Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Evanir Bispo dos Santos Costa
Entrevistada por Tereza Ruiz
Osasco 09/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_32
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Evanir, fala pra gente o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome completo é Evanir Bispo dos Santos Costa. Data de nascimento, 4 de abril de 1976. Nascimento...
P/1 – E cidade agora.
R – Cidade de Itaju do Colônia, Bahia.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe e se você souber a data e o local de nascimento também, se não souber pode ser só o nome.
R – Meu pai já faleceu há 11 anos. Chamava-se Severiano Bispo dos Santos. A minha mãe também faleceu vai fazer um ano, Irani Maria de Jesus. Só que também o nome dela eu não sei porque ela casou, então se chamava Irani Maria de Jesus dos Santos. Agora como o meu pai faleceu ela veio a casar de novo, então eu não sei o sobrenome dela. E onde minha mãe nasceu era Itapitanga, Bahia, mas o meu pai atualmente lembrei que era Jequié que é também na Bahia.
P/1 – O que os seus pais faziam profissionalmente, Vânia?
R – Meu pai trabalhava na pedreira e veio a acontecer um acidente com ele. Então ele ficou três anos no hospital, depois que ele ficou três anos no hospital que ele voltou no caso veio eu, mas a minha mãe ficou sem o meu pai três anos. A minha mãe sempre foi dona do lar. Eram nove irmãos, somos nove irmãos.
P/1 – Qual que é o nome dos seus irmãos?
R – É meio complicadinho. É Marisvalda, Lucineide, Giane, Maria do Carmo, Eronaldo e eu, Vânia. Aí morreram dois, ficamos em sete.
P/1 – Você falou que o seu pai trabalhava na pedreira, isso era na Bahia?
R – Sim. Na Bahia. Não tinha onde ficar. Minha mãe contava a história. Eu nasci depois do acidente, ele um mês aqui, seis meses ali, então eles não tinham casa. A casa que eles tinham era de palha e depois do acidente que ele sofreu a gente teve uma... a gente não tinha condições e meu pai depois de sair foi ter roça. As pessoas pegavam aí davam um pedacinho de terra pra ele cuidar, daí a gente sobrevivia disso, da roça mesmo, plantava e ali mesmo colhia. Chegou uma época a gente vendia pra ajudar em casa e sempre.
P/1 – Você falou que o seu pai ficou três anos afastado, explica um pouquinho como é que foi, se ele ficou hospitalizado, o que aconteceu?
R – Um acidente muito feio. A minha mãe não morreu porque foi Deus mesmo, mas meu pai quebrou a perna. Essa perna, não me lembro se era esquerda, ele perdeu a metade da perna, então era platina. Provavelmente a minha mãe sofreu muito porque não tinha condições e o lugar onde eu nasci era Itaju do Colônia, mas ele ficou internado em Itabunas que era a cidade próxima. Ali ela ia vê-lo de mês em mês porque não tinha condições e tinha os outros filhos pra cuidar. E ficou três anos nesse sofrimento. Aí colocaram platina na perna dele, aí ele não pode mais trabalhar. A aposentadoria veio depois de não sei quanto tempo, porque como foi acidente de trabalho ele não tinha aposentadoria. Não lembro, mas a aposentadoria veio depois de eu ter sido moça, que eu lembre.
P/1 – Você sabe como é que foi esse acidente? O que foi esse acidente?
R – Minha mãe contava que eles estavam indo quebrar mesmo pedreira, isso aí o caminhão virou. Mas teve mais morte, só que eu não sei te falar.
P/1 – Você sabe pra qual pedreira ele trabalhava? Qual é a empresa?
R – Não. Não sei. Eu sei que foi muito feio. Pra ficar três anos no hospital, né?
P/1 – Quantos anos você tinha nessa época?
R – Não era nascida. Eu vim nascer depois do acidente. Minha mãe contava... Ele não tinha um pé todo, ele só tinha o dedão, metade do pé. A perna ele tinha porque era platina, mas o pé era só metade.
P/1 – E essa roça que os seus pais fizeram depois era do que? O que eles plantavam?
R – A gente plantava alface, só coisas assim, coentro. Só coisas mesmo de comer, feijão, milho. A gente plantava e no tempo a gente colhia, a gente comia. Porque era muita terra então o que os homens faziam? Pra não perder a terra dava pro meu pai plantar. Isso aí eles roçavam, limpavam e plantavam. Às vezes o dono falava... Ele dava pros donos, o dono: “Não. Pode comer. Pode dar pra sua família”. Então a gente foi vivendo assim. Quando chegou certa idade eu, como não tinha condições, a minha mãe me deu, fui pra casa de família com sete anos.
P/1 – Sete?
R – Sete anos. Fui ser babá. Ali eu cuidei de duas crianças, não esqueço, não, que foi o meu primeiro serviço, Felipe e Amanda. Ali eu fui pela escola, porque eu não tinha condições, e comida e roupa. Ali eu fiquei acho que uns três anos. A moça que eu trabalhava chamava dona Rosa. Fiquei lá e eu não tinha salário, era mesmo só pra ajudar a minha mãe. Fiquei três anos, depois não quis mais ficar lá e foi minha outra irmã ficar com ela. E eu virei gente um pouco, aprendi a ler e a escrever por dona Rosa, porque minha mãe mesmo não sabia escrever. Minha mãe não sabia nem assinar o nome. Mas foi uma vitoriosa, né?
P/1 – Nessa época vocês viviam na Bahia ainda?
R – Na Bahia.
P/1 – Em que cidade?
R – Itabunas. Então, de Itaju do Colônia minha mãe mudou pra Itabunas, que eu não lembro, não sei o tempo que tem de Itaju pra Itabunas. Aí depois a gente ficou lá até crescer. Aí perdi dois irmãos, porque era pequenininho, um chamava Ione e o outro não recordo o nome, mas a Ione veio a falecer pela leptospirose, do rato. Minha mãe a perdeu por isso, muito filho e muita preocupação.
P/1 – E como é que os seus pais eram de personalidade, Vânia? De jeito, como é que você os descreveria?
R – Olha, o meu pai era muito bravo. Minha mãe, não. Minha mãe era mais meiga, sempre conversava, não era de bater. Meu pai sim. Eu nunca fui uma filha de apanhar, eu sempre fazia por onde e desde os sete anos que eu fui trabalhar, então quase não vivia com os meus pais. Eu via meus pais de 15 em 15 dias. Eu chorava, porque eu chorava igual uma condenada de saudade, mas ao mesmo tempo eu lembrava: “Poxa, eu tenho que estudar pra ser melhor na vida”. Mas os meus irmãos sofreram bastante com o meu pai. É aquele jeito, acho que foi o jeito que ele foi criado, ele queria criar a gente, mas era bom, o meu pai sempre... Ele era de conversar, só que ele era muito bravo. Mas foi bom.
P/1 – Você sabe qual que é a história do seu nome? Quem que escolheu o seu nome? Por que você tem esse nome?
R – Não sei, não sei. Já puxaram o significado, mas não lembro o significado dele.
P/1 – E a origem da sua família, você sabe? Alguém já te contou os seus antepassados da onde vieram? Você lembra alguma...
R – A minha avó era cabocla. Cabocla que fala, né? A mãe da minha avó era índia, então tem uma mistura aí muito louca, mas não sei te contar.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que era a casa da sua infância então, a primeira casa que você lembra.
R – A primeira casa, pra te contar mesmo foi nessa roça. A gente morava de aluguel na casa bem humilde e a dona da casa pediu a casa, porque meu pai não podia pagar e o meu pai entrou fora adentro dessa roça aí e viu aqueles montes de mato, ele desejou um dia ter. Falou: “Meu Deus, seu eu fizesse uma casinha aqui pelo menos de palha pra eu construir e ter meus filhos, não pagar aluguel”. Aí um dia o dono, sei lá, acho que um colega dele falou pra ele se ele não queria cuidar da casa. E essa casa que a gente foi morar não tinha luz, não tinha água, não tinha banheiro. E tinha uma casa dentro desse mato, só que ele não chegou a ver porque o mato estava muito alto, era muito alto. Aí ele falou: “Seu Severo, você não quer cuidar da roça? Tem uma casa lá”. Aí ele foi ver, ele gostou, mas era uma casa bem simples, humilde, de tábua, não tinha quarto, era um barracão, ali a minha mãe os quartos separou de cortina e ali a gente viveu. Eu vim pra cá pra São Paulo com 17 anos, vivi ali até os 17 anos. Depois de lá casei aqui mesmo, voltei um ano atrás, que eu fui à Bahia, voltei, vi minha mãe, aí quando foi março voltei pra enterrar minha mãe, que ela deu um AVC. Aí foi minha vida ali.
P/1 – E nessa fase da infância ainda nessa casa que você descreveu pra gente queria saber um pouco quais que eram as brincadeiras, se você brincava, do que você brincava.
R – Eu não fui uma criança de ter infância. Eu não tive infância.
P/1 – Queria saber como é que foi a sua infância em termos de brincadeira nessa fase ainda nessa casa em Itabuna.
R – Eu não tive infância porque, como eu te falei, com sete anos fui trabalhar, fiquei três anos na dona Rosa. Quando eu voltei pra minha casa o meu pai não deixava a gente ficar na rua, ter colega era do portão eu dentro, fora ou na calçada mesmo, mas ali minha mãe não deixava também a gente brincar. Era mais: “Entra pra dentro, procura o que fazer, tem louça”. Não tive. Não sei te explicar. Mas um pouquinho que eu brinquei, a gente brincava de corda, no quintal com os meus irmãos, a gente brincava de corda, de pega-pega, mas o que eu lembro muito mesmo que me marcou foi elástico, brincadeira de elástico. Eu brinquei muito. Mas pra te falar, não tive infância. Então, antes de eu ir... Quando eu voltei que eu fui trabalhar na dona Rosa eu tinha que ajudar o meu pai na roça. Então a gente levantava cinco horas da manhã, a gente ia pra roça, molhava as plantas e depois voltava pra casa e ia ajudar a minha mãe. Então não ficava nas casas, não tinha. Não tinha como ficar.
P/1 – Essa brincadeira de elástico que você falou como é que era?
R – Era um elástico que ficava uma menina de um lado e outra, e a gente ia pulando elástico. Quem errava saía, vinha a outra. Mas é muito gostoso. Muito bom.
