Depoimento de Sinfrônio de Souza Campos
Entrevistado por Cláudia Leonor e Manuel Manrinque
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 21 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Queria começar com o senhor falando o nome completo do senhor, local e data de nascimento.
R - Sinfrônio de Souza Campos, nasci em 26 de julho de 1905, num lugar denominado Capim Branco, hoje é Coronel Ponce, fica, é uma localidade entre Coxim e Cuiabá. Ali existia uma fazenda do meu pai; depois fui educado na capital do estado, Cuiabá. Estudei lá até o ginásio, completei os cursos lá do ginásio e, não havendo mais possibilidade de prosseguir os estudos porque não havia escolas superiores, querendo, não querendo ir para a roça, tentei completar o meus estudos em São Paulo. Vim pra São Paulo em dezembro de 1924, cheguei aqui, depois de 15 dias de viagem, em janeiro de 1925. E procurei completar os meus estudos, fiz o curso de perito contador, na Escola Álvares Penteado, depois fiz um curso de Ciências Econômicas, na mesma escola; o primeiro, terminei em 1930 e o segundo, em 1934. Sou um dos fundadores desse curso de Ciências Econômicas, criado pelo professor Horácio Belinque, que foi ao Rio de Janeiro especialmente falar com o então presidente da república, Getúlio Vargas, para a criação de uma escola de um curso superior e Getúlio perguntou a ele qual seria a finalidade desse curso. Disse: "Preparar homens para a carreira consular. Porque ele vai estudar a economia política, estudar o direito internacional, o direito consular então, terá o governo brasileiro, terá homens preparados para a carreira consular. Porque hoje são homens de práticos, didáticos, e amanhã serão homens formados" E assim surgiu a primeira escola de Ciências Econômicas do Brasil, em 1934. Aliás eu formei em 1930, em 1934 terminamos o curso de Ciências Econômicas.
P - Seu Sinfrônio, voltando um pouquinho, né, pra infância do senhor, queria...
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Manuel Manrinque
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 21 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Queria começar com o senhor falando o nome completo do senhor, local e data de nascimento.
R - Sinfrônio de Souza Campos, nasci em 26 de julho de 1905, num lugar denominado Capim Branco, hoje é Coronel Ponce, fica, é uma localidade entre Coxim e Cuiabá. Ali existia uma fazenda do meu pai; depois fui educado na capital do estado, Cuiabá. Estudei lá até o ginásio, completei os cursos lá do ginásio e, não havendo mais possibilidade de prosseguir os estudos porque não havia escolas superiores, querendo, não querendo ir para a roça, tentei completar o meus estudos em São Paulo. Vim pra São Paulo em dezembro de 1924, cheguei aqui, depois de 15 dias de viagem, em janeiro de 1925. E procurei completar os meus estudos, fiz o curso de perito contador, na Escola Álvares Penteado, depois fiz um curso de Ciências Econômicas, na mesma escola; o primeiro, terminei em 1930 e o segundo, em 1934. Sou um dos fundadores desse curso de Ciências Econômicas, criado pelo professor Horácio Belinque, que foi ao Rio de Janeiro especialmente falar com o então presidente da república, Getúlio Vargas, para a criação de uma escola de um curso superior e Getúlio perguntou a ele qual seria a finalidade desse curso. Disse: "Preparar homens para a carreira consular. Porque ele vai estudar a economia política, estudar o direito internacional, o direito consular então, terá o governo brasileiro, terá homens preparados para a carreira consular. Porque hoje são homens de práticos, didáticos, e amanhã serão homens formados" E assim surgiu a primeira escola de Ciências Econômicas do Brasil, em 1934. Aliás eu formei em 1930, em 1934 terminamos o curso de Ciências Econômicas.
P - Seu Sinfrônio, voltando um pouquinho, né, pra infância do senhor, queria que o senhor falasse um pouco da fazenda, de como que era o dia-a-dia do senhor, se o senhor estudou?
R - Bom, eu nasci em fazenda, como já disse, em Coronel Ponce, mas fomos para a, a família mudou-se para a capital, Cuiabá, lá eu fiz curso primário, em colégio de padre, em colégio do estado e terminei o curso ginasial lá, mas não havia escola superior, e eu, para não voltar à vida do campo, porque a vida no campo com poucos recursos financeiros é muito difícil, eu fiz a tentativa de vir pra São Paulo pra fazer curso superior.
P - Como é que foi a viagem pra vir pra São Paulo? O senhor falou que demorou 15 dias?
