P1 – Glórya, a gente queria começar perguntando pra você seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Maria Assunção Souza, nome artístico Glórya Ryos. Eu nasci em Teresina, Piauí, na capital e estudei lá no Liceu.
P1 – Quais os nomes dos seus pais?
R - Olha, não consta o nome do meu pai porque ele largou a minha mãe muito cedo e eu fui criada sentindo raiva dessa situação. Minha mãe é Teresinha de Jesus Souza, a pessoa que eu mais amo nessa vida. Minha mãe merece tudo, criou doze filhos sozinha, em São Paulo. Meu pai deixou minha mãe cedo e eu nem tomei conhecimento dele.
P1 – São quantos, você falou?
R - Nós somos doze irmãos.
P1 – A sua família é da região de Teresina mesmo, no Piauí, ou é de outras regiões?
R - A minha mãe nasceu em Campo Maior, depois foi pra capital. Nós, os filhos, nascemos em Teresina.
P1 – Você se lembra dessa infância em Teresina, das coisas de lá?
R - A minha infância ela não foi assim muito... normal, de uma criança normal que brinca, que pula, porque eu sou a mais velha e todo mundo achava que eu era a boazinha. E eu, pra não desgostar a minha mãe, pra não decepcionar, parece que eu era assim, o espelho. Então, eu tinha vontade de fazer coisas de jogar pedra, de fazer coisas erradas, como toda a criança, mas eu não fazia, me segurava. Não fui uma criança normal, eu já era muito adulta pra idade. E eu achava que o Piauí era muito pequeno, eu tinha que ir pra outro lugar, porque eu achava que eu tinha que me expandir de alguma forma, eu não sabia como.
P1 – Deixa eu te perguntar: você se lembra do seu pai?
R - Eu vi algumas vezes, ele quis se aproximar...
P1 – Mas nesse período da infância, você se lembra dele?
R - Lembro, até depois de adulta eu fui visitá-lo, mas a minha mãe falava que ele tinha largado ela. Depois que eu estava adulta, já, ela falou: “Não, fui eu que deixei ele, porque não deu certo”. “Mas por que a senhora não me avisou? Eu fiquei com tanta raiva dele todo esse tempo” (riso) Mas é a história da gente, fazer o quê.
P1 – E sua mãe trabalhava com o que pra sustentar essa família grande?
R - Ela é uma mulher muito valente, ela casou outra vez, meu padrasto fez o papel de pai, maravilhoso, deu toda a assistência pra gente. Ele pegava um por um, comprava lousa, ensinava, era uma graça, uma pessoa fantástica. Mas faleceu, ficou muito doentinho e faleceu. Minha mãe construía casas e vendia, ela fazia o papel do homem. Minha avó segurava a gente em casa. Minha avó era muito rígida, ela não permitia que a gente ficasse na porta olhando pra rua, ela não permitia.
P1 – Essa é a avó materna?
R - Avó materna.
P1 – Você teve contato com seus avós paternos?
R - Não, não tive.
P1 – E essa avó materna, você tinha o avô também ou só a avó?
R - Só a avó, ele já era falecido. Minha avó foi a pessoa que eu mais amei nessa vida. Tanto que, quando ela faleceu, eu tentei não lembrar pra não sofrer, eu só rezei pra ela dez anos depois.
P1 – Me conta então um pouco dessa avó. O que ela fazia, tomava conta de vocês quando a sua mãe trabalhava?
R - A minha avó era muito rígida, ela não tinha muita paciência, parece que ela tinha mais ou menos uns quarenta anos, aquela fase em que a mulher está na menopausa, só hoje que a gente entende. Ela era muito brava, batia em todo mundo, saía correndo, doze crianças... Eu ela gostava mais, mas quando eu era criança, tinha quatro anos, não sei se eu fui comprar alguma coisa e eu menti pra ela, não sei o que eu menti, tinha quatro. Ela pegou uma lata de leite ninho e tacou na minha cabeça, chegou a sair sangue (riso). Nunca mais menti, viu? Mas eu a amava demais, amava demais, naquela época eu amava muito, você imagine depois, entendendo todos os sacrifícios que ela passava, com tanta criança, uma mulher na menopausa, viúva, que não pensava nela...
P1 – Vocês moravam em que bairro de Teresina?
R - Nós morávamos em Cajueiros.
P1 – Como que era essa casa?
R - Era uma casa alugada, uma casa meio escura, mas não lembro de muita coisa, quatro anos, é bem pequeno. Hoje em dia a criança, com quatro anos, tem acesso a tudo, naquela época, com dez anos não sabia nada.
P1 – Depois vocês saíram dessa casa?
R - É, nós fomos morar na Baixa do Chicão, quando eu comecei a estudar, fui ao colégio a primeira vez. Meu irmão, que veio depois de mim, tinha muito medo, chorava muito e tinha que ficar na fila das meninas, eu ficava segurando na mãozinha dele. Mas não lembro muita coisa dessa época também. Eu lembro que eu peguei um irmão meu, chamado Dante, que era muito gordinho, peguei escondido e soltei ele no chão, não sei como não machucou. Eu era terrível, só era sonsa.
P1 – Na casa você não lembra? Era família grande, devia ser uma casa grande também, ou não?
