CTBC Telecom
Depoimento de José Peppe Júnior
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira e Rosali Henriques
Uberlândia, 19/04/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº CTBC_HV053
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Boa tarde, Sr. Peppe. Eu gostaria, por favor, que o senhor me dissesse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - José Peppe Júnior, eu nasci em Uberlândia. Aliás, na época, a cidade chamava-se Uberabinha, mas é Uberlândia.
P1 - Em que data?
R - Primeiro de agosto de 1920.
P/1 - Certo. O nome do seu pai e da sua mãe, por favor?
R - José Peppe, meu pai. Maria Justina de Freitas Peppe, minha mãe.
P/1 - O senhor conheceu os seus avós?
R - Eu conheci só... Só a minha avó, mãe de meu pai. Josefina Peppe.
P/1 - O senhor tem ideia da origem dos seus avós? Se eles vieram para cá, eles... De onde eles vieram?
R - Bem, por parte de meu pai, eles são italianos, lá da cidade chamado Bellosguardo, fiquei sabendo; e o meu avô veio de lá. Meu avô, Carlo Peppe, veio de lá e instalou-se em uma cidade do Rio de Janeiro... Que eu registrei aí... Por favor, me esqueci o nome…(risos)
P/1 - Uma cidade do estado do Rio de Janeiro?
R - É, é... Bom, você pode cortar, não pode?
É… Santo Antônio de Pádua. Ele trabalhou lá muito tempo, decerto, e depois estabeleceu-se no Rio de Janeiro. E é o que eu sei a respeito do meu avô.
P/1 - E o senhor sabe a atividade dele?
R - Ele era comerciante, mas com uma casa de modas. Tinha a alfaiataria, aquela alta costura... E todos esses artigos importados. Chama La Maison de France, era a casa deles lá em Santo Antônio de Pádua. Depois, no Rio de Janeiro, eu sei que ele estabeleceu-se na Rua da Carioca, mas eu não tenho mais notícias dele. Não houve mais comentários em casa, eu não tenho.
P/1 - E da parte da sua... Da sua mãe?
R - Eram fazendeiros, aqui de... Perto de Franca e dessa zona, de Uberlândia e Franca....
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Depoimento de José Peppe Júnior
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira e Rosali Henriques
Uberlândia, 19/04/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº CTBC_HV053
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Boa tarde, Sr. Peppe. Eu gostaria, por favor, que o senhor me dissesse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - José Peppe Júnior, eu nasci em Uberlândia. Aliás, na época, a cidade chamava-se Uberabinha, mas é Uberlândia.
P1 - Em que data?
R - Primeiro de agosto de 1920.
P/1 - Certo. O nome do seu pai e da sua mãe, por favor?
R - José Peppe, meu pai. Maria Justina de Freitas Peppe, minha mãe.
P/1 - O senhor conheceu os seus avós?
R - Eu conheci só... Só a minha avó, mãe de meu pai. Josefina Peppe.
P/1 - O senhor tem ideia da origem dos seus avós? Se eles vieram para cá, eles... De onde eles vieram?
R - Bem, por parte de meu pai, eles são italianos, lá da cidade chamado Bellosguardo, fiquei sabendo; e o meu avô veio de lá. Meu avô, Carlo Peppe, veio de lá e instalou-se em uma cidade do Rio de Janeiro... Que eu registrei aí... Por favor, me esqueci o nome…(risos)
P/1 - Uma cidade do estado do Rio de Janeiro?
R - É, é... Bom, você pode cortar, não pode?
É… Santo Antônio de Pádua. Ele trabalhou lá muito tempo, decerto, e depois estabeleceu-se no Rio de Janeiro. E é o que eu sei a respeito do meu avô.
P/1 - E o senhor sabe a atividade dele?
R - Ele era comerciante, mas com uma casa de modas. Tinha a alfaiataria, aquela alta costura... E todos esses artigos importados. Chama La Maison de France, era a casa deles lá em Santo Antônio de Pádua. Depois, no Rio de Janeiro, eu sei que ele estabeleceu-se na Rua da Carioca, mas eu não tenho mais notícias dele. Não houve mais comentários em casa, eu não tenho.
P/1 - E da parte da sua... Da sua mãe?
R - Eram fazendeiros, aqui de... Perto de Franca e dessa zona, de Uberlândia e Franca. Eu não tenho muitas notícias das atividades deles. Só sei que são fazendeiros, foram pecuaristas; trabalharam, fizeram a vida e criaram a família nessa atividade.
P/1 - Então, vamos falar um pouco do seu pai. O que o seu pai... Qual era a atividade do seu pai?
R - O meu pai... Ele veio aqui em Uberlândia e trabalhou como guarda-livros em uma casa muito importante chamada Casa Póvoa, do Joaquim Marques Póvoa. Foi o maior capitalista que Uberlândia já teve, naquela ocasião. Eu tenho, inclusive, fotografias lá da casa e hoje, onde é o INSS hoje. Ele trabalhou muitos anos [lá] e adquiriu muita confiança ali com o patrão. Com o passar do tempo, eles fizeram uma sociedade. O Póvoa construiu o Cineteatro Avenida e o papai passou a gerenciar e a tocar o cinema. Afinal de contas, a vida do cinema. E desse tempo para cá, até o falecimento dele, o trabalho dele foi na cinematografia, foi nesse ramo.
P/1 - E que ano foi isso, seu Peppe?
R - O Cine Avenida - aliás, Cineteatro Avenida - foi inaugurado em 1928, ali na Avenida Afonso Pena.
P/1 - Certo. Um detalhe, ainda, do ponto de vista familiar: o senhor tem irmãos?
P/1 - Tenho, eu tenho dois irmãos. Tenho um irmão, Carlos Peppe, professor, naturalista e uma irmã, Maria Helena Peppe, foi professora... É professora.
P/1 - Qual a primeira lembrança que o senhor tem da casa em que moravam aqui em Uberlândia?
R - Lembrança que você diz, lembrança física, lembrança…?
P/1 - Como era essa casa?
R - Na ocasião que ela foi construída, ela seguiu os padrões ali, do tempo dela. Ela se localizava na Rua Goiás, em frente a um edifício... Se eu não me engano, hoje, chamado Edifício Zar. Tem um Edifício Zar ali, na rua... Na Rua Goiás que, naquele tempo, chamava-se Rua Vinte e Um de Abril.
Era uma casa muito... Muito alegre, muito espaçosa. Nós tínhamos pela frente trinta metros de frente de casa e ela... E o terreno ia até na outra rua, Bernardo Guimarães, paralela à Rua Goiás. Nossa casa era uma casa alegre, não muito grande, com o alpendre muito gracioso e era... Pegado ela tinha um jardim, enfim... A minha mãe cuidava bem e eu tenho boas recordações ali.
Ao lado da casa, um prolongamento, o terreno era muito grande. Nesse terreno tinha muita coisa boa plantada, desde cajueiro até fruta de conde, goiaba etc. O terreno era tão grande que, no chamado tempo de milho, a minha avó, comigo… Nós íamos plantar o milho ali para fazer pamonha no fim do ano, no meu tempo.
Eu passei a minha meninice ali e a minha juve... Parte da minha juventude naquela casa, eu só tenho ótimas recordações, não só da casa como de toda a vizinhança. Pessoas muito queridas na cidade.
Foi assim. Dali - eu podia ter uns dezessete, dezoito anos - é que eu saí para estudar fora.
P/1 - Como eram as brincadeiras dessa meninada ali, em torno da casa da Rua Goiás?
R - (risos) Muito inocentes. Vamos ver a idade: até dez, doze anos, você brincava de soldado, de batalhão, essas coisas, influenciado pela Revolução de 1932 que havia, sabe? Havia terminado há não muito tempo e aquilo impregnou a gente até... Daquelas coisas. A gente inventava, fazia aqueles batalhõezinhos etc. Mas não havia violência de ______... Ah, isso é clássico, desde centenas de anos. Empinação de papagaio, das pipas. A gente fazia e empinava isso até lá no quintal de casa porque era grande demais. Então à noite a gente soltava também, ponha lá uma lanterninha servindo de contrapeso para o papagaio. Não existia o tal de cerol hoje, que está matando os outros, essas coisas, mas era uma linha... Linha 24 [se] chamava, muito forte.
Você está me fazendo... Engraçado, tirar do fundo do baú da minha memória, essas coisas, né? Não tinha mais... Não tinha tanta criatividade, não. A gente vinha lá, fazia lá uns brinquedos que a gente mesmo... A gente mesmo montava os carrinhos, uns altos, etc, que a gente mesmo movimentava para puxar. A gente entrava, puxava, fazia isso aqui... Essas brincadeiras de rua, brincadeiras de casa, presas à casa - ao crescimento da família, dos meninos. É claro que as outras brincadeiras surgiram depois, com a maior idade, com os bailezinhos, com as coisas, né?
P/1 - E o dia a dia da casa, seu Peppe? Como é que funcionava a casa? O senhor tinha obrigações na casa, as pessoas tinham que almoçar na hora certa? Como é que funcionava ali o cotidiano?
R - Não era uma coisa obrigatória, não. Lá em casa, graças a Deus, fomos criados, em um ambiente absolutamente democrático. O meu pai era um homem muito culto, teve oportunidade até de estudar; foi colega de escola do Agripino Grieco, aquele grande crítico e tudo mais, escrevia muito bem. Era um homem aberto, calmo, era um homem... Tinha… Um prazer dele era ajudar os outros. Às vezes, a gente falava que ele era o inventor das relações públicas, era uma coisa. Ele tinha a sua severidade na hora que precisava, especialmente da minha mãe. Mas nós almoçarmos... Fazíamos as refeições e, principalmente, o almoço na hora mais ou menos apropriada porque tínhamos escola à tarde. Então, mais ou menos, em torno de onze horas, como...
P/1 - E a sua primeira escola, senhor Peppe? Qual é a lembrança que o senhor tem dela?
R - Primário?
P/1 - Sim.
R - Ah, foi aqui na Avenida Afonso Pena. Chamava-se Escola Nossa Senhora do Carmo, [de] uma família muito simpática, de gente muito inteligente, os Salles.
A minha professora, dona Corália Salles... Corália era tida na cidade como uma das melhores professoras. Tinha a salinha dela de aula ali e a filha de Franklin Salles tinha irmãos dentistas, comerciantes. Aí, é verdade, precisa-se dizer: ela era muito rigorosa, tá? Muito rigorosa, mas aberta, boníssima. Mas se você não fizesse os seus deveres ali, certo? Tinha que conversar uma conversa mais pesada com ela. Isto resultou em um benefício muito grande para muita gente, porque todo mundo estudava muito.