R - A viagem, desci o Rio Cuiabá por uma embarcação. Naquela época havia navegação no Rio Cuiabá, de Corumbá a Cuiabá, depois de Corumbá a Porto Esperança, de Porto Esperança, por estrada de ferro a São Paulo. Então, a gente levava alguns dias de viagem descendo o rio. Depois tinha uma interrupção em Corumbá, pegava um outro navio até Porto Esperança, e em Porto Esperança pegava o trem que parava em Araçatuba, para a refeição do almoço, e vinha até Bauru. Naquela época a gente chegava em Bauru vermelho de terra, não? Porque o trem, o leito da estrada não era calçado, então era aquela poeira tremenda, né. Depois pegava a Companhia Paulista, já mudava completamente o ambiente, porque a Estrada de Ferro Paulista, naquela época até a sua liquidação era uma estrada muito boa, muito bem organizada, transporte excelente. E assim eu vim parar em São Paulo. E aqui eu comecei a lutar para completar os meus estudos. Fiz o curso de perito contador, na Álvares Penteado, e depois o curso de Ciências Econômicas na mesma escola. Terminei em 1934.
P - Qual foi a impressão do senhor quando o senhor chegou em São Paulo, da cidade?
R - A impressão de, é como a de qualquer um que chega num grande... sai duma cidade pequena e chega numa cidade grande. Então, a maior preocupação desse indivíduo é procurar um conhecido na cidade. Então ele fica sempre procurando alguém pra poder conversar, pra poder trocar idéias, e não era fácil naquela época Hoje em São Paulo tem muitos mato-grossenses, mas naquela época os mato-grossenses íam para o Rio. Havia mais facilidade de estudo no Rio de Janeiro para os mato-grossenses. Hoje, não, hoje São Paulo abriga um número muito grande de mato-grossenses que vêm fazer curso superior, né. Medicina, Farmácia etc.
P - Quando o senhor chegou, em 1925, o senhor falou que as mulheres se vestiam todas de preto?
R - Sim. Houve uma revolução em 1924, e morreu muita gente. A família da minha primeira mulher, contava que as pessoas saíam na rua e não voltava Morria às vezes com uma barra, uma bala perdida, né. E o número de senhoras, principalmente, de vestido preto, porque naquele tempo usava o luto completo, quem não... os homens punham uma fita preta que chamava "fumo" no braço, e as mulheres punham o luto fechado, chamava luto fechado, a roupa toda de preto, xale de preto, né. E a gente tinha a impressão que muita gente andava de preto na cidade, mas era luto: eram entes, pessoas da família que tinham perecido durante a revolução. Isso na Revolução de 1924. Eu fui convocado para essa revolução em Cuiabá, mas não cheguei ser, (riso) não cheguei ser, a entrar em luta. Quer dizer, antes de partir de Cuiabá qualquer contingente armado a revolução terminou, felizmente.
P - E como é que era o centro da cidade nessa época?
R - Ah, o centro da cidade era muito diferente Não havia ônibus ainda. Era o bonde. Eu ainda alcancei bonde puxado a burro, e esse bonde atravessava a cidade, passava na Rua Direita, na Rua XV, na rua, no viaduto, no viaduto do Chá, no viaduto Santa Ifigênia. E tinha uns bondes interessantes que transportava carne A carne era distribuída, os açougue eram sempre nas ruas que tinha bonde, porque a carne era distribuída por um vagão que trafegava na linha do bonde. O matadouro era aqui perto na Vila Clementino. As boiada eram encostada em Santo... em Osasco, e os bois vinham, por terra, pela Estrada da Boiada que existe, que existe até hoje com esse nome, entrava na Avenida Brasil, ia para o açougue, para o matadouro, na Vila Clementina. E um certo dia, uma dessas boiadas estourou Então os bois esparramaram pela cidade, foram lá pra Avenida Paulista, aqueles homens a correr a cavalo, boi querendo entrar nos jardins das casas, foi um, foi muito divertido (risos)
P - Quando o senhor veio morar aqui, em que bairro, qual foi o primeiro bairro que o senhor morou?
R - Eu morei, primeiro eu me hospedei no Hotel d Oeste. Depois, eu fui para uma pensão na Rua Aurora. E ali na Rua Aurora eu fiquei bastante tempo. Depois eu morei na rua, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, no início da avenida, aluguei ali uma sala e morei ali bastante tempo, na Rua Rodrigo Silva, perto da Praça João Mendes, também, morei bastante tempo.