P/1 – Brinquedo você tinha alguma coisa? Vocês ganhavam brinquedo?
R – Não. Não tinha brinquedo. Não tinha.
P/1 – E você falou que essa casa, quando você a descreveu a primeira vez eu tinha a impressão que ficava na roça mesmo, era na roça a casa?
R – Sim. Era na roça.
P/1 – Mas você falou de uma rua...
R – Tinha. A gente fala rua, mas não é rua mesmo, é aquele trilho que tem esgoto do lado, mato. Então, aí depois a gente morava lá um bom tempo, depois foi chegando mais gente, as pessoas foram chegando, os loteamentos... Os loteamentos foram sendo vendidos e o meu pai foi perdendo o lugar de plantar. E aí o meu pai falou: “E agora? Como que vamos fazer?”. Meu pai só sobrou uma roça, essa roça o dono vendeu também, nós ficamos sem beira, sem eira e o meu pai foi arrumar serviço num sítio que era próximo a nossa casa. Meu pai ficou lá um bom tempo, não sei quanto tempo, mas o dono falou: “Cuida”. O meu pai era muito conhecido. “Cuida, seu Severiano, como se fosse seu”. E era um sítio enorme, mas ali tinha pé de manga, pé de goiaba, toda fruta que vocês imaginarem tinha nesse sítio. E eu amava de paixão porque eu subia... Então, foi uma época que eu brincava muito que era subir na árvore, brincar, pular. Isso também era muito gostoso também. E o meu pai começou a plantar também, só que o meu pai já não plantava pra gente, meu pai plantava para o dono, mas o meu pai gostava muito de plantar. E minha mãe foi trabalhar numa casa também próxima que era uma mansão, porque tinha mansões lá fora. Onde a gente morava era mato mesmo, mas até entrar nesse matagal que eu não sei te explicar tinha umas mansões, mas era umas mansões que a gente nem sabia que existia. Minha mãe conseguiu, ficou ali sete anos trabalhando ali.
P/1 – Você estava contando que o seu pai então foi pra trabalhar nesse sítio, aí plantava pra outra pessoa, né?
R – Isso. Só que não plantava, ele plantava para o dono. A minha mãe arrumou esse serviço, ficou sete anos trabalhando lá e foi assim, a gente viveu com o salário que a minha mãe recebia. E como o meu pai também tinha um dinheirinho que ele ganhava lá no sítio aí ajudava, nós fomos crescendo.
P/1 – Queria saber como é que foi essa sua saída de casa aos sete anos. Como é que foi a decisão de você sair e quais são as suas lembranças desse momento, como é que você se sentiu, como é que foi isso pra você?
R – A minha saída de casa, você nunca quer sair de perto da mãe, né? Mas a minha mãe não tinha condições. Pra você ter uma noção eu repeti na primeira série três anos e a professora chegou pra minha mãe, falou que não tinha condições: “Ela não consegue aprender”. Não sei como que surgiu essa ideia que a dona Rosa... Não sei te explicar como a dona Rosa conheceu a minha mãe, se foi por intermédio de outra pessoa. Eu creio que sim. E ela falou: “A senhora não quer me dar ela? Que ela fica em casa lá...”. Ela também era professora. “E tem a minha filha Marcele, ela olha o Felipe e a Amanda pra mim e ela estuda”. Aí a minha mãe: “Tá bom”. Eu odiei, eu odiava quando a minha mãe falava: “Faça de conta que você é a mãe dela”. É o que mais me marcou porque eu era menina. A dona Rosa era boa, só que tinha aquelas partes ruins, eu queria brincar, eu queria aproveitar a vida de menina, de criança e não podia porque tinha que sempre olhar a Amanda e o Felipe. Eu viajei muito com elas, ia pra praia, mas também não podia estar ali na praia curtindo, porque o tempo todo eu tinha que olhar os dois. Essa saída é como eu te falei, eu não sei explicar, mas a minha mãe conversou: “Você quer ir? É pro seu bem”. Eu falei: “Ah, eu quero”. Mas toda empolgada, mas ao mesmo tempo voltei, falei: “Poxa, vou ver a minha mãe de 15 em 15 dias”. Era uma eternidade pra chegar, hoje 15 dias passam assim no nada, mas até chegar a minha folga, nossa, parece que era mais de mês que eu não via a minha mãe. Eu ia no domingo, era de 15 em 15, mas eu ia no domingo de manhã e no domingo à noite eu voltava pro serviço. As partes que eu gostei foi que eu aprendi, aprendi a ler, aprendi a escrever. O momento eu fui fazer o teste lá na escola que era perto da dona Rosa me marcou também porque a professora mandou fazer de um a cem, pra mim eu estava toda feliz porque eu aprendi, a professora fez um X bem grande. “Isso aqui que você sabe?”. Então no que ela fez aquele X me matou na hora. E eu fui toda contente: “Olha, professora, consegui”. Imagina. Errei tudo os números, não sabia nem por onde começar. E a dona Rosa, lógico, tinha as partes boas e as partes ruins, porque ela sentou comigo: “Olha, Vânia, é assim. Você tem que aprender”. Comprou aquele alfabeto e aprendi na dona Rosa porque a minha mãe tinha vontade, mas ela não sabia nem por onde começar. O meu pai, sim, ele sabia, mas o meu pai não tinha paciência. Então todos nós aprendemos pelos outros ou que se esforçasse, mas pelo meu pai não.
P/1 – A dona Rosa morava na mesma cidade?
R – Na mesma cidade. Era acho que de ônibus uns 25 minutos, mas eu via a minha mãe parece que era uma eternidade que eu via minha mãe. Mas não critico a minha mãe porque era muito filho pra cuidar, pra dar comida, pra dar roupa. Quando a dona Rosa me dava roupa também, até novinha ela me dava, nossa, eu chegava toda feliz porque é coisa gostosa que a criança quer. Mas o que me marcou foi isso aí mesmo, o estudo, que aprendi a ler. Odiava olhar criança porque ao mesmo tempo em que eu gostava, ao mesmo tempo eu odiava porque eu não queria, mas era obrigação minha. Ela conversou com minha mãe, minha mãe explicou pra mim: “É obrigação sua. Você não está ali pra brincar, você está ali pra trabalhar”. Aí eu tentei colocar na minha cabeça, não estou pra brincar, estou pra trabalhar. Então eu fui vivendo, aí fui pegando gosto, fui pegando amor porque não tinha amor pelas crianças, eu queria mais era brincar. Então de tanto a minha mãe explicar pra mim, conversar comigo fui pegando amor. A minha mãe falou: “É pro seu bem. Eu não te dei pra você ficar o resto da vida, você vai voltar pra mim, mas é trabalho”. Então você vai raciocinando. Criança já pensar em ser gente grande, mas a gente supera.
P/1 – Pra retomar então, Vânia, você falou que na casa da dona Rosa você cuidava dessas duas crianças que eram filhos dela, eu queria saber que idade que tinham as crianças.
R – Olha, eu não me recordo, mas acho que a Amanda tinha um ano, o Felipe... O Felipe já andava, acho que tinha dois aninhos. Não era muita diferença os dois. Porque a Amanda era filha da irmã dela que tinha problema e ela pegou pra criar. O Felipe sim era dela. Não. Acho que era menos.
P/1 – Bem pequenininhos.
R – Era pequeno. Não tinha dois anos porque eles engatinhavam ainda e depois que estava lá que eles começaram a andar. Também teve uma vez... Era eu que era babá, tinha a cozinheira e tinha a arrumadeira, a faxineira, que era uma casa bem grande. Eu lembro que eu fui pedir pra... Chamava até Zezé o nome da moça que arrumava lá e eu fui tomar banho, pedi pra Zezé olhar os dois, eu poderia tomar banho, isso aí tinha uma ribanceira, tinha uma saída, porque era uma casa muito grande, e tinha um barranco embaixo. Eu falei: “Você pode olhar pra mim enquanto eu tomo banho?” “Posso”. Nisso aí ela deixou o Felipe cair lá embaixo. Foi uma coisa também que me marcou muito porque ele era bem branquinho e tinha muita pedra lá embaixo, nisso aí eu só ouvi os berros. Do jeito que eu estava eu saí do banheiro. E ela colocou a culpa em mim, ligou pra dona Rosa, que a dona Rosa estava na escola, e o menino por graças a Deus não se machucou, não teve um arranhão, mas ela veio com tudo em cima de mim. Falou: “Vânia, eu vou te matar. Vou colocar você presa”. Pensa numa pessoa olhar, eu tremia igual uma vara verde porque morrendo de medo. “Eu vou te matar se você quebrou alguma coisa do meu filho”. Mas eu pedi tanto a Deus, tanto a Deus que não teve um arranhão. Daí que eu cismei, eu falei: “Mãe, eu não quero mais ficar. Eu não quero.” “Mas a dona Rosa é boa?” “É”. E fora que eu apanhava também das meninas, porque elas me mandavam fazer as coisas pra elas, eu falava: “Mas eu tenho que olhar os meninos, a Amanda e o Felipe”. Apanhava, era de escovada, jogava escova de pentear cabelo em mim e eu sofria muito quieta. Depois eu falei: “Não. Chega”. Aí eu contei pra minha mãe, falei: “Mãe, eu não quero mais.” “Mas por quê? Fala o porquê.” “Porque eu apanho...”. Mas a dona Rosa não sabia disso, ela nunca imaginava, depois que a minha mãe falou pra ela, ela falou: “Mas eu não estava sabendo disso”. Porque eu tinha medo de falar, mas o que me marcou foi isso também e coisa boa que me marcou foi que eu aprendi a ler e a escrever lá. Mas nessa parte até hoje eu lembro como se fosse... Imagina, uma criança cair da ribanceira e a pessoa vir te falar que vai te matar, que vai te colocar na cadeira. Eu imaginava mil coisas naquela hora ali. Mas passou.
P/1 – E da escola, Vânia, quais são as primeiras lembranças que você tem? Quando que você começou a frequentar a escola e o que você lembra?
R – O que eu me lembro de coisa boa? Que eu aprendi. Aprendi. Aprendi a ler, aprendi a escrever.
P/1 – Que idade você tinha quando você começou a frequentar a escola?
R – Olha, aos sete anos mesmo, porque eu fui pra dona Rosa ela me matriculou na escola e aí dos sete anos mesmo que eu vim mais a aprender mesmo.
P/1 – E como é que era essa escola?