Políticos da cidade passaram por lá. Doutor Fausto também, que foi meu colega, José _____ Ribeiro... Só o Rodolfo foi meu colega, o Pacheco, durante todo o tempo de estudo, menos a parte de curso primário. Mas, foi... Era uma escola que traz ao meu espírito umas recordações muito sensíveis a ele, agradáveis, muito boas.
Depois, então, eu fui estudar no Ginásio Mineiro de Uberlândia, era o Gymnasio, com “y” em Gymnasio, ele é de Uberlândia. Hoje é chamado museu - fica lá embaixo, o museu. Ali... Foi uma época formidável, de cinco anos de estudo com uma companheirada muito boa. Uma geração formidável que deu cientistas, deu políticos, grandes comerciantes. Muita gente que marcou, vamos dizer, a sua posição até no país. Muitas dessas pessoas passaram por lá, sabe? Foi uma contribuição muito boa, o Ginásio Mineiro de Uberlândia; o corpo docente muito selecionado, muito querido também. Foi muito bom.
Nós fazíamos aqui em cinco anos, mas tivemos alguns percalços porque em 1930, a partir daí, houve revolução. Em 1932, outra revolução. E aquilo andou atrapalhando o movimento estudantil, de administração de colégio no país inteiro; aqui não ia ser diferente. Mas foi muito bom.
Era um ginásio muito ativo. Ele sempre foi dirigido por pessoas competentes, pelo menos naquela época até muito tempo depois. Faziam peças teatrais ali com os estudantes, com protagonistas. Eu mesmo [me] tornei parte, fui o galã. Imagine, hein? Vendo essa cara, galã. (risos) Imagine, fui o galã de uma peça muito importante lá, de uma época. Foi em 1936, fim de 1936; eu já estava saindo do ginásio, me bacharelando. Naquele tempo, a gente bacharelava.
O ginásio era dirigido por um reitor. Existiu um reitor extraordinário, chamado Mário de Magalhães Porto, é o que foi na época. Irmão do Milton de Magalhães Porto, que depois, aqui… Eles fundaram escola de comércio etc. O Milton foi, inclusive, presidente da... Dessa... Conselho da Universidade. Mas o Mário Porto foi um homem inesquecível. Ele tinha um cabelo muito comprido, aquilo... Aquilo destoava dos outros, porque não existia isso na ocasião. E o cabelo dele vinha até aqui. [Faz o gesto] Simpaticíssimo, corpulento, gravatinha de borboleta. Uma conversa formidável, culto, professor de História da Civilização etc, sabe? Ele era um reitor bárbaro, mas... Depois, ele foi para o Rio de Janeiro.
Aqui, o ginásio foi... Balançado... 1935, mais ou menos, 1936, lá para aquela época, naquelas ideias, ideais esquerdistas que estavam entusiasmando a mocidade. Quase todo menino do norte, todo rapaz tinha que ser esquerdista e tudo mais. E estes se chocavam com a outra [parte] que era liderado pelo Plínio Salgado, do Movimento Integralista. Então havia lá umas rixas, mas nunca houve uma coisa disparatada. Um negócio lamentável, nunca houve...
P/1 - Mesmo nos momentos de crise, senhor Peppe, 1935, a tentativa de ______ em 1937… Mesmo nesses momentos de crise essas duas facções não se estranhavam muito, não?
R - Não. Sim, houve umas briguinhas lá, brigas de... Briga de pátio etc. Porque tinha os comunistas, vamos dizer assim, entusiasmados com as ideias, e as ideias do Plínio Salgado que eram ideias também avançadas, defensáveis. Seria impossível não acontecer nada, uma provocação, uma briga, um desforço físico que a turma do ‘deixa disso’ logo entrava em cena e acabava. Houve sim.
Mas houve muito exagero também, do pessoal em geral. Eles diziam que lá era um antro, que lá que era a formação dos comunistas. Não era assim, não.
Eu tinha um professor, foi um professor famoso aqui, inteligente, culto; ele era para várias disciplinas, mas era mais naturalista, chamado Nelson Cupertino. O Nelson Cupertino se apaixonou por essas ideias, mas eu tenho que dar este testemunho aqui, porque precisa ficar e isso não pode ser esquecido. Ele era um sujeito tão ético, tão formidável, de personalidade tão marcante, que jamais o professor em aula cometia qualquer... Cometeu qualquer insinuação sobre a sociedade socialista. Definitivamente, as aulas dele eram formidáveis: história natural, aquela coisa, _________ rigorosamente.
Lá fora, na cidade, na casa dele era um outro problema, era outra coisa. Mas [era] um sujeito fantástico, muito estimado - tanto estimado que até os anticomunistas ferrenhos respeitavam muito. Tem nome de rua até com ele. E tinha um representante também do Plínio Salgado lá, mas essas pessoas… Nunca eu ouvi nenhuma discussão, pelo menos lá naqueles domínios da educação, do ginásio, nunca ouvi.
P/1 - O senhor se alinhava com alguma dessas facções ou era da turma do ‘deixa disso’?
R - Não. Eu ficava meio confuso porque acontece o seguinte: a gente conhecia… Eu estou vendo a fisionomia de todos eles e foram cinco anos. Não houve mudanças de professores. A gente gostava, tinha amizade pessoal a todos eles.
A gente ficava assim, sem saber o que era, sabe? Mas a argumentação socialista era muito forte, então realmente aglutinava mais, a gente ouvia aquilo e guardava mais, pensava mais naquilo. Nem leitor era, não tinha, nem Partido Comunista era registrado, nem o outro, nem coisa nenhuma, mas, realmente, a gente pensava mais um bocadinho e a gente acabava lendo uns livrinhos. Alguma coisa de Marx, alguma coisa de Engels, etc. Por outro lado também, alguma coisa do Plínio Salgado a gente ia ler, do Gustavo Corção que, nessa época também, soltava as coisas dele.
P/1 - Gustavo Barroso?
R - É, perdão. Gustavo Corção é outra coisa, do movimento aqui... Gustavo Barroso. (risos) Mas... Ficava...
P/1 - E o seu pai? O seu pai, quando o senhor chegava com esse tipo de conversa em casa, como é que aquela pessoa que o senhor disse tão intelectualizada, tão serena… Como é que ele reagia e que tipo de orientação dava ao senhor?
R - Bom, ele ouvia... Como eu te falei, ele era um homem culto, ouvia, tinha muita paciência, mas ele não se alinhava a extremismos, não. Essa coisa veio nascente também, por aqui, no país... Vamos situar, porque a gente não pode hoje fazer um julgamento e um juízo, transportar o nosso juízo hoje para aquela época. Falar assim: “Vamos julgar aquilo?” Olha, mas espera. Vamos ver como é que as coisas aconteciam, como é que aquilo vinha, como era a sociedade daquele tempo.
O meu pai não se alinhava a esse tipo de comunista, essa coisa toda não. O papai, sempre senti nele um espírito difícil de dizer; ele dizia que era socialista porque se importava com todo mundo, era cristão e não se conformava por haver essas desigualdades sociais. Mas como resolver isso, geralmente, vinha com as receitas desses políticos e filósofos. Geralmente, você sabe como é que é; a coisa não é assim, tão ________, né? E outra, o meu pai foi mais da alma humana, mas ele acautelava e pedia, falava: “Não se meta nessas coisas. Cresça um pouco. Deixa passar o tempo, você vai estudar, você vai ver. Não é para você ficar fugindo não, mas tenha... Você pode perfeitamente se conduzir bem aí, na coisa.” Ele conversava muito assim, sabe?
Mas, é que Uberlândia... Você me reavivou. Aqui em Uberlândia houve uma época em que, realmente, teve um grupinho extremista. Da _______. Veio um padre aqui fazer umas palestras... [Era um] padre de Araxá, me lembro o nome dele: Alaor Porfilho de Azevedo. Esse padre era muito purista, muito _______. E ele... E ele implicou também com uma certa liberdade que as moças, as mulheres já estavam reivindicando. Sabe que a luta das mulheres... Reivindicação das mulheres, né? A coisa veio. A mulherada nem votava, aqui, de certo tempo, mas esse padre fez um sermão na igreja e pegou uns desatinos cometidos por umas moças, umas mulheres. _______ a coisa e falou: “Pois é, as mulheres que ficam fazendo isso - de repente, nem precisa fazer. Fica pensando nisso, a gente nem pode considerá-las...” Pode cortar... “virgens” e não sei o quê. E aí, pronto.
Naquela ocasião, o negócio... Sabe o que aconteceu, rapaz? De madrugada, eu fui na casa paroquial chamar o padre para ver um doente que estava... Para dar extrema-unção, ele estava muito mal. O padre foi; eles pegaram a espada e deram uma surra nele. Amarraram no poste, tiraram as vestes dele, pegaram piche e picharam o padre. Picharam o padre, está entendendo? Uma coisa! Foi uma brutalidade! Uma coisa horrível, sabe? E tinha um padre alemão, de uma cidade aqui perto, Monte Alegre. Esse era mais expedito e ele, muito meu amigo, gostava muito de aviação, a gente voava e tal. E ele falou: “Você sabe que eu senti não estar com o meu revólver na hora porque eu ia espantar aquela gente.”
Pois bem, o padre depois, teve que... Eles foram lá, tiraram o padre, levaram para a casa paroquial e foram tirar a tinta que estava na pele do padre. Imagina, piche? Passaram no padre inteiro, na frente e atrás. Pintaram o padre, entendeu? E coisa…
Eu sei que foi uma reação danada; foi gente lá em casa, da Ação Católica, não sei o quê.
Correu um boato que tinha uns estudantes metidos nisso. E tinha uns estudantes metidos, só que... Foram lá ver se eu sabia de alguma coisa ou não. Foi por curiosidade, eu confesso; eu fui lá na casa paroquial para ver o padre. Falar: “Pois é”... Veio um daqueles cheio de protetores lá: “Escuta, eu sou estudante, eu sou do ginásio da... O senhor não pode dar um nome de algum colega seu que podia estar no meio disso?” (risos) Eu falei: “Não, de forma nenhuma. Eu estou sabendo disto, estou com muita dó do padre aqui. Eu nem acredito que tenha colega meu lá.” “Vocês são assim mesmo, vocês se protegem uns ao outros...” Que coisa!