P - O senhor morava com quem? Morava sozinho?
R - Às vezes sozinho, às vezes com um companheiro, mas geralmente eu morava sozinho. Morei também na, num banco em que eu trabalhei, sete anos, eu era funcionário do banco e morava no banco.
P - Como?
R - Na única agência que existiu naquela época, 1925 em diante, né? Esta agência foi aberta no Brás para venda de libras, liras italiana, que eram remetidas ao duce, para levantar as finanças do país. Do dia primeiro ao dia dez, dia 15, fazia fila nos bancos italianos, para fazer remessas de lira. Então um remetia 100 liras, outro remetia 10.000 liras, outras 50.000 liras, de acordo com a sua capacidade financeira. Isto ajudou muito a Itália a recuperar as suas finanças e a estabilidade social do país.
P - E como que o senhor veio morar no banco? Quem indicou, ou por que essa opção?
R - Eu consegui um emprego no banco através de um anúncio, fiz um concurso, fui admitido, e depois eu fui, trabalhei na matriz, os bancos nenhum banco tinha agência naquela época Os bancos achavam que ter uma agência era uma desonra para o banco. E hoje os bancos têm centenas de agências espalhadas pela cidade. E aquela agência foi aberta com a finalidade exclusiva de atender os italianos que residiam, na sua maior parte, no Brás. Então a agência era localizada na Avenida Rangel Pestana número 1.117, quase em frente do Teatro Mafalda, perto da Rua Piratininga. E eu fui pra lá, para substituir um funcionário que se casou e fiquei lá, trabalhei lá sete anos.
P - E morava...
R - E morava Morava lá. O caixa tinha a chave do cofre e da porta. Naquele tempo não havia ladrões em São Paulo Havia pessoas que passavam o conto do vigário: o conto do pacote, o conto do violino, então tinha vários sistemas de iludir os incautos, essa era a atividade dos desonestos em São Paulo. Mas roubo mesmo, assaltos, assassinatos, isso, naquela década de 30, 40, era muito difícil. Muito raro.
P - O senhor lembra como é que eram esses contos, por exemplo, o conto do violino, em que consistia?
R - O conto do violino eu posso relatar um fato do qual eu tive conhecimento direto, né. Um nosso cliente do banco queria um empréstimo do banco de dez mil cruzeiros, dez mil réis, dez contos de réis, que corresponderia hoje a uns dez mil reais, e eu queria saber a finalidade, porque o banco não faria empréstimo sem saber como seria aplicado esse dinheiro. Ele relutou para dizer, mas como era uma pessoa conhecida, por sinal era o meu alfaiate, à noite fui à casa dele para saber o que é que ele ia fazer com esses dez contos. Aí ele me contou que era uma operação mobiliária de um terreno que ele, ao lado de um outro terreno que ele possuía, que a Light ia instalar ali uma torre de transmissão. E eu disse para ele: "E por que é que a Light não compra o terreno do vizinho e o seu?" "Não, isso ela não faz, eu já estive com um engenheiro, ela não faz porque se eu comprar o terreno, a Light pode não conseguir comprar o terreno do meu vizinho, então ela quer comprar as duas unidades." Falei: "Isso não está certo". Fiquei com ele discutindo até alta noite e disse pra ele: "Você vai lá com um advogado. Vai passar." Ele ia no dia seguinte passar a escritura. Ele arrumou o dinheiro, não com o banco, arrumou o dinheiro porque ele tinha crédito, e ia passar a escritura no dia seguinte. Eu indiquei um advogado: "Quanto esse advogado vai?" "500 mil réis." "Mas eu vou perder 500 mil réis?" "É melhor você perder 500 mil réis do que perder mais dinheiro. Vai com advogado." E eu fui também. Estivemos até às quatro horas da tarde esperando o vendedor do terreno, não apareceu, aí ele tomou automóvel e foi procurar o vendedor do terreno. Quando chegou lá, procurou por vizinho. A casa fechada: "O cidadão que morava aqui?" "Ah, ele mudou-se." "Quando ele mudou?" "Mudou ontem à noite." Este era o conto do vigário, o conto do violino: era uma forma de trapaça Hoje, existe o assalto, antes havia os otários, que sofriam com o logro dos espertos. (risos) Isso é uma das passagens que eu me lembro bem, sabe?
P - Seu Sinfrônio, o senhor falou que por volta de 40, 41, passava um senhor vendendo leite de cabra?