R – Muito boa. Muito boa mesmo. Grande, dava pra brincar, a diretora era um amor, muito amorosa. Mas eu tinha uma professora que eu não gostava. Tinha a professora que chamava Célia, ela era um amor, mas a Célia saiu, entrou outra que me chamou de burra. Eu sou muito ruim em conta, eu fiz uma conta... Não. Minto. Não foi de matemática. Ela passou uma atividade pra eu ler, não consigo esquecer o nome que foi uma palavrinha “macaco”. Ela fez uma folha, isso aí ela pegou e rasgou um buraquinho, então ali você ia soletrando as letras e eu errei, numa parte errei e ela falou: “Para de ser burra. Por que você não é igual a sua colega do lado?”. E as crianças começaram a gritar, você é burra, não soube soletrar a palavra macaco. Depois aí eu emburrei, não quis ir mais, aí eu conversei com a dona Rosa, dona Rosa foi lá: “Jamais você faz isso com a criança. Não admito”. Dona Rosa conversou com ela. Está certo que eu sou meio ruinzinha de ler, eu pego um livro, rapidinho... Mas eu tenho que aprender a ter paciência de ler, eu leio, mas eu odeio ler. Não gosto de ler acho que por isso.
P/1 – E teve alguma outra professora que te marcou de um jeito positivo, uma professora preferida?
R – Sim. A Célia. Ela sim era um amor de pessoa. Muito amorosa, paciente. Essa outra não consigo nem lembrar o nome porque a Célia saiu de licença e ela entrou, e eu odiei.
P/1 – E a Célia tem alguma história com ela que você lembre em sala de aula?
R – Não. É só que era muito amorosa, muito paciente, amigável. Ela ia na sua mesa, perguntava se estava tudo bem, mas só isso que eu me lembro dela.
P/1 – E nessa fase de infância, Vânia, você lembra o que você queria ser quando crescesse?
R – Professora. Sempre. Sempre. Eu lembro e contava em casa, eu pedi pra minha mãe se ela me deixava ensinar, imagina, não sabia nem pra mim eu queria ensinar as outras crianças. Minha mãe falou: “Você quer ser professora? Você não sabe.” “Mas deixa, mãe”. Cobrava, nem lembro quanto que eu cobrava e as mães deixaram as crianças irem. O que me motivou, eu falei: “Nossa, mas eu não sei...”. Eu não sabia, eu pegava, passava lição de A, E, I, O, U pras crianças, se eu passasse coisa mais difícil, eu não conseguia porque eu não sabia pra mim. E as mães deixaram as crianças irem e era aquela festa, aquela farra, aí a minha mãe falou: “Você quer ser professora?“ “Quero. É o meu sonho”. Daí só que eu vim e não terminei os estudos lá na Bahia. Não porque sempre eu fui trabalhar, depois da dona Rosa eu fui ser mais babá, mais babá e assim por diante. Minha mãe falou: “Mas você não vai ter paciência quando você casar e tiver seus filhos.” “Não. Eu quero. É o que eu quero, ser babá”. Daí veio o sonho de ser professora, terminei os meus estudos aqui. Terminei os meus estudos em 2012 pra você ter noção. Porque eu vim depois de casada, vim pra cá... Em 92 eu vim pra cá, daí casei, fez 19 anos que eu casei e terminei os estudos. Voltei tudo, a primeira série a quarta, primeira, segunda. Fiz tudo à noite, supletivo. Só que eu tinha medo de ir pra quinta série, repeti ainda dois anos na quarta porque eu tinha medo de ir pra quinta série por causa da bendita matemática. E a professora Simone era no Alice Rabechini aqui em Osasco mesmo, não sei se você já ouviu falar na escola, ela: “Vânia, chega. Vai pra quinta.” “Simone, deixa-me ficar aqui.” “Não. Não vou te segurar. Vai pra quinta, você consegue ir pra quinta”. Mas meu Deus, a matemática era muito difícil, é muito difícil, até hoje não entra na minha cabeça. Ela: “Vai. Se você não for eu vou fazer a sua matrícula na quinta série.” “Tá bom, Simone.” “Não te quero mais aqui”. Eu fiquei como ouvinte lá, né? E eu fui pra quinta, depois eu vi que não era aquele bicho de sete cabeças, mas já era pra eu ter terminado bem antes os estudos. E fui. Terminei os estudos e falei: “Agora seja o que Deus quiser, eu vou fazer faculdade”. Aí eu comecei a fazer esse ano faculdade, estou fazendo de Pedagogia, muito, muito feliz. Queria que a minha mãe tivesse aqui porque é um sonho. Muito que ela queria (choro). Desculpa gente. Um dia ela falou: “Quero ver você sendo professora” (choro). A Sheila me deu muita força, para fazer Pedagogia, eu tenho medo também, tinha medo, muito medo de fazer Pedagogia porque eu tenho um pouco de erro. Na Bahia você não fala com muito R, onde que é pra colocar R eu não coloco, onde é pra não colocar eu coloco. Então eu tenho esse joguinho que eu tenho dificuldade. Eu tinha muito, muito medo, queria fazer Pedagogia, mas como que eu vou fazer Pedagogia, meus erros? A Carol sentou e falou: “Não. Vai. Você já está aqui vai fazer três anos, o que você está esperando? Vai fazer Pedagogia”. Agradeço as meninas, a Ju que me incentivou, a Carol, a Sheila, porque eu não tinha coragem de fazer Pedagogia. Morro de medo. Estou indo, né? Estou caminhando, mas eu chego lá. Mas são muitas vitórias. Muito sofrimento, mas espero terminar a faculdade de Pedagogia.
P/1 – Deixa-me voltar um pouquinho ainda nessa fase sua de infância e de adolescência, Vânia. Queria saber depois que você sai da Rosa pra onde que você vai? Você volta pra sua casa? Como é que é?
R – Depois que eu saí da dona Rosa sim voltei pra minha casa, fiquei ajudando a minha mãe. Fiquei um tempo, depois como eu te falei fui trabalhar de novo como babá. Fiquei dois anos numa casa que chamava dona Margarida. Aí fui lá, duas crianças também. Era Ariston e Carolina. Fiquei dois anos lá aí ela viajou... Eu esqueci o nome da cidade. Ela viajou, minha mãe falou: “Você vai viajar com ela? Tem certeza?” “Mainha, sou babá, eu tenho que ir onde que elas forem”. Porque o contrato estava que onde elas fossem eu tinha que ir junto. E fui. Só que chegou lá a dona Margarida transformou. Foi outra pessoa. Era um amor de pessoa, bem tranquila, eu já tinha mais idade, então eu já sabia o que era trabalhar realmente. Mainha falou: “Você vai? Mas você tem certeza?” “Mãe, a dona Margarida é um amor de pessoa então eu vou, é o meu serviço”. Eu sofri amargamente. 20 dias passamos lá, ela quis até me bater lá porque era uma menina... Nós fomos pra casa da sogra dela que era num sítio, muito distante da cidade, eu contava os dias, as horas pra gente ir embora. Depois que a gente voltou eu falei: “Dona Margarida, eu não quero mais”. Aí eu falei o porquê pra minha mãe, minha mãe também perguntou o porquê, porque tudo a minha mãe queria saber o porquê. Eu expliquei pra ela, ela falou: “Então venha embora. Não fique lá”. Mas depois desse eu sempre fui trabalhar. Depois parei de trabalhar, foi quando em 92 eu tenho minhas irmãs aqui, foi passear lá na Bahia e me trouxe pra cá. Aí desde 92 eu estou aqui.
P/1 – Esse trabalho na dona Margarida, os trabalhos que você teve depois da dona Rosa eram remunerados? Você recebia um salário?
R – Sim. Daí já recebia um salário. Não lembro quanto que era, que era minha mãe que recebia pra mim, eu não recebia, mas já ganhava sim meu salário.
P/1 – E nessa época em que você começou a receber os salários em algum momento você teve a oportunidade de comprar alguma coisa pra você, uma coisa que você queria?
R – Não. Sempre dei pra minha mãe. Sempre pensando em dar pra minha mãe. Eu trabalhava pra ajudar meus irmãos.
P/1 – Ela que administrava todo o dinheiro?
R – Sim.
P/1 – E nessa fase de... Na dona Margarida você já tinha quantos anos mais ou menos, você tem uma ideia?
R – Ah, acho que uns 14 pra 15 anos eu já tinha. Eu já era mocinha já. Não era tão pequena.
P/1 – E nessa fase de adolescência, Vânia, mudou alguma coisa na sua vida em termos... Você trabalhava bastante tempo e, além disso, você tinha um tempo pra diversão, sair?
R – Não, nunca fui de sair, nunca fui de festa, nunca fui. Eu ia pra igreja com a minha mãe. Da dona Margarida também era de 15 em 15 as folgas, mas eu dormia lá também e era do serviço pra casa, ficava, no domingo à noite eu voltava pro serviço. Só que da dona Margarida também já não estudava mais, eu larguei os estudos de lado. Como eu te falei, vim terminar os estudos aqui. Daí não estudei mais.
P/1 – E tinha alguma coisa de festa na igreja?
R – Não. A minha doutrina não tem. Só casamento e pronto. A doutrina da minha igreja não tem.
P/1 – Qual que é a igreja que você...
R – Congregação Cristã no Brasil.
P/1 – E você é religiosa desde pequenininha?
R – Sim. Desde quando minha mãe teve... Desde pequenininha mesmo que minha mãe aceitou e fui andando com minha mãe. Estou aqui até hoje.
P/1 – É a mesma religião desde pequena?
R – É a mesma religião desde pequena. Gosto. Gosto muito.
P/1 – E antes de você vir pra São Paulo, nessa fase ainda na Bahia antes de você vir pra São Paulo você conheceu alguém que tenha sido importante pra você, amorosamente, um namorado, uma primeira paixão?
R – Ah, tive. Minha primeira paixão chamava Zé Arnaldo. Namorei-o, meu pai deixou a gente namorar aquele namorinho. Era beijinho e pronto. Não era mão dada nem nada porque o meu pai era muito rígido como eu te falei. Mas fui a única das filhas que não namorou na porta, só que dez horas: “Vânia, dez horas”. Entrou e pronto, era aquela conversinha básica. Não sei te falar se abraçava, beijava. Não. Era namorinho mesmo de menina. Eu tinha 15 anos já, mas aquele namorinho. Ele falou: “Vou deixar você namorar, mas vai ser do meu jeito”. Aí depois que eu vim pra cá, eu terminei com ele antes porque eu vinha pra cá mesmo e aí não tive mais contato com ele. Eu vim pra cá, pronto.