Eu não sei porque eu estou contando isso. Essas coisas vão puxando esses assuntos de Uberlândia naquele tempo. São esses desatinos assim, mas esporádicos, sabe? Não acontecia mais nada.
(pausa)
R - Veio de Uberaba para cá um padre chamado Eduardo Santos. Ele era padre naquela ocasião. Conheci muito esse homem, foi o consultor da Igreja da Matriz. Hoje tem um nome de uma rua lá, Monsenhor. Por exemplo, passou no Monsenhor. Ele veio para cá com um medo danado, confessando que tinha um medo danado de vim para cá porque ouviu a história do padre Alaor Porfilho e ficou com um medo danado: “Eu não quero ir para aquela Moscou brasileira.” (risos)
P/1 - “Moscou mineira” é boa.
R - “Moscou mineira”. (risos)
P/1 - Seu Peppe, como era Uberlândia nessa época, final dos anos 30? O senhor era um rapazola já, como era a cidade? Cinema já funcionando...
R - Uberlândia tinha um centrozinho ali - não esse centro geográfico aí, da cidade, mas em um lugar embaixo, mais perto do Guajajara, que tem o nome hoje de Fundinho. Ali que a cidade começou a se desenvolver, ______. Fizeram casas, tinha casas lindas ali, palacetes etc. Derrubaram, deviam estar tombadas umas coisas e o marco. Quiseram depois tombar o Fundinho, mas aí já estava arrombado, cheio de edifício. Já estava meio ________.
Mas a cidade... Tinha lá o seu comércio, não aspirava nunca a umas coisas mais agitadas. Tinha o comércio em Uberlândia, era mais adiantado, mais agressivo, mas não tinha indústria. Que indústria? Indústria, naquela ocasião, é de formaçãozinha, indústria de milho, fazia... Pegava o milho, fazia canjica, fazia fubá. Torrar café, essas coisas... Essas indústrias. Não tinha... Não existia um suporte... Para nada desse tipo.
A vida corria bucolicamente. De quinze em quinze dias a gente recebia o jornal, lia o jornal. Escrevia alguma coisa e umas poesias que as moças faziam. Tinha dois partidos aqui com o nome muito engraçado: um chamado Coió e outro chamado Cocão. O Coió era da oposição e o Cocão era dos coronéis. Mas...
P/1 - Era... Desculpa. Era correspondente a quê? Era PRP e...
R - Não. Por exemplo, vamos dizer assim: Cocão era um tipo de UDN [União Democrática Nacional], sabe? E o Coió, vamos dizer, era um PTB [Partido Trabalhista Brasileiro], alguma coisa assim. E aglomerados, era por aí a coisa. Mas não havia desatino. O meu pai mesmo foi vereador também na Câmara aí, em 19... Ele foi vereador na Câmara Municipal.
Automóveis tinha muito pouco. Eram aqueles automóveis antigos, aqueles Fordinhos 1929... Fordinho 1929 já era bem avançado. Tinha o Chevrolezinho 1928 e não era todo mundo que tinha isso, não. Carro, não tinha. A Avenida Afonso Pena foi pavimentada... Não foi [há] tanto tempo assim, eu me lembro ainda na... Desculpa, faz sim, porque eu sou... Eu tenho 80 anos, então já faz. Mas eu vi pavimentação daquilo lá e então, a coisa corria...
Ali perto do cinema então, de 1928 com os cinemas… Antes do Cinema Avenida tinha um cinema na praça, onde hoje é o Museu Municipal. Era a Prefeitura Municipal, Câmara dos… Aquele prédio bonitinho que tem ali. Ali tinha um cinema chamado Central, que veio antes do que o papai fez. As moças faziam footing por ali. Depois foi transferido mais para cima, com a Afonso Pena porque tinha o cinema Avenida. Música ao vivo, viu? Tinha sala de espera. Um mezaninozinho, uma coisa assim, música ao vivo. Vou te dizer quem é que tocava piano, quem é que tocava violino. Quem tocava piano era a avó da... Daquela atriz Vieira...
P/1 - Suzana, né?
R - Suzana Vieira. Outro dia, vou perguntar para ela...
A Dona Sara, avó dela, tocava piano lá no meu bairro, com meu pai. E o avô dela, seu Braulino, tocava violino. E tinha flauta, tinha mais outra etc. Antes de começar a sessão o povo sentava ali, na sala de espera. Então, vai imaginando assim, como é que era a vidinha daquele tempo. A sala de espera, aquela coisa toda.
Ao começar o cinema, os músicos iam lá para perto do palco. Tinha um lugar lá no foyer, o lugar é mais amplo agora e tinha mais figuras, eles tocavam a música ao vivo - o cinema era mudo. E ficavam as moças lá. O namorado era assim, um negócio tão furtivo; vinha para lá, vinha para cá, senta. Precisava entrar no cinema, apagar a luz, pegar na mãozinha.
Era essa vida assim, bucólica, sem... Quase que sem maldade, sem malícia. Não havia esse desassossego, esse perigo, essa coisa que há hoje. Assalto não havia. Que é que se roubava naquele tempo? Roubavam pão; o padeiro punha nas janelas. Roubavam pão e um ou outro larapiozinho que roubava uma carteira e tudo mais, porque não passava disso. Roubava galinha, não passava daí. Mas a moçada... A moçada era alegre, sabe?
P/1 - Como era um programa de final de semana típico? Aos sábados, vocês já rapazes...
R - Já tinha o Praia Clube - nós também fomos os fundadores do Praia Clube. A gente começou lá a fazer picada. Lá era brejo. Para passar, para fazer não tinha...
P/1 - Quando isso, seu Peppe?
R - Isso aí foi em 1932.
A diversão, eu não digo que era a maior, mas a mais saudável porque era natação. O pessoal todo da sociedade ia, até que virou essa coisa. Esse negócio [de] Praia é hoje um dos melhores clubes do país, você sabe disso.
Tinha umas dançazinhas, umas coisas, mas não tinha clube. Quando havia um acontecimento mais importante, no ginásio nosso - que tinha um salão grande, que fizeram biblioteca e tal - é que se realizavam os bailes. Os chamados micaremes pré-carnavalescos faziam assim, ou no baile em um salão de um Grupo Escolar e a gente ficava prelibando esses acontecimentos para a gente ir.
Não passava disso, não. Tinha casa de jogo, umas confeitarias, a gente jogava isso, carteado sempre... Mas isso não era próprio de diversão para a época. Certo, quem tem dinheiro, quem gosta vai jogar, tudo bem.
Agora eu estou me lembrando dos carnavais daquela época, porque não existia carro todo blindado, com capota de aço. Não existia isso. As capotas eram de lona, elas eram conversíveis; você tirava, abaixava as capotas e ficava aquilo tudo sem capota. Os carros, que sempre eram Ford e Chevrolet - geralmente pretos, só vinham nessa cor; um marrom lá, uma vez ou outra -, eles ficavam enfileirados um atrás do outro e aqueles em um bloco não, fazia uns bloquinhos. Eles sentavam atrás, na carroceria. O lança-perfume era obrigatório, era liberado, não tinha essa história. Um ou outro cheirava lança-perfume, mas tinha muito confete, muita serpentina, muito lança-perfume, era muito animado. Eles jogavam uns para os outros no carro, que chegavam a emendar, você não via quase um carro separado do outro. Ficava uma linha de serpentina. E o povo de lado e de outro, jogando serpentina.
Nos bailes de carnaval é que o meu pai fazia coisas formidáveis, porque não existia clube social. O que é que o meu pai fazia? Meu pai tirava as poltronas do salão e decorava o salão de acordo com as figuras de carnaval _________. E davam os bailes aí. Eu trouxe até fotografia para mostrar para você, como é que… Vale a pena ver a fotografia. Aquilo era realmente uma delícia, não tinha discussão, não tinha nada. Era uma coisa formidável, porque aquilo era teatro também. Então, além do salão, você subia em uma escadinha e ia para o palco, que era aberto e tinha uns bares ali; você fazia uma refeiçãozinha, tomava uma cervejinha, um guaraná. Era assim.
No último dia de carnaval... Todos os dias, a coisa ia até amanhecer o dia seguinte, mas no último dia, a gente via uma tristeza e o pessoal falando: “Poxa, mas já acabou”, de tão bom que era. Era muito interessante. Faziam isso lá, os bailes de carnaval. Essa fotografia, eu vou te mostrar; é grande...
P/1 - O cinema propriamente dito, seu Peppe, a programação do cinema. O seu pai era um cinéfilo ou era uma pessoa que apenas trazia os filmes?
R - Não, não. É uma longa história. Você vai ver o que eu trouxe também para você. O meu pai sempre gostou muito, sempre estudou muito, sempre frequentou também essa... O que podia sobre o assunto... Para você ter uma ideia, ele fazia uma programação; o centro de distribuição era Ribeirão Preto. Eu ia lá, com os meus dez, doze anos. As companhias todas tinham escritório de distribuição em Ribeirão Preto. Eu me lembro, era muito interessante. Via lá a relação dos filmes. A Metro: isso, isso, tatatatá. O meu pai escolhia as coisas, os filmes, vinha e tal.
Antes que eu fale alguma coisa e me esqueça, sobre os chamados jornais internacionais: antes de começar o filme projetava-se um rolo de notícias internacionais. A Alemanha tinha a dele lá, a UFA [Universum Film AG]. A França tinha o Pathé, tinha o Paramount, tinha outros... Outras companhias, americanas, estavam lá. Pois bem, o meu pai então via o assunto de cada um. O meu pai tinha um capricho de ver o seguinte: “Esses assuntos já estão superados.” Eles ficavam danados da vida, papai falava assim: “Eu pago.” Papai pagava, mas não exibia para trazer sempre as coisas mais atualizadas.
Sobre o programa, você vai ver o que era este tal de programa. Eu trouxe um bom para você ver. Ele fazia uma descrição que era o filme, sobre o que se tratava. E a linguagem… Era um homem culto, papai. Gostava de fazer aquilo.
Então, você recebia o jornal, ele em cima... O programa Cine Teatro Avenida… Põe lá: tatatatá. “O cinema é hoje” - esse era um disco dele - “uma necessidade social.” Era mesmo, era mesmo! Então, ele ponha aquela coisa e clichês, etc. pra chamar aquilo. Ele já estava então, na programação e a programação escolhida. Então, em fim de semana tinha... A coisa era mais caprichada; às sextas-feiras tinha um faroeste para os meninos que tinha um seriado, tinha uma coisa...
