua mãe, não foi?
R – Foi.
P/1 – E depois a senhora começou a trabalhar fora como?
R – Comecei a trabalhar fora assim, meu marido veio para cá, aí ele ganhava muito pouco.
P/1 – Ganhava pouco?
R – Estava empregado, era empregado mesmo, mas aí eu tinha que ajudar, ajudava a lavar, ajudava a fazer faxina, eu ajudei lavar roupa, trabalhava na casa dos outros.
P/1 – Como era trabalhar na casa dos outros nessa época, na casa de quem que a senhora trabalhava?
R – Na casa daquelas professoras, na casa daquelas pessoas que, apartamento, aqueles rapazes solteiros.
P/1 – Em Monte Dourado?
R – Em Monte Dourado sim, em Monte Dourado.
Aí depois que nós viemos para cá aí eu continuei continuando sempre, trabalhei na casa de uma amiga minha ali um ano e pouco, trabalhei na casa de uma comadre minha, trabalhei quase uns oito meses, empregada, assim, trabalhando, fazendo faxina, empregada doméstica mesmo, todos os dias.
P/1 – E aí, os seus filhos, quem que estava cuidando?
R – Os meus filhos ficavam com a mais velha, essa que está para Brasília, aí ela tomava de conta deles e eu ia me virar, trabalhar.
P/1 – E aqueles filhos, diferente da senhora, eles foram para escola aqui ou também não?
R – Foram, não, começaram a estudar desde, no Planalto eles estudaram já tudo novinho, eles, começaram tudo para escola, em Monte Dourado, viemos para Monte Dourado, moramos oito anos no Planalto, dez anos no Monte Dourado, e eles estudando, estudando, estudando, aí quando nós atravessamos, quando viemos para cá, aí já eles terminaram já aqui.
P/1 – Todos estudaram?
R – Todos estudaram.
P/1 – Mesmo a mais velha?
R – Todos, todos, todos, todos, já até esses que eu criei, essa que eu criei por último, ela vai fazer 21 anos, ela já terminou, já está fazendo a faculdade.
P/1 – Todos tão fazendo faculdade, quantos fizeram?
R – Não, uns já fizeram, os mais velhos já fizeram todos.
P/1 – Fizeram faculdade?
R – Essa que está para Brasília fez a faculdade para lá, esse meu já fez também, esse outro que mora para ali, o mais velho, outro que mora para Macapá também já, todos eles já tão tudo.
P/1 – Eles estudaram o quê?
R – Eles estudaram, eu acho que estudaram, assim, Mecânica, assim, para motorista, o que trabalha aqui, ele trabalha com aquelas máquinas pesadas.
P/1 – Aqui em.
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?
R – Aqui.
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lá para banda dessa cachoeira que tem para aí, que estão fazendo.
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ele trabalha para lá, esse meu mais velho, o outro trabalha lá para Macapá, ele é técnico de antena parabólica e o outro, esse outro que eu criei, ele trabalha, a profissão dele é de máquina, de consertar máquina, trabalhou, a idade de nove anos ele tinha quando ele começou a aprender, todos os dois, um que está para Macapá e ele, começaram.
P/1 – E as suas filhas, fazem o quê?
R – As minhas filhas, elas, uma, elas estudaram, uma mora para ali, mas ela só trabalha assim também, empregada doméstica e a outra está para banda da Altamira, que ela foi para lá um tempo desses e a outra mora aqui comigo, ela estava trabalhando de empregada, aí saiu, agora ela vai para Macapá para ver se arranja um emprego para ela lá.
P/1 – Aí elas já não arrumaram profissão, assim, certinha?
R – Não, não, elas já não arrumaram profissão.
P/1 – Nenhuma delas?
R – Nenhuma delas.
P/1 – Por que, Dona Sebastiana?
R – Não sei, acho que por falta de interesse delas mesmo, que a pessoa quando quer as coisas ela arruma alguma coisa na vida e tem que se esforçar e fazer o esforço deles.
P/1 – E aí a senhora acha que as meninas são diferentes dos meninos?
R – Assim, pela uma parte, porque eu acho que as meninas, elas tem mais mentalidade, mais coisa para aprender alguma coisa, que pelo menos costura, minha mãe costurava também, costurava, minha mãe era parteira e costurava também para fora, ela cansou de costurar muito para fora e eu aprendi, com idade de nove anos já sabia costurar, você me acredita isso? Eu costurava.