R - Era uma casa grande, mas não lembro muito coisa, não. Só lembro que, à noite, eu gostava de comer leite ninho em pó, às vezes minha avó dava, às vezes não, fazia pirraça, eu chorava e ela não dava. Isso eu lembro, guardei.
P1 – E você lembra de roupa na infância, alguma roupa que te marcou?
R - Ai, eu lembro quando a minha mãe colocava roupa de florzinha e eu não gostava, eu me escondia e rasgava a roupa, metia o dedinho assim e rasgava tudo pra ela trocar de roupa. E eu não gostava que botasse talco e caísse na roupa também, eu não gostava, ficava brava.
P1 – E nessa casa, desses doze, são mais mulheres ou mais homens?
R - Sete mulheres e cinco homens.
P1 – E o convívio com suas irmãs e irmãos, principalmente irmãs?
R - Olha, eu vou ter que ir já pros dezessete anos, quando meu padrasto faleceu, e eu tive que assumir, sem querer. Não quero dar uma de heroína, de jeito nenhum, quisera eu não ter assumido, porque a minha vontade era de viajar, conhecer o mundo, cantar, ser famosa, mas a situação estava ali e eu, de alguma maneira, era a mais velha. Foi difícil, foi difícil, mas hoje eu vejo que valeu a pena, a minha historia é rica por causa disso. O que você perguntou? Eu já me perdi, quando eu volto nessas lembranças eu me perco.
P1 – Eu perguntei desse convívio, a família grande, as brincadeiras, o convívio com as irmãs.
R - Eu não brincava muito, eu nunca fui de muito brincar, eu estava sempre preocupada com a situação, a partir de quando ele faleceu... Mas eles brincavam muito, eu fiquei dando uma de adulta e, quando eu assumi mesmo, comecei a trabalhar fora, não tinha muita ligação com eles, eu só me preocupava em pagar o aluguel, ver o que eles estudavam, fazer compras. Fiquei meio distante, fazendo mais o papel de pai. Mas foi muito bom, viu.
P1 – Quando você começou a trabalhar, você parou de estudar? Como é que foi?
R - Eu fiz ginásio em Teresina e vim pra São Paulo. Fui pro Maranhão e lá comecei a cantar, comecei a cantar [o estilo] romântico. Comecei a cantar assim: eu escrevi uma carta pra Rádio Difusora em Teresina, uma cartinha... Vamos mais do começo. Eu ontem achei uma música, ‘Covarde’, que foi a primeira música que eu abri a boca no quintal de casa e cantei: (canta) “Covarde, eu sei que sou covarde, em não fazer alarde desse amor que sinto por ti”. Mais ou menos assim. Aí uma vizinha falou: “Eu vou levar você pra rádio”. E não levou, eu tinha nove anos. Aí eu fiquei brava, fiquei com aquilo na cabeça. Com treze anos eu já morava em Timon, Maranhão. Teresina é separada do Maranhão pelo rio Parnaíba e minha mãe comprou umas casas lá, onde era mais fácil fazer casas pra revender e fez a nossa casa. Nós plantamos laranja, banana, tudo foi a gente que ajudou ela a plantar, tudo pequenininho... Aí eu escrevi uma carta e minha irmã levou, minha irmã menor do que eu, dizendo que queria ser convidada especial pra cantar na rádio. Eles acharam interessante e chamaram. Aí eu comecei a cantar. Já cantei uma música da Ângela Maria: (canta) “Assobia, meu amor, todo mundo está feliz, assobia, meu amor, é meu coração que diz”. Aí, com o advento da Celly Campello, o regional pediu pra eu cantar a música dela e eu comecei a cantar. Mas eu digo: “Eu não quero ficar aqui, terminei o ginásio, não dá pra fazer nada aqui em Teresina”. Todo mundo que se forma e faz o ginásio não tem onde trabalhar, só trabalha no comércio ou então faz concurso. Aí fui pro Maranhão. Lá eu fazia televisão e trabalhava... No meu primeiro emprego, trabalhei como recepcionista. Era estressante, eu queria cantar e ficava no escritório, mas encarei.
P1 – Você era recepcionista e cantava junto?
R - E cantava. Na rádio mesmo, recepcionista da rádio. Porque lá tinha um serviço de correio do interior, as pessoas mandavam recados e a gente que fazia a rádio, fazia esses recadinhos, era a minha parte: eu era recepcionista e fazia esse trabalho. À noite eu apresentava um programa na televisão e fazia secretariado, à noite também. Só no dia que faltava pra cantar.
P1 – E que programa de televisão chamava, como é que era?
R - Eu não lembro, minha vida era tão tumultuada, era corrida.
P1 – Mas como é que era esse programa, conta pra gente.
R - Era musical, a Alcione cantava nesse programa porque ela ainda não tinha feito sucesso. Os pais dela são todos de músicos, até ela deu umas aulas de música pra mim, porque eu nunca aprendi, né? Sempre preguiçosa, nunca aprendi. Mas o programa era musical, não sei se era Farah o nome da pessoa que apresentava, era um coreógrafo muito bom no Maranhão, não lembro agora, não. Era tumulto, viu? Estudava, trabalhava, cuidava do meu irmão que estava lá comigo, morava numa pensão, era corrido. Pra uma menina que está saindo dos dezessete anos...
P1 – Mas era em São Luís?
R - São Luís, na Rádio Difusora de São Luís.