P/1 – E aí como é que foi a decisão então de vir pra São Paulo? Conta um pouco quando é que você decidiu, como que foi essa decisão e como é que foi a vinda pra São Paulo?
R – Foi muito rápido. Muito rápido. Minha irmã foi, como eu te falei foi passear lá: “Você quer ir pra São Paulo?”. Pediu pra minha mãe. “Você quer ir? É isso mesmo que você quer?” “É”. Aí viemos. Foi assim rápido, não foi pensativo, pensando nem nada. Surgiu a oportunidade, veio, primeiro veio minha irmã, a Marisvalda, que ela chegou a casar aqui também, ficou um bom tempo, depois a Carminha... Foi vindo escadinha. A Valda, a Carmen e eu, depois veio minha outra irmã, a mais velha. Aí ficaram três irmãos lá na Bahia, que é a minha irmã mais velha, a Lucinha, a Giane e Jonas. Ficaram lá na Bahia com minha mãe. Esses nunca vieram pra cá.
P/1 – E como é eu foi a viagem pra São Paulo? Como é que você chegou até São Paulo? O que você se lembra da viagem?
R – Ah, muita tristeza, né? Porque você vem, deixa a sua mãe, falei, nossa, muito distante, muito longe a primeira impressão, né? Mas vim muito feliz porque ia trabalhar pra ter o seu salário mesmo, carteira registrada, tudo. Porque, eu já vim direto pra um serviço lá nas Perdizes. Trabalhei com casa de família muito tempo também nas Perdizes. Daí fiquei... Não. Nessa casa, eu fiquei seis meses, nas Perdizes. Minha irmã morava em Caieiras, também trabalhando em casa de família e a gente só se via final de semana, também vim pra trabalhar, então o tempo todo trabalho, né?
P/1 – Você morava nessa casa em Perdizes?
R – Sim. Morava. Só final de semana que eu ia embora também.
P/1 – E era um trabalho como babá também?
R – Não. Aí já era empregada doméstica. Trabalhei muito tempo como empregada doméstica. Aí fiquei seis meses lá porque a mulher era meio doida, meio louca das ideias. Antes de eu entrar ela foi roubada, depois aí ela fechava a porta da sala pra área de serviço, ela fechava a porta. Da cozinha pra mesa de jantar tinha uma porta, ela trancava, e a porta pra área de serviço também ela trancava a porta e eu dormia na área de serviço como se fosse um cachorro. Se eu quisesse tomar uma água gelada, se eu passasse mal ali eu ficava porque ela trancava a porta de saída, ela trancava e tirava a chave. Eu não tinha telefone na época, celular, então se eu passasse mal eu morria ali porque não tinha como chamá-la, não tinha como sair pra chamar o porteiro. Seis meses eu fiquei lá. Eu fiquei pensando, falei: “Meu, é um cachorro. É pior do que um animal”. Porque eu acho que um animal fica dentro, senta no seu sofá e lá não. Se eu quisesse alguma coisa eu tinha que pedir pra ela, aí eu falei pra minha irmã, falei: “Não dá”. Mas ela nem sabia que tava acontecendo isso aí. Se você dá sede você tinha que pegar água do tanque, porque não tinha como entrar, ter acesso à cozinha. Depois disso aí ela falou pra mim que ela foi roubada, não sei se ela ficou com medo. Aí eu falei: “Não dá, dona Cecília”. Era doida mesmo, só que ela era boa pessoa também, só que tinha só esse detalhe. Falei: “Não, a senhora trata os funcionários como se fosse bicho porque não tem confiança.” “Ah, mas não consigo ter mais confiança.” “Então não dá”. Aí eu saí, daí fiquei lá em Caieiras morando com essa mesma irmã, voltei, ela brigou com o ex-marido dela. Morava na mesma casa só que eu não tinha contato, eu dormia com ela no quarto e ele dormia na sala. Acho que foi mais de três anos essa luta e um dia ela resolveu contar a história que ela arrumou uma pessoa pra namorar, eu estava com ela lá, ele quase que mata ela e eu porque ele ouviu a conversa dela, ele gostava dela. Isso ela resolveu vir pro João XXIII, de Caieiras nós fomos pro João XXIII na casa de um tio que a gente não conhecia, porque ela ficou com medo dela ser morta à noite porque a casa era dele, o quintal era dele só que ela construiu. Ela foi outra também sofrida. Ela construiu nesse quintal, ele falou: “Daqui eu não saio. A casa é minha”. Então a gente teve que sair. Fomos pro tio Damacena, ficamos lá um bom tempo, não lembro quanto tempo a gente ficou lá. Daí do João XXIII, meu tio também era bem rígido, que era irmão da minha mãe, daí do João XXIII, nós viemos aqui pro Rio Pequeno, São Domingos, não sei se você conhece, já ouviu falar. Nós fomos morar de aluguel ali, não sei quanto tempo a gente ficou ali também morando ali de aluguel, era perto da favela do Sapé. Ficamos ali morando, daí eu fiquei desempregada na época, só a Valda também trabalhando, ela falou: “É muito pra gente pagar. O aluguel é muito caro”. Aí viemos pra cá pra Osasco. Então a gente deu essa volta pra vir pra cá pra Osasco. Aqui eu consegui outro trabalho, a gente também veio morar de aluguel numa casa, na época o aluguel era 160, pra gente era um dinheirão. Aí ficou a Carmen, eu e a Valda. E a Valda também teve um filho, o Jeferson, que era do primeiro casamento dela, a gente ficou lá um bom tempo. Daí eu conheci o meu esposo, que é o João.
P/1 – Como é que vocês se conheceram?
R – Minha irmã, a Valda, gostava muito de pagode, então ela arrumava aqueles amigos dela, final de semana era só pagode, aquela loucura. Só que eu sempre reservada, não participava e ela falava: “Ai, você não participa.” “Não. Deixa-me no meu cantinho”. Daí o João veio com um amigo dele, a gente se conheceu, conversou, mas não gostava dele, odiava porque ele fumava. Odiava. Daí a gente começou a conversar e ele tinha várias meninas que gostavam dele e foi uma briga muito feia, porque a menina falou: “Ah, eu vou te catar porque você tomou o meu namorado.” “Ele é seu namorado? Ele falou que não tem namorada.” “Não. É meu namorado”. E eu fui trabalhar, isso aí eu tava trabalhando na casa de uma psicóloga que chamava Miriam Chnaiderman, que morava até na Veiga ali. Fiquei dois anos com ela, um amor de pessoa, muito maravilhosa. E o João sempre me ligava: “Você não vai vir?” “Não. Vou dar...” eu mentia pra ele “Vou dar jantar.” “Você não vai vir pra gente conversar?” “Não posso, a dona Miriam me pediu pra ficar”. Eu fui enrolando-o, aí chegou um dia eu falei: “Não, vou ter que ir, é a minha casa, né?”. A gente sentou, conversou, falei: “Você falou que não tinha namorada e você tem namorada.” “Quem te falou? Não tenho namorada”. Porque as meninas gostavam dele. Daí a gente começou a conversar, mas eu não gostava dele ainda. Conversar, a gente foi ao cinema, ele me pediu em namoro. Eu falei: “Eu vou tentar, que eu não gosto de você”. Daí tentamos, está até hoje. Temos quatro filhos e estamos aí.
P/1 – Quanto tempo vocês namoraram?
R – Eu o conheci em 2004... Não. 94. No finalzinho de 93 pra 94. Nesse tempo nós ficamos noivos, em 95 nós casamos aí em 96 veio a nossa primeira filhinha, a Iasmin, depois Isabela, o João Vitor e o Luís Fernando.
P/1 – Como é que foi o casamento de vocês? Conta um pouquinho pra gente.