R - Ah, sim Eu morava na Aclimação e lá passava um português, com oito ou dez cabras, e vendia de porta em porta o leite, puxado. Depois mudei, mudei para o Jardim Paulista, e ele levou as cabras para o Jardim Paulista E, a criançada, os meus filhos todos, pela manhã, vinha na porta e bebia aquele leite puxado, com açúcar, ou com mel, não. Isso durante algum tempo. Depois a prefeitura quis retirar as cabras da rua, né, eram oito ou dez cabras que eram criadas no fundo de onde é hoje o Masp, ali era, o Trianon, ali era um salão de baile. Ali era um matagal. E a certa altura o cidadão disse: "Só até o fim do mês eu vou trazer as cabras aqui." "Mas por quê?" "A prefeitura quer que eu retire essas cabras de lá porque não pode criar cabras lá." Eu me propus a interceder e consegui um prazo pra ele ficar mais um ano lá Então ele continuou a fornecer leite na porta, por mais um ano.
P - E ele já servia direto no copo, como é que era?
R - Direto no copo Enchia o copo, para cada um dos filhos, e assim ele vivia
P - E como que o senhor pagava ele?
R - Pagava, o preço era por copo, não? Naturalmente ele enchia um copo, mas só tinha a terça parte de leite, o resto era espuma. (risos)
P - Seu Sinfrônio, e assim: nas ruas, nas principais ruas do centro, assim, de comércio, do que é que o senhor lembra? Da Vinte e cinco, da Rua Direita?
R - Bom a rua, a força comercial de São Paulo, naquela época, falo época de 30, 40, era o triângulo: Rua Direita, Rua XV e Rua São Bento. Então, as principais casas eram ali. Hoje, tem uma casa remanescente daquela época que é a Fretin, a Veado D Ouro, a Capital, que depois foi transformada em Modas e Exposição Clipper, também era ali na esquina da Rua Direita, não, da Rua São Bento com a Praça Patriarca. E a Clipper então cresceu muito, começou a expandir, ir para o interior, e houve desentendimentos na estrutura social, e ela foi à falência, e era uma grande firma que tinha uma clientela extraordinária
P - Vendia o quê?
R - Vendia de tudo Era uma casa que vendia à prestação como o Mappin.
P - E, por exemplo, a Rua a Barão de Itapetininga?
R - A Barão de Itapetininga surgiu mais desenvolvida quando foi aberta a rua, a Rua Nova Barão, não? É uma rua paralela à Rua Marconi, onde eu tive um escritório de auditoria. Rua Marconi, desenvolveu, o comércio foi saindo do centro, do triângulo para a Piratininga, Arouche, como é ainda, até hoje. Mas o comércio ativo era Rua XV, Rua São Bento, Rua Direita e Rua Quintino Bocaiúva.
P - No triângulo ainda do centro, qual loja que o senhor gostava mais de freqüentar?
R - Bom, freqüentava mais as confeitarias, né? A Vienense, a Vienense era uma confeitaria muito interessante porque tinha música ao vivo durante o período da tarde, né, então era muito interessante a gente tomar um chá lá com música, né? E uma outra casa também muito interessante de alimentação era a Pereira, Confeitaria Pereira, não é, Leiteria Pereira, na rua, na Rua São Bento. A Leiteria Pereira fornecia refeições rápidas, econômicas, de excelente qualidade Eu lembro muito do Arroz de Braga, era um arroz com frango, carne de porco, muito, muito gostoso
P - E como é que era nessa época a Vinte e Cinco de Março?
R - A Vinte e Cinco de Março já existia um comércio de sírios, turcos, libaneses, mas não com a atividade de hoje Era um comércio mais modesto, mas já existia; esse comércio começou a crescer depois da guerra. A mesma coisa aconteceu com a zona da José Paulino, não, aí era a zona dos israelitas, que dominava toda a área. Hoje tem lá os asiáticos.
P - Nessa época, o que é que o senhor gostava de comprar, o que é que o senhor mais comprava?
R - Bom, durante um grande período, eu era solteiro, naturalmente me preocupava em, em trajar bem, não é. Isso no passado, era, os moços vestia-se melhor do que hoje. Melhor com roupas mais, hoje, por exemplo, estou aqui de gravata, paletó etc., sapato, e isso não é muito comum, não é? Nós estamos vendo aí na rua rapazes com calção, uma bermuda, em manga de camisa, não usa gravata, eu usava gravata, chapéu, bengala. (risos)
P - Onde é que o senhor comprava o calçado, a gravata ?