P1 – Você ficou quanto tempo lá?
R - Dois anos mais ou menos.
P1 – Moravam você e seu irmão nessa pensão?
R - É, eu e meu irmão. Meu irmão já faleceu. Então, foi uma loucura, era muito corrido, muita coisa eu não lembro. Eu diminuía minha idade porque as pessoas ficavam em cima de mim querendo que eu fosse passear, querendo que eu fosse fazer show no interior, eu dizia: “Eu não posso, eu sou menor”. Porque eu lembrava da minha mãe, eu dizia: “Eu não vou entrar nessas”. A rigidez da minha avó valeu. Por isso eu acho que os pais têm que dar limite pras crianças e pro adolescentes.
P1 – Tinha tempo pra namorar nessa época?
R - Olha, apareceu um namorado, namorei a primeira vez, mas eu era tão medrosa pelas coisas que minha avó falava que eu não chegava nem perto. Esse ex-namorado ainda hoje liga pra mim, mas ele é casado, advogado, liga só pra saber as notícias.
P1 – Você ficou dois anos na Rádio Difusora?
R - É, aí minha mãe vendeu uma casa pra uma senhora, ela tinha uma filha que morava aqui em São Paulo. E eu queria vir pra São Paulo. Aí ela falou: “Você não quer tomar conta da loja da minha filha?” Eu falei: “Vou”, aí eu vim. Mas a loja era terrível, se ela estiver ouvindo me desculpe, mas foi horrível. Ela morava ali perto do Joelma, aquele prédio Joelma. Em 1968, o frio era demais, eu não tinha roupa pra frio, doíam as pernas, doía as costas, doía tudo. A loja era na 25 de Março, eu tinha que abrir a loja e tomar conta do caixa, dividir a comida pros funcionários. Isso ela me mantinha, mas dizendo que ia me apresentar à assessoria do Roberto Carlos, levantou essa história pra eu ficar na loja e eu ficava. Eu dizia: “Ah, não, vou embora, não é aqui que eu quero ficar. Deixei de cantar, que é a coisa que eu mais gosto, pra ficar numa loja na 25 de Março”. Aí, na hora em que eu ia embora, ela falou: “Não, não, vou falar com não-sei-quem, vou apresentar você a assessoria”. E isso ia. Até uma hora que eu me cansei e falei: “Mamãe, venha embora, venda tudo”. Não sei por que eu falei pra minha mãe: “Traga o fogão e a máquina”. Porque todos nós costuramos à máquina, minha ensinou até meus irmãos, os rapazes, a costurarem na máquina. Eles passam uma camisa pro terno como ninguém, meus irmãos, ela ensinou tudo, passam melhor que qualquer mulher. Então, eu digo: “Traga o fogão e a máquina”. E ela trouxe, no ônibus. O ônibus veio quase só com nossa família.
P1 – Deixa eu voltar um pouquinho: você veio sozinha pra São Paulo?
R - Vim.
P1 – Você tinha quantos anos?
R - Acho que era dezoito, não lembro viu.
P1 – E você ia morar aonde?
R - Eu vim pra casa dessa minha amiga.
P1 – Que era em que bairro?
R - Era no centro, do lado do prédio Joelma, aquele prédio que pegou fogo.
P1 – Ah, a própria dona da loja.
R - A própria dona da loja. Mas era terrível, o tratamento era terrível, não era de amiga, era de uma patroa... Você se decepciona muito. Quando você é jovem, você espera muito de uma amizade. Hoje nem tanto, mas naquela época...
P1 – E esse primeiro contato com São Paulo, como é que foi?
R - Foi fascinante, porque eu não tinha acesso a nada, só a cinema, lá no Piauí não tinha televisão. Eu fiz a primeira música, gravei a primeira música, quando a televisão ia chegar lá. Quando eu vim embora, ainda não tinha chegado, não tinham montado a televisão. Quando eu cheguei em São Paulo, que eu subi o Viaduto do Chá, aquele burburinho de pessoas, a lágrima desceu e eu falei: “Meu Deus, era isso que eu queria”. Chorei, chorei demais. Mas também chorei outras vezes, quando eu fui tentar em gravadoras e não conseguia, e os homens, às vezes, percebiam que eu era tímida e faziam aquelas cantadas, acho que só pra mexer, tirando uma gracinha comigo. Eu me decepcionava e voltava chorando também pelo Viaduto do Chá: “Mas, não é assim que eu quero”.
P1 – Então você chamou a sua mãe. E aí, vocês foram morar aonde?
R - Essa amiga só pensava nela, não deixou eu procurar uma casa pra minha mãe, disse que não dava tempo, não sei o quê. Um amigo nosso, que trabalhava no balcão, cedeu o quarto dele no Brás. Minha mãe ficou com onze crianças dentro de um quarto, foi difícil. Aí, depois, ela alugou uma casa, naquela época era mais fácil vir pra São Paulo, ela conseguiu alugar uma casa sem fiador, foi muito bom, foi uma história muito boa. E eu saí desse emprego.
P1 – E essa casa que ela alugou era onde?
