Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020/2021
Entrevistada por Cláudia Leonor Oliveira e Luís Paulo Domingues
Renata Beatriz Mifoci Perone
Entrevista MC_HV051
Ribeirão Perto, 26 de abril de 2021.
Transcrito por Selma Paiva
(01:47) P1 – Então, Renata, pra começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R1 – Eu me chamo Renata Beatriz Mifoci Perone. Sou de Ribeirão. Nascida e criada aqui. Tenho sessenta e dois anos, sou de 1955.
(02:10) P1 – Ah, muito legal.
R1 – _______ (02:13), quer dizer. Eu me atrapalhei.
(02:15) P1 – Não, pode falar sempre que você precisar. Que aí a gente…
R1 – Depois corta, né?
(02:22) P1 – Isso, isso. E o nome do seu pai e da sua mãe? Qual que é?
R1 – Meu pai é o Oscar Mifoci, né? Descendente de italiano, da Sicília. E minha mãe é a Leonídia Maria Soares Mifoci, já falecidos. Ela brasileira, de nacionalidade brasileira, também _______ (02:45) família.
(02:47) P1 – Sim. E o seu pai veio da Sicília direto pra Ribeirão Preto? Como é que foi?
R1 – Não. Os pais dele.
(02:56) P1 – Ah, os pais vieram, mas pra Ribeirão?
R1 – Como?
(03:02) P1 – Eles vieram pra região de Ribeirão Preto?
R1 – Sim. Alguns ficaram em Ribeirão, outros foram pra São Paulo. Distribuiu bem. Até esses dias eu estou reunindo a família Mifoci pelo Face, (risos) né, que a gente está se encontrando. (risos) Tá sendo muito bom.
(03:23) P1 – Muito legal. E você sabe no que que eles vieram trabalhar, aqui em Ribeirão Preto? O que eles faziam, seus avós?
R1 – Olha, o meu avô, Vicente Mifoci, era pedreiro, né, construtor. E a minha avó que ficava com os filhos, né, do lar.
(03:50) P1 – Sim. E por acaso você sabe como é que seu pai e sua mãe se conheceram?
R1 – Sei, sim. (risos)
(04:00) P1 – Como foi?
R1 - Eles se conheceram, ela trabalhava de enfermeira, né, no Hospital São Francisco, aqui de Ribeirão Preto…
(04:10) P1 – Certo.
R1 – E, no ônibus… ela estava sempre assim, no ponto de ônibus e ele esperando por ela, né, porque tinha tido, assim, uma “pele”, (risos) vamos dizer. E aí, toda vez que ela saía, ele estava na porta do hospital, porque sabia que ela ia sair pra pegar o ônibus. E aí foram se revendo, tudo. E casaram-se. Eu vim depois de seis anos, foi muito difícil, a gravidez, tudo, mas graças a Deus sou filha única, né? Mas sou muito bem-querida.
(04:51) P1 – Ai, que legal. E é diferente, né? Na época, as pessoas costumavam ter muitos filhos, né? Era difícil ter filha única.
R1 – Exato, exato.
(05:02) P1 – E o seu pai fazia o quê? Sua mãe era enfermeira. E seu pai?
R1 – Sapateiro.
(05:09) P1 – Sapateiro. Olha! E, na época, sapateiro era uma profissão que todo o mundo tinha… precisava do sapateiro, né, antigamente. Você lembra dele trabalhando com sapato, daquele…
R1 – Precisava.
(05:26) P1 – Que legal!
R1 – Sim, sim. Ele trabalhava na firma. Trazia mercadoria pra casa, né, pra acabar de fazer. Tinha um quartinho só dele, com os materiais dele. Muito organizado, muito caprichoso. E aí foi assim.
(05:46) P1 – Que legal! E quando você nasceu, você morava onde, em Ribeirão? Qual bairro?
R1 – Na Vila Seixas. Vila Seixas. Lá eu nasci, me criei, casei e tive meus filhos.
(06:03) P1 – Hum. Morou a vida inteira lá?
R1 – Foi.
(06:07) P1 – E quando você era criança, o que você lembra da Vila Seixas, dessa rua que você nasceu? Como é que era a casa? Antigamente as casas nesse… na década que você nasceu, eram muito diferentes as casas, né? Tinha mais área… as ruas, às vezes, nem asfaltadas eram. Você tem na cabeça, assim, o ambiente da sua casa e do seu bairro, como que ele era?
R1 – Tenho, sim. Depois que eles se casaram, meu pai não deixou a minha mãe trabalhar mais no hospital, né? E ela foi fazer um bico de costureira e trabalhava em casa, como uma grande costureira. Sempre foi uma grande costureira, né? Enfermeira pra costureira. (risos) E eu lembro, sim, a minha casa, certo? Era aqueles tijolos, né? Que antigamente o piso era de tijolo. Mas muito bem conservadinha, era muito caprichosa, né? A rua ainda não era asfaltada, mas as roupinhas da gente, sempre muito limpinhas. Quando era quatro horas da tarde, ela me punha sentada no muro, né, toda emperiquitada porque, como costureira, eu andava sempre arrumadinha. E o papai sapateiro, sempre também com um sapatinho de verniz preto, né?
(07:32) P1 – Sim.
R1 – E assim a gente… eu fui vivendo essa infância, né, nessa rua, aí foram aparecendo mais vizinhos… enfim, era assim. Mas só que eu me recordo muito bem que eu parecia uma boneca enfeitada. E até hoje eu tenho arrepio de roupa engomada. (risos) É, quatro anos eu tinha e ela me punha toda engomadinha, com sapatinho de verniz, a meinha com rendinha, né? E aí eu ficava sentada. E as amigas passavam e brincavam, né e caçoavam, umas caçoavam. Mas até hoje somos amigas e lembramos dessa história toda vez que nos encontramos.
(08:29) P1 – (risos) Sim. E, Renata, do que que vocês brincavam na rua, nessa época? As brincadeiras eram outras, né? Hoje em dia as crianças ficam mais no computador do que brincam. Mas naquela época, como que eram as brincadeiras, o dia a dia na rua, você lembra disso?
R1 – Sei. Era pega-latinha. Lembra pega-latinha? Já viu essa brincadeira?
(08:55) P1 – É que nem bets, assim?
R1 – Então a gente fazia… é, igual bets, só que era com a mão. A gente dividia o grupo, fazia uma risca no meio da rua, né, que antigamente a gente podia, né, ficar na rua. E aí ficava um grupo de cá e outro de lá e a latinha no meio. Quando tocava um sinal, o primeiro que pegasse a latinha ganhava e a equipe que ficava do lado de cá ganhava. O grupo, né? Então, essa brincadeira me marcou muito, o jogo da latinha. E tinha outros, vários. Pique-esconde. Balança-caixão. Era muito interessante. Era muito bacana. Inclusive as mães participavam, né? Irmãos mais velhos, que tinham. Então, era muito gostoso. Muita lembrança boa.
(09:51) P1 – Ótimo. Viu, Renata e a Vila Seixas, ficava longe do Centro, ou dava pra ir a pé? Qual era a distância, mais ou menos?
R1 – Não. Dava pra ir a pé, uns dois quilômetros, da Vila Seixas até o Centro.
(10:08) P1 – Sei. Vocês costumavam… pode falar, pode falar.
R1 – É, não tinha ônibus na época, né? E a gente atravessava. Depois ficou uma avenida muito complicada, a Independência. Antigamente não, era mais tranquila. A gente passava por uma praça que chamava Sete de Setembro, né? E era uma praça muito conhecida. Que, à noite, nós também íamos pra lá brincar de índio. Pegava, assim, as folhinhas, com palitinho e punha na cabeça e brincava de índio, né, que a praça nos proporcionava isso. E logo tinha o coreto com a música. Então, a gente atravessava essa praça, né e logo estava no Centro. O que eu me recordo bem é das Lojas Americanas.
(10:58) P1 – Ficava do lado ali da Pinguim, ali, pertinho da Pinguim, as Americanas? Ou não?
R1 – Do jeito que é hoje. Igualzinho.
(11:08) P1 – Sim. Ai, que legal. E nos finais de semana, o seu pai e sua mãe levavam você pra passear em algum lugar, lá na Praça XV, no cinema, no teatro, ou em algum sítio, né? Que na época o pessoal gostava de ir pro rancho, né? Você lembra dessas coisas?
R1 – Olha, eu lembro muito que meus pais trabalhavam muito. Que a gente era de uma classe pobre, mesmo. Então, de semana eles pegavam e trabalhavam. Eu tinha um avô, certo? O Vicente. Esse me pegava todos os dias e me levava até a Praça XV, que até hoje tem a figueira que eu fico apaixonada quando eu vejo, porque eu vi aquela figueira crescer, certo? E ele passava ali, em frente à Praça Sete e comprava um pastel de queijo. E nós íamos pra Praça XV. Depois retornávamos e ele comprava um picolé do ‘seu’ Otávio, que também era em frente à Sete de Setembro. (risos)
(12:19) P1 – Sim.