R - Principalmente no triângulo, naquela zona do triângulo: Rua Quintino Bocaiúva, comprava-se chapéu e sapatos; camisa, eu comprava na Casa Fausto; chinelo, eu comprava na Praça do Patriarca, na Cosmo, que existe até hoje né; roupas, roupas brancas, era Cosmo, era, era roupas especiais: cuecas, camisas, era lá; gravata. Agora, terno, era meu alfaiate. Não, eu não comprava roupa feita, na época. Havia pouca fábrica de roupa feita. Uma das fábricas que surgiu com roupas feitas de qualidade melhor foi a Patriarca, que era uma subsidiária da Clipper, da Modas e Exposição Clipper, não?, e que deve existir até hoje, se não, se não estou errado. Mas, geralmente, quem queria vestir melhor, tinha o seu alfaiate.
P - E o alfaiate do senhor ficava aonde?
R - Na Rua da Mooca. Antônio Uvo, era o nome dele. Era o homem que, que sofreu o conto do violino. (riso)
P - E quando o senhor ia fazer os ternos, o senhor comprava o tecido, levava pra ele, ou não?
R - Geralmente eu comprava o tecido. E o tecido, geralmente eu usava casimira importada, casimira inglesa, né. Porque era mais barata, porque durava mais; pela durabilidade, ficava mais barata. Então um bom alfaiate era a melhor solução, na época.
P - E onde o senhor adquiria esses cortes?
R - Bom, havia muitas casas de casimira. R. Monteiro tinha duas casas, uma era lá no Brás, perto da onde eu morava, inclusive, tinha casimiras nacionais e estrangeiras, né. E na Rua Direita, tinha também casas que vendia casimiras. Eu usava também muito brim de linho, então, para festas, bailes, a gente usava o brim de linho 120, importado; era um traje de, a rigor. Podia-se usar o terno branco com a gravata preta. Eu usei muito o colarinho alto e gravata borboleta.
P - Seu Sinfrônio, como é que eram os eventos sociais naquela época, o que se bebia, o que se dançava, como eram naquela época?
R - Bem, durante, (fim da fita 053/01-A) nos anos depois que eu cheguei aqui, os moços só tinha festas de, pra dançar em casa da família Aniversários então, surgia sempre o pianista célebre, não?, o de Abreu, como era o nome dele? O Zequinha de Abreu O autor do Tico-Tico no Fubá. Este era contratado para tocar piano numa festa que ia até a madrugada. Os moços não freqüentavam os grandes bailes, eram só casais, casados etc. Depois, eu participei de dois, de duas sociedades estudantis: a Liga Acadêmica e o Grêmio Álvares Penteado. Então, nós fazíamos um baile mensal. Depois passamos a fazer um baile quinzenal: uma quinzena dava o baile Álvares Penteado, mas os dois clubes podiam participar desse baile. Na outra quinzena, era outro clube. E esses bailes eram dados no Salão Peçandaiba, na Avenida Ipiranga, na altura donde tem hoje quase em frente da Rua Sete de Abril, onde tinha era o melhor salão de São Paulo. E tínhamos uma orquestra muito boa, não é, que era contratada pra esses bailes. Esses bailes, foi interessante o seguinte. Eu vim de uma cidade do interior onde o divertimento maior era o baile e eu achava muito estranho não se dançar em São Paulo, era muito difícil a gente ter um convite em casa de família, um aniversário pra se dançar. Então nós, eu criei, inventei um sistema dos, destes dois clubes darem bailes. "Mas onde vamos conseguir as moças pra esses bailes?" "Temos duas escolas normais." Então, foi organizada uma comissão, e fomos na escola, convidamos o diretor da escola e pedimos licença pra convidar as moças. Então, achava que não ia comparecer ninguém: "Não vai comparecer porque vai ser uma festa lítero-musical-dançante Então, houve um aparato inicial, uma mesa com professores, que fez uma breve palestra, algumas moças que recitaram, e depois o baile. Todos os colegas achavam que não havia moça que tivesse a coragem de ir a esse baile Era uma festa lítero-musical-dançante que iniciava às duas horas da tarde E esta festa, para esta festa foram convidadas autoridades: o presidente do estado mandou um representante, o chefe de polícia, que mandou um representante, o professor que abriu a festa com uma conferência, né, alunas que declamaram e depois, naturalmente, o baile. Neste baile, primeiro, eu e o meu companheiro de diretoria, fomos de fraque. Imagina só como era a época, né Um baile, uma festa de dia, nós dois de fraque como uns palhaço (riso) E quando começou, a orquestra tocou a primeira, ninguém teve a coragem de dançar Na segunda vez, ninguém saiu. Aí, fiquei preocupado Atravessei o salão e convidei uma moça pra dançar. Falei: "Ou ela aceita, ou desmaia", né. Em seguida, eu insisti com o meu companheiro, João Buarque de Gusmão, era uma pessoa muito social, então falei: "Vamos dançar", dei sinal, e ficamos nós dois até o final da primeira contradança, sozinhos Mas na segunda contradança já todo o mundo saiu dançando. Essas festas que tinha sábado às duas horas, passou a começar às quatro, às seis e às oito. Com o tempo, foi prorrogando e a freqüência sempre crescendo. Foi um sucesso
P - E que tipo de dança tinha?