R - Na Penha, Zona Leste. Aí começamos, ficamos na Zona Leste. Eu saí do emprego e fui procurar outro emprego, entrei na Bolsa de Valores. Na Bolsa de Valores foi cômico. Cheguei lá, eu era boa datilógrafa, e o chefe falou: “Você sabe o que é Bolsa de Valores?” Eu falei: “Nunca ouvi falar”. Aí ele mostrou uma lista de coisas pra fazer, eu ia substituir uma secretária. “Você acha que você faz tudo isso?” “Eu não acho nada, eu só sei que eu preciso trabalhar”. Imagina se eu ia responder isso hoje. Eu acho que, por causa disso, que ele me admitiu. Aí eu fui, como datilógrafa, e cheguei a secretária executiva.
P1 – Ficou muito tempo lá?
R - Fiquei doze anos, foi muito bom. Nesses anos trabalhando e tentando gravar. Sempre que eu ia atrás de gravadoras, não dava certo, porque uma hora eu tinha sotaque, outra hora eu era nordestina... Não dava certo. Até que, em 1981, o Moacir Machado ouviu uma fita, no casamento dessa minha irmã que levou o bilhete, a Marilda, a mesma irmã. O fotógrafo viu uma foto minha cantando e disse: “Eu vou apresentar a uma gravadora”. Eu não acreditava, mas aí o diretor me ligou, eu fui visitá-lo e gravei pela Continental. Nessa época, eu gravei maxixe e chorinho, foi muito bom.
P1 – Você já usava esse nome artístico no início?
R - Não, era só Assunção. Foi o Moacir Machado que mudou o meu nome, naquela época que a Miriam Rios estava casando com o Roberto Carlos. Ele me achava briguenta, o Moacir. Eu usava um óculos redondinho e ele falou: “Eu acho você parecida com a Glorinha, do Zé Carioca”. Aí colocou Glórya. Aí ele colocou no contrato Glorinha, eu digo: “Não, pelo amor de Deus, eu vou envelhecer com Glorinha, não dá certo, vamos inventar outro nome”. Aí ele colocou Glórya Ryos.
P1 – Nesse período que você estava trabalhando na Bolsa você trabalhava também esse lado artístico seu, cantava na noite?
R - Não, não. Eu sou uma pessoa do dia, não sou da noite, não gosto da noite. Eu gosto assim, eu esquematizei, quando eu tinha treze anos, que eu queria ser cantora, pra cantar e voltar pra casa. Não sei de onde eu tirei isso, porque eu não tinha vivência de nada, experiência de nada, por isso eu acredito em outras vidas. Eu determinei que eu seria cantora, eu ia lá, cantava e voltava pra casa. É assim que eu faço. Nunca cantei na noite, o que é uma pena porque a noite é uma escola, é uma faculdade, você aprende muito, você cria um repertório maravilhoso, é pena que eu não tenha seguido esse caminho, mas eu determinei desde criança que eu não seria assim.
P1 – Mas você não fazia shows?
R - Fazia shows quando eu gravei a primeira vez. A minha carreira artística começou a partir do disco, em 1981. Eu gravei “Picante Brasileira”, com maxixe, chorinho, músicas de Carmem Miranda, tem até o “Tique-taque”, (canta) “O tique tique tique-taque do meu coração/marca o compasso do meu grande amor/ na alegria bate muito forte, na tristeza bate fraco porque sente dor/ No tiiiiiiiiique tique-taque do meu coração...’. Eu amo essa música. Esse disco foi muito elogiado pela crítica especializada, o Tinhorão, do Jornal do Brasil, classificou entre os vinte melhores de 1981 e a revista Playboy tinha lá uma página diferenciada e me indicou: eu, o Itamar Assunção e a Lucinha Lins, como candidatos a revelação daquele ano por causa do disco. Foi um disco muito bom. A intenção não era essa, eu simplesmente estava procurando repertório e uma pessoa me presenteou com uma fita da Carmem Miranda e eu fiquei fascinada pelo trabalho da Carmem Miranda. Eu descobri Carmem Miranda naquele momento e eu gravei quatro músicas dela. Aí me perguntavam: “Por que você se atreveu a gravar essas músicas?” Eu digo: “Eu tinha que arriscar e por que não arriscar com o melhor?” Estava no fogo... mas foi tudo por acaso. Nas andanças, fazendo shows, já em São Paulo, as pessoas pediam pra eu cantar músicas do Gonzagão e músicas da Elba. Aí eu já estava na Brasidisc e a gravadora falou: “Nós temos que gravar forró, seu caminho é forró”. Mesmo porque, existe uma lacuna com relação ao chorinho, e as pessoas, em praça pública, onde eu fazia mais shows pelas secretarias, ficavam meio paradas com o chorinho. Com o forró, não, com o forró elas dançam. Aí eu descobri a minha “nordestinidade” em São Paulo, comecei a gravar forró em São Paulo. É um ponto comum com o Gonzagão, o Gonzagão, quando foi pro Rio, ele tocava bolero nas boates.
P1 – E como é que foi essa descoberta dessa “nordestinidade”? Você já conhecia ou passou a conhecer quando passou a cantar?
R - Eu já conhecia, mas passei a cantar a partir desse momento que as pessoas em praça pública pediam pra cantar músicas do Gonzagão e músicas da Elba Ramalho. Aí a gravadora falou: “É melhor você cantar forró, você vai se dar melhor do que com o chorinho”. Mas o chorinho é maravilhoso, eu adoro, eu amo cantar chorinho.
P1 – E aí você falou que ficou fazendo shows e divulgando o disco...