R1 – Era assim, pontos turísticos, na época, né?
(12:22) P1 – Sim. Até hoje, né? A Praça XV é turística. Todo o mundo vai lá. E é linda, né?
PROBLEMAS COM ÁUDIO
(15:18) P1 – Dona Renata, e na escola? Onde que a senhora estudou, e como que a senhora ia pra escola, como que era o ambiente na sua escola?
R1 – Eu estudei no primeiro grupo aqui no Guimarães Júnior, bem no Centro, também, atrás da catedral. Era tranquilo, certo. A gente vinha a pé, né? As mães atravessavam a Avenida da Independência, como sempre e a gente vinha até a escola. Na volta, às vezes eles iam e nos encontravam, às vezes vinha outra mãe.
Era muito gostoso, era aquela sainha pregueadinha, camisa branquinha. Era muito lindo.
(16:02) P1 – Sim. E…
R1 – E as pessoas eram bem bacanas.
(16:06) P1 – Muito legal. E a senhora gostou de alguma matéria, alguma disciplina, alguma matéria da escola te chamou mais atenção, assim?
R1 – Olha, arte, a gente fazia muito Artes, né, que é manual, coisas manuais. É a única coisa que me chamava muita atenção. Eu era meio” burrinha, sabe? (risos) É, eu acho que eu tinha déficit de atenção. Mas assim, muito inteligente, captava tudo no ar. Na hora de passar pro papel, eu tinha essa dificuldade.
(16:43) P1 – Sim, sim. E como que era o seu dia a dia? A senhora acordava cedo, ia pra escola, depois ia pra casa? Ajudava o seu pai na sapataria algumas vezes? Como que era o seu dia a dia?
R1 – Meu dia a dia era acordar cedo, né, eu estudava depois do meio-dia, meu pai preparava um lanchinho pra mim, que até hoje tenho saudades, que ele picava tudo o pãozinho, punha em volta do pires, a xícara, tudo com manteiguinha, né? E ele ia pro serviço, eu acordava, ia tomar o cafezinho e depois ia fazer as minhas tarefas. Assim, logo a mamãe me preparava o almoço e eu pegava e ia pra escola, só voltava às cinco e meia da tarde.
(17:32) P1 – Certo. Legal. E quando que a senhora começou a trabalhar? A senhora lembra do seu primeiro emprego?
R1 – (risos) O meu primeiro emprego foi na Garapa.
(17:44) P1 – Ah, já foi na Garapa? Olha…
R1 – Foi na Garapa.
(17:47) P1 – Então, depois que a senhora fez o prezinho, o primeiro grau, a senhora continuou estudando até quando?
R1 – Eu fiz até a quinta série. Eu casei-me, com quinze pra dezesseis anos. Eu engravidei e me casei.
(18:05) P1 – Sim. Ah, e como que a senhora conheceu o seu esposo, o seu marido?
R1 – O João é filho de uma tia minha, irmã do meu pai, que foi casada com o irmão do pai do João. Então, não tem parentesco.
(18:26) P1 – (risos) Sei.
R1 – Mas festinhas, passeios, casamentos, a gente estava sempre se encontrando. E ele sempre apaixonado em mim. E eu correndo dele (risos).
(18:43) P1 – (risos) Hã. Mas aí deu certo, né? Teve uma hora que você falou: “Tá bom, vou namorar.”
R1 – A gente tem quarenta e sete anos de casado.
(18:55) P1 – Sim.
R1 – Temos dois filhos, uma de quarenta e cinco e um de quarenta e um. Tenho três netas: vinte e um, vinte, catorze e um de dezenove, que é só do filho. A menina, a filha teve três meninas. E agora eu tenho um bisneto, que é a minha alegria. A realização. (risos).
(19:15) P1 – Bisneto? Que legal! Muito bom. E, Dona Renata, quando a senhora conheceu o João, ele já trabalhava com o pai dele na Garapa?
R1 – Ele, sim, trabalhava. Ele começou como pipoqueiro, às vezes ia, né, no canavial, buscar cana, mas quando a gente se encontrou novamente, ele estava fazendo Exército. Então, quando ele vinha do Exército, que era também no Centro, ele passava em frente à minha casa. Às vezes eu corria, às vezes eu ficava esperando. Então, ele terminou o Exército em janeiro, quando foi maio a gente casou. Eu estava grávida. A gente se conheceu, assim, em um ano e dois meses, assim, de entrosamento, né?
(20:04) P1 – Sei. E aí vocês foram morar onde?
R1 – Nós fomos morar com a minha mãe. Porque os pais dele tinham uma casinha no fundo, mas estava alugada. Então, nós precisamos esperar um pouco, pra pessoa sair, arrumar e a gente entrar. A gente tinha um fusquinha, aí a gente vendeu esse fusquinha e mobiliou a casa.
(20:31) P1– Que legal. E aí, quando que ele resolveu assumir o trabalho que o pai dele já fazia no comércio de garapa?
R1 – Foi o seguinte: eu, sem emprego, né, que às vezes eu só descarregava a cana do caminhão. Empilhava-as, que naquela época vinha tudo descascado, né? Vinha com casca, com coisas sujas, assim, então eu empilhava. E o João trabalhava com o pai. Porque ele começou a trabalhar numa firma, mas tinha que viajar, ele não gostava de ficar longe de mim, aí ele tinha que me levar e a gente dormia em posto… aquelas coisas bem simples, né? Pão com maionese, pão com mortadela. (risos) Foi, assim, uma vida bem puxada. Mas foi gostoso, viu, eu não posso reclamar, não.
(21:35) P1 – Sim. Mas...
R1 – Aí o pai queria já se afastar, né? E tinha nós, eu e meu esposo e a minha cunhada com o marido, que tinha sido mandado embora da Souza Cruz, que era aquela fábrica… que é a fábrica de cigarros, né? E fizeram uma reunião entre os irmãos e filhos e eu e meu cunhado ficamos pra fora, porque achamos que eles que deviam decidir participar. E aí foi posto pelo meu sogro, meu sogro pôs pra todos quem gostaria de assumir a Garapa. A minha cunhada - meu cunhado mais velho é dentista - a minha cunhada, depois dele, é professora. E depois dela, também, uma outra professora. E o João fazendo faculdade de Administração, certo?
(22:37) P1 – Certo.
R1 – Aí foi oferecido. E a gente já sabia que ia ser oferecido isso. E o meu cunhado falou: “Eu não tenho paciência pra trabalhar com meu sogro. Se vocês quiserem pegar…” E eu falei: “Bom, a decisão vai ser lá dentro, né, nós não podemos optar. O que eles optarem, a gente faz. Não sei o que sua esposa vai falar, que ela é filha. Não sei o que ela quer, então vamos esperar”. Acabou a reunião, realmente a minha cunhada não quis e ficou eu e o João. Aí o meu sogro apresentou-nos uma pasta, que eu li tudo de novo e falou assim: “Aqui está o troco. Vocês não vão ficar ricos, mas se souber trabalhar, vão sobreviver bem, certo? Como eu sobrevivi. Eu avaliei a perua, então, como vocês querem a perua, querem a garapeira, o que eu avaliei a garapeira, eu vou dar em dinheiro pros outros três. Vocês concordam? Vocês ficam com o trabalho e eles, com o dinheiro”. Nós: “Certamente, tudo bem, normal.” E assim foi. E o que me gravou muito é o que ele falava, né: “Vocês não vão ficar ricos, mas vão sobreviver.” E foi, mesmo, muito bom.
(24:12) P1 – Sei. Olha, que legal! Quer dizer que então ele se sentiu na obrigação, já que ele estava dando o negócio pra vocês, ele dividiu em igual parte pros outros. Né? Olha!
R1 – Isso. Deu em dinheiro pra eles, que ele avaliou a perua e deu em dinheiro pra eles.
(24:35) P1 – E ele, o seu sogro, tinha começado esse negócio de garapa quanto tempo antes?
R1 – Ah, foi dia dezenove de junho de 1955.
(24:47) P1 – Nossa!
R1 – Na verdade, ele tocava um barzinho perto, na Vila Seixas, né, de secos e molhados, sorvete, tudo. E ele montou essa garapeira pra um cunhado dele, né, que estava desempregado. E ele não se adaptou. Aí meu sogro falou: “Você, então, fica com a mercearia, né, que na época eles falavam armazém, né? E eu vou tentar tocar a garapa. E assim foi feito. De noite ele trabalhava na Tibiriçá com a Duque de Caxias, que ali tinha uma escola que chamava Moura Lacerda, que hoje é o Instituto Moura Lacerda, certo? E de dia ele ficava ali, na Avenida Álvares Cabral, com a Américo Brasiliense, numa esquininha, certo? Saía dali o movimento, acabava o movimento, que a rua acabava ali, não tinha asfalto mais pra cima, ele descia dois quarteirões e ficava até de noite, a hora que o pessoal saía da escola, né? E de domingo ele ia pra feira.