P/1 – Agora, descreve para mim o que a senhora viu da sua mãe ou da sua avó fazendo parto, o que é que tem que aprender?
R – O que é que tem que aprender é assim, por exemplo, aí puxa a barriga e vê se a criança está normal ou se está no ponto de nascer.
P/1 – Como é que a senhora sente se está no ponto de nascer?
R – A gente puxa e sente, se ele tiver com a cabecinha no ponto de nascer tudo bem, agora, se a gente não topar nada aí ele, ou ele está de pé ou ele está atravessado.
P/1 – E aí o que faz se ele tiver de pé ou atravessado?
R – Aí bem, se ele tiver de pé, de atravessado aí o que é que acontece? A gente puxa, puxa.
P/1 – Puxa como, Dona Sebastiana?
R – Puxa a barriga, puxando, puxando, puxando.
P/1 – Puxa por cima a barriga, como é que é?
R – É, puxando, dobrando, puxando.
P/1 – Para ver se vira?
R – É, aí como um dia desses, chegou uma aqui, estava sentada a bebê, estava sentada: “Ah, vizinha, bati uma ultrassom, minha filha está sentada, então eles deixam e tal, vim para ver se a senhora dá uma puxada, quem sabe se ela não dobra”, digo: “Embora ver”.
Aí eu peguei, botei ela lá e comecei a massagear, massagem leve, leve, leve, leve, massageando e puxando e na hora da menina nascer digo: “Bem, agora está no ponto”, aí a menina nasceu na mão.
P/1 – Como que a senhora sente que está no ponto?
R – Porque a gente sente a cabecinha dela no ponto, no canal para nascer, quando está com dois meses ninguém pode puxar, não pode puxar porque pode amassar muito o feto, pode dar um aborto.
P/1 – Então começa a puxar com que idade?
R – Puxar com três, quatro meses.
P/1 – Já vai puxando?
R – Já vai puxando para ver o que é, aí a gente vai topar, se é homem ou se é menina, eu sei.
P/1 – É mesmo?
R – É.
P/1 – Como que é?
R – Porque menino, quando eu puxo logo, que eu sinto logo, ele está deste tamaninho do lado, e a menina, ela fica uma bolinha assim bem na frente, a frente está cheia, está com aquele, pode crer que é uma menina.
P/1 – A menina fica na frente da barriga?
R – É, isso, e o meninozinho sempre fica do lado, o menino se desenvolve mais rápido que a menina.
P/1 – Ah é?
R – O menino com três meses ele já se mexe benzinho, o menino, agora, a menina só com seis meses que ela vai desenvolvendo um pouco.
P/1 – Então se a senhora pegar com quatro meses, tiver pouco desenvolvido, é menina?
R – É, aí é menina, aí a gente topa bem.
P/1 – Só que a senhora vai puxando todo mês um pouquinho?
R – Não, é conforme assim, por exemplo, se, por exemplo, eu tiver assim, me escolherem assim, por exemplo: “Eu vou levar só na Cândida, fazer todo o mês, todo o mês, todo o mês ela dá uma puxadinha”, mas vai no médico, vai fazendo o pré-natal dela e a gente também vai acompanhando, aí quando ela faz o pré-natal, que chega no mês para ela nascer, aí ela vai para o hospital.
P/1 – Então a senhora hoje em dia passou só a puxar a criança?
R – É.
P/1 – A senhora sabe quando vai dar problema?
R – Não, eu não sei porque tipo, ele tiver de pé e ele não dobrar, aí só mesmo uma cirurgia que eles podem fazer porque, pode até nascer também de pé, pode até nascer de pé, mas é muito perigoso de pé.
P/1 – Por quê?
R – Porque depois que nasce o corpo, bem verdade, mas aqui, depois que engata aqui é preciso muito sacrifício para passar a cabecinha, sendo cabecinha não, porque ele já vem, quando ele já vem, já vem acompanhando tudo mesmo.
P/1 – A cabeça é maior que o corpo.
R – É, isso é.
P/1 – E a parte de higiene, Dona Sebastiana?
R – A parte de higiene é o seguinte, a parte de higiene é, por exemplo, já vai pegar o bebê, já está pronto já, aí a gente se prepara, toma um banho, pega o álcool, se passa toda, pega os material que sempre diz que eles dão aí, muitas parteiras pegaram, eu mesma não peguei, a maletinha já com o material.
P/1 – Qual que é o material, o que tem?