R - Isso. Aí eu saí da Bolsa, tinha começado doze anos na Bolsa e disse: “Agora eu vou trabalhar o disco”. Acontece que, em seguida a Continental mandou embora todo mundo, o diretor e todos os artistas, e eu: “E agora?” Desempregada e com um disco na mão, um disco maravilhoso nas mãos, digo: “Agora tem que ir pra luta”. Um dia eu fui na secretaria de cultura e a Mirtes falou: “Seu disco é maravilhoso” “Mas o que adianta, eu não posso fazer show?” “Você vai fazer show”. Aí comecei a fazer show, foi aí que eu tirei meus medos de palco, foi nesse projeto da Secretaria de Cultura. Cantei em mais de duzentos e tantos municípios, a gente cantava em praça pública, em cima de caminhão, em roça, foi maravilhoso, foi muito bom.
P1 – E qual era o nome desse projeto?
R - Canto da Terra. Ia uma cantora, uma dupla sertaneja, mais um cantor e o grupo que acompanhava. Aí foi que eu aprendi a me posicionar em palco, mesmo porque eu era secretária e era muito difícil quando eu ia pra televisão, eu era dura, dura, de vergonha. A criação que eu tive, trabalhando em escritório como executiva, digo: “Qualquer dia vou ter que contratar alguém pra levantar meu braço na televisão” (riso). E eu não danço muito, eu me mexo um pouco, mas não danço, cantando forró e não danço.
P1 – Esse primeiro disco você sabe quanto vendeu?
R - Não sei, essa parte pra mim o pessoal não informa, difícil, tem que ter um empresário ali vendo tudo, e eu não tinha. Eu nunca tive um empresário que tomasse a frente, sempre precisei. Mesmo quando eu estava na Rádio Atual, que já é mais pra cá, eu precisava tanto de alguém pra tomar conta de tudo, pra encaminhar, pra comercializar as atividades e eu nunca tive, nunca tive essa sorte.
P1 – Quanto tempo foi o período desse projeto Canto da Terra?
R - Eu acho que foram uns três anos, trabalhei bastante, foi muito bom.
P1 – E você, nessa época, só trabalhou com música?
R - Só com música.
P1 – E depois?
R - Depois, o projeto acabou e eu tive que ir atrás de vender shows, mas aí eu já estava muito enraizada nessa coisa de cultura e eu mesma levava meus shows pros teatros e pras secretarias dos municípios. Eu vendia. Fazia Carapicuíba, Osasco, toda a Grande São Paulo, fazia shows, sozinha, quatorze, treze shows por mês.
P1 – Sem empresário?
R - Sem empresário. Naquela época dava pra gente fazer isso, a gente estava em casa e as pessoas chamavam. Hoje, hoje não dá.
P1 – Quer dizer, você ficava em casa, tinha um telefone de contato, as pessoas te ligavam e você agendava os shows? Você mesma agendava?
R - Exatamente, agendava. E a banda era Rabo de Foguete porque dava tanto problema a banda, ô meu Deus (riso), que o nome era Rabo de Foguete.
P1 – Que tipo de problema?
R - Ah, grupo, né? Cada um pensa de um jeito, uma hora um pode, outro não pode, uma hora estão com fome, outra hora... problema de família. Grupo não é brincadeira, banda é problema, viu?
P1 – Nessa época você morava na Penha com a sua mãe?
R - A gente morava em Cangaíba, depois moramos na Penha, compramos casa na Penha. Sempre morei com a minha mãe, e meus irmãos eles foram casando, a gente ia ficando. Em 1990, eu fui chamada por uma rádio nordestina, a Rádio Atual, e começou outra fase da minha vida. Eu reencontrei um flerte, porque na época era flerte, 23 anos depois, ficamos juntos, que era o Maurício de Oliveira. Foi um encontro maravilhoso, foi o resgate de alguma coisa. Ele era diretor da Rádio Atual e na rádio eu pude conhecer mais potenciais, fui assessora administrativa dele, assessora artística. Depois fui diretora artística do CTN, Centro de Tradições Nordestinas, fui assessora política, política no sentido de encaminhar, fazer um trabalho social. Aí fui convidada pra fazer um programa de rádio, nunca tinha feito, fiquei meio receosa, mas fui fazer, porque ele fazia questão, e eu descobri que era muito bom fazer o programa. Por quê? Porque cantar é bom, mas fazer o programa é mais completo, no programa você pode desenvolver a música, seus conhecimentos, você aprende, você interage com as ouvintes, você pode pôr em prática a sua cidadania, afloram muitas possibilidades, é muito bom, é um aprendizado. E desse programa, minha irmã era produtora, a Nélia Maria, originou um livro que está editado pela editora Madras, que é “Dicas e Truques do Lar”, está em todas as livrarias. As dicas que eu dava para as ouvintes, porque eu dava dicas de beleza, de etiqueta, pra eu aprender também, que não sou besta (riso)... Eu gostava de aprender e ir passando pra elas e elas mandavam também, as ouvintes mandavam dicas... Eu peguei essas dicas, minha irmã fez uma pesquisa de três anos e lançamos o livro.
P1 – Mas tinha música no programa?
R - Música.
P1 – Como é que era o programa?