R – Muita tribulação, muito conturbado porque o João eles são cinco irmãos e o João era um pai pras irmãs dele. Ele era o filho mais velho, a minha sogra também bem humilde. Ele que comprava, fazia compra, ele que ajudava a mãe dele, então foi sofrido nessa parte porque ele era tudo pra minha sogra. Nessa parte eu sofri mais por ele, né? Porque o salário dele pegava, dava tudo pra minha sogra, não guardava. Ele ficava só com vale porque era pra divertimento dele. E daí quando a gente falou que ia noivar ela ficou muito nervosa, ficou muito brava. Até concordo porque no caso tava tirando ele. A gente com muita luta, ela falou: “Você é muito metida. Você vai casar. Como que você vai casar com o meu filho? Meu filho é pobre.” “Mas eu não sou metida”. Acho que você querer ter uma casa, uma cama, um fogão, essas coisas não é eu ser metida, nessa parte. Então ela ficou muito brava. Daí começou a luta. De repente ela virou contra mim, ter raiva de mim, mas sempre fui superando, superando. Muita paciência. Acho que você lidar com o ser humano é ter maior paciência do mundo. Casamos. No meu casamento ela não quis ir, no meu casamento. Daí ficamos noivos, ela aceitou, daquele jeito lá aceitou, quando foi 95, de novembro, dia 25 de novembro de 95 nós casamos, foi o nosso casamento. Ela chorou muito, muito, muito. Aí falou que não ia no casamento, falou um monte pra ele. Ele falou: “Mãe, se a senhora quiser tudo bem. Se a senhora não quiser a senhora perdeu um filho porque eu estou casando, a senhora não vai me ver casar? E eu estou casando com a mulher que eu amo”. Foi muito sincero com ela. Eu já nem falava mais com ela porque ela não olhava pra mim, ela tomou birra de mim mesmo. E minha mãe veio pro meu casamento, e minha mãe não dá ponto nem pra um, nem pra outro, pelo jeito que ela foi criada. Ela falou: “Mas você nem bem casou você está começando encrenca?” “Mas, mainha, não sou eu”. Até eu explicar que não era eu. Aí minha mãe falava um monte pra mim, eu entrei dentro do banheiro, mas eu chorei. Eu liguei o chuveiro, fiz de conta que ia tomar banho, chorei igual uma condenada ali dentro, mas ninguém sabia que eu estava. Veio uma colega da minha mãe, da Bahia, com ela, a colega chamava Luiza, ela falou: “Nossa, você está sofrendo muito, né, Vânia?” “Estou”. Só balancei a cabeça. Casamos, minha sogra foi no casamento. No meu álbum de casamento, se você for olhar só tem a minha sogra, ninguém quis tirar foto. Por quê? Pegou birra pela minha sogra, elas também pegaram birra de mim. Por isso que eu falo pra você, a paciência é tudo na vida, porque a gente foi casar, casamos, não tivemos lua de mel porque a gente não teve condições de viajar, a gente já casou e já foi pra casa. E ali começou o meu sofrimento porque o João ia trabalhar... Depois disso aí, eu não trabalhei mais. Deu uma aliviada porque eu sempre trabalhei. Fui cuidar da casa, o João trabalhava e ali começou o meu tormento porque eu comecei a ouvir piadinha: “Ah, ela está aqui porque ele a colocou aí”. Porque era um cômodo, a gente foi morar num cômodo, esse cômodo, chovia mais dentro do que fora. Ele pintou, tudo, mas era muito mofado dentro. Eu queria arrumar. O tanque de lavar louça, comida, era fora e era no tempo. Quando chovia não tinha como lavar porque estava chovendo, não tinha cobertura. E ali eu só pedia pra ele fazer uma cobertura pra mim porque quando estava chovendo... E ali eles falavam um monte. Fui aguentando, aguentando. Às vezes eles sabiam que eu lavava louça ali, eles colocavam a roupa de molho, ficava dois, três dias, ali eu não podia fazer nada, mas sempre quieta. Sempre calada. O que eu fazia às vezes? Levantava cedo, fazia as minhas coisas, arrumava a casa e saía pra casa das minhas colegas, porque eu não aguentava, o sofrimento era muito. E tudo que o João comprava pra casa era motivo de cara feia, motivo de briga porque eles não aceitavam que comprava pra mim. E eu sempre maleável: “Olha...” chama Romária “Olha, dona Romária, vem ver, o João comprou a geladeira”. Eu bem humilde, bem simples, né? “Não quero ver a geladeira, não, minha filha.” “Está bom”. Sabe, sempre chamar: “Quer entrar, tomar um café?”. E era sempre na ignorância e fui levando, fui levando a vida. Quando eu tive minha primeira filha foi cesárea, a minha irmã pediu dez dias de afastamento pra ficar comigo, do serviço, porque não tinha quem ficar comigo. Eles moravam no quintal, mas não lavavam uma colher, uma meia. Mas ali o que eu fazia? Levantava cedinho, bem devagarzinho quando eles estavam dormindo, fazia as coisas devagar, aí minha irmã ficou sabendo, falou: “Não. É cesárea. Você não pode”. Aí veio ficar dez dias comigo. Depois daí eu continuei fazendo o meu serviço, não poderia deixar nada fora na mesinha porque eles pegavam tudo, as crianças que eram meu sobrinhos, sobrinhos do João, ali se era panela de fazer mingau eles colocavam terra, sabão. Tudo isso aí eu fui aguentando calada pra João não chegar do serviço e criar aquela contenda. Lógico, eu pensava: “Ele pode me defender, mas no outro dia quem que vai estar no inferno?”. Era eu. Ele não ia estar ali pra me defender. Então antes de sair, voltando um pouco atrás, eu grávida de oito meses, o pai dela ficou doente e ela chamava o João pra ir lá, que era o Embu das Artes que ele morava. O João falou: “Mãe, eu só tenho o domingo pra ficar com a Vânia, então eu vou ficar com a Vânia.” “Ah, porque você não liga mais pra mim, você não liga mais pros seus familiares.” “Não é assim”. Eles bateram boca e ela entrou em casa gritando: “Diz que quando uma mãe casa um filho, ela ganha um filho. No caso eu perdi. Eu perdi um filho”. Aí o João falou: “Bom, se a senhora perdeu, é problema da senhora. Eu ganhei uma esposa maravilhosa”. Até falei pra ele: “Menos, deixa pra lá”. Eu estava grávida, eu chorei igual uma condenada. Eu sou muito chorona. Marcou muito. E eu falei: “Deixa pra lá. Deixa pra lá, não bate boca”. Aí no outro dia minhas cunhadas caíram tudo em cima porque ela falou que eu gritei com ela sendo que quem bateu boca foi o João e ela, eu fiquei na minha calada, né? Daí veio a Iasmin, ficou esse joguinho pra lá e pra cá, mas sempre soube me sair. Levantava cedo, fazia as coisas. Aí começou o sofrimento porque tinha um banheiro e era um banheiro pra todo mundo e esse banheiro era de tábua. Então eles iam lá, faziam sujeira, xixi, coco e não jogavam água. E eu sempre ia lá, lavava, deixava limpo, falei: “Um dia acaba”. Na segunda gravidez que veio a Isabela eu falei: “Não tem como. Não tem como ficar aqui”. Ele não quis pagar aluguel. “Não vou pagar aluguel, aqui é meu, construí”. Eu falei: “Então está bom. Então você mora aqui e paga um aluguel pra mim que eu vou embora com as minhas filhas. Chega”. Cinco anos, aguentei. Falei chega. Só que ele não imaginava, eles me mandava tomar naquele lugar, desculpa a palavra, de tudo que você imaginava. Uma vez eu queria de novo lavar as coisas, minha cunhada foi e colocou roupa, ficou uma semana aquela roupa no tanque, fedia aquilo ali. E eu com toda a minha paciência desse jeito, falei: “Não dá”. Aí ele chegava: “Mas não tem comida.” “Olha...”. Tipo assim, dá um jeito, né? Mas ele também não sabia por que pra ele estava ali aquele dia. E eu sempre dando escape, quando foi pra ganhar a Isabela eu falei: “Não. Chega”. Então, da Isabela minha mãe veio no finalzinho e minha mãe falou: “Filha, deixa, fica aqui.” “Não, mainha, chega”. Cinco anos, né? “Ou ele aluga uma casa e me coloca dentro... Ele pode ficar aqui, eu me viro”. Aí ele foi maior furioso. A minha cunhada veio, entrou na minha casa gritando porque eles são tudo doido, são tudo loucos: “Você tá indo mudar, você está fazendo o meu irmão mudar daqui, meu irmão vai esquecer minha mãe.” “Lourdes, eu vou morar aqui no...”. Aqui próximo, vou lembrar o nome e te falo. Gente, a gente não está indo pra Bahia, a gente está indo morar numa casa maior. E não era maior, eram dois cômodos, a gente tava saindo de um cômodo pra ir pra dois cômodos. “Você vai esquecer...”. Aí falou um monte, minha mãe: “Filha...” “Mainha, fica quieta, deixa falar. Deixa gritar”. Depois ela subiu, porque era a minha casa, subiu a escada era a da minha sogra. Aí ela subiu lá, ficou muito nervosa, só falei pro João: “Olha, sobe lá, acalma o povo que está parecendo que você vai embora pra Bahia. Vai lá conversar com a sua mãe”. Minha mãe: “Filha, deixa.” “Não. Vou. Chega”. A bondade basta, né? Tem hora que basta. Depois a gente não conseguia ter nada, simplesmente a gente tinha uma casa que não saía dali. Uma casa não, não era nem nosso, não conseguia sair dali. Ah, no Primavera, a gente foi morar no bairro Primavera, próximo daqui. E ficamos dois anos e nove meses lá. Nossa vida melhorou porque a gente não pagava aluguel, a gente não conseguia sair dali. Hoje em dia nós temos um carro, temos um carrinho, lógico trabalhando, tem um carro, não é muito bom, mas tem um carro e nossa vida foi abençoando. Nós não temos a casa ainda, a gente pretende ter mais pra frente se Deus abençoar, mas foi muito bom. E depois que a gente... Então, aí depois que a gente foi morar, voltando um pouquinho atrás, depois que a gente foi morar de aluguel, que a gente veio pro... Esqueci o nome de novo.
P/1 – Primavera, não é isso?
R – Primavera. Isso. Aí eu fui explicar pra ele o que eu estava passando lá. Ele: “Mas por que você não me falava?”. Eu falava: “Adiantava eu te falar? Você podia até me defender na hora, mas e depois? Quem que ia estar no inferno no outro dia? Não era eu? Não ia ser pior pra mim?”. Eu pegava a minha filha, ia pra alguma colega minha, chama Rita, ficava o dia ali na Rita. Quando era perto do João chegar que eu pegava e voltava pra casa e eles: “Casou pra que? Casou pra ficar nas casas”. Mas eu saí pra me safar um pouco porque quando eu entrava no quintal parece que estava me sufocando, aquilo me sufocava, sabe? Aquele, sei lá, o clima, não sei o que era. Mas nós estamos vivendo.
P/1 – Eu queria voltar só numa pergunta que ficou lá pra trás, que eu queria ter te feito, se você lembra qual que foi a sua impressão e a sua sensação quando você chegou a São Paulo. Porque quando você se mudou com a sua irmã foi a primeira vez em São Paulo.
R – Foi.
P/1 – E qual que foi a sua impressão da cidade, da vida que você passou a levar aqui? A diferença do lugar da onde você veio.
R – A minha primeira impressão, muita gente. Muito grande. Aquela rua do Tietê, muito grande. Fiquei perdida. A minha primeira impressão foi muito boa, nossa, um ar novo, gente nova, vida nova, pensei na rodoviária. Estamos aqui.
P/1 – Queria falar um pouquinho mais da sua gravidez, então da primeira gravidez como é que foi que você descobriu que tava grávida? Como é que você se sentiu?
R – Muito feliz. A minha primeira gravidez muito feliz. Minha pressão caiu, mas eu não sabia que eu estava grávida, porque eu casei, eu não tomei anticoncepcional, não. Também não esperava ficar tão cedo grávida, mas não procurei evitar. Porque o João tem 52 anos, eu casei com 18, ia fazer 19. Na época ele tinha 33, falei: “Bom, se deixar ficar mais velho vai...” eu pensei: “Vai ficar mais difícil pra ele”. Minha pressão caiu e eu fui ao postinho, daí descobri que eu estava grávida. O médico falou: “Você está grávida”. Aquela alegria, muito. Mas foi uma gravidez muito boa, eu não senti nada, foi uma gravidez perfeita.
P/1 – E o parto como é que foi?
R – O parto foi cesárea, que não deu passagem pra ser normal, os quatro foram cesárea. Tanto que agora eu fiz laqueadura porque não dá pra ter mais, mas foi tranquilo. O parto foi tranquilo.