R - Eram as danças da moda da época, não?
P - Tipo?
R - Ah, era valsa, o xote, dançava muito xotes, depois veio outras danças importadas, que inicialmente até foram proibidas, né, pela polícia, né, o charleston chegou a ser proibido pela polícia E era uma dança simples, dançava, tinha que jogar as pernas pra cá, perna pra lá e a polícia achava que era ... chegou a fechar bailes na época por causa, proibir, essa dança Hoje, o que existe é muito diferente
P - Seu Sinfrônio, e o que se consumia, nos bailes, assim, em termos de bebida?
R - A princípio, nada, depois, refrigerantes; não tinha bebida alcoólica. Eram refrigerantes e algum comestível leve.
P - Os pais acompanhavam, como é que era?
R - Acompanhavam As moças eram acompanhadas pelas mães, geralmente. Acompanhava, tinha uma, sentava numa mesa, ao lado do salão. Era bem diferente.
P - E como era, por exemplo, quando algum rapaz estava interessado em alguma menina? Como é que ele agia pra chegar nela?
P - Bom, e muitas vezes eram conhecimentos antes do baile, não é não? Então, quando chegava no baile já conhecia, mas este rapaz não, não sentava ao lado da família, com a moça. A família sentava numa mesa, com as suas filhas, e os rapazes ficavam no outro lado do salão. E só conversavam dançando. Esse era o sistema.
P - Seu Sinfrônio, lá fora o senhor falou pra gente que de 1925 a 1950 o senhor foi bastante ligado ao comércio de São Paulo, né?
R - Sim
P - Por que, o que é que o senhor fazia?
R - Bom, quando eu deixei de ser empregado, eu tinha uma empresa de auditoria, chamada Racio S.C. Auditores Independentes, contadores e auditores independentes. Instalada na Rua Marconi, 124. E a nossa atividade era organizar empresas e dar o serviço, prestar o serviço de auditoria independente. Ali eu trabalhei vários anos, de 45 a 55, mais ou menos. Mas depois eu fui fundar fazenda no pantanal do Mato Grosso.
P - Quando o senhor fala em organizar as empresas, qual era o trabalho realmente que o senhor tinha?
R - Nós tínhamos equipe para fazer a auditoria local, na firma, e a organização partia do ato constitutivo duma empresa. Então, nós elaborávamos o contrato social, transformava, por exemplo, naquela época havia muitas empresas que era sociedades limitadas, transformava essas sociedades limitadas em sociedades anônimas, né, então essa era uma das atividades nossa. E fazíamos a organização de racionalização do trabalho, nos escritórios, nas indústrias, inclusive. Chegava ao ponto, por exemplo, de a gente cuidar da postura do datilógrafo, mudar a cadeira do datilógrafo, que era uma cadeira inadequada, que podia provocar uma doença ao datilógrafo, chegava a esse ponto, a localizar as mesas. Às vezes o datilógrafo, o funcionário de uma empresa, tinha a luz em sentido contrário do que devia ser, então isso seria uma norma de racionalização do trabalho; a posição da mesa no escritório era muito importante. Então, nós fazíamos isso, não só em escritórios, como também em indústrias. Então, participava como diretor no Idort, no Instituto de Racionalização do Trabalho, que tinha por finalidade a organização, a racionalização do trabalho em empresas industriais.
P - O senhor falou duma... de um episódio de uns pratos. Conta pra gente.