R – O material é uma tesoura, é uma pinça, é o remédio para botar em cima depois que corta o umbigo, aí coloca em cima, pega uma atadurazinha, amarra, tudo isso, tem que está com as unhas todas aparadinhas, mete a mão numa luva.
P/1 – Nós estávamos falando daquela parte da higiene, Dona Sebastiana, como é que tem se preparar.
R – Pois é, tem que se preparar é assim como eu falei, tem que.
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aí veste o manto branco, uma bata.
P/1 – Tem que ser o manto branco?
R – É, uma bata, uma roupa limpa, bem limpinha, aí prepara, toma o banho, se coisa de álcool todo, corta as unhas, mete numa luva e vai fazer o parto, pega um paninho bem branco para quando a bebê nascer, já nasce em cima de uma toalha, de uma coisa, um pano.
P/1 – E aí o que a senhora faz depois que o bebê nasce?
R – Aí depois que o bebê nasce, aí sim, aí tem a, aí corta o umbigo.
P/1 – Onde que a senhora corta o umbigo?
R – Aí pega uma tesoura e pega do coisa da criança para cá, mede quatro dedos, aí corta, aí amarra.
P/1 – Quer dizer, pega a criança e mede, aí corta assim com a tesoura?
R – Aí amarra bem amarradinho para não sair sangue, bem amarradinho ou mete aquela borracha e aí corta, quatro dedos.
P/1 – Primeiro a senhora amarra, não?
R – É, primeiro amarra.
P/1 – Primeiro a senhora corta, não?
R – Não, primeiro amarra.
P/1 – Eu não entendo como é que a senhora amarra se está ligado ao umbigo da mãe.
R – Pois é, porque está da placenta para bebê, aí a gente amarra aqui, aí corta na frente do amarradinho.
P/1 – E aí o umbigo entra para dentro?
R – Não, aí de lá fica a placenta, aí sai a placenta, a gente pega aquela pontinha do umbigo, aí passa mercúrio em cima, queima bem, aí pega um pedacinho de atadura e amarra.
P/1 – Na barriguinha?
R – É, porque no hospital eles não fazem isso, agora, quando a gente faz assim, daí a gente amarrava uma atadurazinha e amarrava para não ficar.
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P/1 – E no hospital é diferente?
R – No hospital é diferente, eles só fazem meter aquela borracha, corta e pronto.
P/1 – Por que a senhora acha que era diferente essa.
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R – Não, eu achava assim, porque em casa assim sempre enrolavam, aquele pedaço do cordão umbilical para não ficar esbarrando na criança, aquele pedaço de.
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aí amarrava e coisava.
P/1 – Aí depois que corta o umbigo, amarra, que mais que a senhora faz, dava o banho na criança?
R – Ah, é, aí morna uma água, bota um pouquinho de álcool dentro para coisar e aí, da água, só mesmo para assear.
P/1 – Para tirar?
R – É, só para tirar, só mesmo.
P/1 – E a mãe, tem que fazer algum curativo nela?
R – Não, a mãe, a não ser que fosse assim, que no hospital aí dá um corte, aí já é outra coisa, mas sendo normal mesmo não é preciso, só mesmo banhos que a gente faz, que nem minha mãe fazia banho travoso, de casca de caju, o mato que a gente adquiria pelo mato, banho travoso.
P/1 – O que ela faz, como é que é?
R – Casca de caju fervida, aí faz o assento, bota numa banheira, numa bacia, numa coisa, para se assear, banho de asseio.
P/1 – Por que casca de caju?
R – Para sarar mais rápido.
P/1 – Que outra erva que usa para sarar rápido?
R – O mato que tem assim no mato, essa casca de pião aí, ó, casca de pião, botava casca de pião, casca de caju, essa aqui ó, casca de tudo quando era casca de pau travoso, tem no mato uma tal de Verônica, tudo isso tirava e fervia tudo para fazer banho, para o asseio, para sarar mais rápido por dentro.
P/1 – Quantas vezes a mulher fazia isso?
R – Bem, podia fazer duas vezes no dia, de manhã e à noite.
P/1 – Aí demora quanto para ela.
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R – Aí, assim, no meu caso, como no meu caso é normal, ela com três dias ela já está fazendo as coisas, lavando a roupinha, não carregando coisas pesadas, mas lavando a roupinha, lavando uma louça, só não varrendo a casa, eu sei que eu teve os meus filhos, tive muito resguardo, hoje em dia eu não sou mulher doente, não.