Foi passando o tempo, foi passando. Veio o cinema falado; ele implantou o cinema falado com Walt Johnson. “Cantor de Jazz” foi a primeira fita, ele botou lá “O cantor de Jazz”. E depois foi um capricho danado, só que aí não precisava mais ter, infelizmente, os conjuntos ali ao vivo. Então tinha que ser mesmo o alto-falante e música de disco. Aí é que entrou o velho ali em uma coisa formidável, você precisava ver a programação musical, porque ele tinha a discoteca dele, sabe? Que coisa! Por exemplo: passava o filme da Greta Garbo, que era a rainha do cinema. Era tudo especial, a cores, a programação, a entrada. As músicas, tudo direitinho, sabe?
A música, quando acabava a matinê, qual era a música que terminava a saída? Todo mundo saiu, já está acabando a matinê, mas eram músicas formidáveis que ele tinha. Não tinha... Pô, naquele tempo não existia música de percussão, não existe esse nhenhenhém. Também não era só clássicos, coisa nenhuma não. Ele tinha uma coleção fantástica, então muita gente aqui se educou. Eles vieram falar para mim. Tiveram um bom gosto depois com música, graças àquelas programações do meu pai, aquele que ele fazia.
Bom, uma outra do papai - o senhor vai ver pela fotografia, depois eu vou te mostrar, fica mais interessante. O papai entendeu de perfumar o ambiente do cinema. Então, ele mandou fazer, eu me lembro, na Frank Lloyd uma... Uma bomba manual, enorme, muito bonita. Um perfume da Frank Lloyd que era uma coisa absurda. Ele comprimia, então aquilo fazia um leque assim, sabe? Aspergia. E ele então ia na chamada galeria, que você vai ver onde é... O cinema está aqui embaixo, então ficava aqui. Ele dava uma borrifada, não exagerava não. O meu pai tinha um senso exato das coisas.
Isso agradou muito, mas sempre tem aqueles que não entendem as coisas e dizia: “O Peppe está jogando flit nos outros.” Flit era o líquido que matava inseto e tinha uma bombinha cheia de lata, muito vagabunda. Bom, papai não se incomodava com isso não. Ele jogava lá e todo mundo… [Dizia:] “Peppe não deixa de fazer isso, ________.” Principalmente as moças.
Pois bem. Em um dos jornais internacionais que o papai passou, então veio com o pompas, clarins etc: “Inauguração do maior cinema do mundo, Roxy!” Veio o apresentador lá, falando as características, mostrando, detalhando, vendo os detalhes do cinema. Eles dizem o seguinte: “Tem uma novidade; esse cinema se autoperfuma.” Então, mostrava [que] em determinados pontos estratégicos tem um vaporizador automático. Só que o americano lá não vai jogar a coisa nada, entendeu?
Quando aconteceu isso? Dois anos depois que o meu pai fazia aqui, no cinema dele. Então, eu não esqueço disso que o homem falou assim: “Qual a novidade? Que novidade que tem assim…”
P/1 - A plateia deve ter reagido bem também, né?
R - Ah, pois é. Então, tem essas coisas, esses negócios...
P/1 - Quantas pessoas cabiam no cinema, seu Peppe?
R - Ah, não era muito, sempre pequeno. Cabia umas oitocentas pessoas...
P/1 - Pequeno?
R - É, não era grande...
P/1 - É um bom cinema, um grande cinema. Quer dizer, o hábito do cinema era uma coisa muito própria da juventude daquela época?
R - Papai fazia... É, a juventude. O papai foi capturando também, porque tinha amigos dele aí, uns coronéis decerto. Gente muito simpática, são patriarcas aí, pais de gente importante. Vinham e conversavam com papai.
[Meu pai falava:] “Pois é, não tenho visto você, você não vem ao cinema?” “Não, não gosto.” Contava lá qualquer coisa, batia no ombro dele e ia embora. Passava o tempo, eu vi o papai fazia o seguinte; ele tinha uns talõezinhos que ele mandava fazer com cinco entradas de cinema. Então, lá vinha, depois de muito tempo que o camarada lá talvez, batia o papo e então ele falava: “Opa, espera aí...”
Todo mundo andava de paletó naquela época... Por isso que eu sou daquela época e _________. Então, ele pegava assim, no bolsinho do paletó, enfiava aquilo e fazia: “Escuta aqui, quando te der na telha, quando você tiver vontade, você vem aqui.” Eram cinco entradas grátis que ele fazia. Ah, mas não tinha dúvida; o sujeito depois, não deixava de vir ao cinema porque… O cinema era realmente a diversão, a necessidade da época. Por isso esse disco deles: o cinema é hoje uma necessidade social. E era mesmo, porque só se falava de cinema. Depois o cinema evoluiu, né?
P/1 - O seu pai se dedicava mais ao que no cinema? Quando tinha as sessões, ele ficava só na administração, não ia fiscalizar...
R - Não, ele tinha um escritório pegado a ele. Ele fazia tudo. Ele redigia os programas, tomava outras providências a respeito do andamento de cinema, procedência disso, de cartaz, locação e filme, despachava a fita e via, sabe? Ele era tão conceituado nessas companhias que durante a revolução foi fechada a ponte do Rio Grande. Então, todos os filmes que estavam aqui, pá! Caíram lá nas mãos do papai. Eles pediram para o papai controlar e o papai, então, distribuía para algumas cidades.
Às vezes passava… Você via uma fita, às vezes, várias vezes, entendeu? Porque não vinha... Às vezes, vinha sim, mas furava um bloqueio em São Paulo, no Rio e vinha uma fita nova.
Mas tinha uma coisa importante que eu ia te contar aqui, rapaz... Essa não pode passar, um negócio... Ah, o papai tinha um rolo de nota, cédula amarfalhada, velha, Um rolo disso. Ele... Eu também não gosto, não posso com isso. Eu vejo muita gente aí [que] recebe uma nota novinha e depois faz assim, põe assim, amassa e põe na niqueleira, aquele negócio, uma nota de papel. Mas, o que é que vai fazer? Isso não aprende nunca, né?
O que é que papai fazia; papai recebia aqueles bagaços lá, bilheteira e tudo mais. Recebia aquela coisa toda. Então, lá no escritório, eu me lembro... A bilheteira também tinha outra função, trabalhava lá em outras atividades da programação. Então, ele já tinha um papel próprio, um papelzinho. Ele pegava as notas, essas quase dilaceradas, então o que é que fazia? Colava aquelas notas no bolso ali. Todas elas, colava. Ficava aquelas placas, me lembro. Aquelas placas grandes, cheias de coisas. Pois a menina cortava, entendeu? E contava, fazia os montinhos direitinho ali, com borrachinha e tal. O papai, então, levava lá no banco. Era no Banco do Brasil, eles já faziam isto e trocava aquilo por notas novas. Jamais a bilheteria do Cine Avenida, o Cine Avenida botou e rasgou... Estragada na bacia, sabe? Essas coisas que o meu pai fazia. Sabe o que eu achava? Achava extraordinário esse cuidado, essa coisa... Engraçado.
P/1 - Era uma forma de cativar também os espectadores, né?
R - É, não tem dúvida, mas está muito difícil isso. Você que gosta de jazz um pouco, só tem um jeito, eu vi... Engraçado, você diz assim: “Tem jeito de consertar isso?” Eu falo: “Não tem não. É claro que não. O regime democrático não tem não.” “Ué, mas tem jeito, tem outro jeito que conserta?” “Tem.” “Mas, como é que você está falando isso?”
Eu morava em Uberaba, então o húngaro foi me visitar, um amigo meu e tudo mais. Estava lá há muito tempo e a gente conversando um monte de coisas. Eu peguei umas notinhas novinhas, ele falou: “É a sua nota. Nova, eu acho que você não tem nota estragada.” Eu falei: “Não, eu não gosto.” Eu pensando sobre várias coisas e gente maltratando nota e tal, falei: “Como é na sua terra? Como é que é lá na...” Ele falou assim: “Não.” Ele tirou a carteira dele e passou, então eu vi as notas. As notas estavam novinhas, inteiras, estavam assim brilhantes, novinhas. Eu falei: “Mas que beleza, que notas bonitas. Eu não tinha reparado...” “Pois é, mas esta nota é antiga. Isso eu trago comigo, andam comigo, mas isso não tem circulação aqui. Eu nem quero _________ isso aqui e tal.”
Eu falei: “Mas você conseguiu guardar isso aqui desse jeito, assim e tal? “ Ele falou: “Não.” Eu falei: “Lá na sua terra, vocês não estragam as notas, não?” Ele falou assim: “Não.” Eu falei: “Como não?” Ele falou: “Pelo seguinte: o governo meteu a regra e não dá explicação e não discute. Tem uma regra: se você pega uma nota e vinca, faz um dobra, ela perde cinquenta por cento do valor. Quer dizer, se você uma nota de dez, você dobra, faz assim. Quando você for pagar uma coisa de oito, não paga mesmo. Como é que fica? Porque só vale cinco, entendeu?” Então eu falei: “Escuta uma coisa… Mas é inacreditável.” Ele falei assim: “Aquilo é ditadura. Ali não tem perigo, não tem conversa. Você vincou a nota, ela perde cinquenta...” Hoje não, hoje não. Hoje, com certeza, eles embolam... Eu não acredito que embola não. Eu acho que só aqui que embola. Mas, eu falei: “Escuta, mas a carteira dobra, sô.” Ele falou assim: “Não, não dobra não. No lugar de dobrar tem uma coisinha feito um lápis, um cilindro que faz assim, então a nota, ele vem para cá e não dobra não, não vinca.” (risos)
(pausa)
P/1 - Eu queria fazer uma pergunta para o senhor, como é que o rapaz, o adolescente, o já pós - adolescente Peppe acabou deixando Uberlândia com essa cidade tão... Tão encantadora, como o senhor está nos descrevendo. O que é que o senhor foi fazer em Uberaba? Por que o senhor deixou a cidade?
R - Ah, sim. Olha, acontece que o negócio de cinemas aqui ia muito bem. Depois, houve concorrência e o sócio do meu pai, ele não entendia... Ele entendia de um negócio assim, muito certo. Se viesse alguma ameaça financeira, alguma coisa, ele terminava os negócios dele. Sempre foi assim. Então, ele manifestou a vontade de não continuar ali, com medo de ter prejuízo no cinema e ter que arcar, porque o meu pai não era o sócio capitalista, né? O meu pai não ficou rico, nem nada. Criou bem os filhos, graças a Deus.