(26:03) P1 – Ah, na feira, né?
R1 – Aí depois ele foi diminuindo, foi ficando melhor a Garapa, onde ele estava posicionado e aí ele deixou de trabalhar à noite, de trabalhar de domingo, nas feiras.
(26:18) P1 – Ah, certo. E você sabe por que fez tanto sucesso? Uma das coisas deve ser o calor, né, que em Ribeirão é muito calor, então tomar garapa é uma delícia. Mas qual que era o segredo dele, de vender tanto assim, vender bem?
R1 – Ele dizia muito isso: “O segredo é que você tem que ter amor, qualidade, higiene e gostar do que está fazendo”. E ele falava muito em: “Todo o mundo é pro comércio. Mas nem todo o mundo é do comércio”. Quer dizer: o comércio é pra todos, mas nem todos são do comércio. Então, tinha esse diferencial que ele achava, assim, ele não deixava de falar isso nunca, ele sempre falava isso pra gente. E quando eu fui trabalhar, ele me chamou e disse: “Olha, aqui não tem negro, aqui não tem pobre, não tem médico, não tem ninguém, certo? Aqui todos somos iguais. E você não pode ter ciúmes do seu marido, porque vão chegar pessoas, cumprimentar”. Meu sogro era muito carismático, meu marido era mais fechado. Aí todo o mundo, inclusive, achava que eu era a filha dele. (risos)
(27:40) P1 – (risos) Filha dele.
R1 – Né? E não meu esposo, que meu esposo só… era eu e meu esposo e meu marido ficava na moagem e era um movimento muito bom, né? Então, ele quase não aparecia. Era mais eu e meu sogro, mesmo.
(28:03) P1 – Hum. Legal. O seu marido, então, tinha um emprego paralelo, depois que começou a Garapa?
R1 – Não. Depois que foi nos oferecido a Garapa, ele se dedicou totalmente à Garapa. De manhã ele levantava, pegava o caminhãozinho, ia buscar cana, né? E aí ele voltava, raspava essa cana. Onze horas a gente já estava almoçado, o meu sogro era rigoroso no horário. E a gente, eu e ele descíamos, montávamos a Garapa e meu esposo ficava com a função de raspar cana, que era muita cana, naquela época, que se consumia. E no Centro, né, hoje está tudo descentralizado, mas tá bom. E depois meu marido ia de motoquinha (risos) pro trabalho, na hora em que ele acabasse de deixar a cana pronta para o outro dia.
(28:55) P1 – Sim. E nessa época, Renata, era longe a casa de vocês do ponto em que vocês ficavam? Hoje eu sei que é pertinho, né, na frente?
R1 – Não. É em frente. (risos)
(29:09) P1 – Hoje é em frente, né?
R1 – Não, é o mesmo trajeto, é Vila Seixas, Centro. São dois quilômetros.
(29:15) P1 – Sei. Ah, tá. Que bom!
R1 – Dois quilômetros pra vir, dois quilômetros pra ir.
(29:22) P1 – E essa tarefa que ele tinha de pegar a cana, ele tinha que ir fora da cidade pra buscar a cana?
R1 – Sim. Inclusive na Fazenda Baixadão, que hoje existe o Ribeirão Shopping, né? Que ela é…
(29:39) P1 – (risos) Hoje é o shopping?
R1 – Ele pegou muita cana, ali. Então, hoje a gente vê, assim... eu não peguei essa época. Mas a gente tem, assim, um glamour, né, por ele fazer essa parte, né, da história, mesmo, de Ribeirão, que já pensou? Pensar… encontrar… pegar cana no canavial, que ele ia, cortava, com outro funcionário. E agora ia ali e via aquela imensidão: Ribeirão Shopping, Shopping Iguatemi. Aquilo ali desenvolveu maravilhosamente bem. Inclusive ele tem uma rua lá com o nome dele.
(30:14) P1 – Ah, é? Já tem a rua com o nome dele, João…? Como é que é o nome da rua? João…
R1 – É, a placa é João Perone. Embaixo, escrito: João Garapeiro. Porque hoje, você sabe a Rua Álvares Cabral, a São Sebastião, né, mas você não sabe quem é. (risos) Quem foi, né?
(30:39) P1 – É verdade.
R1 – Então, o dele foi João Perone. E João Garapeiro embaixo. Tanto é que, quando começou as entregas, pizzas, no Waze não aparecia João Perone, eles não achavam, entendeu? Aí a gente falava: “Ah, vê João Garapeiro”. Aí eles chegavam lá na rua e falavam: “Ah é, tem João Garapeiro embaixo”. (risos) Então, marcou bem, né?
(31:07) P1 – Legal. Viu, Renata, e depois que vocês assumiram, quais foram as dificuldades que vocês encontraram? Dificuldades principais, o que vocês precisaram fazer pra melhorar? Teve alguma dificuldade ou o público já veio fácil, assim, pra vocês?
R1 – Não, olha, a gente encontrou muita dificuldade. Você sabe que o seu sucesso incomoda as pessoas. E, graças a Deus pelo nosso carisma, pelo nosso carinho, muita gente comentava que a gente era rico, ganhava muito dinheiro. E, na verdade, não era nada disso. Era uma luta grande, né, tinha que acordar cedo, às vezes estourava pneu. Era bem sacrificado. Mas era gostoso, porque a gente era jovem, a gente queria vencer. Então, a gente sempre foi à luta, foi à luta, foi à luta. Tinha os conhecidos, a gente ia atrás do prefeito, do arcebispo. Aquele que nos desse mãos, a gente estava sempre procurando recursos. E, como muito querido meu sogro era, né, ele sempre conseguia as coisas que ele queria, por meio dessas pessoas.
(32:32) P1 – Sim.
R1 – Mas foi difícil.
(32:36) P1 – Eu imagino, né? Principalmente porque, muitas vezes, o comerciante que tem a loja física, às vezes reclama, né?
R1 – Sim. É daninha no chão, é gordura, porque a gente também fritava pastéis. A gente cuidava muito bem, sabe? A gente tinha o cuidado de limpar, de lavar. Igual hoje temos, né, todo esse cuidado. A gente sai do trabalho e larga tudo limpinho o chão, não deixa pros trabalhadores que fazem esse serviço, né, os serviçais. Então, era na época do meu sogro também desse jeito, a gente limpava tudo. Meu sogro ficou pouco ali, do lado do Correio. A gente mais… ele trabalhou mais do lado de lá, quarenta e um anos. Oito meses ele veio pra cá, muito aborrecido, muito sentido, porque eles tiraram dali, da Américo Brasiliense com a Álvares Cabral e ele achou injusto, porque foi uma aposta, né, que fizeram, que tirava o João Garapeiro. Porque a vez que a gente tirou a perua do (33:48), a pessoa que era dona, proprietária, chamou o João, né, falou: “Quero falar com você, João. Vocês não vão ficar aí”. Aí marcamos um encontro, né, na loja dele, na fábrica de pneus. Ele falou… eu me lembro muito bem, que eu estava junto, eu, meu marido e ele: “João, você não vai cagar no prato que você comeu, né?” Meu sogro falou: “Imagina, ‘seu’ Donair, jamais. Onde o senhor for, até que amanhã eu posso abrir um Mappin, Mesbla, ver o senhor na porta. Eu jamais vou lhe atrapalhar. Se abrir um comércio na porta da Garapeira, é óbvio que eu vou procurar outro lugar, vou procurar meus direitos na prefeitura e ver onde eu posso me instalar.” E assim foi feito. A gente ficou muitos anos, mas depois de muitos anos teve essa aposta, né, esse pessoal tirou a gente, que hoje tem uma salgaderia e tem um estacionamento. Sendo que a pessoa poderia fazer um estacionamento, entrar e sair do lado. Não, ele fez bem na frente da perua, certo? A gente recuou um pouquinho mais pra frente e ele pegou e fez a sarjeta bem em cima. E teve um dia que nós chegamos pra trabalhar e não pudemos, porque estava cheio de terra. Mas graças a Deus a gente tinha um bom vizinho e ele falou: “João, meu terreno” - era o lanche (35:12), muito conhecido aqui também. Hoje já se acabou – “onde eu ganho o meu pão, você também vai ganhar o seu. Você vende garapa, eu vendo lanche e refrigerante. Nós dois vamos ganhar”. Foi um grande amigo também, que nos ajudou muito, que nos deu um bom empurrão. Somos amigos até hoje, ele está na Bahia, mas somos como irmãos. Que a gente o achou, assim, bem acolhedor, sabe?