P/1 – Hoje em dia o quê?
R – Hoje em dia eu não sou uma mulher doente, assim, de útero, de essas coisas, tem mulher que só vive: “Ai, eu estou com uma dor aqui, estou com uma dor aqui”, vejo mulher nova se queixando de dor aqui, de dor, eu não.
P/1 – E os partos da senhora quem foi que fez?
R – Os meus partos, os meus partos eu tive os meus filhos, eu tive os seis em casa com a minha mãe.
P/1 – Ela que fez o seu parto?
R – A minha avó, a minha mãe, a minha avó ainda fez um ainda, a minha avó, a minha mãe, o resto foi tudo a minha mãe, já tive três aqui nesse hospital, logo que eu cheguei para cá.
P/1 – Qual que é a diferença de fazer o parto com a mãe, com a avó e no hospital?
R – Ah, no hospital é, assim, no hospital é uma coisa que, porque se eu tivesse, por exemplo, se, por exemplo, eu vou fazer um parto e, por exemplo, a placenta for pregada, que nem aconteceu comigo, aí o que vai acontecer? Eu vou morrer, porque ela era pregada do meu espinhaço, aí não tinha como, como que eu ia, se eu não tivesse no médico aqui eu tinha morrido, se fosse lá no interior.
P/1 – Que o médico, ele.
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R – É, o médico não, ele dá um jeito, ele, eu sei que a minha ele tirou, a minha era pregada no meu espinhaço, grudou.
P/1 – E no hospital a senhora toma injeção de dor assim ou não?
R – No hospital eu só tomei remédio para assim, por exemplo, para hemorragia, e tomei para também ajudar a sarar, foi benzetacil, foi essas coisas, mas remédio mesmo assim tomei não.
P/1 – Dona Sebastiana, a senhora aprendeu a ler e escrever?
R – Eu aprendi um pouquinho, mas aprendi.
P/1 – Aonde que a senhora aprendeu?
R – Na escola mesmo, que eu estudei um ano, que eu estudei lá, eu passei, já ia para segunda série, aí foi o tempo que a minha tia me mandou para o interior, aí não, mas eu ainda aprendi ler um pouquinho, escrever, fazer meu nome.
P/1 – Isso mudou alguma coisa na vida da senhora?
R – Mudou.
P/1 – O quê?
R – Se eu tivesse estudado muito mais, mais eu sabia, mais eu sabia.
P/1 – O que a senhora fez com o pouco que a senhora sabe de ler e escrever?
R – Com o pouco que me desenvolveu, por exemplo, se eu for pegar um ônibus, por exemplo, daqui vai para ali, eu já sei qual é o ônibus que vai para lá, se for lá para beira eu já sei qual é o ônibus que vai para beira, e muita coisa.
Às vezes chega uma carta, assim, para o meu marido, meu marido não sabe ler, não, chega uma carta, aí eu fico olhando, digo: “Isso aqui é para você”, eu sei desenvolver que é para ele.
P/1 – Vocês recebem muitas cartas?
R – Não, mais é ele que é aposentado, recebe do banco.
P/1 – Ele recebe carta de quê?
R – É assim, do banco, que vem cartão, vem, assim, papel lá mesmo deles.
P/1 – Os filhos que vocês tiveram que não estão aqui, eles escrevem para vocês?
R – Não.
P/1 – Nunca escreveram?
R – Não.
P/1 – E vocês também nunca escreveram uma carta para eles?
R – Não, sempre pelo telefone, minha filha liga de lá de Brasília para cá, meu filho de lá liga para cá, quando quer comer uma galinhazinha: “Mamãe, a senhora mata uma galinha para mim amanhã que eu vou lá buscar”.
P/1 – A senhora manda?
R – Aí eu mato e ele vem buscar.
P/1 – Como é que é, ele liga, a senhora mata a galinha, ele vem pegar aqui?
R – É, vem pegar, vem.
P/1 – Ah, não manda encomenda, não.
R – Não, ele mesmo vem buscar.
P/1 – O posto dos Correios aqui a senhora usa para alguma coisa?
R – O posto dos Correios não, nunca usei o posto dos Correios para mim lá.
P/1 – Nunca entrou lá?
R – Não, não, eu já entrei lá, mas.
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P/1 – Nem a aposentadoria ele não pega lá nos Correios?