Bom, então o meu pai... O meu pai fechou o cinema, mas ele ainda ficou aqui. Ele construiu um outro cinema chamado Éden Cinema, onde é o BCN hoje.
P/1 - Éden?
R - É, chamava Éden Cinema, você vai ver aí, no programa. Isso no tempo que estava funcionando ainda. Depois ele ficou só e instalou um [cinema] exatamente na praça daquela prefeiturazinha que virou museu, ele acabou depois... Teve que vender o cinema. Uma empresa de São Paulo, uma empresa teatral paulista que eu conheci, inclusive o proprietário, acabou comprando. E o meu pai, então, ficou na cidade.
O meu pai era encantado aqui por Uberlândia, mas... E os rendimentos dele [eram] muito pouco. Ele não tinha tinha propriedade. Tinha a casa dele, só, entendeu? Ele... O fato é que ele foi ficando aqui, foi se onerando. Acabou tendo que vender a casa dele. Vendeu para o pai do Zaire Rezende e nós mudamos para a Rua Felisberto Carrijo, ficamos ali uns dois meses.
Eu ainda estava... Eu já estava trabalhando em São Paulo, por lá. E aí, foi até um certo ponto em que ele não aguentou mais a coisa. Eu sei que ele procurou várias coisas para fazer aqui, mas não estava garantido o sustento dele. Em Uberaba tinha lá a família da minha mãe. Meu pai sempre ajudou as cunhadas e elas, coincidentemente, estavam lá, bem. Não bem, bem de vida, mas estavam bem a ponto de convidar para acolher. Então, o meu pai mudou-se daqui de Uberlândia, em 1942. Foi daqui para Uberaba.
P/1 – Qual foi o motivo da crise no cinema? A guerra?
R – Não, foi concorrência. Fizeram o Cineteatro Uberlândia. depois, na cinematografia daquele tempo, tinha uma coisa muito engraçada. Se abre um concorrente, o produto deles, quer dizer, os filmes... (risos) Somem imediatamente e não tem argumento porque você: “Não, a coisa lá está boa. Lá abriu até um outro cinema, você não quis abrir, mas...” Então, o negócio foi ficado assim meio... E ele ficou só na coisa. Ele não tinha capital para… Apesar de ser uma pessoa estimada e tudo mais, mas o negócio.... Ele não se sustentou.
Foi para Uberaba e lá ele trabalhou em cinematografia também. Lá na empresa São Luiz, ficou lá. Eu estava em São Paulo, mas arranjei já depois um emprego, fiz lá uns cursos e fiquei apaixonado, então vim aqui para casar. Fiquei namorando muito tempo a minha mulher, que é até hoje a minha mulher, coisa... O fato é que eu vim aqui para casar. Casei...
P/1 – Desculpa, seu Peppe, eu precisava voltar um pouquinho atrás para entender como é que foi essa sua ida para São Paulo. A troco de quê o senhor foi para São Paulo e quando que o senhor foi para lá?
R – Eu fui lá para estudar Engenharia.
P/1 – Ah, sei. Engenharia?
R – Para estudar Engenharia, Matemática e tal. Eu tenho lá uns cursinhos por aí. Foi por dinheiro, só dinheiro. Fiz Odontologia também e devia ter ficado na Odontologia. Eu teria, mas aí eu pensei que naquela... Vai fazer cinquenta anos que eu me formei em Odontologia. Eu fiz cirurgia no meu pai, fiz cirurgia na minha mãe. Então, é uma coisa muito boa, mas não era... E eu fiquei com esse negócio de gostar... Sempre foi minha atração… Realmente, foi o magistério. Eu sou fundador, nomeado pelo governo, da Escola de Engenharia; fui diretor da Escola de Engenharia. Tem a universidade, essa coisa toda. Vim de Uberaba e com mais quatro engenheiros nós instalamos a Escola de Engenharia. E isso começou nos moldes federais no __________ lá, e eu vinha de Uberaba dar aula aqui.
Agora vamos lá. Como é que foi esse negócio? Quando eu me casei, eu já ia voltar para o meu emprego lá em São Paulo, dando aula. Mas… Eu tenho cunhado aqui, fiquei aqui mais alguns dias. Depois eu falei: “Ciro, vou com a minha mulher, agora nós vamos passar por Uberaba para mostrar o primeiro neto.”
Ah, não, espera aí: durante a lua de mel e coisa, terminando a lua de mel, antes de voltar para São Paulo, o meu concunhado me convidou para tocar uma usina de açúcar e álcool, na beira do Paranaíba, vinte... A doze léguas para baixo de Ituiutaba. Eu tinha uns livros lá da Usina Junqueira, que eram [sobre] tecnologia, e nós fomos lá. Foi comprada essa usina de um cidadão de Uberlândia chamado Juca Carneiro, dos Carneiro aqui, grande nadador. Então fiquei lá.
Eu fiquei um ano lá na beira do rio, sem nunca passar por aquelas coisas e a minha mulher também. Foi uma vida... Hoje, eu fico pensando, [uma vida] esquisitíssima aquilo lá, sozinho, só tinha ______. Tinha coisas interessantíssimas que aconteceram lá e nós muito moços, com 24 anos - não, menos; tinha 23 anos quando fomos para lá. Mas quando saímos de lá, a minha mulher já foi para Ituiutaba para dar a luz, desse meu primeiro filho. Ficamos lá.
Passamos aqui em Uberlândia para minha cunhada ver o filho... O nosso filho e falamos: “Bom, agora vou passar por Uberaba, mostrar para os meus pais o primeiro neto dele.” E fomos lá. A casa, já de papai. Conversa de cá, conversa de lá: “Ah, você está ausente, muito tempo para os lados de São Paulo...” Nós estávamos em plena guerra. “Está faltando isso, está faltando aquilo, não tem nem leite.” Falei: “Pois é, então tá.” “Nem nasceu o menino lá em São Paulo. Não, fica aqui dois meses comigo.” Era férias, eu falei: “Está certo, vou ficar dois meses aqui.”
Fiquei vinte... 27 para 28 anos nesses dois meses. No dia que eu cheguei lá, conheci um homem notável, chamado Mário Palméria. Foi deputado quantas vezes quis, foi escritor, compositor, educador, revolucionou o ensino lá na.... Então, eu fiquei quase 28 anos em Uberaba trabalhando com o Mário. E o Mário me chamando até de irmão, falou: “Não, você já é meu irmão.” Passando o tempo, passando as coisas por causa dos negócios que a gente fazia, essa confiança.
Então, eu passei, fui ali em Uberaba, sabe? Gostei da cidade, a cidade é... Passei o melhor tempo da minha vida ali porque eu tinha vinte... Quando eu cheguei lá então, já 24 anos. Entrei lá com 24 anos, dei aula para todo mundo, todo mundo lá me conhece. Tem gente lá que acha que eu sou de Uberaba e tem gente aqui que acha que eu também sou lá de Uberaba, mas eu não falo, não conto. Tem gente que fala assim: “Eu vim lá da sua terra.” Eu falo: “Como é que está lá, está bem?” Eu não falo, eu não quero saber, não falo nada. (risos)
P/1 – O senhor saberia dizer onde é que está a origem dessa vocação para o magistério? Onde é que nasceu esse lampejo no seu...
R – Olha, é uma coisa muito interessante. De onde, da família, eu não sei dizer. Mas a coisa interessante que eu acho é o seguinte: eu fui para o magistério, fui em uma felicidade danada, gostava. Meu ambiente era a sala de aula, eu gostava é de estar ali na faculdade mostrando, ensinando cálculo para o pessoal, mostrando aplicações na prática e como é que o Brasil ia receber isso, o que eles iam fazer.
Eu... Isso foi o meu... Foi a minha vida. Mas eu lecionei também no colégio, fiz concurso no Estado porque eu fui lá pedir, insistir, o governo nem queria. Ficava zonando com a coisa, mas foi desse jeito.
Agora, a coisa interessante é o seguinte: o meu irmão Carlos Peppe é um sujeito, desculpe a modéstia, notável. Culto como um danado, sabe? Professor, naturalista. (risos) Foi muito gozado também. Naturalista, só vive lá.... Autor de livro etc. Se você conversar com ele sobre filosofia e sobre religiões e coisa... Sobre história natural então, descobridor de protozoário, comunicado na academia, está lá em Uberaba. A minha irmã, que é a caçula, Maria Helena, foi para o magistério logo. Então, eu não sei, afinal de contas, o que é que foi isso, porque eu olhando meus tios, olhando... Não vi isso.
Outra coisa: eu sei que eu me daria bem em engenharia. O que eu fiz lá, eu trabalhei também. Eu atuei na odontologia também. Aqui tem rapaz que foi meu aluno, dentista, esses dias, ele falou assim: “Peppe, você até hoje lembra o trabalho que você fez comigo!” Ele era estudante iniciando, estudando, pai do Joãozinho Bittar. Foi meu aluno lá na escola _________. E outra coisa, fazia, gostava de… Principalmente prótese, que é ligado. Mas tem pontes, não sei o quê, coisas de engenharia, né? Esse troço. Mas, eu não sei lhe dizer... Aquilo, não sei se é nato, qualquer coisa. É um prazer, é uma coisa, sabe? Eu gosto de fazer o indivíduo entender as coisas e saber... E receber aquilo, sabendo que aquilo vai ser útil para ele. Para botar uma fórmula, fazer, tá, tá, tá, olha aqui, tá, tá, tá. Não tem nada dessas coisas, entendeu? Tanto é que eu tenho... Vou editar agora. Eu fiz o meu curso quando eu entrei na compulsória, a gente entra na compulsória. Até hoje, na universidade, eles não mudaram nada, mas nada. Então, eu estou lançando um livro... É claro, enriquecido, construído durante os últimos doze anos, porque eu sou da fundação. Era uma matéria especial para engenheiros elétricos, químicos e civis. Ele já está pronto, praticamente. É só dá uma... Ele está atrasado porque caía na besteira, toda vez que eu lia o livro para corrigir alguma coisinha, eu acrescentava. Então, o livro está... Mas, agora já está no computador.
Mas, isso aí, eu não sei dizer a você, francamente, sabe?
P/1 – Isso está explicado. No contexto, ele está explicado.
R – O que é?
P/1 – Eu queria saber, nesse seu tempo de Uberlândia, o senhor conheceu, ou de algum modo conviveu com a família Garcia de alguma forma, não?