(35:38) P1 – Sei.
R1 – Que eu tinha acabado de perder meu pai, numa cirurgia de coração. Então, eu estava muito debilitada. Ele morreu com sessenta e quatro anos. E, como você já percebeu, né, eu só falo no meu pai. (risos) Então, eu era muito ligada com meu pai. Entendeu?
(35:54) P1 – Sim. Entendi. Ô, Renata…
R1 – Mas vencemos.
(35:59) P1 – Ah, eu imagino. Mas, Renata, qual que é… como que era esse negócio com a prefeitura? Vocês tinham que ter algum certificado pra funcionar em tal esquina ou na outra? Porque você contou essa história aí. Como que era?
R1 – A gente chegou a pagar… meu sogro chegou a pagar Isms, é isso que fala?
(36:24) P1 – É. Icms.
R1 – Chegou a pagar isso ___________ (36:29).
(36:29) P1 – É. Sim.
R1 – Entendeu? Depois foi substituído, né? E aí tem, a gente tem assim: uma inscrição, que a gente paga por ano, não é um grande valor, mas a gente paga. E o uso de solo, que é onde as pessoas ficam, onde a perua fica, que a gente paga, também.
(36:48) P1 – Sim. E outra…
R1 – Então, a gente tem esse respaldo, né?
(36:59) P1 – Sim.
R1 – Nós somos inscritos na prefeitura.
(37:01) P1 – Ah, legal. E, Renata, além da Garapa, o que vocês colocaram pra vender, lá? Você falou que lá vende pastel, também? O que mais?
R1 – É. Assim, antes do meu sogro morrer, ele queria deixar uma coisa pro meu filho, certo, começar o trabalho. Ele dizia: “Vocês três aqui não vão tirar tudo”. O correio fechou, foi uma reforma muito grande, de seis anos. Então, teve uma boa decaída. E ele era muito amigo do Jábali, o ex-prefeito daqui, que nos ofereceu a esquina de cima, que hoje nós temos uma lanchonete de cachorro-quente. Mas que começou assim, com salgaderia… ele, com catorze anos, não queria, porque as amigas chegavam, riam, ele se escondia no banheiro, aí ele queria trabalhar no Banco, aí eu dizia: “Uai, se você ganhar mais e tiver a mesma liberdade… a mamãe e o vovô queriam muito que você…” Nesse intermédio, meu sogro morreu. Na negociação, meu sogro morreu. Então, ficou em pauta. Como a pessoa estava se candidatando a prefeito, ele pegou e falou: “Olha, Renata, vamos deixar pra depois de janeiro, porque aí eu tomo posse, ou saio, não sei como que vai ser. E aí a gente negocia”. E assim foi feito. Fui comandar, eu não podia passar pra ninguém. Eu pagava um irrisório aluguelzinho e fui levando minhas coisas de casa: fogão, geladeira e tal. (risos) E fui indo. Eu levava um trocozinho, né, pra passar o dia. E o que sobrava no final do dia eu ia ao… naquela época, não era Assaí. Naquela época era o Makro. Então, com aquela reserva, eu comprava, certo? Com aquela reserva, não, com aquele dinheiro que eu ganhei no dia. Pra começar a trabalhar no outro dia. Então, assim, tudo que a pessoa ia pedindo: “Ah, você tem fósforo? Ah, você não tem café com leite? Ah, você só tem salgado?” E assim - a geladeira nossa era um isopor cheio de gelo, eu tinha um micro-ondas em casa, que eu levei pra aquecer os pães - eu fui indo. Eu fui indo, eu fui me entrosando muito mesmo, porque eu tive um professor muito grande, que foi meu sogro, né?
(39:39) P1 – Sim.
R1 – E, como eu te disse, ele falou: “Nem todo o mundo é pro comércio”, né? Mas eu era pro comércio, mesmo. (risos). Se você me botar, aí, pra vender uma roupa, alguma coisa pra sair vendendo, não sei fazer, mas se você me pôr atrás de uma cozinha ou de um balcão, meu filho, de comida, não tem pra ninguém. (risos). ________ (39:58). Aí meu filho veio e queria ser contínuo de um Banco. Eu disse: “Pode ser. Vá, faça a inscrição, se você conseguir mais dinheiro que aqui e a liberdade de ir e vir a hora que você quiser, porque ser patrão é uma coisa. Ser proprietário é outra. Você tem que perceber essa diferença, né? Então, você vai ver o que você quer fazer”. E aí ele falou: “Tá, eu vou pensar, mas eu vou fazer a inscrição”. Eu falei: “Pode ir”. E ele foi fazer a inscrição no Banco do Brasil. Passado uns dias, tinha a Semana Santa e ele disse: “Mamãe, meus amiguinhos estão indo pra praia, tá tudo pago. E eu sou o único que tenho carro. Você deixa eu ir?” Eu falei: “Você tem dinheiro?” Ele disse: “Tenho. Tenho, sim”. Aí eu disse pra ele: “Então vá”. Ele falou: “Mas acontece que eles vão na segunda-feira à noite. E meu pai?” Eu falei: “Fica tranquilo. Seu pai, eu dou um jeito nele. (risos). Eu contorno a situação. A gente vai trabalhar até na quarta-feira, né, da Semana Santa, então dois dias não vai me fazer diferença”, a loja também não era tão grande. E aí ele foi pra casa à tarde, arrumou as malas e ficou esperando. Segunda. Terça. Quarta. Quinta. Sexta-feira da paixão. Quando ele saiu daqui quatro horas da manhã, foram pra praia de Maresias e tiveram que voltar na segunda-feira cedo, porque os meninos entravam em serviço. Aí, quando ele chegou, eu disse: “Olha, que pena, você perdeu muitos dias. Você viu a diferença de patrão e de empregado ou funcionário?” Ele falou: “É, mamãe. Tem uma grande diferença”. Ele tinha dezoito anos. Já tinha casa, tudo. Aí eu falei: “Então, essa é a diferença. Você tem todo o tempo possível pra pensar e querer. Querer ou não. Se você quiser, a gente toca junto. Senão, você pode procurar o seu serviço e eu vou fechar, porque o seu avô quis que eu abrisse aqui pra você. Então, eu tenho que ajudar seu pai, seu pai perdeu seu avô, ele está muito abatido, né, está se recuperando e foi muito difícil”. Uma época muito difícil, porque ele morreu assim, do dia pra noite, entendeu? Não foi assim: ficou doente e demorou. Do dia pra noite. Então, aí ele falou: “Tá bom, eu vou pensar” “Fica à vontade.” Aí passou uns dias, eu acho que ele viu a diferença, né? Ele chegou em mim e disse: “Mamãe, vamos assumir. Eu vou assumir a Garapa, a lanchonete”. Eu falei: “Ótimo!” “Eu quero ser seu sócio”. Eu falei: “Sócio, nem com meu pai, que eu mais gostava. (risos) Sociedade não dá certo. Você compra a minha parte, certo? E você toca. Você é capaz. Eu tenho certeza que você vai tocar”. E, olha, ele virou um grande empreendedor. Você não acredita no que o meu filho cresceu. Ele chama essa lanchonete que existe até hoje, faz vinte e três anos, de “galinha dos ovos de ouro”.
(43:18) P1 – (risos) Deu certo, né?
R1 – Mas ele tem outro investimento, tem até um funcionário que toca e ele tem outros empreendimentos. É um grande empreendedor. Ele tem quarenta e um anos, mas é fantástico.
(43:30) P1 – Sei.
R1 – É de dar exemplo a qualquer um.
(43:34) P1 – Que legal! E você e seu marido… sim. E você não ficou com vontade de ficar com a lanchonete? Você não teve vontade de ficar na lanchonete e ganhar dinheiro lá, também?
R1 – Fiquei muito, porque lá eu formei os dois. Eu casei uma, depois casei ele, mas o João queria eu na Garapa. Então, quando era duas, duas e meia, o João ficava me ligando: “Vem pra Garapa, que está apertado”. Estava, nada! É que ele me queria do lado dele. Ele sempre foi muito dependente de mim, entendeu?
Então, eu tinha que descer. E eu já descia com um dinheirinho bom dentro do sutiã.
(44:19) P1 – Sei.