R – Não, ele pega, quando às vezes ele recebe lá nos Correios, super fácil, ele recebe lá, mas eu mesmo é difícil eu ir, assim, em banco, eu nunca fui em banco.
P/1 – Nunca foi em banco?
R – Não, para mim, banco, assim, agora que eu estava pelejando para me aposentar, mas não sei, ainda vou ver aí.
P/1 – A senhora está tentando se aposentar então.
R – É.
P/1 – E o que a senhora está fazendo para conseguir se aposentar?
R – Eu estou pelejando para ver se eu me aposento, que eu já meti os papéis a primeira vez e ele me falaram que eles não vão me aposentar porque meu marido é aposentado, eu não tenho o direito de me aposentar porque ele já é aposentado.
Então ele ganha um salário, a aposentadoria dele não dá para nada, ele recebe, acabou, agora, essa menina sai para lá para Macapá, a gente teve que mandar ao menos cem reais.
Aí às vezes a gente compra as coisas no comércio, tem que pagar, e tem esses dois netos comigo também que a gente tem que ajudar, a nossa despesazinha, a nossa alimentação, porque a gente já tem idoso, a gente tem que ter nosso alimentação direto, tem nosso remédio que carece comprar, quer dizer que dá graças a Deus que eu não sou uma mulher doente para viver doente.
P/1 – Aí como é que a senhora, vocês fazem para complementar o dinheiro?
R – Aí eu faço assim ó, eu vou, aí chega: “A senhora costura para mim tal coisa? A senhora faz, costura esse short, a senhora diminui essa camisa, a senhora faz não sei o que assim, prega um fecho éclair”, é assim: “A senhora faz um tapete para mim”, eu faço, é assim.
P/1 – É com isso que a senhora vai vivendo?
R – É com isso que eu vou entretendo até chegar o dinheirinho dele, aí vai dando para comprar o pão, por exemplo, o açúcar, o café, assim, eu faço dez reais, 15 reais, é assim, e a gente vai levando a vida.
P/1 – A senhora fica nervosa com isso ou não?
R – Eu, às vezes eu fico pensando, às vezes eu digo: “Mas, poxa, por que”, porque foi ele mesmo que fez a aposentadoria dele, não tinha explicação com ninguém, fizeram errado, ele disse, aí ele entrou com recurso, ele entrou, já entrou, não teve jeito, ficou por isso mesmo, agora desconta isso, desconta aquilo, desconta isso, vem 300 reais, aí ele tira o limite de cem reais, aí dá 400 reais.
P/1 – Não entendi, ele tira 300, aí ele tira mais cem?
R – É.
P/1 – Por que ele tira mais cem?
R – Aí ele fica devendo no banco, que o limite é do banco.
P/1 – Ah, ele pega emprestado do banco mais cem.
R – É emprestado do banco.
P/1 – Aí pega todo mês 400 reais?
R – É.
P/1 – E como é que paga o que está devendo para o banco?
R – Quando a gente recebe de novo ele já desconta de novo, é, e é assim.
P/1 – Então não entendi, na verdade ele recebe 400 reais, só que sempre falta cem para dar para o banco?
R – É, aí eles desconta, não sei o que, às vezes eu brigo com ele, brigo não, eu fico falando: “Poxa, por que que descontam tanto assim?”, “Ah, porque descontam isso, descontam aquilo, descontam aquilo”, ano passado parece que ele fez um empréstimo para nós terminar o banheiro que estava coisado, faltando o resto, aí ele emprestou, parece que deu 800 reais, agora eles ficam descontando, descontando, descontando de pouquinho em pouquinho até no fim do ano.
P/1 – Então só sobra 300 reais?
R – Aí desconta cartão, desconta não sei o que, tira o extrato, tem que pagar o extrato, e é assim.
P/1 – Então quanto que sobra mesmo, Dona Sebastiana?
R – Trezentos reais.
P/1 – Aí tira os cem.
R – Conferido 300 reais.
P/1 – Aí tira os cem.
R – É, tira os cem, aí faz os 400.
P/1 – E aí a senhora consegue ganhar quanto?
R – Aqui no meu serviço?
P/1 – É.
R – Às vezes eu faço 20, 30 reais, é isso.
P/1 – Aí no mês vai, a senhora gasta quanto?
R – Quando dá, quando dá, e quando não dá.
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P/1 – Como é que fica?