R - Era um programa musical, mas tinha entrevistas com advogados, médicos... Gostava muito de entrevistar médicos, porque é um jeito de você informar, passar informação pro ouvinte. Não adianta fazer um programa se você não dá informação, eu acho que tem que ser uma prestação de serviços. Eu levava muitos profissionais, advogados, e eu gosto de entrevistar todo o tipo de profissão, porque cada profissão que você conhece é um mundo maravilhoso. Uma vez eu estava viajando pro Rio, fui fazer um projeto do Pixinguinha lá e conheci uma pessoa que trabalhava com madeira. Aí eu pedi pra ele falar, uma coisa fascinante, que eu nunca ouvi falar na minha vida. Eu adoro saber de profissões, porque são mundos tão específicos, e tão maravilhosos, que a gente viaja. Isso eu levei pro programa, essas entrevistas. Não é entrevista pra fazer sensacionalismo, nada disso, é pra pessoa viajar e conhecer outras vidas, conhecer outras profissões, outros lados da vida. Sempre me empenhei nisso porque eu amo de paixão isso.
P1 – E como é que se chamava esse programa da Rádio Atual?
R - No princípio era “Domingo de Glórya”, mas aí as pessoas ficavam confundindo com programa evangélico, eu mudei pra “Mulher Atual”, porque o nome da rádio era Rádio Atual. Eu fiz um trabalho social muito bonito, no sentido de encaminhar pessoas pra hospitais, pra fazer cirurgia, arrumar passagem pras pessoas voltarem de São Paulo, as que não conseguiam trabalhar aqui. Porque a maioria que vem, vem despreparada, sem estudo pra concorrer ao mercado de trabalho, fica muito difícil, sofre muito, o nordestino sofre muito. Então eu acho que não compensa, às vezes a situação era tão triste que chegava mulher grávida pra ter nenê, pra gente dar um jeito... Aí eu fui deixando a música meio de lado e me joguei de cabeça nesse projeto, foi muito bonito, eu aprendi bastante e vi que a gente é capaz de fazer outras coisas, a gente não pode ficar bitolado numa coisa.
P1 – Quanto tempo você ficou nesse programa?
R - Doze anos.
P1 – E você disse também que foi diretora do CTN.
R - Do Centro de Tradições Nordestinas, diretora artística, do palco.
P1 – Como é que funcionava esse trabalho lá?
R - Lá era colocar os artistas, trabalhar a parte artística, levar os artistas.
P1 – Como é que funciona o CTN?
R - O CTN, a princípio, era de graça, a entrada era franca. Agora parece que cobram às sextas-feiras. Foi o primeiro espaço nordestino criado em São Paulo. As bandas, essas bandas de hoje, que fazem o maior sucesso, tudo aconteceu depois do advento da Rádio Atual. Os empresários visitavam e falavam: “Poxa vida, tá aqui o ovo de Colombo”. Esse projeto foi desenvolvido por José de Abreu, ex-deputado José de Abreu. Eu me afinei muito com o projeto porque tem a parte religiosa, tem igreja do Padre Cícero, igreja do Frei Damião, e tem a parte social e a parte cultural, é um projeto muito bonito. Hoje não tem mais a rádio, a rádio foi arrendada, por isso eu saí e outros locutores também. Mas tem o CTN, está muito bonito. Não frequento muito mais porque eu acho que a gente tem que seguir cada um o seu caminho, desenvolver outras habilidades, mas quando eu sou chamada pra cantar, eu volto a cantar, gosto muito.
P1 – Por que esse programa da Rádio Atual acabou? Conta pra gente.
R - Porque a rádio foi arrendada, ele arrendou a rádio pra outras pessoas.
P1 – Você estava contando antes da gente começar a gravação que você tinha esse relacionamento com esse diretor...
R - Nós moramos juntos três anos e foi muito bonito, foi uma ligação muito forte, tanto na parte pessoal quanto artística, porque ele era muito corajoso e eu sou mais pé-no-chão. Então, ele ia, tendo dinheiro ou não, ele queria fazer, e eu segurava. Mas nós trabalhamos muito, o meu cachê, ele divulgou bastante o meu trabalho, meu cachê subiu e nós investimos bastante na minha carreira. Tinha tudo pra “bombar” no Brasil todo, quem sabe fora do país, mas aí ele faleceu e eu fiquei muito pra baixo. Continuei trabalhando e estou aqui de pé.
P1 – Você falou que ele sofreu um acidente de avião, é isso?
R - É, o avião dele caiu lá no Rio de Janeiro.
P1 – Ele estava sozinho?
R - Estava com o piloto e um técnico, só o piloto sobreviveu. Mas a minha história é antes e depois da Rádio Atual, deu uma guinada com a Rádio Atual. Não na projeção da cantora, mas na projeção da pessoa, do nome Glórya Ryos, porque aí eu me empenhei em outras coisas, fui até candidata a vereadora em Osasco, fui candidata. Todo mundo deveria ser candidato pra saber as dificuldades, não que eu esteja defendendo os políticos, porque eles têm a obrigação de fazer as coisas, eles estão lá e têm a obrigação. Mas pra saber que a coisa é difícil, que a gente que vota tem que ter mais cuidado, tem que procurar saber a história de cada um e cobrar, e não ficar só reclamando.
P1 – De onde surgiu essa ideia de ser candidata?