R - Ah, sim Esse foi um fato que eu me lembro sempre. Uma empresa contratou o Idort para fazer uma racionalização da produção dos seus produtos. Então, uma dúzia de prato que tinha, vamos dizer, tinha 20 cm, passou a ter 15 cm de altura, com a racionalização, tirando a espessura, tirando as curvaturas, não é? E o prato era empenado, então foi feito um trabalho de pesquisa no sentido de sair um prato perfeito. Essa é uma, um aspecto da racionalização do trabalho industrial. E fazia campanhas de economia; por exemplo, lançamos uma campanha no Idort, eu fui diretor lá durante muitos anos, depois fui jubilado, sem, sem finalidade de lucro. O Idort é uma empresa que existe hoje sem finalidade de lucro. Fizemos uma campanha pra poupança de água. Qual foi o símbolo da campanha? Uma torneira pingando Apareceu em toda a imprensa de São Paulo, não é, poupar a água Não deixar uma torneira pingando, era um desperdício Essa foi uma idéia do Idort, na época, na década de 40, 50.
P - Ligado a lojas, o senhor fez algum trabalho?
R - A lojas?
P - É.
R - Ah, fiz inúmeros trabalhos de organização, da organização social, a partir da organização social Da transformação, por exemplo, de uma empresa que era uma sociedade por cotas limitadas em sociedade anônima. Da organização ou reorganização da parte contábil, do escritório. Fizemos muito
P - Essa reorganização...
R - Era uma das finalidades do nosso escritório.
P - Certo. Essa reorganização do quadro dos sócios, o senhor fez pra que lojas, o senhor lembra?
R - Ah, pra inúmeras lojas, eu posso, por exemplo, fiz um trabalho muito grande, interessante, pra um hospital. Ali eu transformei a sociedade limitada em uma anônima, organizei a parte interna de distribuição de roupas isso foi, fiz um estudo para organizar esse serviço, nós fizemos, preparamos um estoque de 6.000 peças Acharam que aquilo era uma coisa tremenda, mas havia muitos desvios de peças de roupa Toalhas, lençóis, então, cada sala tinha uma relação num quadro com vidro contendo tudo o que continha naquele quarto, e cada andar tinha um estoque. Quando saía uma peça desse andar para a lavanderia, subia o mesmo número de peças para o andar. Então, precisou um estoque muito grande, e criou-se, então, uma seção de costura, que fabricava _____________ , que um fabricava as peças, transformava as peças. Uma peça estragada, fazia quatro outras peças menores e com isso houve um investimento maior, mas uma economia muito grande. Porque não havia mais problema de extravio de peças.
P - O senhor fez algum trabalho pra alguma loja da Rua Augusta?
R - Não. Na Rua Augusta, não. Fiz muitos trabalhos pra muitas lojas e fizemos auditorias pra muitas empresas, Modas e Exposição Clipper era uma delas.
P - O que é que o senhor...
R - Auditor Auditoria externa, como auditoria externa. Bolsa de Valores de São Paulo, e inúmeras outras firmas: fábricas de tecidos, fábrica de linhas, fábrica de fiação, indústrias de mineração, fazendas de café, empresas de seguro, lojas de miudezas, serraria, enfim, era uma clientela bastante variada mas que abrangia a totalidade das atividades comercial de São Paulo. Porque eu conhecia, por exemplo, com referência ao tecido de algodão, eu conhecia, nós tínhamos auditoria para a fazenda que produzia o algodão, para uma empresa que comprava o algodão e transformava em linha, pruma empresa que comprava linha bruta e fazia tecidos ou produzia a linha pro mercado. Então, nós conhecíamos o comércio do algodão, da origem, da terra, até o vestuário.
P - Seu Sinfrônio, o senhor também contou pra gente que na Revolução de 30 o senhor foi destacado pra região de Lorena. O senhor poderia contar qual foi a função que o senhor foi fazer lá?
R - Eu fui pra lá destacado como contador, e lá eu fui nomeado chefe do posto de abastecimento das tropas em operação. Quem fez essa nomeação foi o MMDC, que ficou comandando a revolução. Existia, em cada ponto da frente de combate, uma secretaria, que chamava secretaria técnica que era administrada por um engenheiro. Lá em Lorena, o engenheiro era doutor Gonçalves Foche; e eu, chegando lá, ele me deu carta branca para organizar os depósitos de materiais da revolução, destinados à revolução. Então, eu encontrei lá cinco armazéns atulhados de mercadoria de toda a espécie, aí eu organizei Depois tive que organizar um matadouro. Abate de suínos pra fornecer às tropas, né. E assim passei lá uma temporada. E eu era contra a revolução Mas me dediquei àquela atividade, e tenho até hoje documentação daquelas atividades, e interessante que a... sendo eu contra a revolução, eu achava que aquela revolução não havia razão de ser, eu fui trabalhar a favor dos revolucionários, então, o meu desejo era sair de São Paulo, não?, para não participar da revolução, ser neutro. Então eu queria, por exemplo, ir pro Rio de Janeiro, ir pra Mato Grosso. Mas por certas circunstâncias, de amigos, de pessoas relacionadas, fui parar em Lorena. E lá fiquei até o término da revolução.