R – Fica por isso mesmo, aí eu vou faxinar pela casa dos outros, vou lá na casa do meu genro, do meu genro que me ajuda, aí eu faço a comida, aí eu já trago a comida de lá, aí eu vou, faço a comida lá, ele manda trazer a comida, quando não ele liga para mim para mim pegar a comida lá, é assim.
P/1 – Quando acaba o dinheiro para comprar comida?
R – É.
P/1 – O dinheiro da comida que a senhora compra qual que é, para comprar o que, qual que é o básico?
R – O dinheiro de quê?
P/1 – Da compra do mês.
R – Do mês às vezes eu pego, quando sobra, aí eu pego cem reais para mim fazer a compra.
P/1 – A senhora gasta cem reais na compra?
R – É, gasto cem reais, quando não dá aí eu pego 50 reais, só para comprar comida mesmo, só.
P/1 – O que a senhora compra no mercado?
R – No mercado aí eu compro franguinho picadinho, aquelas ossadas que vem para fazer cozidão, aí isso é que eu compro.
P/1 – E o arroz, o feijão?
R – E o arroz e o feijão, feijão quase eu não compro nem feijão, que ninguém come quase feijão em casa.
P/1 – E café, açúcar?
R – O café e o açúcar, é só os básicos mesmo.
P/1 – E pão, leite?
R – Aí o pão, aí falta o pão e o leite.
P/1 – E aí?
R – Aí a gente vai escavocar por aí, trabalhar, vou trabalhar ali na casa de uma mulher, vou aprender, “Venha cá, para a senhora fazer muita coisa para mim.
” Aí eu vou lá, aí eu faço uma faxina e ela me paga às vezes 20 reais, 30 reais, eu compro o leite, o café, a farinha, e é assim.
P/1 – E a roupa, Dona Sebastiana?
R – E a roupa, a roupa, eu não faço quase de roupa assim porque muita gente que já me conhece, às vezes me dão roupa e eu invento roupa para mim, eu faço para as crianças, eu invento roupa, me dão roupa usada, eu refaço e torno, é assim.
P/1 – E para os netos, qual que é a despesa?
R – Qualquer, a despesa deles é assim também, é a mesma que é a nossa é deles, é o café, quando chega da escola já tem alguma mortadela pronta ali com um arrozinho, eles comem, é assim, ovo, é assim que é a vida aqui em casa.
P/1 – Aqui da plantação, do quintal a senhora não tira nada para ajudar?
R – Não, daqui o que eu tiro só é mesmo uma galinha, estando aperreada mesmo meto o pau numa galinha, mato, aí eu cozinho, faço aí um cozido, um guisado, uma coisa e eles comem.
P/1 – Tem muita galinha?
R – Tem umas cinco aí, mas eu já tive muita galinha, tinha dia de eu matar de duas, uma para o meu filho, outra para gente, uma para o meu filho, outra para gente.
P/1 – Por que a senhora tem menos galinha agora?
R – Agora porque eu fui matando, fui matando e aí agora que eu estou levantando de novo com outros pintinhos.
P/1 – Tem que esperar os pintinhos crescerem.
R – É, aí eu compro ração e dou para eles para eles crescerem mais rápido.
P/1 – E aí, Dona Sebastiana, a senhora, então me conta o que a senhora mais gostaria que acontecesse daqui para frente, o que a senhora gostaria?
R – Ah, eu gostaria, assim, que eu tivesse uma renda para mim, para mim ajudar meu velho, ajudar meus filhos, se eu tivesse aposentadoria, por exemplo, minha aposentadoria que saísse assim, eu fizesse e aí eu gostaria, assim, esse negócio de ter coisa, mundos e fundos, isso aí eu não cobiço nada, só cobiço, assim, as coisas para gente sobreviver, sabe, de alimentação, de alimentação, assim, a nossa alimentação faltar, a gente já estamos idoso, aí falta a nossa alimentação, aí pronto, nossos filhos quase é difícil virem aqui, às vezes quando vêm ainda vêm com uma mão no fecho, como diz o ditado, e outra no cano, aí não dá.
P/1 – Os filhos?
R – É, não trazem nada, só: “Mamãe, benção mamãe, benção mamãe, ó, mamãe, eu já vou” e é assim, daí não dá, porque se fosse os filhos que soubessem o que fosse uma mãe mesmo, eles chegavam, diziam: “Olha, mamãe, está aqui, cem reais para senhora”.