R – Convivi, mas olha.... Eu gostaria de ter muita coisa para falar, porque é de muito tempo que eu os conheço, mas foi um relacionamento assim... Quando eu era rapagote, o Alexandrino estava começando a vida dele numa luta danada, mexer... Mexer com chácara, com não sei o quê... Depois, no tempo da guerra, coisa de 1939, por lá de quarenta e tantos, ele começou a mexer com posto de gasolina. E foi indo.
Eu tinha relações com eles, mas relações assim, muito rápidas, sabe? Sempre muito cordiais. E outra coisa, sempre com muita simpatia. Lá em casa é engraçado, não é só lá a minha mulher, mas a minha família toda, minhas tias, etc. [Elas] sempre falaram bem demais dos Garcia, diz que Uberlândia está nesse progresso por causa dos Garcia e muito mais. Tem um que nem conhece Garcia.
Eu conheci bem o Alexandrino, com aquele gênio dele; a dona Maria também, claro, mas eu não tive uma coisa duradoura, porque logo em seguida eu saí para estudar e depois fiquei esse tempo todo… Nesses trinta anos que eu fiquei foram, a empresa, por exemplo, a organização... Meu Deus, ela cresceu muito, mas ainda sobre uma administração, sobre um modelo familiar. Depois disso então, do Mário Grossi para cá, aí então a coisa ficou praticamente... Internacionalizou, vamos dizer assim, nos métodos, então não tem... Eu tenho acompanhado através do... Última vez, do meu filho que está aí, o Luiz Eduardo Peppe, aquele gordo, né? Ele me fala.
E com o Luiz, eu tenho muita intimidade com ele. Quando eu era diretor da Escola de Engenharia em Uberaba, o Luiz estava chegando de Itajubá. Ele tinha acabado de se formar e eu estava doido lá, precisando de um professor de eletricidade. Mas era de instalações domiciliares, isso não é eletricidade... Que não é tão pesada, não é assim... O fato é que eu estive com ele e falei: “Luiz....” É claro que a organização daquele tempo não era essa, não. [O grupo] Algar, não existia isso.
“Você podia dar aula de uma hora? Eu estou sem professor... Aliás, eu tenho um professor lá, fraquíssimo. Não dá, não serve... A escola está com bom nome, eu não quero isso. Você vai colaborar comigo, você vai dar umas aulas para mim.” “Ah, Peppe, vou sim.” Então, falou que dava. Mas o negócio aqui, as coisas aqui na companhia acontecem muito rapidamente. O fato é que ele não pode ir, não é porque não quis. Ele não pode mesmo, é que estavam precisando mesmo dele. Então, ele não colaborou comigo, como diretor naquela ocasião. Mas, estou te contando isso para você ver bem que realmente a gente conhece esse... Alguma coisa que ele faz: “Oi, Peppe, vem cá. Eu estou fabricando isso aqui, não sei o quê.” E é assim, sem a menor cerimônia e há muitos... Há quantos anos.
O que é que eu sei, por exemplo? Eu sei que está aí, todo mundo já falou, tudo escrito. O que eu sei é que o Alexandrino, depois, adquiriu do Tito Teixeira, que também foi muito meu amigo, um grande esportista, um sujeito progressista, adquiriu a companhia dele, o Teixeirinha _______. Então essas coisas e as lutas eu não acompanhei, nem aqui eu estava, sabe?
P/1 – Mas esse episódio da...
R – E eu fico chateado porque acho que vai ser muito, muito magra ou quase nula, a minha participação aqui em relação a essa coisa.
P/1 – O senhor está dando um cenário do entorno que, também para nós, é importante saber, não é? Não precisa necessariamente estar única e exclusivamente focado na CTBC, o senhor está falando do entorno onde tudo isso ocorreu. Isso está sendo importante para nós.
R – Por exemplo, aquelas lutas dele, para dar um equipamento simples e de primeira linha e que o governo, às vezes, impedia e que deixava as.... Eu.... Isso eu acompanhei de perto. As coisas deles lá, as amizades deles e coisa do Rondon Pacheco, que o Rondon... Eu fui colega do Rondon nove anos no estudo, fizemos muita coisa juntos, muita coisa interessante. Mas, eu gostaria, de pelo menos, ter uma piada, alguma coisa assim: “Olha eu vou te contar um negócio, que uma vez, o, o Luiz ou o Alexandrino e tal e coisa”, mas não tenho.
P/1 – Isso não é necessário. Vamos explorar mais esse seu lado, digamos voltado para a educação que foi um lado importante, não só para a cidade, mas também para a região. Tanto na Faculdade de Engenharia lá em Uberaba, tanto na criação da Universidade Federal de Uberlândia. Em Uberaba, o senhor foi muito influenciado pelo Mário Palmério, o genial Mário Palmério, e ele tinha essa compulsão...
R – Não. Ele, modéstia à parte, tinha confiança absoluta em mim. Tanto é que ele assinava as coisas em branco para eu resolver coisas lá no Rio, com o ministério, tudo mais..
P/1 – Em Uberaba era uma escola isolada?
R – Era, escola isolada.
P/1 – E o senhor assumiu essa escola como... Enfim, desafio profissional?
R – Não, a coisa... Foi... A coisa foi acontecendo.
Lá em Uberaba existiam dois colégios - aliás, três. Um colégio para os rapazes, os homens, muito bem montado, o Colégio Marista, sob a direção dos irmãos maristas. Tinha internato, essa coisa e tal. Outro, nas mesmas proporções, mas fantástico, extraordinário: o Colégio Nossa Senhora, para as meninas, moças. E tinha um colégio - aliás não era um colégio, era uma escola de comércio chamada José Bonifácio; funcionava à noite. A pessoa ia aprender as artes de... De guarda-livro, contabilidade etc. Só. Igual ao estado, coisa nenhuma, só isso.
Qual era a alternativa lá para o menino? Era ir para o colégio dos padres, era uma.... “Você tem recursos para ir?” Vamos falar: “Eu não quero ir para o colégio dos padres.” “Bom, mas para onde é que você vai?” “Ah, eu vou para fora.” Bem, [quem ia é] porque tinha recursos, é rico. Uberaba sempre foi tido, como um centro rico. Então, a pessoa tinha que sair fora; ou ia para o Diocesano ou ia estudar fora. A mesma coisa em relação às meninas. E à noite, o pessoal fazia lá o seu cursinho de comércio.
Chega o Mário Palmério lá em Uberaba... Ah, e outra coisa: Uberaba era regida por um bispo famoso, muito inteligente, mas extraordinariamente intransigente e respeitável, chamado Dom Alexandre Gonçalves do Amaral. Ainda vive, está velhinho. Aquele homem tinha um poder, uma coisa ali. O jornal falava uma bobagem, ele chegava lá e mandava o jornal pedir desculpa ou fazer... E se o bispo mandasse alguém deixar de fazer qualquer coisa, ele deixava mesmo, era um negócio. Chega o Mário Palmério e começa... Abriu lá o colégio no prédio velho onde foi... Onde funcionou uma antiga escola normal. Nisto, rapaz, aquilo foi um negócio, sabe? Lá em Uberaba foi uma coisa!
Foi funcionando com uma precariedade dos diabos, lá na... Isso até antes de 1954, quer dizer, uns dois anos antes. Aí, ele teve uma oportunidade fantástica. Teve um sujeito extraordinário, chamado Afrânio Francisco de Azevedo, Afrânio de Azevedo, pai do doutor José Olímpio, pai da Martha Pannunzio. O Afrânio ali, no centro da cidade, tinha uma área fantástica, espírito e tudo mais; não gostava muito do Alexandre, então foi muito fácil: ele cedeu o terreno para o Marcos Palmério.
Quanto custou? Custou o seguinte: o Mário Palmério tinha que dar estudo de graça. Todos os cursos que ele fundasse tinham que dar... Por exemplo, no primeiro ano tinha um bolsista. Esse é muito pesado, pensei: “Eu sou bolsista de fulano.” “Bom, quando você acabar o curso, então vem… Vamos preencher aquela bolsa ali”, sempre era assim. Lá no Afrânio não, era registrado isso no cartório. Por exemplo, curso ginasial; suponhamos que tivesse duas primeiras séries, duas segundas, duas terceiras e duas quartas. Então, ele tinha que ter um aluno na primei... Dois alunos na primeira série, quer dizer uma série e outra, dois alunos na segunda, dois alunos na terceira, dois alunos na quarta e foi assim. Escola de Comércio, Escola de Odontologia, também, Escola de Direito, também, entendeu? Escola de Engenharia, foi desse jeito.
Teve uma época que o Afrânio tinha oitenta meninos estudando lá. O Mário fez aquele negócio, uma beleza. No começo, foi evoluir e a pressão... Eu vivi essa pressão, deles lá da igreja e tudo mais sobre... Então, eu comecei lá quando eu conheci o Mário. Eu conheci o Mário quando ele estava instalando o curso colegial dele, então, eu comecei a lecionar no curso colegial. Depois foi indo, ele se candidatou a deputado federal sem nunca ter sido nem vereador, nem mexido com isso. Foi eleito tantas vezes quanto quis, o Mário Palmério. Não estou exagerando não.
Aí, então, fundou... Começou a fundar. Fundou a Primeira Escola Superior dessa última fase que, há muitos anos, teve uma Escola de Farmácia e Odontologia em Uberaba. Então, em 1946 ele fundou a Escola de Odontologia. Beleza de equipamento, americano. Conseguiu patente para duas escolas; Odontologia e Ciências Econômicas. O Mário tinha o sonho de fazer uma universidade, mas ele achava que nas cidades pequenas, como Uberaba, Uberlândia, naquela época não iam comportar isso. Então, ele queria uma com os campi em cada cidade, explorando mais as necessidades históricas e os desejos de cada um, as necessidades de cada um. Por isso é que as coisas dele sempre se chamavam do Triângulo Mineiro, sabe? Do Triângulo Mineiro, mas não deu certo.
P/1 – É um modelo parecido com o da Unesp em São Paulo?
R – É.
P/1 – Sedes em cidades diferentes, mas em uma mesma universidade.
R – Mesma mantenedora. Aqui foi aquela febre, todo mundo ajudando para fazer a escola superior...
(pausa)
P/1 – O senhor dizia que o Mário era uma pessoa tão impressionante.