R - Do envolvimento com toda a história da Rádio Atual, o dono da rádio foi convidado e ele falou: “Você vai comigo”. Eu digo: “Não, eu não quero”. Ele falou: “Vai”. Ele foi candidato a prefeito em Osasco e eu fui candidata a vereadora. Eu fui até bem votada pra quem trabalhou três meses, porque o meu programa pegava muito em Osasco. Então, baseado nisso, ele achou que eu ia ganhar. Mas não dá pra ganhar não, você sai de um lugar e vai pro outro é tudo amarradinho, até pra gente saber quem é curioso e quem tem boas intenções, foi difícil.
P1 – Isso foi em que ano?
R - 1995.
P1 – Quer dizer, você virou radialista na Rádio Atual?
R - Sou radialista e apresentadora.
P1 – E depois eles arrendaram e você foi pra onde?
R - Aí eu saí, fui tentar vender meus shows sozinha, mas eu tava muito pra baixo com a morte do Maurício. O Maurício faleceu e depois o meu irmão, aquele irmão que morava comigo no Maranhão, e em seguida o Ayrton Senna, eu não tinha mais lágrima pro Ayrton Senna. As pessoas choravam e eu falei: “É, eu não tenho lágrimas”. Só ficava olhando, tanta tristeza em 1994, mas é a história da gente. Aí eu fiquei cinco anos chorando, você não acredita, uma artista... A menina que era namorada do técnico, em um mês ela arrumou um marido, um mês que ele tinha falecido, eu fiquei cinco anos, digo: “Meu Deus do céu, por que eu sou desse jeito?” Eu não me arrependo não, a gente é o que é. E aí a vida parou, eu não queria mais cantar, não queria fazer mais... Entrei em depressão, porque não era só aquela pessoa que eu amei muito, amava muito, foi um reencontro maravilhoso da gente, mas a única possibilidade realmente verdadeira que eu tive da minha carreira vingar. Aí vai por terra, aquilo me deu uma decepção muito grande, mas depois eu comecei a reagir... Também, depois de cinco anos, se não reage, o que vai fazer da vida? A família dá muito força. Minha mãe, as responsabilidades, a vida foi seguindo. Aí lancei o livro, foi o lançamento do livro, trabalhei bastante o livro, fiz algumas rádios também em Guarulhos, mas não me adaptei ao sistema das rádios. Agora eu faço a Rádio Tô na Mídia, que é uma rádio web, do Chico Freitas, www.radiotonamidia.com.br. Faço um programa de televisão na Arte TV, canal 18, UHF, todas as quintas-feiras.
P1 – Como é que é esse programa?
R - É musical, às vezes tem entrevista, às vezes não. Eu coloco o tema pra ir discutindo com todos os artistas, na medida em que eles são chamados. É simples.
P1 – Como é que chama?
R - “Tarde Especial”. O programa da rádio Tô na Mídia é “Glórya Ryos e Você”. Mas já fiz vários, se fosse pra atender os convites, eu estaria em várias, mas não quero. Hoje em dia eu quero fazer só o que me dá satisfação, me dá prazer, que não me traz transtorno, que não dá dor de cabeça, que não seja longe. (riso) Tudo o que for mais fácil eu quero fazer.
P1 – Você tem algum sonho, Glórya?
R - Fazer um programa de televisão que não seja numa televisão aberta, mas numa televisão que as pessoas assistam com mais facilidade, UHF nem todos têm. Uma televisão aberta, mas não precisa ser essas grandes. Meu sonho é esse, mas também, se não acontecer, eu já produzi muito. Eu tenho 28 anos de carreira, 10 discos, 16 anos de rádio, um livro, então eu produzi muito. Se eu não ganhei dinheiro é porque eu não sei ganhar dinheiro.
P2 – Então, Glórya, a gente tinha conversado antes sobre a faculdade de direito que você chegou a fazer aqui em São Paulo. Se você pudesse contar um pouco como foi...
R - É, tem um porquê pra estudar. Eu tinha feito o ginásio e, nas andanças, procurando gravadora, não dava certo em lugar nenhum: “Você tem sotaque, não dá certo”. Faziam propostas, aquelas gracinhas: “Você tem que vir com roupa decotada”. E eu ficava muito chateada e chorava, passava no Viaduto do Chá chorando, isso mais ou menos em 1973, 1972. Aí eu digo: “Ah, não. Não é assim que eu quero, eu quero cantar, eu quero desenvolver a música. Vou estudar, vou fazer secretariado”. Fiz secretariado ali no Colégio Aliança, na São João, e quando eu terminei, eu digo: “Agora, vou procurar uma gravadora”. Fui procurar uma gravadora de novo e nada, as mesmas dificuldades. Eu digo: “Não, eu vou fazer uma faculdade pra ver se eu esqueço a música”. Que nada, tão logo eu me formei, entreguei o cartucho pra minha mãe, que ela queria que eu estudasse direito, fiz trinta fitas e distribuí nas gravadoras. A música nunca me deixou. A música foi um caminho que eu escolhi, quando eu era criança eu tinha vontade de ser alguém, de ser importante, de sobressair, entendeu? Era uma vontade de ser grande, aí eu escolhi a música. A faculdade foi ótima, porque dá parâmetros pra gente e hoje eu não posso dizer, ninguém pode dizer: “Não estudou, então está tentando a música”. Eu estudei, mas continuo tentando a música.