Tem um que trabalha lá para, ele não ganha muito mal, mas está certo, ele tem a família dele sim, mas a gente é primeiramente a mãe da gente, eu canso de dizer para ele: “Primeiramente a mãe da gente, por mais que a gente tem a família da gente sim, mas primeiramente a mãe da gente”.
P/1 – A senhora já falou para eles isso?
R – Já, eu já falei, para uns eu já falei isso, porque hoje em dia quando a pessoa está vivo é uma coisa, depois que morre é outra, ai, vai se lamentar: “Ai, porque não sei o que, se eu tivesse minha mãe, tivesse cuidado mais da minha mãe quiçá se ela não ia mais em frente, mais em frente”, depois que morre pronto, aí eles vão se lamentar.
P/1 – Aí a senhora fala isso para eles?
R – Eu falo, eu falo para eles isso aí.
P/1 – E eles?
R – Eles não falam nada.
P/1 – Então a senhora acha que são os filhos que não tão aí?
R – Não, não tão aí, não tão nem aí.
P/1 – Nenhum deles, os 12 que a senhora tem?
R – Nenhum deles, tem um que está para Brasília, nem, só liga de vez em quando, quando bem quer, tem outro que está para Macapá, agora tem outro que está para Altamira, tem outro para ali, tem outra para ali, e é assim, tem essa que está aqui comigo, quando ela está trabalhando, que ela recebe, ela até ajuda, ela compra às vezes comida para dentro de casa, ela compra o arroz, o frango.
Às vezes eu estava ali, trabalhando na casa de uma mulher bem ali, aí ela me pagava 200 reais, com esses 200 reais aí eu pagava o comércio e com cem reais eu comprava minha despesa e o dele, esperava o dele chegar para ver o que era que dava para ajudar a comprar o resto, mas dava.
Agora, aí a menina saiu de férias e ela me dispensou, agora não estou lá trabalhando mais, é assim.
Meu marido queria que eu fosse trabalhar lá para banda dali da fábrica de castanha, eu não vou para lá, é muito longe, eu não agüento andar muito, não, tenho problema de dor nos meus ossos, dor, reumatismo nos meus ossos, problema coluna, na minha coluna, demais, dor, dor, dor, dói, dói demais, aí eu não posso está trabalhando muito, assim, faxinar que nem, primeiro, quando eu era nova não, eu faxinava, eu arrumava e fazia, ichi, trabalhei muito.
P/1 – Está cansada agora?
R – É, cansada agora, agora, agora, meu velho, só descansar mesmo, porque para mim acordar seis horas da manhã, olhar para cara do fulano, sair todo dia seis horas da manhã para mim trabalhar, só chegava de tarde, já de noitinha.
P/1 – E aí a senhora tirava um dinheirinho bom ou também não?
R – Às vezes, olha, naquele tempo eu lavava, lavava, lavava, às vezes me pagavam, às vezes era 20, 30, porque o salário primeiro era 130, eu trabalhei demais por 130.
P/1 – Por mês?
R – Por mês, era, às vezes dava 20, 30, por mês, trabalhando o tempo todo, ai, meu Deus do céu, aí eu parei.
P/1 – Isso chateou sempre a senhora?
R – Isso chateava, me chateava demais, poxa, tinha vez que eu dizia mesmo: “Ah, hoje eu não vou trabalhar, não vou trabalhar porque se esforça tanto pelo fulano e o fulano não está nem aí para ajudar a gente”.
P/1 – A senhora fica com raiva até hoje?
R – É, ficava com raiva.
P/1 – Por que a senhora acha que ele pagava pouco demais?
R – Pagava pouco, eu acho, para mim pagava pouco, é, trabalhava para aquelas professoras, para três professoras às vezes num apartamento, três, lavava todo dia, cozinhava, fazia comida e fazia faxina, arrumava a cama, fazia tudo às vezes por 20, 30 reais, dez cruzeiros nesse tempo, era dez cruzeiros nesse tempo, trabalhava.
Aí pagava 30 cruzeiros nesse tempo, ainda era do cruzeiro, isso no ano de 71.
P/1 – E o que elas pagavam era muito pouquinho?
R – Era, eu acho assim, mas aí eu coisava porque, olha, meu marido ganhava 53 reais por semana, ele trabalhava por semana, já recebia, eu fazia aquelas compras grande, ia no supermercado que tinha em Monte Dourado, era lá em cima, e eu ia e fazia minhas compras tudo, morava aqui para cima eu, por nome o lugar Enseada, que tem ali para cima.