P/1 – E você lembra da sensação a primeira vez que você viu a sua filha, pegou no braço? Iasmin, né?
R – Iasmin. Muito maravilhosa. Parecia uma japonesa. Muito linda, muito fofinha, ela nasceu com três e 700 de quilo. Porque eu não tinha barriga, era só ela, era aquele ovinho, eu imaginava: “Nossa, vai ser bem pequenininha essa criança”. Mas não, foi uma maravilhosa. Acho que sensação de filho são todas boas, você pegar, beijar, muito gostoso.
P/1 – E como é que foi ser mãe pra você, Vânia? O que mudou na sua vida a maternidade?
R – O que mudou... Não mudou muita coisa porque com a experiência de ser babá, eu já sabia um pouco como cuidar, como dar banho, não fiquei um pouco perdida. Não fiquei perdida porque já sabia um pouco. Tive aquele amor, mas não aquele amor de mãe, nossa, aquela mãe pegajosa. Dava banho, cuidava, dava carinho, mas no berço. Não gostava de ficar muito... Porque eu imaginava que você ficar o tempo todo no colo e um dia você precisar trabalhar, a pessoa que olhasse a minha filha ia acabar sofrendo porque foi acostumada no colo. Então sempre tive esse jogo, esse joguinho, não ficar muito tempo no colo porque se pegasse, ou ir pra creche. No caso elas nunca foram pra creche porque tinha medo de colocar na creche, não sei, coisa de mãe, boba. Mas eu cheguei a fazer inscrição, só que não saiu a inscrição, então está bom. Daí foi passando e ela foi crescendo, foi tanto que eu vim trabalhar ela tinha acho que 12 anos meu primeiro serviço, que aí ela já ficava... Não. Menos. Que ela já ficava sozinha, então eu falei: “João, agora pagando aluguel dá pra trabalhar, né?”. Fui trabalhar como diarista, trabalhar como diarista porque aí dá tempo de eu ficar com elas, pegar. E o dia que eu trabalhava de diarista ela ficava com minha sogra no caso, falava: “Qualquer coisa dá um toque”. Mas ela já sabia se virar. Ah, voltando atrás, nos pré-natais da Iasmin beleza, da Isabela... Quando eu fiquei grávida da Isabela eu levava a Iasmin, porque eles não ficavam com eles pra mim. Então o João tinha convênio, eu ganhei no Albert Sabin na Lapa, eu levava a Iasmin o tempo todo. Eu falava: “Agora a mãe vai entrar na sala, você fica sentadinha aqui do lado”. Engraçado. Aí veio o João Vitor e o João Vitor levava a Iasmin e Isabela. Eu falava: “A mãe vai te levar, só que você fica...”. Só que o do João Vitor foi aqui, já não tinha mais convênio, então eu fiz no postinho mesmo, era mais próximo da minha casa. E do Luís Fernando... Então foram os três, a Iasmin, a Isabela e o João Vitor. Sempre levei os meus filhos. Não sei, não confiava deixar com ninguém. Um dia a minha sogra, voltando um pouquinho atrás também ela falou: “Você é muito egoísta. Você vai fazer pré-natal e você leva os três filhos? Os dois que seja”. Mas também eles não pediam pra deixar. Às vezes estava a maior chuvona e eu levava, chuva, sempre fiz os pré-natais de todos, nunca que deixei de ir um dia fazer o pré-natal. Levava os meus filhos e foi criado assim. Tanto que a Iasmin, ela não sai de casa, está com 18 anos, fez 18 anos agora dia três de outubro. Eu falo: “Filha, você tem que sair, conversar”. Não. Ela não sai pra nada, nem namoradinho eu acho que ela não tem, só se tiver na escola, mas é muito difícil que ela é muito quieta, é muito tímida. E no sábado a gente foi a Osasco levar o meu Luís pra tirar foto, aí eu vim da prefeitura, ela não foi. Eu falei: “Mas você tem que sair, conversar”. A Isabela também é a mesma coisa, fico até preocupada um pouco. Ela não interage com outras amiguinhas, tem amizade na escola, mas pelo que elas falam contam nos dedos, não sei se é bom ou se é ruim. Então as meninas ao mesmo tempo eu me preocupo por elas não... Eu falo: “Você não pensa em trabalhar, ter uma vidinha?”. Não sei o que rola na cabeça delas. É muito tímida. Não sei se puxou um pouco eu porque eu também era muito. Como fala? Como que eu te explico? Não sei como te explicar, mas eu era mais tímida ainda.
P/1 – Foi se abrindo com o tempo.
R – Sim. É. Abrindo-me um pouco.
P/1 – E quando é que você começou a trabalhar como professora, Vânia? Conta pra gente. Você falou que voltou a trabalhar depois que os filhos nasceram, depois de um tempo como diarista, né?
R – Sim.
P/1 – E como é que isso mudou e se esse daqui foi o seu primeiro trabalho em creche ou se foi antes. Conta como é que foi isso.
R – Eu sempre fui voluntária em escola. No Alice Rabechini, que fica aqui próximo, e no Emei Ermírio de Moraes, também fica próximo ao Alice Rabechini. Então sempre fui uma mãe presente em reunião, participava da APM. E no Alice Rabechini tinha uma coordenadora que chamava Valéria, e a Valéria sempre fomos amigas, então sempre que precisava: “Vânia...”. Fiquei três meses na cozinha como voluntária, ficava nos recreios, sempre como voluntária. E a Valéria falou: “Vânia, tem uma irmã que chama Susie, ela vai abrir uma escolinha, você não quer ir lá?”. Aí então eu fui, só que lá na Susie era uma escola particular, era bem pequenininha, aqui no Novo Horizonte, a Pirâmide do Saber. Fiquei lá na Susie. Não cheguei a ficar muito tempo porque a Célia era colega da coordenadora daqui que chamava Fabiana, que não está mais aqui. E a Célia falou: “Vânia, faz um currículo que lá na escolinha onde a Fabiana está, está pegando.” “Então está bom, mas eu não tenho Pedagogia.” “Não, mas você trabalha como auxiliar, que auxiliar não precisa”. Aí eu peguei, mandei o currículo, trouxe o currículo. Quando eu entrei na Pirâmide do Saber, só que lá eu era cozinheira, só que eram 70 crianças ao todo, não era muita criança porque era pequeno lá. Fiquei lá, depois que eu entrei lá acho que demorou uns 20 dias no máximo, aí me chamaram e eu vim pra cá. Mas lá também deu saudade porque, querendo ou não eu tinha pegado amor às crianças, porque era muito pouca criança. Eu terminava de fazer o serviço e ia ajudar a dar banho, porque lá você dava banho, dar banho, mamadeira. Aí vim pra cá. E lá não registrava também, eu falei: “Ah, não. Vou pra lá”. Aí vim, cheguei aqui eu fui pra uma sala, que é a sala que eu estou, amarela, e muito bom. Muito bom. A primeira sensação que eu entrei eu falei: “Meu Deus, não vou conseguir dar conta de 20 crianças”. Na época era sozinha. Mas saí-me muito bem, graças a Deus. É muito bom.
P/1 – Quando é que foi isso? Que ano que foi?
R – Ah, vai fazer três anos agora em março. 2011. É por aí. Março de 2011 eu entrei aqui. Aí estamos aqui.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que funciona o Quintal, qual que é o trabalho de vocês.
R – Aqui o Quintal é maravilhoso. As crianças... O que eles amam mais é o parque. O parque é pra eles tudo. Sala, a minha opinião a sala é muito estressante, porque são quatro paredes, então a criança quer correr, ela quer brincar, ela quer mexer com terra. Terra, mexer com terra pra criança é tudo. Ali eles mexem com terra, fazem bolo, fazem comida, sentamos com eles, eles falam: “Tia, Vânia, olha, fizemos bolo pra você”. A gente faz de conta que come. Sementinha, eles amam tirar sementinha do pé, a gente vai lá e arranca sementinha do pé e dá pra eles. É maravilhoso trabalhar aqui, não é por que está aqui na sua frente, mas é maravilhoso trabalhar. Tem um quintal, um espaço de ele mexer com planta. Eu, a minha opinião, eu Vânia, eu amo mexer com planta, eles gostam de mexer com planta. Teve um dia que a gente foi lá, tirou alface, agrião. Tem lá embaixo, né? Agora não dá pra colher mais porque já passou do ponto, mas a gente tira, eu lavo lá: “Olha, criançada, vamos ajudar a tia a lavar a alface”. Eles ajudam a lavar, aí eu vou, depois lavo de novo, porque o jeito que eles lavam... A gente come a salada. É muito gostoso. Muito gostoso.
P/1 – É a sua primeira experiência como professora mesmo?
R – Sim. Como professora.
P/1 – E como é que é essa primeira experiência como professora? Teve alguma história, algum momento que tenha te marcado na interação com as crianças? Uma criança em específico que tenha te marcado.