P1 – E por que o direito?
R - Eu arrumei uma bolsa, a Bolsa de Valores, onde eu trabalhava, dava para os funcionários bolsa de estudos. Aí eu fui lá, digo: “Eu quero fazer uma faculdade” “O que você quer fazer?” Digo: “Eu quero fazer artes plásticas”. “Não temos, só temos administração, economia e direito”. “Meu Deus, qual é o menos ruim aí?” (riso) Eu digo: “Então, eu vou fazer direito porque eu acho que é o menos ruim, vai me dar menos trabalho”. Fiz, mas hoje eu já estou fazendo alguma coisinha de direito. Nada é em vão, eu sempre falo pras pessoas: “Estude, seja o que for. E quando você entrar em depressão faça cursos, porque você esquece, tem o contato com outras pessoas, abre a sua cabeça, abre a sua mente, abre os seus horizontes e facilita a sua vida”.
P1 – Você teve filhos?
R - Não, não tive filhos, eu escolhi não ter filhos, porque quando a minha mãe teve doze filhos foi difícil cuidar dessas crianças e eu resolvi: “Não quero ter esse trabalho todo de novo”. Eu disse que eu nem ia me casar, ia só seguir a minha música, mas aí apareceu o Maurício e eu gostei de ficar junto, do pouco que a gente ficou eu gostei.
P1 – Hoje você mora com a sua mãe?
R - Moro com a minha mãe.
P1 – Quantos anos ela tem?
R - Tem 82, está acamada, e eu adoro ficar com ela. Se for pra fazer um show, só se tiver alguém pra ficar com ela, se não tiver, eu prefiro ficar com ela. Porque ela fez tudo pela gente, criar doze filhos em São Paulo, não deu nenhum filho, fez tudo por esses filhos. E ela priorizava o aprendizado, a escola. Uma vez, dois irmãos foram reprovados e ela falou: “Meu Deus, eles foram reprovados”. Eu digo: “Mamãe, pra mim está ótimo, porque eu não preciso comprar livro” (riso). Uma loucura, ela chorava, eu digo: “Não chore não, porque eu não preciso comprar livro, não preciso comprar uniforme, deixa assim mesmo”. Mas eu era tratada como madrasta e como um pai. Meus irmãos, quando eu chegava, eles se afastavam um pouquinho, porque eu era brava. Minha mãe não sabia administrar, ela tinha uma empregada, tínhamos seis empregadas lá no nordeste, quando meu padrasto era vivo. E depois ela teve que lavar roupa pra fora pra ajudar, e era muito difícil, ela ficava meio perdida, não sabia administrar. Eu tive que tomar a frente e também não tinha experiência, mas alguém tinha que fazer. Eu era brava pra botar as coisas em ordem. Quando eles começaram a trabalhar, meus irmãos, todo mundo dava uma porcentagem pra casa, e eu pegava no pé mesmo.
P1 – E eles estudaram?
R - Estudaram, hoje tem gerente de banco, tem um que trabalha na Bolsa, em todo o canto tem um. Tinha a Marilda, ela faleceu recentemente, ela era artista plástica, fez muitas exposições, essa que levou o bilhete pra rádio. Eu realmente sou agradecida por ter nascido nessa família, pela minha história. Só hoje eu entendo a minha história, quando eu era criança eu sonhava muito que estava cavando um buraco e escondendo todos eles de uma guerra. Eu falei: “É a guerra que viria pela frente”. Hoje em dia estão todos bem, todo mundo estudou, já tenho vários, mais de treze, sobrinhos, já estão casando também, os sobrinhos, é uma família muito bonita.
P1 – E eles estão todos aqui?
R - Estão, tem uma que mora em Taubaté, mas o resto está tudo aqui. Agora, eu sou uma pessoa que, apesar de ler o evangelho espírita, eu sofro muito com a partida das pessoas. Eu não quero aceitar que as pessoas deixem esse mundo. Apesar de saber, de ler bastante, é muito dolorido. E eu acho que eu vou sofrer muito porque a família é grande.
P1 – Glórya, você quer contar alguma coisa que a gente não tenha perguntado?
R - Não, não lembro. Não faço mais projetos, depois que a minha irmã se foi, ela deixou o ateliê dela todo montado, eu não vou mais fazer projetos. Minha vida está nas mãos de Deus e o que ele mandar, pra mim, será bem-vindo, agradeço a Deus por tudo que ele me deu, por tudo que ele me possibilitou aprender. Minha mãe é a coisa mais linda que eu tenho na minha vida, meus irmãos também. A ligação com irmão é tão forte que eu não sei dizer o tamanho, é muito grande. A gente não é de se abraçar, de dar beijinho, mas a ligação é muito forte... Acho que você, que é irmão, vocês que têm irmãos, amem seu irmão de verdade, vocês saíram do mesmo lugarzinho, pelo menos materialmente foi. Não sei espiritualmente, só Deus sabe.
P1 – E o que você achou de ter dado esse depoimento aqui pro Museu da Pessoa?
R - Muito bom, muito legal. Parabéns pelo projeto e eu espero que vocês sempre cresçam, que esse projeto tenha a ajuda do governo, de patrocinadores, de empresas, porque a intenção é muito boa e pra que vocês sigam em frente crescendo cada vez mais.
P1 –Obrigada.
R - Obrigada.
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