E eu vinha de lá de canoa com os meus filhos, ia fazer compra lá e comprava aqueles, muita coisa mesmo, e dava para mim tirar quase um mês, ele passava de 20 dias no mato, tirando, trabalhando braçal, ele trabalhava braçal, ele, depois que ele foi, foi, foi, aí passou para dirigir trator, aí melhorou para ele, ele saía do mato, mas isso aí ele não parava, era a hora que o pessoal, era dia e noite trabalhando.
P/1 – Ele?
R – Ele.
P/1 – E agora ele parou completamente?
R – Agora ele parou porque ele saiu de redução, aí não se empregou mais e aí ele, aposentaram ele com 50 e não sei que ano, 53 parece ano, aposentaram ele.
P/1 – E ele faz o que hoje no dia a dia da vida dele?
R – Faz nada, só fica em casa mesmo, fazendo a comida, limpando a casa e eu saio por aí.
P/1 – A senhora que continua na casa?
R – É, e eu que continuo, eu é que continuo, eu tenho que dar conta de tudo aí.
Quando chego às vezes de noite, aí eu tenho uma costura para fazer do fulano, lá eu vou fazer, eu costuro de noite.
P/1 – Mas ele, o que ele faz, limpa a casa, ajuda também, não?
R – Ele ajuda, ele limpa a casa, ele lava a roupa, ele faz a comida.
Quando eu levanto de manhã ele já está com o café pronto, já está, ele é esperto para fazer as coisas, ele faz, ele é amigão, ele.
P/1 – Então foi um bom casamento?
R – Foi um bom, para mim foi um bom casamento, que eu estou vivendo até hoje, nunca se separamos, não, tivemos sete, esses, todos esses filhos, e é só do mesmo pai e da mesma mãe, nunca teve erro nenhum.
P/1 – A senhora então acha que o casamento deu certo?
R – Foi, o casamento foi, estamos vivendo até hoje.
P/1 – A senhora casou na igreja?
R – Eu casei na igreja e no cartório, no civil e no católico.
P/1 – Nenhum filho seu ficou evangélico, são todos da igreja?
R – Mana, para falar a verdade já foram, essa uma que está aqui era evangélica, entrou na crença, a outra dali com os filhos tudo entraram, está uma vida, que beleza, mas depois aí o pastor foi embora, a mulher adoeceu, foi embora para banda de Palmas, para lá diz que a mulher morreu e se desgostaram tudo, lá ela saiu, agora tão pelejando, os meninos vivem na igreja, quer que eu leve na igreja.
Eu não, eu nunca coisei porque a minha igreja sempre foi católica e eu nunca larguei minha igreja por outra porque eu acho que o nosso Deus só é um, então não tem porque eu está pulando de galho em galho, já vieram: “Entra na crença, entra na crença”, quer fazer o culto, faz o culto, quer fazer dentro da minha casa pode fazer, vem dá o coiso aqui em casa, quer dar, pode dar.
Mas eu nunca, porque não adianta, como eu já disse para o pastor mesmo: “Não adianta, pastor, está pulando de galho em galho, se eu estou católica pois então deixa eu ficar na minha igreja”, que eu acho que o nosso Deus só é um, não tem porque nós, só porque um crente, eu sou católica a gente não vai, não, nós temos que ficar na nossa, eu acho assim para mim, não sei, eu ouço a palavra de Deus todo dia, vou na minha igreja.
P/1 – A senhora gosta de morar aqui, Dona Sebastiana?
R – Eu gostei, eu gosto de morar aqui, eu gosto, já faz muito tempo que nós moramos aqui, tem mais de dez anos, que nós mora aqui.
P/1 – É bom?
R – É bom, pelo menos a gente sempre moramos num lugar tranqüilo, nunca nós tivemos negócio de assalto, nem ladrão entrando, nem nada, nunca briguei com vizinho nenhum, todos os vizinhos gostam de mim, todo mundo gosta de mim, não tem porque eu, eu não vivo na casa do vizinho, nem o vizinho vive na minha, eu não fico falando da vida dos outros, nem os outros falando da minha, eu não sei por aí, mas todo canto que eu chego todo mundo me recebe bem, graças a Deus não tenho inimigo, nunca briguei com ninguém na minha vida, nunca.
P/1 – Está bom, Dona Sebastiana.
Eu acho que está bom.
FINAL DA ENTREVISTA
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