R – Todos marcam. Todos. Cada um tem o seu jeitinho de ser, tem aquele mais quieto, aqueles mais hiperativos, tem aqueles que pra brincar você tem que ir lá, pegar na mãozinha dele: “Olha, vamos brincar, olha, é assim”. Tem aqueles mais tímidos, tem aqueles que você dá o desenho ele fica só ali no desenho, não sai dali, mas é o desenho deles. Eu acho que ser professora, a minha experiência, no olhar, é você respeitar cada jeito de um. Não sei se eu estou falando certo, mas é a experiência que eu tenho, é respeitar o jeito de cada, o jeito da criança ser, o jeito de ser quieto, o jeito de ser tímido. Eu mesma até pra tirar uma blusa de frio deles, tem criança que ela não quer tirar naquela hora, eu pergunto: “Você quer tirar a blusa agora?”. Se eles falarem não, eu respeito, depois eu vou e tento de novo. Vamos supor: “Vitória, você quer tirar a blusa agora?” “Não, tia, não quero tirar”. Depois eu vou e tento. “Agora eu quero”. Então é você respeitar o espaço deles. A gente tem um curso que era da Carol Pires, a minha primeira sensação é que você dá um desenho pra eles desenhar e você quer que eles desenhem perfeito. Mas não é você, é o jeito que a criança está desenhando, e você olha, a Carol me ensinou assim, porque... Nossa, você fala: “Nossa, que lindo”. Mas você não espera aquilo, você espera um desenho, você espera aqueles desenhos bem bonitinhos, mas, Tereza, isso é com o tempo. Tem criança minha que ele já sabe escrever a letra P, Mateus, eles fazem letrinha. Então a Carol me ensinou a tática: “Dou uma folhinha pra eles, gente, coloca o seu nome porque eu não vou saber. Eu sem de quem é, mas eu não vou saber de quem é”. Então eles fazem: “Fiz meu nome, tia”. Tudo bem, eu vou lá, coloco o nome dele: “Posso colocar aqui te ajudar?”. Vou lá e coloco o nome dele, mas é tudo de bom. Uma que me marcou, a Glenda. A Glenda era autista, agora não está mais que a mãe dela a trocou de escola. Quando eu peguei essa sala, eu não tava nessa sala, esse ano... Não. Tem dois anos, o ano passado, dois anos que a gente está com essa sala, a Ju me colocou porque ninguém parava nessa sala, essa sala amarela, falo a sala amarela. Quando a Ju falou: “Vânia, vai você e a Jéssica ficar na sala lá”. Aí eu falei: “Meu Deus, o que eu vou fazer nessa sala? Não para ninguém”. Quando eu entrei eles não paravam, eles não sabiam fazer roda, eles não conseguiam ficar sentados. A Glenda, ela não conseguia também ficar sentada, ela mugia o tempo todo. Então minha primeira reunião era reclamação de mugida e a Ju falava: “Gente, segura na mão dela.” “Mas a gente não pode ficar o tempo todo segurando a criança, ela tem que brincar”. Então aí eu olhei pra Jéssica que é minha ajudante, eu falei: “Jéssica, e agora?”. Bom, a primeira coisa que eles interagiram, música. A gente colocava música e dançava e pulava e a Glenda foi se soltando, foi aprendendo. Ela não falava nem nada, ela batia palminha e começava a dançar. Ela não falava, mas a expressão dela é que ela gostava de música. Então a gente conseguiu chamá-los, a atenção deles com música. Então música, gosto de fazer muito teatro com eles, gosto de contar muita história, chamo muita atenção à história. Deito, rolo, grito, choro, faço de conta que choro. E a Glenda foi sentando, só que nos primeiros momentos eu falei: “Eu vou tentar ela sentar no meu colo”. Colocava-a sentada, ela esperneava o tempo todo. Eu falei: “Então uma hora a gente vai conseguir”. Até as crianças faziam porque ela gritava. Aí eu falei: “Bom, se a gente não conseguir a gente a deixa”. Mas porque ela não parava, não sentava, então os outros amiguinhos também não queriam sentar porque viam a Glenda em pé. Chegou certo tempo que ela mesma sentava do nosso lado. Eu: “Glenda, vamos sentar?”. Ela te olhava no olho. “Glenda, vamos sentar?”. Ela sentava. Ela amava caneta. Caneta azul. Se ela visse você com uma caneta azul ela vinha em cima de você com a caneta azul, então pra acalmá-la a gente a deixava um pouquinho com a caneta. Outra coisa também que chamava a atenção dela é uma garrafinha de água minha que era vermelha, ela amava essa cor, então se eu chegasse na sala com essa garrafa era dela. Então ela ficava o tempo todo com a água. A gente foi descobrindo o jeito de lidar com a Glenda, foi tanto que a dona Maria uma vez: “Vânia, ela não pode ficar com essa garrafa”. Ela foi tomar, nossa, ela... Falei: “Não. Não. Deixa com ela. Deixa com ela.” “Mas...” “Deixa com ela”. Então, o jeito de lidar com a Glenda, a gente aprendeu a lidar, a cantar. Eu sinto muito que a mãe dela a tirou daqui porque ela estava com psicólogo, acho que o psicólogo falou que ela não poderia ficar o dia todo porque ela tinha que fazer tratamento e a regra daqui era ficar o dia todo. Ela colocou lá porque lá na outra escolinha, é até nesse Ermírio de Moraes que eu te falei, ela está lá. Lá é meio período pra ela então ela tirou por esse motivo. Mas que me marcou mais foi a Glenda porque querendo ou não a gente conseguiu trazer ela pra gente, o olhar dela, a atenção dela. Ela gostava de uma musiquinha Eu te dei um dó não sei se você já ouviu.
P/1 – Conta um pouquinho.
R – “Eu tirei um dó da minha viola, da minha viola eu tirei um dó”. Então tem a parte do dó, do si, do sol, que é o sol, e do silêncio. Aí cantava: “Silêncio é muito bom, muito bom”. Então a gente cantava bem baixinho. Ela lia a sua boca. E quando a gente falava: “É bom camarada, é bom camarada” ali ela se desmanchava. Então você não precisava gritar com ela, se você mexesse a boca, ela te olhar, ela entendia o que você estava falando. Não gosto de gritar, quando eu vou chamar a atenção deles abaixo na altura deles e falo: “Olha, é assim? Não é”. Então se eles estiverem na mesa almoçando, se eles tiverem com bagunça, quando eles olham pra mim eu: “Para”. Então eles param porque eles conseguem entender. A criança você tem que saber lidar com ela. E acho que o dia a dia a gente vai aprendendo, to aprendendo. Não sei nada ainda, mas estou aprendendo, quero aprender mais ainda.
P/1 – Eu queria te perguntar um pouquinho agora sobre essa relação do Quintal com o Criança Esperança. Não sei o quanto você sabe, mas antes, o que você sabe do Criança Esperança? Se você conhece o projeto, como você conheceu, bem pessoal mesmo, qual que é o seu conhecimento do Criança Esperança?
R – Olha, o meu conhecimento sempre assisti o Criança Esperança. Não ficava a noite toda, mas sempre parava um pouquinho, principalmente os cantores, falavam quanto que tava ganhando. Muito bom. E o projeto aqui com o Criança Esperança é muito bom porque pelo menos é uma oportunidade que a escola tem de mostrar o Criança Esperança e no meu ver, é uma oportunidade que a escola tem de mostrar pra criança, mas muito bom. Muito bom o projeto.
P/1 – Você sabe o que é o trabalho do Criança Esperança, qual que é o trabalho que o projeto Criança Esperança faz?
R – Você fala das crianças, de ajudar as crianças que têm dificuldades. Sim. Até nessas partes mesmo da criança ter dificuldade de aprender, de não ter condições, eles vão lá e ajudam nas condições. Muito bom nessa parte. Maravilhoso. Acho muito bom. O pouquinho que eu entendo é esse lado aí que o Criança Esperança tem.
P/1 – E no caso do Quintal especificamente, você sabe pra qual projeto que o Criança Esperança ajudou com recursos? Só retomar então, se você sabe qual que é, aqui dentro do Quintal vocês receberam recurso do Criança Esperança. Queria saber desse recurso que foi recebido do Criança Esperança o que foi feito no Quintal?
R – Se eu não me engano acho que o projeto Criança Esperança pra não sei se é da Floresta, se tem esse sentido, plantar uma floresta, não sei se tem esse sentido, mas é de plantação, de ajudar a plantar. Eu sei que comprou bastante planta, pé de... Ai, como é que fala? Pé de fruta pra plantar. Assim, mais ou menos o que eu sei é isso aí. Plantação na escola. Não sei se é o mesmo.
P/1 – Eu acho que é isso mesmo.
R – É isso mesmo, né? Então, é muito bom porque a gente plantou fruta, amora, com eles, romã, a gente já colheu. Amora eles amam, eu falo que é a fruta azedinha porque a gente vai lá, tem que ser uma bem... Não está madurinha ainda, né? Então a gente desce, a gente cata com eles, eles amam amora, eles falam que é fruta azedinha. A gente já colhe, romã também, pitanga que a Ju também comprou que é a árvore, já pegamos de monte pitanga. Então eles: “Pode comer, tia?” “Pode”. Então eu sou do mato. Eu sou do mato, eles vão lá, a gente fala: “Gente, é só dar uma limpadinha e pode comer. O que comer só pergunta pra tia pra vocês não comerem o que não pode”. Mas azedinha eles até agora mesmo antes de você me chamar eu estava lá com eles lá embaixo, eles: “Vamos ver se tem azedinho, tia.” “Vamos. Então a gente vai ver. Gente, não choveu, não tem azedinho, então não podemos colher”. Mas muito bom.
P/1 – E qual que você acha que é a importância pras crianças desse projeto, Vânia? De eles terem esse contato assim com pomar?
R – Muito bom. Muito bom porque eles amam, eles gostam de estar na terra, eles gostam de mexer com a terra. As minhas turmas, eles gostam de plantar sementinha. Até lá mesmo... Até girassol. Girassol tem uma lá que tem um galhinho seco, então eu: “Gente, vocês querem semente de girassol?” “Pode comer?” “Pode”. Então eu vou lá, cato a sementinha, abro e dou pra eles: “Experimenta”. Não sei, não sei. Não sei, porque eu gosto de plantar, mas a gente já plantou bastante com eles. A gente vai lá eles cheiram a flor: “Olha, essa cheira flor. Tia, vem ver”. Eles arrancam flor, fazem maço de florzinha: “Olha, pra você”. Muito bom. Muito bom eles lidarem com planta. A gente também porque você está ali, você não pensa mais em nada, consegue pensar. A criança já não consegue pensar mesmo, o mundo deles é ali, não tem maldade. É até pra gente mesmo, desestressante, você vai lá, começa a mexer, arrancar um matinho: “Olha, gente, está com mato, vamos limpar?”. Eles ajudam a limpar. Maravilhoso. Ajudam a molhar as plantas. Muito bom. Muito bom mesmo. Gostaria que continuasse porque é muito bom.
P/1 – Quando você entrou aqui no Quintal já tinha esse pomar e tudo isso?
R – Não.
P/1 – Conta um pouco pra gente como é que era e como é que é hoje. O que vocês fizeram com esse...