R - É, mas antes de... Eu comecei a lecionar lá, mas o Mário, quando fundou a Escola de Odontologia… Então veja, eu vou te prontificar também uma situação no tempo, que se passava aqui em Uberlândia e lá em Uberaba. O Mário quase que teve que botar gente na cadeia porque estavam falando: “Ele fundou isso aqui para vender diploma, para não sei o quê.” Sabe por quê? Porque naquele tempo as Escolas de Odontologia… Existia uma ou outra, mas só nos grandes centros, não existia... Então, esse pessoal que tinha clínica dentária na cidade, aqui em Uberlândia, Uberaba, Araguari, a maior parte dos profissionais eram chamados de...
P/2 - Práticos?
R - De práticos, dentistas práticos. Uns outros ainda tinham “prático autorizado”, um negócio assim, e outros eram práticos. Quer dizer, o sujeito ficava vendo como o barbeiro... Naquele tempo, também… Hoje nem barbeiro, nem cabeleireiro é assim. Hoje estuda, vê, tal. Mas antigamente ficava vendo como é que cortava, depois ia cortar. Se era um dentista, aprendia assim. Então, veja bem o panorama da coisa.
Escola de Odontologia em Uberaba, nossa senhora, que bomba! Os profissionais da área ficaram danados de raiva porque no mínimo, uns tinham que estudar mais, tinham que acompanhar mais a coisa. E os outros que não tinham nada, como é que ia ficar a situação deles depois, né? Ali, um lugar com uma escola, que os outros estudavam. Falavam que iam fazer curso lá não sei onde, [mas] iam passear; era sempre assim. Então, a perseguição... O Mário não obteve apoio quase nenhum da classe odontológica. Ninguém queria saber, todo mundo com raiva dele. Por que? Porque estava pondo em risco, afinal de contas, o status do pessoal, então era difícil para o professor.
O povo delirava, porque depois que foi instalada uma clínica, que foi [se] chamar Policlínica Presidente Vargas, o Negrão de Lima foi lá inaugurar a coisa. Que beleza! Americana, foi feita…. Era o última modelo, que tinha sido feito até para Buenos Aires, tinha uma escola lá com a clínica. O tratamento era de graça, praticamente só o material [era cobrado] etc. Mas não teve apoio, ninguém queria nem ver aula. Tinha gente que vinha de carro, vinha de fora. E ninguém queria também mexer com direção de escola, não.
O Mário falou assim: “Peppe, você vai estudar Odontologia.” Eu falei: “Que é isso, Mário. Que bobagem é essa, Odontologia?” (risos) “Vai, vai estudar Odontologia porque eu estou precisando de diretor aqui. Como é que é? Você está vendo como é que está o negócio.”
Eu entrei na escola. Tive uma surpresa formidável, o curso era formidável. Quem quer fazer o curso bem feito, estudar, faz, né? Assim foi o concurso de Direito. que eu entrei também, que coisa, né? Então, eu fiz Odontologia para isso, por causa disso. Agora, na Engenharia, o que foi acontecendo...
Ah, outra coisa: quando falou-se em abrir Escola de Direito, os advogados ficaram também... É a mesma coisa, os profissionais ficaram irritados. Nunca ele teve uma coisa espontânea, nada. Engenharia então, foi.... Quando foi medicina, nossa senhora! Quase caiu o céu lá sobre aquele negócio. Então, o Mário Palmério nunca teve um apoio decisivo. Depois que a coisa se firmou, agora a coisa mudou muito. Mas tem um detalhe... Não sei se eu falo, porque é gravado e... Não, não vou falar, vou falar para você lá fora. É a respeito da... Por exemplo, da posição porque, aqui em Uberlândia, você ouve muito isso.
Começaram [há] muito tempo lá o movimento universitário. Surgiram as escolas superiores, o Mário Palmério realmente foi o criador das escolas superiores. Foi, não tem dúvida. Foi tudo mais e… Pois é. Nós temos uma Universidade Federal e eles não têm, até porque tudo mais etc. Por quê? Muito fácil, então eu explico facilmente por que não teve lá, não teve uma Universidade Federal e aqui teve.
Por que? Quem é que esteve por trás disso? Primeiro, que Uberlândia não queria nem saber de abrir escola superior. Então, vem cá abrir _________, entendeu? E falava que o negócio aqui era comércio, indústria.
Melhor parar. Depois eu conto então o negócio, a coisa errada. Mas Uberaba então, além de ser aquela cidade que fixou uma raça de boi lá… Hoje, Uberaba tem boi que a Índia não tem melhor hoje. Só isso é uma coisa fantástica, mas é um tipo de monocultura. Com pouca gente, você maneja aquilo. Você não tem trabalho, não dá trabalho para o pessoal, não desenvolveu. Então, Uberaba perdeu muito por...
P/2 - Você estava falando do Mário Palmério?
R - Não, pois é. Mas eu desconectei a coisa aqui, foi ruim...
P/1 - Eu estou interessado, seu Peppe...
R - Você fala, aquele... Do Mário, da figura dele, assim?
P/2 - É.
R - Ah, sim. Ele e mais um amigo dele lá, doutor Antônio Prosperi, que foi até prefeito, eles fundaram o PTB. Não tinha PTB lá. O PTB era um partido de oposição... Foi criação do Getúlio, o PTB, mas o que era o PTB? Era oponente à UDN. Tinha o PSD antes, que era muito inteligente, era um partido de característica interessantíssima, mas o PTB... O Mário não podia entrar lá e... Nos partidos. Pior coisa é você desalojar um político. O pior pecado que você faz é um político perder uma posição por outro, uma coisa grave, então eles fundaram o partido lá.
Eu dei uma de irmão, eu viajei muito com o Mário, fiz etc. E o Mário foi eleito. Então, o PTB estourado, na segunda vez também. Depois, ele saiu e falou: “Eu não quero mais isso.” “Por que?” Falou umas coisas lá: “Não quero mais esse negócio...” Mas o Mário não teve apoio da população profissional, das escolas que ele fez lá no começo. Agora é outra coisa, nós estamos em 2001, o problema é outro hoje. Mas, no começo era um negócio. E Uberaba já estava sendo comentada, por fora, [como] uma cidade universitária.
O Hospital do Câncer, eu pertenço ao Hospital do Câncer há cinquenta anos; desde a fundação da _______, eu sou do conselho fiscal de lá. Aquilo também foi trabalho do Mário Palmério junto com o Hélio Angotti, no tempo do doutor Mário Crancho, que foi o grande fundador dessa coisa toda. Bom, então lá para fora, Uberaba... Não, o Mário: “Mais escolas, mais hospitais.” E as festas de fim de ano de Uberaba estavam uma beleza, festa de formatura, sabe? Era de Engenharia, era disso, daquilo outro, Odontologia, principalmente.
Uberaba ficou nessa onda de cidade universitária. Esse negócio foi muito bom, teve uma relação muito grande, muito boa aqui para Uberlândia e detalhes, vou contar depois. Mas, eu vejo, por exemplo, aqui diferente. Se você for lá no Campus Umuarama), você vai ver: Ambulatório Amélio Marques, ele fez, ele deu. Isso assim, Luiz... Ah, diabos, esqueci o nome.... Então, a coisa veio, inclusive, assim, de doação. Muito diferente foi o Mário que não teve um tostão de ninguém.
P/1 - Certo. Como é que foi o processo aqui em Uberlândia, quer dizer, emulado como o senhor bem apontou por esse progresso habitacional, digamos, em Uberaba...
R - Foi. Tem gente que pode não aceitar, achar ruim, chorar de graça, mas escuta; eu tenho fotografia de menino de colégio segurando faixa aqui dizendo, assim: “Ainda não sou, mas seremos ainda, um pólo educacional da região.” Então, vem realmente muita gente daqui, estudou lá. Eles estudaram bem e gostam de lá. Havia entre as duas cidades, uma...
P/2 - Rivalidade?
R - Eu acho que já acabou. Você conversa lá com o pessoal, eles aceitam muito bem. “Como é que está Uberlândia?” “Uberlândia é fantástica!” Uberabense falando isso, eles falam isso, isso acabou. Mas, houve essa emulação. Então, foi muito diferente. É que se juntaram as escolas, como é em torno do Brasil: toda a faculdade surgiu de uma vontadezinha política, pedido de político junto as autoridades, a do MEC, etc. Então, surgiu escola disso, escola daquilo, isolado, particular isso. Cada uma com a sua administração, com seu programa orçamentário. Mas, quando foi fundada a Escola de Engenharia - ela nasceu federal, foi o Rondon Pacheco do MEC, foi também um processo também muito interessante, ele criou… Então começou-se a esboçar uma ideia pelo fundo, o Rondon e o Tarso Dutra, cada um. Rondon aqui e Tarso lá, no Rio Grande do Sul, cada um tinha uma vontade de criar uma universidade federal. Estava indo muito bem. O Rondon foi o homem mais poderoso do Brasil, ele foi o chefe civil do Costa e Silva, o Costa era louco pelo Rondon. Eu presenciei isso, o Costa me falava quando eu estava com ele. Ele era doido pelo Rondon, sabe? Era uma coisa. O negócio foi demorando um pouquinho.
Mas, então, como é que foi feito a coisa? Foi feita assim. Todas as escolas são... Não escapava uma, sempre deficitária. Salvava a Escola de Direito, a Escola de Engenharia, que já tinham as suas verbas lá, Ciência Econômica, que já estava equilibrada também, mas eles começaram então a se aglutinar e acabaram fazendo uma instituição chamada... Como é que é? Que se agrupam, agrupam como se fossem dirigidas por só por uma pessoa... Ai, meu Deus... Auta... Não é autarquia não, é... Contrário de autarquia. Então, foi feito isso aqui. Depois, que foi dada então a... Foram dadas as condições para criar a Universidade Federal, porque aquilo também é escola... A criação da unidade federal não foi porque o sujeito pediu, é muito bonitinho, o governo deu porque ele teve muito prestígio que o governo deu. Porque o Rondon falou assim: “Manda tá, tá, tá.” Diz assim: “Não.” Tem um negócio atrás disso aí, que o governo engoliu e não teve jeito. Eu participei com eles, com o governo. Eu participei tanto disso, que nós elaboramos... Precisei elaborar um decreto, depois que foi feito junto comigo lá no MEC, falou assim: “Vai demorar vinte dias para o presidente assinar”. “Está certo.” Quando ele mandou, três dias depois, o presidente tinha assinado.
P/1 - A criação da universidade?