R1 – Mas eu tive muita vontade, sim. E aí meu filho disse: “Mamãe, tô com vontade de montar uma salgaderia. Esse senhor que faz salgado pra mim quebrou, porque não pagou os impostos. E eu tô com vontade de montar uma salgaderia. Você me ajuda?” Falei: “Lógico. Eu vou como eu faço: vou de manhã, ajudo, de tarde, depois, ajudo seu pai.” E aí montamos a salgaderia. E foi um sucesso, certo? Eu não sabia fazer nada. Pastel, coxinha, nada. Mas administrar era comigo, mesma. E está lá né, cinco horas da manhã, que a gente tinha o COC. Que tinha os meninos COC que vinham, que eu fazia promoção: quem trazia dois colegas ganhava um salgado e um suco. Não era grande coisa, mas era um chamativo. E dia de Páscoa, Dia… fazia Dia da peruca, sutiã… (risos) eu sempre estava inovando alguma coisa na semana, né, pra trazê-los pra lanchonete. Tem muitas fotos, eu não sei onde está agora, mas eu tenho muitas fotos dos meninos COC, que era bem ali pertinho e depois eu trouxe pra Garapa, né? Quando eu saí de lá, eu trouxe pra Garapa. Mas eu tenho muita saudade. Eu tinha vontade de ter tocado. Mas como meu marido também, como eu falei pra Carla, né, é doente, com cinquenta anos ele sofreu um infarto quase que fulminante. Depois, mais uns anos, ele teve uma septicemia, ficou muito doente. Então, ele tem essa dificuldade. Então, eu mesma que tenho que estar, assim, em cima do controle. Aí montei, deixei tudo montadinho, ele pôs funcionário, falou: “Mamãe, preciso de você”. Falei: “Outra vez?” (risos) Ele disse: “Sim, eu tô querendo montar uma casa de comida, prato feito”. Eu falei: “Ah, vamos embora. Você já tem um lugar?” Ele falou: “Olha, mamãe, eu tenho um lugar, eu tenho três meses pra fazer um teste, pago todas as despesas, tudo e a gente pode servir. Você pode me ajudar?” Falei: “Lógico, posso sim”. E aí a Dona Renata de novo, na cozinha, (risos) agradar o pessoal. Pra você ter uma ideia, a gente começou com dezoito refeições. Em três meses, eu entreguei com duzentas e oitenta refeições.
(46:58) P1 – Nossa!
R1 – Você entendeu? O carisma. É aquele… até hoje eles me cobram: “Ai, Dona Renata, por que a senhora não volta a fazer comida? Comida igual de mãe não tem. A gente só come industrializado. Tudo, né?” Mas eu já fiz a minha parte, eu acho que tá bom, né? Dá pra servir…
(47:16) P1 – Tá ótimo.
R1 – (risos) Mas eu gosto muito disso. Eu tenho loucura, assim. Se amanhã ou depois der uma zebra, eu invento.
(47:25) P1 – Dá pra fazer. E é interessante porque, pelo que eu entendo, todo o mundo do Centro já conhece vocês, né? Já conhece o trabalho de vocês, a história de vocês. Então, cada negócio desses que vocês montavam, o pessoal já sabia que era você, que era a mulher do João, né?
R1 – Não, nora do ‘seu’ João Garapeiro. Nora do Seu João Garapeiro.
(47:53) P1 – Isso.
R1 – Esposa do João nunca eles falavam. (risos) Era a nora do ‘seu’ João Garapeiro, entendeu?
(48:01) P1 – Que legal!
R1 – Porque ficou bem-marcado, assim, porque eu parecia filha e não meu esposo. Eu é que ficava mais, assim, visivelmente, né, ajudando, servindo, carinhosamente levando aos carros. E sempre, assim, com aquele carisma que eu tinha e que ele acabou me ensinando mais, pro comércio.
(48:24) P1 – Sim. E hoje, Renata, o seu filho está com quantos pontos comerciais?
R1 – Olha, ponto comercial, ele só tem esse, certo? Ele tem uma loja de automóveis novos e seminovos e constrói casa, reforma. É um grande empreendedor, tem várias coisinhas que ele faz. Chamou, dá dinheiro, ele está indo. (risos) É um grande empreendedor.
(48:59) P1 – Legal.
R1 – Dá muito orgulho dele ser assim, porque começou como começou, né, você vê o que virou, graças a Deus, né?
(49:07) P1 – Sim. Que bom! E o outro irmão? É irmã ou irmão?
R1 – Oi?
(49:13) P1 – Você tem mais um filho, né?
R1 – Tenho a filha, Luciana.
(49:19) P1 – E o que ela faz?
R1 – Ela é psicopedagoga.
(49:24) P1 – Hum, psicopedagoga. Legal. Ô, Renata, quando vocês tiveram os filhos e eles eram pequenininhos, como vocês fizeram pra arrumar o dia a dia? Porque tinha que cuidar deles e ir pra Garapa, como que era?
R1 – Entre o Rodrigo e a Luciana tem cinco anos de diferença. Então, a Luciana ia pro Gurilândia, que era uma escolinha ali na Independência, né? Depois minha mãe a pegava, morava em Ribeirão, antes. E já dava comida, dava banho e depois eu a levava embora. O Rodrigo veio depois de cinco anos, ele… aí eu já não trabalhava, porque ele veio de oito meses, naquela época era muito complicado, aí ele veio muito magrinho, fraquinho, então precisou muito de mim. Hoje é um “homerão”. Ele tem um metro e oitenta de tamanho e a Luciana tem um metro e meio. (risos) Você fica… a desproporção. Ficou muito bem. E depois, quando ele adquiriu uma idadezinha de um ano e meio, eu botei numa escolinha, também. Aí já tinha babá, já tinha empregada. Aí ela o levava e o trazia da escolinha. E, quando eu chegava, estava tudo prontinho. E tudo bem.
(50:46) P1 – Sim. Renata, vocês chegavam a fazer propaganda? Tinha propaganda do João Garapeiro no jornal, folhetinho, na rádio, ou era só no boca-a-boca?
R1 – Era só boca-a-boca.
(51:02) P1 – É?
R1 – Não tinha reportagem, não pagávamos nada, sabe? Inclusive, ele teve um problema com uma repórter de Ribeirão Preto, que é a Neusa Bighetti, vou citar o nome, porque eu não tenho medo dela, né? Ela, até outro dia, foi muito ofensiva...
(51:21) P1 – Hum.
R1 – ... comigo. E ela chegou e falou: “Ô, ‘seu’ João, eu queria fazer uma entrevista com o senhor, pro senhor sair no meu jornal e não sei o que lá, pá, pá, pá. Só que tem um custo”. Ele falou assim: “Olha, bem. Espera um pouquinho. Você falou em custo? Eu não tenho verba disponível pra isso” “Ah, mas o senhor faz com a cidade, na cidade, EPTV Ribeirão Preto e não sei o que lá, com as emissoras que estão entrando no comércio”. Ele falou: “Sempre vieram me procurar, mas nunca me levaram o dinheiro”. Ela disse: “Ah, eu duvido. E também vou embora porque, se não vai sair dinheiro, eu não vou trabalhar de graça pro senhor”. E ele ficou muito sentido, sabe?
(52:12) P1 – Claro.
R1 – E ele me chamou: “Vem ver o que eu estou ouvindo”. Ele pediu pra ela repetir pra mim. E eu falei: “É, Neusa, infelizmente, (risos) o pessoal procura a gente. A gente não vai até ninguém. Então, somos procurados. Igual a você, você não nos procurou, sem interesse nenhum? Eles faziam o mesmo”. E ela pegou e foi embora. E ele ficou chorando, porque ele disse que nunca tinha ouvido falar, né? Ele falou: “De onde que ela tirou esse negócio que eu tenho dinheiro pra reportagem, pra fazer? Tudo que vem, é bem-vindo”, né? Ele recebeu o João Figueiredo, o José Sarney. Até foi assim, bem popular, punha cana, punha um emblema, sabe? Porque eles passavam ali naquela rua, virava a rua principal, né? É a única, também. Então, era assim. Nós nunca… era boca-a-boca, mesmo e as entrevistas que nos procuravam, a gente dava.
(53:20) P1 – Certo. No jornal e na televisão, vocês já apareceram um monte de vezes, né? Por reportagem normal, né?
R1 – Sim. O Banco Itaú fez propaganda. Quando Ribeirão faz aniversário a gente aparecia também, porque a gente faz data de aniversário de abertura de Garapa no dia do aniversário de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto fez cento e sessenta e cinco anos. Nós fizemos sessenta e seis… vamos fazer sessenta e seis anos de Garapa, no mesmo dia.
(53:53) P1 – Ai, que legal!
R1 – Então, era assim. Motivado por isso, por alguma coisa: jornal, TV, algum político que vinha, famoso, né? Ou alguma coisa que acontecia no comércio, também, eles vêm, acho, pra perguntar pra gente como a gente está seguindo no comércio, né?
(54:10) P1 – Sim, sim.
R1 – Então, era sempre assim. Direcionado ao comércio. Nunca nós fomos atrás de ninguém.
(54:18) P1 – Legal. Ô, Dona Renata, você me falou que o José Sarney foi lá. O José Sarney?