R – Voltando um pouco atrás, como eu te falei, quando eu entrei nessa sala... Ah, verdade. Quando eu entrei nessa sala eles não desciam pro parque, então eu falei pra Jéssica... Não tinha também o pomar, era cheio de pedra, era cheio de mato. Quando eu descia no parque eles falavam: “Como que a gente vai lidar com essas crianças no parque?”. Então pra eles brincarem, pra chamar a atenção deles pra eles brincarem, pra eles correrem eu falava: “Gente, vamos catar tesouro”. Até hoje eles são assim. Eles pegavam qualquer pedrinha, era o tesouro deles. Pau era o tesouro. Então eles davam o tesouro pra eu guardar. O jeito que eu chamei, um jeito de eu estalar foi o jeito que eu chamei, foi tanto que eles... Eu coloquei uma vasilhinha, que esse projeto veio com a Amanda Frug, também de limpar. Antes de vocês virem teve a Amanda Frug e eu falei pra ela, ela falou: “Vânia, beleza. É a imaginação da criança. Eles imaginam coisa, então são eles. Sabe o que você faz? Você não joga fora”. Não jogo fora até hoje, eu trago pra sala, guardo, tem umas que pedem pra levar pra mamãe: “Coloca na minha mochila”. E eles ficam olhando você colocar, veem se você coloca na mochila. Então se for um pedacinho de pau, um pedacinho de pedra, se eles quiserem que você coloque na mochila eles ficam te olhando, então você coloca na mochila. Então a Amanda Frug falou: “Pega uma vasilha, enfeita e manda-os colocarem o tesouro ali”. Nossa, no final do parque o que tinha de tesouro, mas a gente trazia pra sala, deixava lá o nosso tesouro e ficava um bom tempo ali. Depois que eles esqueceram eu jogo fora. Foi tanto que um dia a dona Maria falou: “Esse monte de pedra, vocês ficam indo pra sala.” “Não é pedra. É tesouro.” “É pedra”. Mas até ela entender que era tesouro. Aí o Mateus falou: “Não é pedra, é o nosso tesouro”. Falei: “Não, dona Maria, é tesouro.” “Ah, está bom. É tesouro”. Depois eu expliquei pra ela que não era pedra, pra gente é pedra, mas pra eles é um tesouro imenso. Então até hoje que eles vêm: “Olha, tia, nosso tesouro, guarda”. A gente guarda. E aí voltando também tinham os sonhos. A Amanda falou: “O que é o sonho de vocês?”. O sonho de ver o parque limpo, o sonho de ter escorregador, porque a gente escorrega com eles na grama. Agora não dá pra escorregar porque a grama está seca, mas a gente escorrega com eles na grama. Um sonho de ter bastante árvore, a gente colher, e estamos colhendo. Então está se colhendo... Como fala?
P/1 – Tá colhendo fruto.
R – É. Tá colhendo os frutos. O sonho de ter um lavatório. Ela não tem ainda um lavatório lá pra eles lavarem as mãozinhas, porque a gente lava no banheiro. Então isso fez tudo parte dos sonhos, dos nossos sonhos que aos pouquinhos... Porque tinha muito formigueiro lá embaixo, as formigas sumiram, tinham remédio. Mas muito bom, muito bom. É a parte dos sonhos, os sonhos se realizando. Muito bom.
P/1 – E qual que é a importância que você acha, Vânia, do seu ponto de vista bem pessoal mesmo, que tem um projeto como o Criança Esperança assim tanto pra instituição de vocês, pro Quintal, como pra outras que recebem esse recurso?
R – Muito bom. Muito bom porque ajuda bastante. Ajuda, às vezes tem instituição que não tem condições, tem condições... É, condições em geral, né? Até mesmo pra criança, incentivar a criança na brincadeira da criança, no brincar da criança. Muito bom, muito bom.
P/1 – Eu vou encaminhar agora pras nossas perguntas finais. São duas perguntas, antes só queria puxar uma coisa que ficou pra trás também, queria saber como é que tá sendo a faculdade de Pedagogia pra você. Como é que é essa experiência? O que você acha da faculdade?
R – Uma experiência nova. Nova ainda que eu ainda vou pra faculdade um pouco receosa, mas é gratificante. Não tem como te falar a felicidade das pessoas que você vê que te amam, dão força, que é o meu esposo, que são minhas filhas. Quando eu falei que ia fazer essa faculdade meu esposo falou: “É isso que você quer?”. Porque eu achei que ele ia achar ruim porque tem que pagar, tem que ter o dia. “Vai em frente”. Então, voltando atrás também um pouquinho, meu esposo voltou a estudar por causa de mim, porque ele também não tinha... Ish. Bem atrás, voltando bem atrás. Ele não tinha... Ele terminou os estudos. Ele só não quer fazer faculdade, porque ele é motorista de caminhão, mas ele voltou estudar, principalmente pra quinta série. Então, na quinta série eu fui mais porque o meu esposo fez a quarta, só que ele sabia, sabe mais do que eu, ele fez a quarta série e ele foi pra quinta, falei agora vou pra quinta. Eu fui também por ele, então ele me ajudava bastante na quinta série, entendeu? E ele terminou os estudos, aí voltando agora as minhas filhas me dão apoio, ele me deu apoio: “Vai fazer a faculdade. É isso que você quer? Vai fazer a faculdade”. A minha filha Iasmin: “Mãe, vai, a gente te ajuda”. É tanto que quando eu não sei a Iasmin também me ajuda. Mas é gratificante. Muito bom. Muito feliz.
P/1 – Você está há quanto tempo no curso?
R – Ai, estou recente ainda, tem quatro meses. Tem chão ainda.
P/1 – Tá bem no começo.
R – Bem no comecinho. Tem chão, bastante chão pra seguir.
P/1 – Tá bom, Vânia. Eu vou te fazer as duas perguntas finais então. Antes disso eu queria saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você gostaria de deixar registrado.
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não.
P/1 – Então a penúltima pergunta é quais são os seus sonhos.
R – Crescer, crescer, ser uma boa profissional, que a gente não é perfeita. Ser uma boa profissional, dar muito carinho, atenção pras crianças que merecem muito, muito, muito. O jeito de lidar com as crianças, porque eu acho que quando você consegue ver o olhar da criança você consegue tudo. Como aquela criança está no dia, como aquela criança é em casa, porque o olhar da criança, o jeito da criança fala tudo. É isso aí que eu espero.
P/1 – Posso voltar numa coisa que eu lembrei agora também que eu queria ter te perguntado melhor? Queria saber como é que foi, que você falou que você veio pra São Paulo e depois voltou a primeira vez agora recentemente, né? Um ano... Como é que foi essa volta pra Itabuna, foi?
R – Foi. Onze anos eu fiquei aqui em São Paulo sem ir lá. 11 anos. Eu não tinha condições também de ir lá. Eu acho que foi uma despedida da minha mãe porque... Só que minha mãe tinha vindo aqui já. Minha mãe estava muito boa. De uma hora pra outra eu falei, gente, aqui atrasou o salário. Eu falei: “Como que eu vou?”. E foi a renca toda, só não foi o meu esposo, mas meus quatro filhos foram. E o João falou: “Meu, vai. Vai...” “Mas com a cara e coragem?” “Vai”. Eu fui, minha mãe não sabia. As meninas aqui falando: “Vânia, eu só quero ver a cara da sua mãe”. E a minha mãe sabia que ia a minha outra irmã, a Carmen, ela não sabia que eu ia. Nossa, a gente viajou no dia 23 de dezembro, foi uma loucura, era pra gente chegar no dia 24, chegamos lá no dia 25 porque foi aquela época daquela chuva, ficamos cinco horas em Vitória da Conquista parado, tava tudo parado, não sei se você lembra, tudo alagado. E minha mãe doida, e a Carminha sem saber dar notícia porque não tinha celular, não tinha nada, não pega dentro do ônibus, não tinha orelhão, não tinha cartão pra ligar e todo mundo desesperado. Minha mãe ligava pra Carminha, a Carminha: “Mãe, eu estou chegando. Eu estou chegando”. Imagina, estava bem aqui, estava na estrada. Chegamos lá no dia 25 acho que quase nove horas da noite. Então a gente passou o Natal na estrada, aquela loucura. Foi uma viagem boa, tranquila, graças a Deus. Quando eu desci do ônibus minha mãe chorou. Minha mãe se acabou de chorar porque a minha mãe não imaginava que eu ia pra Bahia. Imagina, ela não imaginava. Fiquei lá um mês com ela, curti muito a minha mãe. Muito. Beijei. Sorrimos. Você volta pra cá, ela fala pra você: “Em dezembro eu estou lá”. Quando veio dia 23 de março você recebe a notícia que minha mãe aconteceu um AVC, deu um AVC. E minha irmã falou: “Mainha não está boa.” “Mas não está boa?” “Tá bem sim...”. Ela queria esconder de mim que minha mãe não estava boa. Minha mãe não estava enxergando nada, não estava falando nada. Minha irmã mais velha queria me acalmar, ela falou: “Filha, mainha está bem, não se preocupa”. Só que a minha sobrinha daqui que mora em Barueri: “Tia, a minha mãe está mentindo pra senhora, a avó não está bem.” “Gente, vocês querem me matar, uma hora o coração para, outra hora o coração dispara. Fala a verdade”. Aí eu liguei pra minha irmã que chama Valda, que ela morava aqui ela foi embora pra Bahia de novo, está lá. Falei: “Valda, o que está acontecendo? Tá bem? Não está? Pelo amor de Deus”. Ela falou: “Não. Nossa mãe não está bem. Se você puder vir, venha ver”. Só que eu já tinha... Nós estávamos com passagem, pagando ainda a passagem, nós em quatro pessoas, parcelei a passagem, deu a louca, parcelei. Falei pro João: “E agora?” “Vai pra ver sua mãe”. De avião eu não tinha condições, estava muito caro. Cheguei lá, fui como se minha mãe tivesse enterrada. Cheguei lá já estava sendo o funeral da minha mãe. Aqui todo mundo já sabia que minha mãe estava sendo internada. Saí num domingo nove horas da noite, nove e 40 da noite, dia 23 pro dia 24, cheguei lá no dia 24 minha mãe já estava sendo velada. Foi um susto muito grande. E minha mãe tinha acabado de fazer 67 anos em janeiro. Minha mãe deu um AVC e foi embora. Mas é a vida, né? Só isso, só. Mas está bom. Chorei muito, muito, muito. Mas o que me alegrou muito foi que dentro de 11 anos fui lá ver minha mãe. Mas está bom, filha. Só isso aí.
P/1 – Pra finalizar então, Vânia, como é que foi contar a sua história?
R – Muito bom porque é um desabafo muito grande, porque às vezes no dia a dia você conversa com as pessoas, mas acho que, sei lá, tem pessoas que te interpretam mal, a história dela não me interessa. É um desabafo muito bom.
P/1 – Tá bom. Muito obrigada, viu?
R – Nada. Imagina. Obrigada eu.
FINAL DA ENTREVISTA
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