P - Outra coisa que eu gostaria de saber, até mais pessoal, quando que o senhor conheceu, e em que circunstâncias, o senhor conheceu a sua esposa, a sua primeira esposa?
R - Eu conheci a minha primeira esposa quando trabalhava no banco, e morava lá no banco. E ela morava ali perto. Como era uma moça bonita, (risos) conheci, acabei me casando com ela. O interessante é que ela tinha 18 anos menos do que eu e achava que os brasileiros tinham uma vida fraca, eram doentes, ela faleceu há muitos anos e eu ainda estou vivo.
P - Ela era descendente...
R - Era descendente de italianos, ela era neta de uma italiana. Mas é de sangue, ela era italiana pura, não?, os pais também eram italianos.
P - E na hora do noivado, qual era a posição dos pais? O senhor tinha muitos anos a mais do que ela, eles se opuseram?
R - Eu tinha muitos anos mas tinha, tinha aspecto de moço, né, e admito até que era um bom partido, né, porque trabalhava, tinha um bom emprego. (risos) Fomos felizes, criamos seis filhos.
P - E a lua-de-mel?
R - Foi em Itanhaém.
P - Foram pra praia?
R - Fomos pra praia, em Itanhaém.
P - O senhor gosta de praia, prefere a praia ao campo? Como ...
R - Eu prefiro o campo, eu fui criado no campo, tive 22 anos no campo, mesmo morando com a família em São Paulo, eu estava constantemente no pantanal do Mato Grosso, não, durante 22 anos.
P - Seu Sinfrônio, como o senhor casou novamente depois, mais tarde...
R - Sim, sim.
P - Como que o senhor conheceu sua esposa, sua segunda esposa?
R - Conhecimentos mais de, de relações familiares.
P - Agora, a gente tá já caminhando pro final da entrevista, eu queria saber assim: o que é que o senhor mudaria na sua trajetória de vida? O senhor mudaria alguma coisa, faria alguma coisa diferente?
R - É, se eu nascesse outra vez com a experiência que eu tenho hoje eu poderia fazer muita coisa a mais do que eu fiz Mas não me arrependo de nada do que eu fiz. Eu fiz muita coisa diversificada, desde o, desde a faculdade à execução de serviços profissionais, os mais variados possível; a vida de pecuarista, cuidando de criação de bois, que é uma vida completamente diferente. Mas isso talvez seja conseqüência de uma herança de meus pais que foram também criadores de gado.
P - E o senhor tem algum sonho que o senhor gostaria de realizar?
R - Continuar vivendo honesto como até hoje
P - Tá certo, e enfim a última pergunta: o que é que o senhor achou de ter passado essa hora com a gente, ter deixado registrada sua vida, sua experiência profissional?
R - Achei interessante, uma iniciativa digna de louvor, mostrar um pouco do passado pra servir de incentivo ao futuro.
P - Eu tenho uma curiosidade final: no tempo em que o senhor trabalhou, como é que o senhor se divertia, qual era o divertimento da época, o que é que o senhor gostava de fazer de lazer?
R - Baile, teatro. Esporte. Naveguei muito em, na represa de Santo Amaro, num barco à vela, aos domingos, feriados, no sábado. Numa época que não existia ninguém nas margens da represa, mas era em torno da represa, era completamente despovoado Eu tomava o bonde aqui em São Paulo e ia até o largo, até Santo Amaro. De Santo Amaro ia até a represa a pé. E muitas vezes voltava da represa a pé, pela antiga estrada que hoje é a Avenida Santo Amaro, era uma estradinha estreita de terra, eu costumava voltar a pé, pra exercício.
P - Tá ótimo.
P- A gente agradece a ajuda do senhor.
R - Não há nada a agradecer. Para mim foi uma satisfação dizer alguma coisa do passado.
P - Foi ótimo Foi uma...
P- Vai dar um close no senhor, agora.
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