R1 – Passou. Naquelas carreatas.
(54:30) P1 – Ah, passava na frente!
R1 – E o João Figueiredo, eu lembro, também, que ele passou a pé.
(54:37) P1 – Ah, passou a pé do lado. Quem mais famoso vocês atenderam? Você lembra de alguém conhecido? Pode ser de Ribeirão, mesmo.
R1 – Olha, vem muito estrangeiro. As pessoas vêm pra trazer, pra conhecer a tradição da cidade. Artistas que vão ao teatro, vão filmar alguma coisa em Ribeirão, as pessoas trazem, pra conhecer a tradição. Assim, no momento, assim, especial, mesmo, que eu lembro, eram os candidatos à presidência, né?
(55:08) P1 – Presidência.
R1 – E os prefeitos também, que vinham, né? Mas o meu sogro tinha a lei da boa vizinhança. Ele não apoiava ninguém, dava atenção a todos e não comprometia com nada. E ele tinha uma coisa: o voto dele era secretíssimo, nem nós sabíamos. Ele só dava dica: “Eu gostaria que fulano fosse”. Mas não falava pra gente fazer. Então, assim, ele tinha uma sistemática muito bacana, né, de lidar com isso. Tanto que hoje a gente faz EPTV, Clube, Thathi, se chamar a gente vai e faz normal, porque não tem essa diferença. Ele não ensinou a gente a fazer a diferença: “Ah, vamos apoiar só um ou vamos apoiar só o outro”. Aquele que viesse, era bem-vindo.
(56:00) P1 – Legal. E por acaso vocês já usaram redes sociais, pra colocar o nome?
R1 – Como?
(56:09) P1 – Vocês utilizaram, alguma vez, rede social? Tipo: Facebook, Instagram, vocês não usam?
R1 – Facebook. Tem o do João, João Garapeiro Filho. Tem mais de cinco mil pessoas no Facebook dele, entendeu? É bem carismático, agora ele ficou bem mais carismático...
(56:32) P1 – Sim. Sim. E o que vocês colocam…
R1 – … e agora ele tá se desempenhando. E tem gente que fala: “Ó, eu sou amiga sua no Face”. São tantas, que a gente não lembra. E ele é muito esquecido, sabe?
(56:45) P1 – Sim. Cinco mil, né? E…
R1 – Não lembra. Ele fala, agora tem uma desculpa: “Você está mascarado!” (risos) Porque tem a máscara, né? “Você está mascarado, como que eu vou te conhecer?”
(56:57) P1 – Sim, porque não dá pra ver, né? Viu, Renata, e vocês costumam fazer promoções, assim? Colocar no Facebook: “Hoje temos uma promoção aqui pra vender mais barato” ou “Você ganha um pastel”, alguma coisa assim, você faz?
R1 – Às vezes, quando alguém posta alguma coisa, aí a gente fala: “Olha, se você viu e chegar na Garapa e falar que viu o João Garapeiro em tal lugar, ou em tal TV, ou em alguém que postou, tem uma garapinha grátis”. (risos)
(57:34) P1 – Sim. Ai, que legal.
R1 – Então, a gente faz isso.
(57:37) P1 – Sim. Ô, Renata, e concorrência? Vocês sofreram concorrência? Porque podia ter outro garapeiro em Ribeirão, né? Aconteceu?
R1 – Olha, meu sogro também tinha uma coisa muito que ele falava, fazia: “O sol nasceu pra todos”. Então, onde estiver, vai dividir o espaço de cada um, né? Tentaram pôr garapa na esquina de lá, na esquina de cá, tudo, mas não competiu com ele, não tinha jeito. Mas não que ele denunciasse, que ele dizia: “Olha, fulano, não vai dar certo, está me atrapalhando”. Isso ele deixou muito claro pra nós, que o sol brilha pra todo o mundo.
(58:30) P1 – Que legal! E quanto a tantos anos, né, 1956 que começou o João Garapeiro?
R1 – 1955.
(58:45) P1 – Cinquenta e cinco. Desse tempo todo, até hoje, vocês passaram, tanto seu sogro, quanto você e seu marido, por um monte de crises econômicas. Você lembra das crises? Teve inflação muito grande…
R1 – Foram várias.
(59:03) P1 – Então, foram um monte, né? Plano Cruzado, tirou o dinheiro da poupança, teve um monte de crise. Como vocês lembram de ter passado essas crises? Teve que apertar o cinto, teve que aumentar o preço do produto? Como que foi?
R1 – Eu recordo muito bem que a gente passou todas as crises junto, certo? E sempre tinha, assim, aquele manejo, né? De “segura aqui”, “segura ali”. Passamos muitas crises, né? Muitas, mesmo. Inclusive até pessoal. Pessoas que desciam o pau, falavam: “Ah, o senhor é rico, por que o senhor está trabalhando?” Até hoje eles falam. Mas isso não nos afeta, né? O importante é que a gente tem carinho, a gente gosta daquilo que faz e estamos juntos, né, estamos trabalhando. Mas foram muitas épocas ruins. Inclusive quando mudou o real, lembra? Que uma moedinha de um real custava três… dois, trezentos e pouco, né? (risos) Eu virei pro meu sogro e falei: “Ah, mas eu não vou trabalhar por um real, de jeito nenhum!” (risos) Porque a garapa era três reais.
(01:00:19) P1 – Muito pouco! Sim, sim.
R1 – E eu não me conformava de ter que ir trabalhar por causa de um real. Eu achava que tinha que diminuir aquilo, nós tínhamos que diminuir nosso câmbio. Eu falei: “Ah, mas eu não vou trabalhar por um real, de jeito nenhum.” Aí ele sentava comigo, explicava. Fazia vezes e falava: “Tá vendo, a gente vendeu tanto, vezes tanto, dá tanto. Então, nós não perdemos, é o processo que mudou, na transformação”.
(01:00:44) P1 – Novo valor. É. (risos) Sim.
R1 – Mas eu, isso eu fiquei muito brava. (risos)
(01:00:52) P1 – Claro, né? E, Dona Renata, quanto à pandemia, né, o que a pandemia afetou no negócio de vocês? A pandemia do vírus, agora, que foi no ano passado, começou, né?
R1 – Olha, como todos, né? Afetou o comércio, né? A gente já tinha sentido, como você falou, da crise, a gente começou a sentir crise também quando começou a abrir os shoppings, né? Então, o pessoal dava preferência, porque era ar-condicionado, estacionamento fácil, não tinha guarda pra pagar no pé, né? Então, assim, a gente vem sofrendo desde essa época, mas passando. E a pandemia nos afetou, como a todos. A gente acompanha o comércio, como eles querem, não é assim: “Ai, vou abrir, não vai”. Não. Tudo o que o comércio faz, a gente faz também. A gente acompanha muito o comércio. E…
(01:01:56) P1 – Mas foi proibido?
R1 – _________ (01:01:58). Não vou dizer que não. Caiu mais ou menos setenta por cento, né? Como pra todos, não só pra nós. Então, eu sempre digo, não somos só nós. Estamos todos no mesmo barco. E bora navegar.
(01:02:12) P1 – É verdade. Mas chegaram a proibir vocês de abrir a Garapa?
R1 – Quando teve lockdown, sim.
(01:02:22) P1 – Proibiu?
R1 – Teve lockdown, né, de quase seis meses. Fechou tudo. Tudo, tudo, tudo. Só ficou aberto _________ (01:02:29) em lockdown, né? Nós ficamos fechados. Muita gente quebrou, aqui em Ribeirão. Amigos nossos. Nós ficamos fechados, sim. Proibiu, porque no lockdown a gente tinha que respeitar, né? Por que nós íamos nos expor, porque era uma coisa que não tinha, era inédita e nós não sabíamos como que ia ser e não íamos nos expor, porque o João é muito doente, né, ele é cardiopata, diabético. Então, eu tenho que cuidar dele. Então, eu não poderia me expor. E também eu iria afrontar os meus amigos de comércio. Então, não tem por que… como eu te disse: tudo o que o comércio faz, a gente acompanha.
(01:03:11) P1 – Tá certo. Renata, vocês têm algum funcionário, hoje? Quantos funcionários? Tem algum?
R1 – Não.
(01:03:20) P1 – É só vocês agora?
R1 - É eu e o João, João e eu.
(01:03:23) P1 – Sim (risos). Que legal! E o que, pra você, é mais difícil no comércio? O comércio tem o atendimento ao cliente, comprar a matéria-prima, colocar preço, fazer contabilidade, tem muitas coisas no comércio. O que, pra você, é mais difícil e o que, pra você, é melhor?