R - Não. Era um especial para Escola de Engenharia, era um negócio, aí mas já... Não foi coisa de Rondon Pacheco, nem coisa nenhuma. Coisa minha, porque eu também tinha alunos lá trabalhando diretamente com o presidente. Então, aqui fez isso, essa fundação. Depois de arrumada essa fundação e tal e coisa, isso, o que é que eles fizeram? Simplesmente, eles abriram mão dos seus patrimônios e passaram lá para a União. Quantas vezes eu viajava lá para ajudar a arranjar uma escola para o pessoal, mas depois que fez a fundação e entrou em ação um decreto, o último decreto que o Rondon deixou lá, que foi sancionado pelo presidente naquele tempo, quem mandava lá, aquilo é que deu o ponto final. A União, depois desse decreto, esse último decreto dizia o seguinte, que a Escola de Medicina, que era particular, assim que fosse reconhecida passaria a compor... Passaria a ser uma unidade da Universidade de Uberlândia. Não tinha federal. Por que isso o Tarso já tinha conseguido lá no Rio Grande do Sul, eles me alertaram até lá no MEC: “Ah, está acontecendo isso.” Eu falei: “Mas não pode fazer isso! Como é que faz?” “É, mas o Tarso vai fazer, vai fazer...” O Rondon não deixou assinado nada dele. E sabe qual a consequência disso? É que as verbas originais da União que devem ser gastas especificamente para as unidades da União, ficavam sustentando, suportando a Escola de Engenharia e agora… Não toda a Escola de Engenharia, o serviço, o mais oneroso da Escola de, de... Da Medicina, já estava também, também… Em virtude do decreto que ele tinha dado antes, recebendo verbas da União. Então, o que é que aconteceu? Se você juntava tudo isso aqui e somava essa coisa, a União já estava gastando quase sessenta por cento aqui de dinheiro dela. E não era dona, porque como é que é da universidade? Tanto é que a gente quando levava os relatórios para ver, eles tiravam as coisas, só vinha da Engenharia. Falava: “O que é nosso aqui...” Mas, então o negócio foi o seguinte: eles já estavam consumindo mais de sessenta por cento dos recursos próprios da União, aqui na universidade. Aí, não teve dúvida por que?
P/1 - Federalizaram a fundação.
R - Federalizaram. Mas eu acho que a _______... Você quer saber uma coisa, administrativamente, você não entendia como eles iam federalizar. Eu conversava muito lá com quem soltava o dinheiro para mim, aqui na Escola de Engenharia, quando eu era diretor. Eles me xingavam: “Vocês, meninos são isso, são aquilo...” Por que? “Olha, vocês têm no mesmo estado, veja, a Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. Vocês têm a Universidade Federal de Juiz de Fora. Vocês têm a Unidade Federal de...
P/1 e P/2 - De Viçosa.
R - De Viçosa. Vocês têm a Universidade Federal de Ouro Preto. Vocês ainda querem uma quinta no mesmo estado?” Pegou o mapa e falou assim: “Escuta aqui, no Brasil inteiro, nem São Paulo tem universidade.” Sabe? “Nem São Paulo tem, vocês...” Aí falou assim: “Fora uma rede de escolas técnicas federais que tem em Minas Gerais.” E começou a nomear. “Fora as escolas isoladas de Engenharia de Itajubá e de Medicina de Uberaba. Fora isso, ainda quer uma quinta universidade lá para Minas Gerais? O que é que vocês são?” E com esse negócio... Hoje tem mais, viu? Hoje tem mais, acho que tem seis ou sete, parece, aqui em Minas...
P/1 - Tem Lavras, né?
R - Ah, tem Lavras também agora, tem essa coisa toda.
P/1 - Foi assim que foi constituída a Federal de Uberlândia?
R - Ah, foi. Agora, teve muita gente que ajudou lá dentro e tudo mais. Não tem dúvida: o Rondon Pacheco, é claro, foi a alma. Se eu não tivesse deixado esses outros decretos, eu duvido muito que eles federalizassem o negócio. A ideia sensacional... Sabe qual era a ideia lá? Era simplesmente pegar e fazer: “Nós vamos cuidar do que é nosso. A intenção é Escola de Engenharia, que é nosso, eu não tenho nada com os outros.” Mas surgiu um problema. O governo estava com a filosofia de acabar com faculdade, de olhar só universidade, constituir só as universidades porque era mais fácil, sob o ponto de vista de administração. E depois da própria apresentação do modelo de educação do Brasil. Então, ficava chato se eles tirassem e o próprio governo estava querendo que todas as faculdades se reunissem em universidades. Então, o próprio governo ia pegar uma universidade, que é a universidade de Uberlândia, pegar e tirar, ele tirar... Aqui também, foi muito chato.
P/1 - É uma história cheia de peripécias, não tenha dúvida. Eu queria lhe perguntar ,senhor Peppe: agora, o senhor deu um painel muito elucidativo desse contexto onde essas coisas nasceram e frutificaram. Agora, eu queria já para encaminhar o final da nossa conversa, a partir de toda essa experiência que o senhor tem, desse conhecimento que o senhor tem da região, dessas cidades onde o senhor atuou durante toda essa sua vida, com as pessoas que o senhor conheceu e tudo mais. Sem lhe pedir nenhum exercício de futurologia, o que é que o senhor enxerga de futuro para essa cidade, para essa região? Como é que o senhor… Que horizonte o senhor vê desenhado para essa... Para essa cidade, para essa região?
R - Honestamente, eu tenho um grande otimismo hoje porque essa região toda, a gente não deve só pensar, por exemplo, [em] Uberlândia: essa proximidade de Uberlândia, Uberaba, a região, essa região, especialmente, é uma região extraordinária. E eu acho que ela está sendo bem construída. Quem está administrando, quem está atuando nesse processo está fazendo coisas bem feitas. Agora, nós estamos submetidos à um contexto que é praticamente universal. Ele é nacional, ele é universal, não tem dúvida nenhuma que os desarranjos possíveis que aconteçam, por fora, venham refletir aqui porque isso reflete, sem dúvida nenhuma, e recursos. Mas recursos de dinheiro, recursos orçamentários. Isso, eu não tenho dúvida e se não tiver os recursos, você não faz. Mas eu vejo é que está se fazendo experiências aqui; umas eu ainda quero ver se realmente a coisa vai dar certo, mas eu estou vendo o que se faz, o que se produz, os avanços, o que os empresários estão almejando, porque eles não vão nos iludir, não. Quem causa hoje o processo, quem faz o progresso de uma região são os empresários. Esse negócio de falar: “não, mas é para cultura e tudo mais é educação”, não tem dúvida nenhuma. Isso aí é dispensável, mas não basta não. Se você não tiver o empresário que dirige, que faz, que olha e que sonha também, se for possível... Se forem induzidas ações, mas [com] umas pessoas com pé no chão, eles vão longe.
O meu trabalho todo foi aqui na educação. Lamentavelmente, eu tenho que dizer que eu nunca vi um plano educacional realmente bom para o país, por parte do governo, nem para a educação e nem para a agricultura. E a agricultura que tem acertado as balanças cambiais. Eu nunca vi, mas o... Eu acho muito tarde, pois eu paguei, deixar abandonar, por exemplo, essa... Esse direito inalienável do povo que é a educação. Claro, a saúde e tudo mais, mas educação porque da educação é que você pode gerar o conhecimento e sem conhecimento, hoje, você está alienado do mundo, infelizmente. Então, apesar das experiências… Diz, mas, que experiências?
Eu penso o seguinte: quando eu assumi a direção da Escola de Engenharia aqui, nós discutimos muito lá no MEC o modelo organizacional. Qual seria o modelo, qual seria a estrutura dela, então concluí que seria bom, que ela fosse montada tipo de “centros” porque nos centros você reunia então isso, mais aquilo. Seria, pelo menos, mais econômico. Se você tem uma faculdade, você tem o diretor, você tem o vice-diretor, você tem o secretário, você tem todo um corpo administrativo. Se você tem o instituto é a mesma coisa. Então, os centros aglutinavam as coisas, pelo menos em termos de administração. É claro que o engenheiro, quem fosse para Engenharia, ele não ia dar muito palpite lá, vamos supor, nas Ciências Econômicas, uma coisa dessa; na hora, quem fala é quem entende. Mas isso, ao meu ver, deu certo, muito bem. Estava indo e com um certo nível de despesa - eu estou particularizando aqui, agora, Engenharia.
Agora, o que é que eles fizeram? Simplesmente, eles explodiram com aquilo, na moda administrativa... Diluíram, então ali tem centro, tem instituto, tem não sei o quê. Por exemplo, Matemática. Você tinha lá, um departamento de Matemática, e esse departamento de Matemática, poxa! Eles supriram a necessidade básica das engenharias, disso, aquilo, as ciências contábeis. Agora, aquilo lá virou Farmac, Faculdade de Matemática, então tem um diretor, tem um vice-diretor, tem um secretário, tem não sei o quê. O governo está dizendo que permite fazer qualquer coisa, desde que não aumente as despesas, mas eu não entendo como é que faz as coisas sem aumentar essas despesas. Então, essas experiências que eu estou falando para você, que eu preciso ver... Aliás, eu quero ver o final disso. Você vai me dizer: “Não, mas em São Paulo sempre teve o instituto disso, sempre teve a faculdade disso.” Tem, não tem dúvida nenhuma, mas tem a coisa lá. A organização, por exemplo, de São Paulo, ela precede essas coisas todas que a gente tem aqui, com mais vivência, com mais... Com experiência. Mas eu acredito pelo seguinte, eu não posso acreditar em um colapso, de uma hora para outra, de educação e saúde. Aí a coisa, eu acho que fica equilibrada, vamos dizer assim.
Mas, e daí? O que é que vai fazer com esse pessoal todo que se forma? Sim, é verdade, por isso é que precisa das grandes empresas e do empresário, esse tipo de coisa, entrar em sintonia. O governo...
Falam nessa globalização; eu, francamente, não estou... Isso vem fora da minha época, então seria, para mim, muita audácia falar um negócio desse. Mas eu vejo essa região aqui, com muita... Um destino muito bom, sabe? Desejo mesmo. Não é só por desejar, porque a gente vê o que está acontecendo aqui. Por exemplo, em Uberlândia; o seu desenvolvimento industrial, intelectual. Pode ter alguma complicação, alguma tristeza de alguma coisa e por quê? Porque tem gente que está na nossa frente há centenas, milhares de anos, você vê na Europa. Então, de vez em quando, o pessoal aperta e fica apertado, mas se você não tiver uma estrutura, não só educacional não, mas a estrutura básica fundamental... Você veja o Grupo, esse Grupo Algar, o grupo da CTBC. Poxa, ele não está quieto. Esse grupo está vendo como é que a gente quer ver a empresa amanhã.
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