R1 – Olha, pra te ser sincera, eu não vejo dificuldade nenhuma. Eu achei até que melhorou um pouco mais. Primeiro a gente buscava gelo, buscava cana no canavial… tinha todas essas coisinhas pra fazer, antes de abrir a Garapa. Hoje a gente já abre a Garapa, o gelo já é na porta de casa, que eles trazem. A cana vem raspadinha, de dúzia. Montadinha. Limpinha. E tudo, assim, facilitou bem, né? Então, eu acho que foi isso, que está melhorando, foi pra melhor, né? Que, na época que a gente buscava cana, eu ia no Ceasa, depois eu ia buscar meu sogro lá na ___________ (01:04:39) Santo Antônio, que tinha que tirar nota, meu marido vinha com a caminhonete, furava o pneu, eu tinha que pedir… olha, foi assim, bem _______ (01:04:46). Hoje eu acredito assim, que a gente está numa fase melhor, mais gostosa pra trabalhar, porque tem essa disponibilidade de trazerem a cana raspadinha, o gelo, a água, água de coco, que a gente também só trabalha com água de coco, água mineral e garapa. Aí tem uns que falam: “Ah, por que vocês não põem pastel?”, né, porque garapa combina com pastel. É que a gente tem várias pessoas aqui que vendem, não são concorrentes, mas eu não quero ser concorrente de ninguém.
(01:05:17) P1 – Sim.
R1 – Então, várias vezes eu atravesso a rua e vou buscar pastel na rua. Pro freguês. (risos) “Ah, mas eu queria garapa com pastel!” Aí eu vou, atravesso e vou buscar o pastelzinho que ele quer.
(01:05:33) P1 – Que legal! Muito bom, Renata. E a sua vida, assim, fora do trabalho, o que você gosta de fazer?
R1 – Ai, eu sou aventureira, você não sabe.
(01:05:50) P1 – É?
R1 – Adoro passear. Adoro viajar. Eu faço qualquer negócio pra passear, né? Quando eu posso, eu faço. E sempre que faço, é assim: eu faço primeiro, pago, depois vou. Então, quando eu vou, eu vou pra aproveitar, você entendeu? Conheci muito a Serra da Canastra. Muitos sítios. Rio de Janeiro, várias vezes, passei o réveillon, inclusive 2019, estava já na pandemia, eu estava lá no meio daqueles três milhões de pessoas. (risos) Me assustou muito, né? Então, assim, passeios. Pra mim um pão com mortadela e uma cervejinha debaixo de uma árvore, na estrada, é festa.
(01:06:30) P1 – É festa. (risos) Muito bom. Aí perto de Ribeirão, vocês não gostam de ir? Não tem um lugar que vocês gostam de ir? Ribeirão tem muito rancho, né?
R1 – Tem. Tem uma pousada, que a gente vai, né? Fica lá. Agora não, que está o inverno e tem piscina, à noite o João sente muito frio, tem problema. Mas tem uma pousada que a gente vai e fica, um hotelzinho, né, que tem piscina, a gente faz um churrasquinho, leva a bebidinha da gente. Depois, de manhã, tem o cafezinho da manhã, tem um almocinho. E quando é de tardezinha, a gente vem embora, né? Mas agora, com a pandemia, está meio restrito. Nós estamos muito aflitos, né? (risos)
(01:07:10) P1 – Sim (risos).
(01:07:11) P2 – Ô, Renata, vocês vão lá passear no Bonfim? Tem muito restaurante. Vocês vão passear no Bonfim?
(01:07:19) P1 – Bonfim Paulista.
R1 – Vamos. Vamos a Bonfim. Carnaval, quermesse. Os botequinhos. Vamos aqui, no Jurucê, na Tigrinha, que é muito famosa, aqui, que tem comida de boteco. Bar da Árvore. Ah, a gente gosta de procurar bastante coisa, viu? A gente gosta, mesmo, de… hoje nós estamos mais acomodados, né, por causa da pandemia, desanimou muito, desmotivou muito a gente. Mas a gente tem que ter cuidado, né? E eu não posso reclamar da minha vida, não, porque são quarenta e sete anos de casada, né, muito bem vividos. Com tropeços e tropicos, mas muito bem aproveitados. Aproveitei demais, eu não posso reclamar da minha vida, de jeito nenhum. Mesmo quando eu era pobre, que meus pais sempre me deram liberdade pra ir e vir com meus padrinhos, tios, eu era muito querida. E depois de casada, também. O João não tinha esse costume de viajar, o familiar dele sempre foi de trabalhar. O pai nunca pegou os filhos e saiu pra viagem. E quando eu saía pra viagem, ele dizia: “Ai, Renata, outra vez nós vamos viajar?” Chegava a ficar bravo. Eu falava: “Não, nós trabalhamos, estamos com o nosso dinheiro”. E ele ficava bravo comigo: “Já vai gastar dinheiro? Não pode ganhar um pouco e já vai gastar? Pensa no futuro”. Hoje, por causa de vários tropeços que a vida nos trouxe, né, várias crises, realmente, se a gente tivesse guardado, né, nós teríamos mais conforto, né? Por exemplo: não precisaríamos trabalhar todos os dias, poderíamos viajar mais. Mas a gente fez isso antes. E foi bom. Porque hoje, com essa pandemia e o João como é, doente, tem restrições, né, pra sair.
(01:09:15) P2 – Sim.
R1 – Então, assim, a gente não pode reclamar. Nós fomos motociclistas há mais de seis anos, certo? Eu e ele.
(01:09:23) P2 – É mesmo?
R1 – A gente foi em Campo Grande, Rio de Janeiro. Todo lugar que você imaginar, a gente ia. E fomos motociclistas muito felizes, não tinha tempo bom, né? Era sol, chuva, a gente estava indo, eu e ele e…
(01:09:37) P2 – Mas vocês faziam parte de algum moto clube? Fazia parte de algum moto clube?
R1 – Sim, a gente fazia parte do Cavaleiros Negros. Que foi fundado, inclusive, por nós. Por mim e pelo João, né? E era de casais. Nós tínhamos dezoito casais.
(01:09:57) P1 – Ai, que legal.
R1 – E a gente ia pra Serra da Canastra, ia pra Pousada do Rio Quente. Todo lugar que tinha um evento, nós íamos juntos, né? Tinha um evento que era muito famoso, Serra Negra.
(01:10:14) P1 – Serra Negra.
R1 – Então, aí a gente ia, né? Hoje acabou tudo, né? Hoje não está, assim, tão gostoso. Mas ainda tem muita turma! Mas depois que o João, aos cinquenta anos, infartou, o médico proibiu.
(01:10:28) P1 – Certo.
R1 – Da gente sair, porque era risco.
(01:10:30) P1 – Vocês iam na mesma moto ou separado?
R1 – Não, na mesma moto. Eu pilotava também. Quando ele descansava, eu pilotava.
(01:10:40) P1 – Certo.
R1 – Mas mais era ele. Gostava de ouvir música. Enfiava um Bee Gees e John Lennon e viajava, na viagem. (risos)
(01:10:50) P1 – Ai, que legal. Muito bom.
(01:10:52) P2 – O que faz, assim, o que faz viajar, na viagem? A estrada, o vento no rosto? O que faz parte dessa cultura de moto clube?
R1 – Não entendi.
(01:11:05) P2 – O que é bom nessa vida de moto clube, de estar na estrada?
R1 – É a liberdade de você ir e vir e ninguém querer saber o que você tem ou deixa de ter. Esse foi o aprendizado da gente, sabe? Todo o mundo era igual. Não tinha o rico, não tinha o pobre, melhor moto, menor moto, melhor hotel, pior hotel. Quando se encontrava, era tudo felicidade. (risos)
(01:11:38) P2 – E por que o moto clube de casal? Por que o moto clube de casal?
R1 – Porque eu era incentivadora, né? Como sempre, né? (risos) E aí a pessoa falava: “Olha, que bacana que você veio, né? Minha mulher não vem”. E a gente combinava um dia de se encontrar, eu falava: “Ah, vamos fazer tal passeio?” E aí fui fazendo, assim, esse contato com as mulheres, elas não gostavam e passaram a gostar. E aí, depois que o João parou, aí se desfez essa turma. Mas somos amigos até hoje.
(01:12:17) P2 – Que maravilha. Ô, Renata, e assim, o moto clube tem muitas regras pra fazer parte?
R1 – Olha, tem uns que sim, tem muitas regras. O Abutres é um rigorosíssimo, é tipo “anastia”, não sei te falar, uma coisa esquisita. Nós éramos amigos, participávamos juntos, tinha que chegar no encontro na mesma coisa… alguns tem algumas restrições, tinha que pôr dinheiro pra fazer eventos, pra participar. O nosso, não. O nosso era liberal. Ia quem queria. A gente só tinha um colete, tinha um tigre atrás, né? E vestia a camisa e ia embora, né? Então, era isso. Não era assim… tem uns moto clubes que tem, sim, restrições, regras, mulher não pode ir, de quinta-feira só vai homem, né? O nosso, não. O nosso era… inclusive, a gente montou a turma da quinta. As mulheres iam para um lado, os homens iam pro outro. (risos)
(01:13:24) P1 – (risos) Sim.
R1 – E aí, existe até hoje. Com outros grupos de motociclista. E em outros grupos. Hoje a gente não faz mais parte dessa turma. Mas somos queridos, vêm nos visitar, vêm na Garapa nos ver, perguntar se está tudo bem, se a gente tem saudade, que eles têm saudade da gente, do movimento que a gente fazia…
(01:13:48) P2 – Como é que era o símbolo?
R1 – O símbolo? Era uma moto, com uma garupeira, atrás, escura. Entendeu? Uma moto, escura, com dois capacetes, um corpo de mulher, um corpo de homem. Escrito assim: Cavaleiros Negros Ribeirão Preto, passado em ponto, assim, bordado. Então, era um grupo de casais, mesmo, né, senão teria uma pessoa, só. (risos)
(01:14:25) P2 – (risos) Já era isso, né? Que maravilha!
R1 – É, foi bom.
(01:14:30) P1 – Ô, Renata, e quanto aos preparativos, sonhos para o futuro? Vocês têm a intenção de abrir mais barracas, ou de abrir em outro lugar? Ou do seu filho abrir um negócio parecido com esse?
R1 – Não, não temos. Mesmo porque nós não temos sucessor. A única sucessora que a gente acha que vai ser, é essa neta que tem o bisnetinho, né? Ela tem vinte e um anos, ela gosta muito da Garapa, então a gente pensa que ela vai assumir um dia. Não sei, né? E nós não temos sucessores, assim: a garapa é uma coisa muito de higiene, você tem que estar muito em cima. Não é uma coisa que você monta uma franquia e põe lá e deixa tocar. Funciona com um dono lá dentro. Eu não sei se a gente trouxe essa bagagem do meu sogro, mas a gente carrega isso com a gente: que quem tem que tocar é a gente, mesmo.
(01:15:30) P1 – Entendi.
R1 – Então, algo mais a gente nem faz, por causa do João, né?
(01:15:35) P1 – Sim, sim. Sim. Não, é que, às vezes, os filhos… é que os seus dois filhos já estão muito bem encaminhados, né?
R1 – Graças a Deus!
(01:15:44) P1 - Às vezes os filhos têm aquele sonho de fazer uma marca, de abrir em outras cidades, ou de montar franquias. Mas no caso da sua experiência, mais tem que ser com vocês, mesmo, né?
R1 – Eu acredito assim: pela tradição. Por o pai ter deixado esse legado pra gente muito bom, né? É, mas assim: várias pessoas _________ (01:16:15) tradição aqui em Ribeirão. ________ (1:16:17) com música e outros mais.
(01:16:18) P1 – Legal.
R1 – Só que __________ (01:16:21- fim do latido) E a gente foi o único que manteve a tradição. Certo? Teve outros, mas, assim, não no rumo comercial, de bebida e comida, essas coisas que eu quero dizer. Então, a gente acha, assim, que a gente é um ponto de referência, o pessoal vem mesmo por causa da gente, você entendeu? Então, se a gente tivesse outros lugares, nós não teríamos como dar atenção a todos. E a gente preferiu focar naquilo. E aí os filhos estão bem encaminhados, né? Nós também, graças a Deus, estamos sobrevivendo ao naufrágio. (risos) E é isso que a gente pensa.
(01:17:03) P1 – Tá certo. E você gosta… pra fechar com chave de ouro, de garapa, ainda? Você toma?
R1 – Como?
(01:17:14) P1 – Você toma garapa ainda? Depois de tantos anos, você gosta, ainda?
R1 – Se eu te falar uma coisa, você não vai achar ruim?
(01:17:21) P1 – Não.
R1 – Não gosto de garapa, nem água de coco. (risos).
(01:17:26) P1 – Depois de tantos anos, né? (risos) Já acostumou.
R1 – Desde criança. Não é de agora, não.
(01:17:34) P1 – Sei. Ô, Renata, eu queria agradecer, a entrevista foi excelente. Eu queria saber se você não quer dizer alguma coisa que eu não perguntei, assim. Tem alguma outra coisa que você queria dizer, que a gente não perguntou? E a Cláudia também sempre tem uma pergunta final, aqui. (risos)
R1 – Olha, eu…
(01:17:57) P1 – Alguma coisa que você queira falar.
R1 – Olha, eu comecei muito nervosa. Gostei. Achei assim, fantástico, certo? Bem descontraído. Eu acho que não ficou nada no ar. Ficou tudo bem claro. De tudo o que fez e tudo começou e tudo o que passamos. Eu acho que ficou perfeito, eu não tenho pergunta nenhuma a fazer, nem pedir a vocês fazerem, porque eu acho que está completo.
(01:18:24) P1 – Legal.
(01:18:25) P2 – Renata, e você ter deixado a sua história e a história, né, do seu marido e do João Garapeiro registrada pro Museu, registrado pro Museu da Pessoa, pra posteridade, o que você achou dessa experiência?
R1 – Eu não entendi direito.
(01:18:48) P2 – O que você achou de ter dado a entrevista e que vai parar no Museu?
R1 – Ai, eu achei o máximo. Porque o João já vem há tempos dizendo que eu devia seguir, que eu devia falar, que eu tenho mais… assim, essa expressão minha, tudo. Ele fica meio, assim, nervoso. Você viu que eu falei que fiquei nervosa, né, antes. Mas achei, assim, superdescontraído, superbom. E, olha, foi muito gratificante, sabe, você ter pensado em mim. Nunca ninguém tinha pensado em mim. E vocês pensaram em fazer uma coisa diferente, que foi me convidar pra essa live, que é, assim, uma coisa fantástica, pra mim, poder passar um pouco da minha sabedoria, da minha pouca sabedoria, do meu pouco estudo, né? Ser essa pessoa, assim, que transmite. Acho que eu transmiti muito bem, né? Eu acho.
(01:19:45) P1 – Não, foi ótimo. Eu adorei a história. Eu adorei.
(01:19:47) P2 – Foi lindo. Foi lindo!
(01:19:50) P1 – E assim que eu estiver em Ribeirão, eu vou aí tomar garapa. Assim que eu for pra Ribeirão, eu vou aí tomar uma garapa. Tá bom? (risos)
R1 – Sim, pode vir, vai ser um prazer. É o meu convidado especial. Quando você nos… se identifica, porque é muita gente e a gente não vai lembrar de todos, né?
(01:20:07) P1 – Claro!
R1 - Agora, ainda mascarado, né? (risos) Mascarado, piorou, né?
(01:20:14) P2 – É.
(01:20:15) P1 – Ô, Renata, logo, daqui a alguns dias, semanas, vai o nosso fotógrafo de Ribeirão, entrar em contato com você, pra fazer uma sessão de fotos junto do lugar da Garapa com você, talvez com o seu marido também, se ele quiser.
R1 – Ah, ele gosta.
(01:20:36) P1 – E, se você tiver fotos antigas… é? Ele gosta de foto?
R1 – Ele é bem fotogênico. Ele é bem…
(01:20:42) P1 – Aí o fotógrafo vai fazer a sessão de fotografias, pra ficar no nosso acervo, que depois tem a exposição no Sesc, que vai ter tudo isso. Vai aparecer vocês no Sesc. Todo o Memórias do Comércio dá origem a um livro muito bonito, mas assim, depois que acabar a pandemia. Mas o fotógrafo vai fazer a sessão de fotos e, se você tiver fotografias antigas, de quando você era criança, de quando você começou, aí ele copia e te devolve. Tá bom? Tá legal?
R1 – Legal, tenho sim. Tenho um álbum aqui, bastante interessante, desde que começou.
(01:21:22) P1 – Muito bom. Então, queria agradecer muito, muito obrigado pela entrevista, viu? Você quer falar mais alguma coisa, Cláudia?
R1 – Imagina. Eu que agradeço a oportunidade de nos presentear com isso, que é um presente, né, um simples garapeiro ser um acervo de um museu. Eu acho muito interessante. Como meu sogro sempre diz: “Não tem médico, doutor, pobre, negro. Todos somos iguais”. Então, o atendimento tem que ser o mesmo. E eu fiquei satisfeita por uma simples garapeira poder estar participando do museu, né? Eu achei fantástico. Fiquei muito feliz.
(01:22:00) P1 – Muito legal. Muito obrigado, viu? Um abração!
(01:22:03) P2 – Obrigada! Ó.
R1 – Obrigada a vocês. Muito obrigada por nos procurar.
(01:22:08) P1 – Beijo. Até mais.
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